Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3569/19.2T8CSC.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO URBANO
TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
ARRENDATÁRIO
CÔNJUGE
COMUNICABILIDADE
CADUCIDADE
REGIME DE BENS
Data do Acordão: 03/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

A comunicabilidade do arrendamento ao cônjuge que não teve intervenção no contrato de arrendamento, constitui aspeto introduzido no regime do arrendamento pelo artigo 1068 do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º6/2006 (NRAU).

À data do óbito do arrendatário o arrendamento não era comunicável ao seu cônjuge, como expressamente consagrado no artigo 83.º do RAU que dispunha "seja qual for o regime matrimonial, a posição do arrendatário não se comunica ao cônjuge e caduca por morte, sem prejuízo do disposto nos dois artigos seguintes."

Mesmo considerando-se imediatamente aplicável ao contrato o disposto no artigo 1068 do Código Civil, por via do artigo 59.º do NRAU e do artigo 12.º do Código Civil, sempre seria necessário que, no momento da entrada em vigor daquela norma, existisse um casamento atual do arrendatário, isto é, o cônjuge apenas poderia beneficiar da comunicabilidade do arrendamento caso se mantivesse a relação jurídica do casamento — o que não sucedeu, uma vez que o arrendatário que celebrou o contrato de arrendamento havia falecido em 1993.

Decisão Texto Integral:

Acórdão


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA e marido, BB, instauraram ação declarativa de condenação contra CC, pedindo a condenação da Ré a:

"a) Reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio urbano sito na Rua ..., Moradia o "...", ..., da freguesia de ..., Concelho de ....

b) Restituir aos AA. o prédio que ocupa juntamente com o seu filho, livre de pessoas e bens e nas exatas condições em que se encontrava, no prazo máximo de 90 dias após decisão transitada cm julgado.

c) Pagar aos AA. a quantia de € 200,00, a título de indemnização por cada mês de ocupação abusiva, contados desde a sua citação até entrega efetiva do prédio."

Para o efeito alegaram, em síntese, que:

- são proprietários do prédio sito na Rua ..., Moradia o "...", ..., da freguesia de ..., Concelho de ..., o qual foi dado de arrendamento por DD ao arrendatário EE, por contrato de arrendamento datado de 23 de novembro de 1963.

- aquando da morte do arrendatário, sucedeu-lhe no arrendamento a sua esposa, FF, a qual veio a falecer em ... de janeiro de 2019.

- após o falecimento desta, a Ré, sua filha, continuou a residir no imóvel, junto com o seu filho, apesar de ter sido notificada da caducidade do arrendamento por morte da sua mãe, pelo que estes encontram-se sem qualquer título que os legitime a permanecer no referido imóvel.

- nos termos do art.º 57.º do NRAU, aplicável ao caso dos autos, a transmissão do arrendamento para habitação por morte do arrendatário só se processa, em princípio, por uma vez e a favor do cônjuge do primitivo arrendatário, da pessoa que com o primitivo arrendatário vivesse em união de facto, do ascendente do primitivo arrendatário que com ele convivesse há mais de um ano, ou do filho ou enteado do primitivo arrendatário que se encontre as situações previstas na alíneas d) ou e) do no 1 do art.º 57.º .

- em todas as outras hipóteses, não subsumíveis na previsão desta norma, é o interesse do senhorio que prevalece, caducando o contrato de arrendamento.

- como tal a R. encontra-se abusivamente a permanecer no prédio da A. e apesar de advertida para sair, não acata tal pretensão, privando a A. do seu direito de posse sobre a sua propriedade.

2. Citada, a Réu veio contestar, deduzindo pedido reconvencional.

Pugnou pela transmissão do direito ao arrendamento, uma vez que: o contrato de arrendamento celebrado no dia 23/11/1963 foi assinado na qualidade de arrendatário por EE, no estado de casado com FF.

- O regime de casamento era o da comunhão geral de bens.

- O primitivo arrendatário veio a falecer no dia .../08/1993, tendo o contrato de arrendamento se transmitido para o seu cônjuge (mãe da aqui Ré), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 85.º, do RAU.

- Considerando o regime de casamento do primitivo arrendatário ser o da comunhão geral, há quem entenda que é o casal o primitivo arrendatário e não apenas aquele que figura no contrato de arrendamento como sendo a pessoa que o assina.

- O cônjuge sobrevivo para quem o contrato de arrendamento se transmitiu no dia ....08.1993 (data do seu falecimento) veio a falecer no dia ....01.2019, tendo-lhe sucedido a aqui Ré, que vivia no locado, desde pelo menos o ano de 1975.

