Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3857/07.0TVPRT–A.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
PERSONALIDADE COLECTIVA DE DIREITO PUBLICO
COMPETÊNCIA JURISDICIONAL EM RAZÃO DA MATÉRIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I- A Metro do ......, S.A. é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos que se rege pela lei comercial e seus estatutos e portanto uma sociedade de direito privado, concretamente, adoptando a forma de uma sociedade comercial.
Com efeito, o nº 3 do artº 2º do Dec.-Lei nº 394-A/98 de 15 de Dezembro, que aprovou as bases da concessão da exploração, em regime de serviço público e de exclusivo, de um sistema de metro ligeiro na área metropolitana do ......, dispõe taxativamente que « A Metro do ......, S.A., é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, que se rege pela lei comercial e pelos seus estatutos , salvo no que o presente diploma ou disposições legais especiais disponham diferentemente» ( sublinhado nosso).
II- A circunstância desta sociedade anónima ser de capitais exclusivamente públicos não lhe retira a qualidade de sociedade comercial e, portanto, de uma pessoa colectiva de direito privado, como todas as sociedades comerciais.
III- Por outro lado, certo é que as sociedades comerciais podem constituir Empresa Púbicas, desde que obedeçam aos requisitos previstos no artº 3º do Dec-Lei nº 558/99 de 17 de Dezembro, isto é, desde que sendo sociedades constituídas nos termos da lei comercial, possam o Estado ou outras entidades públicas estaduais, exercer nelas, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude de alguma das circunstâncias referidas nas duas alíneas daquele preceito legal.
Porém o conceito de pessoa colectiva pública ou de pessoa colectiva de direito público não se confunde com o de empresa pública.
IV- A sociedade anónima, sendo uma típica sociedade comercial (criada e regida pela lei comercial) é uma pessoa colectiva de direito privado, não colhendo também o argumento de que por ser uma sociedade de capitais exclusivamente públicos, tal a converteria em ente colectivo dotado de personalidade jurídica de direito público.
V- Neste sentido, escreveu o Prof. Carvalho Fernandes: «Tendo em conta os aspectos determinantes do seu regime jurídico, entendemos dever situar, em geral, as empresas de capital exclusiva ou maioritariamente públicos, no elenco das pessoas colectivas privadas».
VI- Para este civilista de Lisboa, há no entanto situações em que as denominadas empresas públicas de regime especial podem ser consideradas como pessoas colectivas públicas.
VII- No que à competência jurisdicional «ratione materiae» tange, convirá ter presente Acórdão deste Supremo Tribunal de 14-04-2008 (Pº 08B845, Relator, o Exmº Conselheiro Salvador da Costa, disponível em www.dgsi.pt ), que sentenciou no sentido de que «à concessionária do sistema do metropolitano do ......, pessoa jurídica de direito privado na forma de sociedade anónima de capital público, não é aplicável o regime substantivo da responsabilidade civil extracontratual concernente aos entes públicos, dada a falta de disposição legal nesse sentido e que não compete, por isso, aos tribunais da ordem administrava - mas sim aos tribunais da ordem judicial - o conhecimento do pedido de indemnização formulado contra a referida sociedade por danos causados ao seu autor pelo agrupamento complementar de empresas no exercício da sua actividade de construção no âmbito da mencionada concessão».
VIII- O artº 1º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, veio dispor no seu nº 5, que as disposições da referida lei, são aplicáveis também à responsabilidade civil das pessoas colectivas de direito privado (...) por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.
Porém, como doutamente alega a Recorrida, este diploma legal só entrou em vigor em 30 de Janeiro de 2008, já que o artº 6º do mesmo estatuiu que tal lei entrava em vigor 30 dias após a sua publicação que ocorreu em 31 de Dezembro.
IX- Assim sendo, tendo em atenção que o presente processo é de 2007, tal lei não lhe é aplicável, não só pelo disposto no artº 12º do C.Civil, como também pelo disposto no artº 22º, nº 2 da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), aplicável in casu e segundo o qual, em matéria da lei reguladora de competência e tendo em conta que a competência se fixa no momento da propositura da acção «são irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa».
De resto, já no domínio do Decreto-Lei nº 260/76 de 2 de Abril que foi o diploma legal antecessor do Dec-Lei nº 558/99 de 17 de Dezembro, que actualmente disciplina o regime jurídico das empresas públicas, o seu artº 46º, nº 1 estatuía que «salvo o disposto nos números seguintes, compete aos tribunais judiciais o julgamento de todos os litígios em que seja parte uma empresa pública, incluindo as acções para efectivação da responsabilidade civil por actos dos seus órgãos, bem como a apreciação da responsabilidade civil dos titulares desses órgãos para com a respectiva empresa», o que só demonstra que tal regime de competência jurisdicional tem tradição no nosso ordenamento jurídico.
Decisão Texto Integral:
Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