- Independentemente dos regimes e das várias sucessões de leis no tempo que se operaram desde o início do contrato, a Ré, à data do falecimento da sua mãe (a quem o contrato se havia transmitido — ....01.2019), tinha mais de 65 anos de idade, portadora de deficiência com grau de incapacidade superior a 60%.

- O contrato de arrendamento não caducou, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 57.0, da Lei n.o 31 / 2012 de 14 de agosto, tendo-se-lhe transmitido.

- A Ré tinha mais de 65 anos à data do falecimento da mãe, tendo um RABBC inferior a 5 RMNA.

Formulou o seguinte pedido reconvencional: deve a reconvenção ser julgada procedente por provada e, em consequência, declarar-se que o contrato de arrendamento se transmitiu à reconvinte, sendo título bastante que legitima a mesma de lá continuar a residir, e serem os autores condenados a reconhecer essa transmissão e legitimidade.

3. Os AA. responderam às exceções e ao pedido reconvencional, pugnando pela sua improcedência.

Alegaram, em síntese, que:

- o casamento entre o primitivo EE e FF foi dissolvido por morte do primeiro, aplicando-se o regime vertido no art.º 1106.º do C. Civil, independentemente do regime de bens vigente na relação matrimonial e da titularidade da posição contratual.

- o arrendamento foi transmitido do primitivo arrendatário à mãe da R., não se operando uma segunda vez e como tal devendo esta exceção improceder.

Pugnaram, ainda, pela inadmissibilidade do pedido reconvencional.

4. Com dispensa de realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, admitido o pedido reconvencional, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

5. Após realização da audiência de julgamento foi proferida sentença, tendo o dispositivo o seguinte teor:

“- julgo improcedente a excepção peremptória impeditiva aduzida pela Ré CC;

- Julgo a reconvenção improcedente e, em consequência, absolvo os Reconvindos AA e BB do pedido reconvencional contra eles formulado pela Reconvinte CC.

- julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência: condeno a Ré CC a restituir aos Autores AA e BB, no prazo de 90 dias após o trânsito em julgado da presente sentença, a moradia "O ... ", sito na Rua ..., concelho de ..., descrita na 2. Conservatória do Registo Predial de ... sob o n. 0 ...12 e inscrita na respectiva matriz sob o artigo 2478, livre e devoluta de pessoas e bens e no estado em que se encontrava à data do seu arrendamento;

- condeno a Ré CC a pagar aos Autores AA e BB a quantia € 200,00 (duzentos euros) por cada mês decorrido desde a data da respectiva citação para os termos da causa e até à efectiva entrega do imóvel referido no precedente parágrafo;

- absolvo a Ré CC do demais peticionado.

- Custas pelos Autores e pela Ré, na proporção de 1/4 para os primeiros e de 3/4 para a segunda, sem prejuízo do apoio judiciário de que esta beneficia”.

6. Inconformada com esta decisão, a Ré interpôs recurso de apelação.

7. O Tribunal da Relação de Lisboa veio a proferir Acórdão, tendo o dispositivo o seguinte teor: ““Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.”

8. Novamente inconformada, a Ré veio interpor recurso de revista excecional, recurso de revista que foi admitido pela Formação de Juízes a que alude o n.º3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1ª. – O presente recurso é interposto nos termos das alíneas a) e b), do nº. 1, do artigo 672º., do CPC com cumprimento das alíneas a) e b), do nº. 2, do mesmo dispositivo legal, estando em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e esteja em causa interesses de particular relevância social.

2ª. – Quanto à alínea a), do nº. 1 do artigo 672º., do CPC, está-se perante uma questão de transmissibilidade de um contrato de arrendamento urbano assinado em 23.11.1963, encontrando-se em vigor naquele momento o Código de Seabra, em que nele figurou na posição de arrendatário EE casado com FF, tendo aquele arrendatário falecido no dia ....08.1993 e a sua esposa, mãe da recorrente faleceu no dia ....01.2019.

3ª. – De 1963 até ao presente momento, para além do Código de Seabra, entrou em vigor o Código Civil de 1966, o RAU em 1990 e o NRAU em 2006, com as sucessivas alterações deste último, com entradas em vigor no dia 12.11.2012; 18.01.2015 e 13.12.2019.

4ª. – Com as sucessivas leis que se foram aplicando aos contratos de arrendamento urbanos para habitação, até à alteração do artigo 1068º., do Código Civil, introduzida pela Lei 6/2006, de 27.02, não existia norma legal da qual resultasse a comunicabilidade do contrato de arrendamento, o que se traduz por dizer, antes da entrada em vigor desta lei, uma vez extinto o casamento por óbito de um dos cônjuges cessaram os efeitos patrimoniais do casamento, não podendo existir bens ou direitos que na pendência do casamento não se comunicaram para, em momento subsequente adquirirem a natureza de bem comum.

5ª. – O nº. 4 do artigo 57º., do NRAU, na sua primitiva redação consentia que depois da transmissão do primitivo arrendatário para o familiar preferente (cônjuge), por morte deste se transmitisse ainda para os filhos ou enteados do primitivo arrendatário do contrato de arrendamento.

6ª. – O nº. 4 do artigo 57º., do NRAU passou a ter outra redação a partir da alteração operada pela Lei nº. 31/2012 de 14.08, com entrada em vigor no dia 12.11.2012 e pela Lei nº. 79/2014, de 19.12, com entrada em vigor a partir de 18.01.2015, não permitindo, pois, a transmissão do cônjuge preferente para filho ou enteado do primitivo arrendatário, tendo o primitivo arrendatário falecido no dia ....08.1993, aplica-se a lei que ao momento do seu óbito se encontrava em vigor, nomeadamente o RAU, no âmbito do qual o artigo 83º., faz referência à incomunicabilidade do arrendamento, sendo no entanto possível a sua transmissão por morte nos termos do artigo 85º., do mesmo diploma legal.

7ª. – Entendem as duas decisões já proferidas que, por aplicação do RAU no momento do decesso do primitivo arrendatário, o contrato de arrendamento transmitiu-se ao seu cônjuge, a mãe da aqui recorrente, e que, face à nova redação do Artigo 57º., do NRAU, não é permitida uma segunda transmissão.

8ª. – A recorrente tem outra interpretação do significado da expressão “primitivo arrendatário”, não só por o contrato de arrendamento ter sido assinado no ano de 1963, quando se encontrava em vigor o Código de Seabra, como também aquele preceito previsto no RAU dever ser aplicado apenas quando o primitivo arrendatário, quer tivesse assinado o contrato no estado de solteiro, viúvo ou divorciado, tenha contraído matrimónio depois da assinatura do contrato de arrendamento urbano.

9ª. – Resultou provado que o assinante do contrato de arrendamento EE já havia contraído matrimónio com FF no dia 25.09.1957, era o mesmo casado naquele momento, pelo que, a expressão “primitivo arrendatário” no caso dos presentes autos, deve dela constar marido e mulher.

10ª. – A presente interpretação tem como origem na instituição familiar, como pedra basilar da organização da sociedade portuguesa, inclusivamente, com a evolução no entretanto que se tem vindo a dar, tornar homens e mulheres iguais no exercício dos seus direitos civis.

11ª. – Entende a recorrente que esta interpretação não é aquela que vem sendo adoptada pela Jurisprudência e Doutrina, mas, a letra da lei não vai em sentido contrário nem tão pouco o seu espírito de algum modo a contraria.

12ª. – Quando se diz nos termos da alínea a), do nº. 1, do artigo 672º., do CPC que esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, entende a recorrente que a questão central dos presentes autos reside na forma de interpretação da expressão “primitivo arrendatário”, com todas as implicações que daí advêm, tratando-se, pois, de matéria relevante, necessária para uma melhor aplicação do direito, face aos casos ainda existentes, com referência a contratos de arrendamento celebrados antes da entrada em vigor do RAU e do NRAU.

13ª. – Quanto à alínea b), do nº. 1, do mesmo dispositivo legal, em que estão em causa interesses de particular relevância social, resultou provado que a recorrente nasceu no dia ....06.1938, contando hoje com 85 anos de idade; vive naquela moradia desde o ano de 1975, tendo, pois, nessa altura 37 anos de idade; e à data do óbito de sua mãe, contava com 80 anos de idade.

14ª. – A recorrente vive naquela moradia há cerca de 48 anos, tendo à data de óbito de sua mãe, 65% de incapacidade.

15ª. – Com esta configuração factual, a que se pode acrescentar o elevado valor das rendas o mercado de arrendamento da zona de ... e também os seus parcos rendimentos, não tem a recorrente local para habitar sem ser aquela moradia, nem tão pouco dispõe de rendimentos para se mudar para outra e / ou ser institucionalizada em lar de terceira idade que lhe possa ministrar os cuidados diários a uma pessoa da sua idade, ainda para mais, com uma incapacidade de 65% com origem em distúrbios da natureza neurológica e psiquiátrica.

16ª. – Naquela moradia, a recorrente encontra-se completamente enquadrada, dispondo de pessoas de família e uma empregada que lhe prestam todo o apoio, estando em causa, pois, interesse de particular relevância social.

17ª. – A manter-se as decisões plasmadas em 1ª. Instância e em 2ª. Instância, recai sobre a recorrente um “ónus” e uma violência que não é própria do ser humano.”