RELATÓRIO

Nos autos de Agravo nº 3857/07.0 TVPRT, em que era Agravante, a sociedade comercial AA LDA e Agravados METRO DO ......, S.A. e Outros, todos com os sinais dos autos, proferido que foi o Acórdão na Relação, não se conformou com o mesmo a aí agravada Metro do ......, SA, que interpôs o presente recurso de Agravo para este STJ, que, contudo, foi admitido como de Revista, certamente por mero lapso, e assim tramitado, tendo o Relator do presente Acórdão, após constatar tal lapso e depois de ouvir as partes, nos termos do artº 702º do Código de Processo Civil, determinado que os autos seguissem como de Agravo como é, efectivamente, a forma processual adequada.
O Acórdão ora recorrido foi proferido em sede de um recurso de Agravo interposto, como ficou dito, pela AA, Lda, da decisão da 1ª Instância que declarando a incompetência em razão da matéria das Varas Cíveis do Porto para conhecer do pedido formulado por aquela sociedade comercial contra a Metro do ......, S.A. e Outros Réus, em acção emergente de responsabilidade civil extracontratual, absolveu os RR da instância.
A Relação, considerando que não há qualquer razão jurídica para sustentar a absolvição da instância de todos os Réus contra os quais foi instaurada a acção, com excepção da Câmara Municipal do Porto, entendeu que as Varas Cíveis do Porto são competentes, em razão da matéria, para conhecer da relação material cuja apreciação lhes foi submetida e que é uma relação de direito privado, perante sujeitos que são pessoas jurídicas de direito privado relativamente às quais a lei não estabeleceu que os conflitos em que sejam partes, haverão que ser regidos pelo direito público, nomeadamente administrativo.
Nessa conformidade, declarou que as Varas Cíveis do Porto são competentes ratione materiae para a acção intentada pela Autora (a falada sociedade), contra todos os RR, com excepção da Câmara Municipal do Porto, pelo que confirmou a sentença recorrida, apenas quanto à Câmara Municipal do Porto, revogando-a quanto ao mais e julgando o Tribunal «a quo» materialmente competente para a referida acção.

Inconformada com tal decisão, apenas a Ré ....... do Porto, S.A., veio recorrer para este Supremo Tribunal, rematando a sua minuta recursória com as seguintes:

CONCLUSÕES

I. O presente recurso vem interposto do douto acórdão de fls. dos autos, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, o qual concede provimento parcial ao recurso de agravo interposto pela Autora AA Lda. do despacho saneador de fls. e revoga a decisão então em crise, declarando o Tribunal recorrido competente, em razão da matéria, para conhecer da acção quanto à ora Recorrente Metro do ......,

II. A ora Recorrente discorda do teor do acórdão do Tribunal da Relação do ......, na parte em que, concedendo provimento ao recurso de agravo interposto pela Autora, declara o Tribunal recorrido competente, em razão da matéria, para conhecer da acção quanto a si.

III. O douto tribunal a quo, ao proferir o acórdão em crise, não atentou na natureza jurídica da Recorrente nem na natureza da relação jurídica controvertida.

IV. A Recorrente é uma sociedade anónima constituída por capitais exclusivamente públicos à qual foi concedida, em regime de serviço público e de exclusividade, a execução da concessão de exploração do sistema de Metro Ligeiro da Área Metropolitana do .......,

V. São pessoas colectivas de direito público, para além do Estado, aquelas que, sendo criadas por acto do poder público, existem para a prossecução necessária de interesses públicos e exercem poderes de autoridade.