9. Não foram apresentadas contra-alegações.

10. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela R. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber como se deve interpretar o nº. 4 do artigo 57º., do NRAU, na sua primitiva redação: consentia esta norma que depois da transmissão do primitivo arrendatário para o familiar preferente (cônjuge), por morte deste se transmitisse ainda para os filhos ou enteados do primitivo arrendatário do contrato de arrendamento?

III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. A Ré nasceu em ...de Junho de 1938 e é, ademais, filha de FF.

1.2. FF casou com EE em 25 de Setembro de 1957.

1.3. Em escrito datado de 23 de Novembro de 1963, DD, aí identificado como proprietário e EE, aí identificado como senhorio, declararam que «(... ) ajustaram entre si o arrendamento do moradia O ..., sita na Travessa ..., freguesia de ... de ... e que o primeiro é senhor e possuidor, nos termos e condições seguintes:

1. a - Este arrendamento é pelo prazo de seis meses que começa no dia 1 de Dezembro de 1963, e termina no último dia do mês de 1964, supondo-se sucessivamente renovado por iguais períodos e nas mesmas condições (...)

2ª A renda será da quantia mensal de Oitocentos e cinquenta escudos em dinheiro, moeda corrente, paga adiantadamente cm casa do senhorio ou no local que este indicar, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que a renda disser.

3ª A casa arrendada é para HABITAÇÃO exclusiva do inquilino (. . .)».

1.4. EE faleceu a ... de Agosto de 1993.

1.5. Após o facto referido no ponto n.º 4, FF continuou a morar na moradia referida no escrito parcialmente reproduzido no ponto n.º 3 mediante o pagamento de uma retribuição.

1.6. A Ré usa a moradia referida no escrito parcialmente reproduzido no ponto n.º 3 desde 1975.

1.7. FF faleceu em ... de Janeiro de 2019.

1.8. Em virtude de padecer de problemas do foro psíquico, a Ré, em ...de Janeiro de 2019, apresentava um grau de incapacidade de 65%.

1.9. Pela ap. N.º ...04 da ficha n. 0 ...12da 2.a Conservatória do Registo Predial de ..., a moradia referida no escrito parcialmente reproduzido no ponto n.º 3, inscrita na matriz sob o artigo 2478, está registada a favor dos Autores por doação."

2. A única questão a decidir consiste em determinar se se verifica a transmissão do direito ao arrendamento (ou se ocorreu a caducidade do contrato de arrendamento) dos autos em favor da Ré.

Na decisão recorrida considerou-se que caducou o contrato de arrendamento, uma vez que não se transmitiu para a Ré, por óbito da sua mãe, por esta ter sido transmissária do arrendamento por morte do seu cônjuge, padrasto da Ré.

A Ré pugna pela transmissão do direito ao arrendamento por óbito de FF, sua mãe, em virtude de o contrato de arrendamento celebrado pelo seu padrasto, EE, se ter comunicado ao cônjuge, FF, sendo ambos arrendatários, pelo que a única transmissão se deu com a morte da sua mãe.

Para responder a esta questão o Tribunal recorrido ponderou e concluiu:

- O contrato de arrendamento foi celebrado em 23/11/1963, com início em 01/12/1963, isto é, em data anterior ao primitivo RAU (aprovado pelo D.L. 321-B/90, de 15 de outubro).

- Entretanto, a Lei 6/2006, de 27 de fevereiro aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) e revogou o regime anterior (cfr. arto 60.º, no 1). O art.o 59.º do NRAU estatui que este diploma se aplica aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo das normas transitórias previstas nos artos. 26.º a 58.º .

- A transmissão por morte da posição jurídica no arrendamento é regulada pela lei vigente à data do decesso.

- O óbito do arrendatário EE, ocorreu em .../08/1993, na vigência do RAU, versão originária, dispondo o art.o 85.º, sob a epígrafe "transmissão por morte" o seguinte:

“1 - O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver:

a) Cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto;

b) Descendente com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano;

c) Ascendente que com ele convivesse há mais de um ano;

d) Afim na linha recta, nas condições referidas nas alíneas b) e c);

e) Pessoa que com ele viva há mais de cinco anos em condições análogas às dos cônjuges, quando o arrendatário não seja casado ou esteja separado judicialmente de pessoas e bens.

2 - Nos casos do número anterior, a posição do arrendatário transmite-se, pela ordem das respectivas alíneas, às pessoas nele referidas, preferindo, em igualdade de condições, sucessivamente, o parente ou afim mais próximo e mais idoso.

3 - A transmissão a favor dos parentes ou afins também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos deste artigo, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.”