VI. A Metro do ........, S.A., para efeitos de determinação da jurisdição aplicável, é uma pessoa colectiva de direito público, caindo, por isso, na previsão da norma contida na alínea g) do n° l do artigo 4° do ETAF.

VII. A competência para apreciar a questão dos autos cabe aos tribunais da jurisdição administrativa, porquanto a apreciação da conduta da Recorrente está submetida, por disposição legal, ao regime da responsabilidade extracontratual do Estado e demais entidades de direito público.

VIII. O n.° 5 do artigo 1° da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro estende o seu âmbito de aplicação às pessoas colectivas de direito privado.

IX. Nos termos da leitura conjugada do n.° 5 do artigo 1° da Lei n.° 67/2007 e da alínea i) do nº do artigo 4° do E.T.A.F., as questões que se prendam com a responsabilidade civil extracontratual! dos sujeitos privados passam a estar sujeitas à apreciação da jurisdição administrativa.

X. A Recorrente está sujeita ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades tenham sido adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou quando sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo,

XI,. Peio que, a competência material para julgar a questão sub judice é da Jurisdição Administrativa.

XII. A conduta da Recorrente, in casu, não pode ser desassociada da figura da própria Recorrente, em si mesma.

XIII, A Recorrente só existe devido ao acto legislativo que a criou e só actuou na situação concreta em apreço porquanto existiram actos administrativos prévios que a legitimaram para o efeito,

XIV, A manifestação de ius imperii resulta dos procedimentos concursais de cariz público, encetados pela Recorrente, para a contratação das sociedades comerciais de cariz privado para a realização das obras em apreço, bem como nos fins de interesse público às mesmas subjacentes.

XV, A execução de tais obras ocorreu no seguimento da concessão, à Recorrente, da exploração do serviço público do sistema de metro ligeiro da área metropolitana do ......, pelo que não é, nem pode ser, alheia ao acto legislativo referido.

XVI. A competência material para julgar a questão sub judice é dos Tribunais Administrativos, razão pela qual a Recorrente entende que deverá ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, no acórdão de fIs., e mantida a decisão constante do despacho saneador de fls.,, proferida pelo tribunal recorrido, em primeira instância, a qual absolveu a Metro do ......, S.A. da instância.

Foram apresentadas contra-alegações, pugnando a parte contrária pela manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 684º, nº 3 do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal.


FUNDAMENTOS

Como deflui do quanto fica exposto, a única questão que se levanta no presente recurso é a de saber se a jurisdição comum (tribunais judiciais) é materialmente competente para o julgamento da acção supra-referida como decidiu o Acórdão recorrido, ou se, como sustenta a Recorrente, é o foro administrativo ( jurisdição administrativa) o competente.

A questão não é nova e sobre ela se pronunciaram diversas decisões judiciais, designadamente deste Supremo Tribunal.
Como pressuposto lógico da sua decisão, haverá que decidir qual a natureza jurídica da sociedade ora Recorrente.
Antes porém de entrarmos na referência aos arestos sobre a matéria, apreciemos a substância da alegação da Recorrente, condensada nas conclusões da mesma.
Começa a Recorrente por destacar, em síntese, que é, ela própria, uma sociedade anónima constituída por capitais exclusivamente públicos à qual foi concedida, em regime de serviço público e de exclusividade, a execução da concessão da exploração do sistema de Metro Ligeiro da Área Metropolitana do .......
Depois refere que «são pessoas colectivas de direito público, para além do Estado, aquelas que, sendo criadas por acto do poder público, existem para a prossecução necessária de interesses públicos e exercem poderes de autoridade».
Daqui conclui que a Metro do ......, S.A., para efeitos de determinação da jurisdição aplicável, é uma pessoa colectiva de direito público, caindo, por isso, na previsão da norma contida na alínea g) do n° l do artigo 4° do ETAF.
Em abono desta sua posição, aduz ainda que o nº 5 do artº 1º da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, «estende o seu âmbito de aplicação às pessoas colectivas de direito privado», extraindo duas conclusões de tal posição defendida e que são as conclusões :

IX. Nos termos da leitura conjugada do n.° 5 do artigo 1° da Lei n.° 67/2007 e da alínea i) do nº do artigo 4° do E.T.A.F., as questões que se prendam com a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados passam a estar sujeitas à apreciação da jurisdição administrativa.