- Nos termos do disposto no art.o 85.º, no 1, al. a), por morte do primitivo arrendatário o arrendamento transmitiu-se para o seu cônjuge, FF.

- A comunicabilidade do arrendamento ao cônjuge, que não teve intervenção no contrato de arrendamento, constitui aspeto introduzido no regime do arrendamento pelo art.º 1068.º do CC, na redação introduzida pela Lei 6/2006 (NRAU).

- À data do óbito de EE o arrendamento não era comunicável ao seu cônjuge, como expressamente consagrado no art.º 83.º do RAU que dispunha "seja qual for o regime matrimonial, a posição do arrendatário não se comunica ao cônjuge e caduca por morte, sem prejuízo do disposto nos dois artigos seguintes."

- Idêntica norma estava em vigor aquando da celebração do contrato (e à data do casamento entre EE e FF, em momento anterior àquele): o art.º 44.º da Lei no 2.030, de 22 de junho de 1948, que dispunha o seguinte: "o direito ao arrendamento, seja qual for o regime matrimonial, não se comunica ao cônjuge do arrendatário e caduca por sua morte, salvo nos casos indicados nesta lei e no art.º 58.º do decreto n o 5.411, de 17 de abril de 1919".

- Assente que com a morte do primitivo arrendatário EE o arrendamento se transmitiu para o seu cônjuge, importa apurar se a R. pode beneficiar de segunda transmissão, em resultado do óbito de sua mãe, por ter então mais de 65 anos e incapacidade de 65%, residindo no locado pelo menos desde 1975.

- …o duplo grau de transmissibilidade do arrendamento, em benefício dos filhos (ou enteados) inicialmente previsto no arto 1111.º do CC, na sua versão originária, manteve-se na versão original do RAU (artigo 85.º) e na versão original do NRAU (arto 57.º).

- A supressão do duplo grau de transmissão em relação a descendentes ocorreu com a alteração introduzida pela Lei 31/2012, de 14/08.

- Tal óbito ocorreu na vigência do NRAU, sendo, pois, aplicável o regime transitório no mesmo previsto, mormente o disposto no artigo 57.º (arto s 27.º, 26.º, no 2, ex vi do arto 28.º), na redação introduzida pela Lei 79/2014, de 19/02.

- À data do óbito da mãe da R. — .../01/2019 — estava em vigor a versão introduzida pela Lei 79/2014, de 19/02, que não contemplava a dupla transmissão.

Com o óbito de FF caducou o contrato de arrendamento (artos. 1079 e 1051.º, al. d) do CC), determinante da improcedência do pedido reconvencional.

A Recorrente entende que a decisão viola a lei e que a sua mãe não foi transmissária do arrendamento porque o contrato foi celebrado quando a mesma já era casada em regime de comunhão geral de bens, só ocorrendo uma transmissão – da mãe para a atual Ré, com o óbito daquela.

A situação que se suscita no presente recurso tem paralelo com a situação objeto de análise deste Tribunal no processo 4685/14.2..., o que sucedeu por via da prolação do aresto de 01/03/2018.

Nessa decisão a questão da transmissão – única, dupla, e sua conjugação com o regime de bens do casamento anterior ao contrato, celebrado antes do Rau e NRAU foi assim analisada:

“A Lei nº 6/2006, de 27/2, com as alterações introduzidas pela Lei nº 31/2012, de 14/8, aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) e introduziu normas aplicáveis a arrendamentos anteriores.

No seu art. 59º, definindo o regime de aplicação deste diploma no tempo, consignou-se a aplicação do NRAU – Título I do diploma, com a epígrafe “Novo Regime do Arrendamento Urbano” – aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor e às relações contratuais constituídas que subsistissem nessa data, sem prejuízo do estabelecido nas normas transitórias.

As normas transitórias, por sua vez, constam do seu Título II, estando divididas em dois capítulos – o Capítulo I, destinado aos “Contratos habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano e contratos não habitacionais celebrados depois do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de Setembro”, e o Capítulo II, destinado aos “Contratos habitacionais celebrados antes da vigência do Regime do Arrendamento Urbano e contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de Setembro”.

O contrato de arrendamento em discussão foi celebrado nos anos 60, como consta do facto provado, descrito sob o nº 5, estando, por isso, sujeito às normas transitórias que integram o regime estabelecido no Capítulo II do Título II – arts. 27º e segs. – e, também, ao NRAU na parte não abrangida por aquelas.

No campo das ditas normas transitórias, importa considerar as constantes da Secção I – “Disposições gerais”, arts. 27º a 29º –, as da Secção II – “Arrendamento para habitação”, arts. 30º a 49º – e as da Secção IV, comum a arrendamentos habitacionais e não habitacionais – “Transmissão”, arts. 57º e 58º.

Nenhuma, de entre este conjunto de normas, rege especificamente a questão da comunicabilidade do direito ao arrendamento ou exclui a aplicação do art. 1068º do CC.

Por isso, impõe-se, em princípio, concluir pela aplicabilidade desta norma aos contratos coevos do aqui contemplado e ponderar a sua aplicação ao caso dos autos, questão que, embora sem ter sido suscitada pelas partes, foi resolvida pela afirmativa no acórdão sob recurso, em termos e com efeitos determinantes para a solução adotada que inverteu o sentido do julgamento da acção feito pela 1ª instância.

A tradição jurídica quanto a esta matéria é, no Direito português, contrária ao regime actualmente consagrado neste art. 1068º[2].

Na verdade, no art. 44º da Lei nº 2030, de 22.06.48, estabeleceu-se que, fora de hipóteses excecionais, e qualquer que fosse o regime matrimonial de bens, o direito ao arrendamento não se comunicava ao cônjuge do arrendatário e caducava por morte deste.

Os trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966 continuaram nesta linha, culminando, à data da publicação deste código, no texto consagrado no nº 1 do art. 1110º, assim redigido: “Seja qual for o regime matrimonial, a posição do arrendatário não se comunica ao cônjuge e caduca por sua morte, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”[3]

Este nº 1 do art. 1110º vigorou, sem alterações, até à publicação do RAU – aprovado pelo DL nº 321-B/90, de 15.10 –, que manteve no art. 83º a regra da incomunicabilidade e regulou nos arts. 84º e 85º a transmissão do arrendamento em caso de divórcio e por morte, respetivamente. Esta opção assentava no vínculo pessoal de confiança que marcaria profundamente a relação locatícia, como se salientava no Parecer da Câmara Corporativa emitido por ocasião dos trabalhos preparatórios daquela Lei.

Mas, na doutrina, não era unânime o apoio a este regime, considerado por Pires de Lima e Antunes Varela como “(…) bastante discutível, atenta a profunda identidade de interesses existente entre os cônjuges nos regimes de comunhão e, especialmente, numa variante do arrendamento como o destinado à habitação”[4].

Na mesma linha, afirmava Pereira Coelho[5]: “Desde logo, não se vê que o facto de um dos cônjuges (e quase sempre será o marido) ter outorgado no contrato como arrendatário deva ser determinante no sentido de o direito ao arrendamento ficar a pertencer exclusivamente a esse cônjuge. Sendo adquirido a título oneroso na constância do matrimónio, o direito ao arrendamento deveria ser comum, de acordo com as regras gerais, pelo menos quando o regime de bens do casamento fosse de comunhão (…)”.

A reviravolta desta orientação legislativa ocorreu em 2006, com a publicação da Lei nº 6/2006, que aditou ao Código Civil[6] o art.º 1068º[7], instituindo a regra da comunicabilidade para todos os arrendamentos de prédios urbanos, dada a sua inserção nas disposições gerais e comuns [8], e que ainda assim se mantém, já que não foi alterado pela reforma operada pela Lei nº 31/2012, de 14.08.

Já acima fizemos menção ao art. 59º do NRAU que estatui a aplicação deste Regime, não só aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, mas também às relações contratuais já constituídas que nesse momento subsistissem.

Deste comando resulta, pois, a nosso ver – e como acima adiantámos já -, a aplicação do art. 1068º a contratos anteriores, e não apenas aos constituídos após a sua entrada em vigor [9],[10].

Todavia, para tal será, nomeadamente, necessário que exista um casamento atual do arrendatário, pois se não concebe que, de outra maneira, este possa comunicar ao cônjuge o seu direito ao arrendamento.

Note-se que não se trata de uma aplicação retroativa, antes sendo uma aplicação imediata da lei nos termos previstos no art. 12º, nº 1 e 2, 2ª parte do CC, pressupondo a vigência da relação jurídica em causa.

Aliás, como bem salienta Rita Lobo Xavier[11] “A aplicação da lei nova aos contratos de arrendamento já em curso está em conformidade com o princípio formulado no art. 12º, nº 2. Na verdade, as disposições do NRAU constituem manifestamente normas que versam o conteúdo das relações jurídicas, abstraindo do facto que lhe deu origem e, por isso, na falta de disposição em contrário, sempre se aplicariam aos contratos de arrendamento já existentes.”

Ou no dizer claro de Maria Olinda Garcia[12] “(…) a aplicação do art. 1068º não introduz efeitos retroativos na relação de arrendamento, pois todos os efeitos inerentes à qualidade de arrendatário singular produzidos antes da entrada em vigor desta norma não são alteráveis.”