X. A Recorrente está sujeita ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades tenham sido adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou quando sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.

Não tem razão a Recorrente!
A Metro do ......, S.A. é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos que se rege pela lei comercial e seus estatutos e portanto uma sociedade de direito privado, concretamente, adoptando a forma de uma sociedade comercial.
Com efeito, o nº 3 do artº 2º do Dec.-Lei nº 394-A/98 de 15 de Dezembro, que aprovou as bases da concessão da exploração, em regime de serviço público e de exclusivo, de um sistema de metro ligeiro na área metropolitana do ......, dispõe taxativamente que « A Metro do ......, S.A., é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, que se rege pela lei comercial e pelos seus estatutos , salvo no que o presente diploma ou disposições legais especiais disponham diferentemente» ( sublinhado nosso).
A circunstância desta sociedade anónima ser de capitais exclusivamente públicos não lhe retira a qualidade de sociedade comercial e, portanto, de uma pessoa colectiva de direito privado, como todas as sociedades comerciais.
Como dispõe o nº 2 do artº 1º do Código das Sociedades Comercias «são sociedades comercias aquelas que tenham por objecto a prática de actos de comércio e adoptem o tipo de sociedade em nome colectivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples e de sociedade em comandita por acções» ( negrito nosso).
Logo no nº 3, o referido preceito legal estatui que «as sociedades que tenham exclusivamente por objecto a prática de actos não comerciais podem adoptar um dos tipos referidos no nº 2, sendo-lhes, nesse caso, aplicável a presente lei».
Por outro lado, certo é que as sociedades comerciais podem constituir Empresa Púbicas, desde que obedeçam aos requisitos previstos no artº 3º do Dec-Lei nº 558/99 de 17 de Dezembro, isto é, desde que sendo sociedades constituídas nos termos da lei comercial, possam o Estado ou outras entidades públicas estaduais, exercer nelas, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude de alguma das circunstâncias referidas nas duas alíneas daquele preceito legal.
Porém o conceito de pessoa colectiva pública ou de pessoa colectiva de direito público não se confunde com o de empresa pública.
A Relação do Porto, no seu Acórdão de 26-11-2007, referindo-se à ora Recorrente, considerou que a mesma é uma empresa pública no sentido restrito, louvando-se em Pupo Correia ( Direito Comercial, 48) e acrescentando: «Empresa Pública a quem foi concessionada a exploração do sistema de metro ligeiro na área metropolitana do Porto – DL nº 394-A/98 de 15/12», (Pº 0755601, disponível em www.dgsi.pt).
Tal, porém, não a transforma, sem mais, em pessoa colectiva de direito público, justamente pela diversidade substancial dos conceitos referidos.
A sociedade anónima, sendo uma típica sociedade comercial (criada e regida pela lei comercial) é uma pessoa colectiva de direito privado, não colhendo também o argumento de que por ser uma sociedade de capitais exclusivamente públicos, tal a converteria em ente colectivo dotado de personalidade jurídica de direito público.
Neste sentido, escreveu o Prof. Carvalho Fernandes: «Tendo em conta os aspectos determinantes do seu regime jurídico, entendemos dever situar, em geral, as empresas de capital exclusiva ou maioritariamente públicos, no elenco das pessoas colectivas privadas» (1).
Para este civilista de Lisboa, há no entanto situações em que as denominadas empresas públicas de regime especial podem ser consideradas como pessoas colectivas públicas.
Ainda no mesmo sentido, pode ver-se o douta posição do saudoso Prof. Carlos Mota Pinto que, embora reconhecesse que é discutível a qualificação a atribuir-lhes, inclinava-se a considerar que as empresas públicas submetidas ao regime do DL nº 260/76 de 8 de Abril eram pessoas colectivas privadas, estribando-se na seguinte ordem de argumentos:

–são as normas de direito privado que funcionam como direito subsidiário;
– estão sujeitas à jurisdição dos tribunais judicias;
– as relações de trabalho são regidas pelo Direito do Trabalho:
–a tributação processa-se nos termos gerais, não beneficiando de isenções;
– estão sujeitas ao registo comercial». (2)

No caso que ora nos ocupa, a Recorrente Metro do ...... SA, além de ser uma sociedade anónima, rege-se pela lei comercial e pelos seus estatutos (direito privado), salvo no que o Decreto-Lei nº 394-A/98 ou disposições legais especiais estatuírem diferentemente ( nº 3 do artº 2º do diploma legal acabado de referir) e não está dispensada do registo comercial.
São as normas aplicáveis às sociedades anónimas e as constantes do diploma legal que institui as bases da concessão do sistema de metro ligeiro da área metropolitano do ......, que funcionam como direito subsidiário, nos temos do artº 28º dos Estatutos da Metro do ......, S.A., anexo III ao DL nº 394 – A/98.
Curiosamente, o saudoso Prof. Castro Mendes chegou mesmo a afirmar «ex professo» o seguinte:
« A prossecução do fim de interesse público deverá ser o fim primário da pessoa colectiva [pública]. Uma sociedade concessionária, ainda que a exploração da concessão seja o objecto exclusivo da sociedade, mantém o intuito lucrativo como fim primário da sociedade, o qual a exclui do domínio das pessoas colectivas de direito público»(3).
Segundo este critério, as sociedades como a ora Recorrente não podem ser consideradas como gozando de personalidade jurídica de direito público, desde que prossigam uma finalidade lucrativa primária, como claramente ocorre no caso da Recorrente, como se alcança do artº 26º dos seus Estatutos, atrás referenciados.
Temos, portanto, por seguro, que a ora Recorrente não é uma pessoa colectiva de direito público, pelo que, pela via residual, só lhe compete o estatuto de pessoa colectiva de direito privado, como tem decidido a Jurisprudência.
Depois de delinearmos, embora necessariamente a traço grosso, a configuração doutrinária maioritária do conceito das pessoas colectivas de direito público, é tempo de ingressarmos no plano jurisprudencial sobre a matéria que nos ocupa.
Desde logo, podemos apontar o recente Acórdão deste Supremo Tribunal de 14-04-2008 (Pº 08B845, Relator, o Exmº Conselheiro Salvador da Costa, disponível em www.dgsi.pt ), assim sumariado:
«1. A competência em razão da matéria dos tribunais é determinada pela forma como o autor configura a acção na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir.
2. A definição da competência dos tribunais da ordem administrativa para conhecer da responsabilidade civil extracontratual imputada a pessoas colectivas de direito público já não pressupõe a distinção da sua actividade de gestão pública e de gestão privada.
3. À concessionária do sistema do metropolitano do ......, pessoa jurídica de direito privado na forma de sociedade anónima de capital público, não é aplicável o regime substantivo da responsabilidade civil extracontratual concernente aos entes públicos, dada a falta de disposição legal nesse sentido.
4. Não compete, por isso, aos tribunais da ordem administrava - mas sim aos tribunais da ordem judicial - o conhecimento do pedido de indemnização formulado contra a referida sociedade por danos causados ao seu autor pelo agrupamento complementar de empresas no exercício da sua actividade de construção no âmbito da mencionada concessão».

No que à competência jurisdicional «ratione materiae» tange, este Supremo Tribunal, no mesmo Acórdão em referência, acrescentou, após lauta fundamentação, o que se passa a transcrever :