Em face disto, importa relembrar que o primitivo arrendatário EE faleceu em 17.12.80, estando já decorridos mais de vinte anos sobre esse decesso, quando, por via da nova redação do art. 1068º, se instituiu a inovadora regra da comunicabilidade do arrendamento.

Vigorando, à data da morte do primitivo arrendatário, os arts. 1110º, nº 1 e 1111º, nºs 1 e 2, al. a) do CC[13], o direito ao arrendamento era um bem próprio seu - pois que se não havia comunicado ao seu cônjuge - e transmitiu-se nessa data para FF, seu cônjuge; esta passou, por via da transmissão operada, a ser arrendatária – mas não primitiva arrendatária.

Daí que, salvo o devido respeito, com a entrada em vigor do NRAU e do referido art. 1068º, não possa ter ocorrido a comunicação do direito ao arrendamento, por duas razões diferentes, qualquer delas bastante para sustentar esta afirmação.

Por um lado, FF era já, enquanto transmissária, titular desse direito, não podendo comunicar-se-lhe o que já detinha.

Por outro lado, só aquilo que existe é passível de ser comunicado ou partilhado.

Ou seja, para que, com a entrada em vigor desta alteração legislativa, o direito ao arrendamento pudesse, por aplicação do art. 1068º, ter-se comunicado ao cônjuge de EE, necessário seria que, então, o casamento entre ambos se mantivesse e o direito ao arrendamento persistisse na esfera jurídica daquele.

Era circunstancialismo indispensável para que pudesse ter ocorrido a comunicação em causa, que implica, como bem explicita Rute Pedro[14], “a conversão de um contrato de arrendamento que, quanto ao arrendatário, era singular num contrato de arrendamento plural. A posição jurídica de arrendatário passa a ser titulada por duas pessoas e não apenas por uma, obedecendo às regras da comunhão matrimonial”.

Nada disto ocorreu.

Aquando da entrada em vigor do preceito, o casamento mostrava-se há longos anos dissolvido pela morte de EE, ocorrida em 17.12.80, óbito que igualmente fizera cessar a titularidade do seu direito ao arrendamento, enquanto bem próprio.

Impossível se tornou, com essa morte, a verificação da cotitularidade por dois sujeitos (os cônjuges) do mesmo direito ao arrendamento que a comunicação em causa determinaria.

Dito de outro modo, tendo cessado em 17.12.80 a titularidade do direito ao arrendamento por parte de EE, tal direito – a partir daí inexistente -, não pode, salvo melhor opinião, vir a comunicar-se, mais de vinte anos depois, à sua viúva; pela natureza das coisas, tal comunicação pressuporia a existência de dois sujeitos: de um lado, o comunicante, titular inicial do direito, de outro, o beneficiário dela que passaria a ser, com o primeiro, cotitular do direito comunicado.

Só uma aplicação retroativa da lei poderia, eventualmente, produzir tal efeito jurídico que se não mostra possível por a irretroatividade ser o princípio básico nesta matéria – cfr. art. 12º, nº 1 do CC – e o legislador não ter estatuído a aplicação retroativa da Lei nº 6/2006.

E, ainda que esta aplicação retroativa tivesse sido determinada, aquele efeito jurídico – a comunicação ao cônjuge – seria, no caso, impedido pela presunção de ressalva dos efeitos já produzidos constante da segunda parte do citado nº 1 do art. 12º; isto é, sendo já FF, enquanto transmissária, a única titular do arrendamento, não poderia ficar sem efeito esta transmissão para se fazer operar a favor dela, em seu lugar, a comunicação de direito, até então próprio, do falecido cônjuge.

Sempre haveria que assegurar a inalterabilidade dos “efeitos inerentes à qualidade de arrendatário singular produzidos antes da entrada em vigor desta norma (art. 1068º)” de que fala Maria Olinda Garcia.[15]

Concluímos, pois, pela não aplicação do art. 1068º ao contrato dos autos, pois que, à data da entrada em vigor desta norma, o casamento do primitivo arrendatário já se havia dissolvido por morte deste, não se tendo, pois, verificado a comunicação do arrendamento a favor da FF que o acórdão recorrido afirmou.

Diversamente, e como ficou assinalado, esta, há muito se constituíra já arrendatária com a morte de seu marido, primitivo arrendatário.

Da transmissão do arrendamento por morte de FF :

Aqui chegados, importa concluir pela inexistência de transmissão do arrendamento para DD, filho de EE e FF, visto o que dispõe o art. 57º do NRAU, vigente à data da morte desta última.