«Atentemos agora na definição da competência jurisdicional para conhecimento do objecto
do litígio relativamente à sociedade Metro do ......, S.A.
Conforme já se referiu, a única questão que é objecto do recurso, do que se excluem as questões do mérito da causa e da própria legitimidade ad causam das partes, é a relativa à definição da mencionada competência.
A responsabilidade civil em causa é imputada a actuações materiais concorrentes de um ente público e de uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, concessionária, e a urna entidade de capitais exclusivamente privados, esta exclusivamente regida pelo direito privado.
Mas a questão da competência jurisdicional em causa apenas se coloca em relação à responsabilidade civil extracontratual imputada pela recorrida a sociedade Metro do ......, S.A.
Não se trata de uma pessoa colectiva de direito público, nem de uma pessoa de direito privado em relação à qual exista norma de lei que a submeta ao regime substantivo da responsabilidade civil extracontratual aplicável ao Estado ou a outras pessoas colectivas de direito público.
Não estamos, por isso, no caso vertente, perante as situações de competência jurisdicional
dos tribunais da ordem administrativa a que se reportam as alíneas g) e i) do n° l do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
A conclusão é, pelo exposto, no sentido de que são competentes para conhecer do litígio
em causa, quanto à recorrente, os tribunais da ordem judicial».
A terminar, sempre diremos que também o Tribunal Central Administrativo do Norte, no seu Acórdão de 25-09-2008 (Pº 00923/07. BEPRT, disponível em www.dgsi.pt) assim decidiu sobre a questão da competência jurisdicional a que nos estamos a referir:
«Pertence aos Tribunais Comuns a competência para conhecer de acção de indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual intentada por um lojista contra a sociedade "Metro do ......, SA." decorrente de prejuízos causados na sequência de execução de obras directamente relacionadas com a implantação do "Metro».

Não descortinamos razões válidas para nos afastarmos de tal linha jurisprudencial que inteiramente sufragamos.
Finalmente, antes de concluir, importa debruçarmo-nos sobre a convocação, pela Recorrente, do disposto no nº 5º do artº 1º da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro que «estende o seu âmbito de aplicação às pessoas colectivas de direito privado», como refere na conclusão VIII.
Também por aqui não lhe assiste razão!
Com efeito, o artº 1º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, veio dispor no seu nº 5, que as disposições da referida lei, são aplicáveis também à responsabilidade civil das pessoas colectivas de direito privado (...) por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.
Porém, como doutamente alega a Recorrida, este diploma legal só entrou em vigor em 30 de Janeiro de 2008, já que o artº 6º do mesmo estatuiu que tal lei entrava em vigor 30 dias após a sua publicação que ocorreu em 31 de Dezembro.
Assim sendo, tendo em atenção que o presente processo é de 2007, como se colhe até pelo número do mesmo ( 3857/07), tal lei não lhe é aplicável, não só pelo disposto no artº 12º do C.Civil, como também pelo disposto no artº 22º, nº 2 da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), aplicável in casu e segundo o qual, em matéria da lei reguladora de competência e tendo em conta que a competência se fixa no momento da propositura da acção «são irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa».
De resto, já no domínio do Decreto-Lei nº 260/76 de 2 de Abril que foi o diploma legal antecessor do Dec-Lei nº 558/99 de 17 de Dezembro, que actualmente disciplina o regime jurídico das empresas públicas, o seu artº 46º, nº 1 estatuía que «salvo o disposto nos números seguintes, compete aos tribunais judiciais o julgamento de todos os litígios em que seja parte uma empresa pública, incluindo as acções para efectivação da responsabilidade civil por actos dos seus órgãos, bem como a apreciação da responsabilidade civil dos titulares desses órgãos para com a respectiva empresa», o que só demonstra que tal regime de competência jurisdicional tem tradição no nosso ordenamento jurídico.
Cremos serem despiciendas mais palavras para demonstrar o infundado da pretensão da Recorrente, claudicando as conclusões III a XVI da douta alegação recursória, o que linearmente conduz à negação de provimento ao presente recurso de Agravo, com a consequente manutenção da decisão recorrida.


DECISÃO

Face a tudo quanto exposto fica, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao Agravo, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Processado e revisto pelo Relator.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Fevereiro de 2010



Álvaro Rodrigues (Relator)
Santos Bernardino
Bettencourt de Faria

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(1) - LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, 2ª edição, Lex, 1995, pg. 389
(2) - MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, 1999, pg. 298
(3) - CASTRO MENDES, Teoria Geral do Direito Civil, vol.I, pg. 178.