Não interessa, por se tratar de questão cuja apreciação ficou prejudicada pela conclusão a que chegámos, saber se, como sustentam as apelantes, não se verificam os demais requisitos para a transmissão a favor do mesmo DD, nomeadamente por não se ter provado que, à data da morte de sua mãe, sofresse de incapacidade superior a 60%.

O contrato de arrendamento caducou por morte de FF – art. 1051º, alínea d) do Código Civil.”

Tendo em consideração o entendimento constante no aresto que indicámos – e com o qual se concorda - à situação dos presentes autos podemos dizer:

- O contrato de arrendamento em discussão foi celebrado nos anos 60 – em 23 de novembro de 1963, como consta do facto provado, descrito sob o nº 3, estando, por isso, sujeito às normas transitórias que integram o regime estabelecido no Capítulo II do Título II – arts.º 27º e segs. – e, também, ao NRAU na parte não abrangida por aquelas.

- No artigo 44.º da Lei n.º 2030, de 22/06/48, estabeleceu-se que, fora de hipóteses excecionais, e qualquer que fosse o regime matrimonial de bens, o direito ao arrendamento não se comunicava ao cônjuge do arrendatário e caducava por morte deste – era este o regime que vigorava na data da celebração do contrato.

- Os trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966 continuaram nesta linha, culminando, à data da publicação deste código, no texto consagrado no n.º 1 do artigo 1110.º, assim redigido: “Seja qual for o regime matrimonial, a posição do arrendatário não se comunica ao cônjuge e caduca por sua morte, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”

- Este n.º 1 do artigo 1110.º vigorou, sem alterações, até à publicação do RAU, que manteve no artigo 83.º a regra da incomunicabilidade e regulou nos artigos 84.º e 85.º a transmissão do arrendamento em caso de divórcio e por morte, respetivamente.

- A reviravolta desta orientação legislativa ocorreu em 2006, com a publicação da Lei n.º 6/2006 (NRAU), que aditou ao Código Civil o artigo 1068.º, instituindo a regra da comunicabilidade para todos os arrendamentos de prédios urbanos, dada a sua inserção nas disposições gerais e comuns, e que ainda assim se mantém, já que não foi alterado pela reforma operada pela Lei nº 31/2012, de 14/08.

- O artigo 59.º do NRAU estatui a aplicação deste Regime, não só aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, mas também às relações contratuais já constituídas que nesse momento subsistissem.

- Deste comando resulta, pois, como foi defendido já no aresto que vimos seguindo a aplicação do artigo 1068.º a contratos anteriores, e não apenas aos constituídos após a sua entrada em vigor.

- EE faleceu a... de agosto de 1993.

- Nessa altura o NRAU não tinha ainda sido aprovado. Por isso o regime do artigo 1068.º não podia ser aplicável porque já não havia casamento.

- O que significa que a esposa do primitivo arrendatário veio a ser considerada arrendatária não por via da comunicabilidade do arrendamento, mas por via da aplicação dos artigos 1110.º, n.º 1 e 1111.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do Código Civil.

- Vigorando, à data da morte do primitivo arrendatário, os artigos 1110.º, n.º 1 e 1111.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do Código Civil, o direito ao arrendamento era um bem próprio seu - pois que se não havia comunicado ao seu cônjuge - e transmitiu-se nessa data para esposa do arrendatário primitivo, seu cônjuge; esta passou, por via da transmissão operada, a ser arrendatária – mas não primitiva arrendatária.

- Daí que com a entrada em vigor do NRAU e do referido artigo 1068.º, não possa ter ocorrido a comunicação do direito ao arrendamento, por duas razões diferentes, qualquer delas bastante para sustentar esta afirmação.

- Por um lado, a esposa do arrendatário era já, enquanto transmissária, titular desse direito, não podendo comunicar-se-lhe o que já detinha.

- Por outro lado, só aquilo que existe é passível de ser comunicado ou partilhado.

- Ou seja, para que, com a entrada em vigor desta alteração legislativa, o direito ao arrendamento pudesse, por aplicação do artigo 1068.º, ter-se comunicado ao cônjuge de primitivo arrendatário, necessário seria que, então, o casamento entre ambos se mantivesse e o direito ao arrendamento persistisse na esfera jurídica daquele.

- Sendo a esposa do primitivo arrendatário transmissária do contrato, não poderia aceitar-se uma segunda transmissão do arrendamento para a sua filha, a aqui Recorrente, por já não estarmos perante uma arrendatária originária e a nova versão da lei não contempla duas transmissões.

Deste modo, o recurso tem de improceder.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 12 de março de 2024

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Jorge Leal

Manuel Aguiar Pereira