Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02P1550
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARMANDO LEANDRO
Nº do Documento: SJ200205220015503
Data do Acordão: 05/22/2002
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. Pelo Tribunal Colectivo do 1º Juízo do Tribunal de Silves, foram julgados os arguidos:
A, nascido a 22/1/65, em Silves, casado, filho de .... e de ....., residente no Sítio das Areias, em Pêra, actualmente em situação de prisão preventiva, e
B, nascido a 26/4/63, em Pêra, solteiro, pedreiro, residente na Rua ......, em Pêra, acusados pelo Ministério Publico da prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do DL nº 15/93, DE 22/1.
Por douto acórdão daquele Tribunal foi cada um dos arguidos condenado na pena de 4 anos e 10 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do DL nº 15/93, DE 22/1.
Recorreram desta decisão ambos os arguidos, concluindo da seguinte forma as respectivas motivações:
O arguido A:
1° O Acórdão condenatório não fez uma correcta aplicação do Direito aos factos praticados;
2° Apenas resultou provado, quanto ao Arguido, ora Recorrente, os seguintes factos:
- Em 27 de Março de 2001, o Arguido detinha em seu poder 2,487 gramas de heroína;
- Por quatro vezes, o Arguido ao preparar a sua dose individual de heroína para consumo próprio, deixou que C também consumisse parte dessa heroína;
- Por três vezes, o Arguido indicou a D, a pedido deste, indivíduos a quem ele podia adquirir heroína;
- Por duas vezes, o Arguido recebeu 2000 escudos de F para que adquirisse heroína a terceiros para aquele.
3° Nada mais resultou provado quanto à matéria da Acusação.
4° Não resultou provado que a heroína que o Arguido detinha consigo se destinava à venda a terceiros, que alguma vez tivesse vendido heroína a terceiros, nomeadamente às 6 testemunhas indicadas pela Acusação como toxicodependentes.
5° Assim, a ilicitude dos factos praticados pelo Arguido A mostra-se consideravelmente diminuída, atendendo aos meios utilizados e à modalidade e circunstâncias da acção;
6° Na verdade, o Arguido A apenas consumiu conjuntamente com outro consumidor, apenas disse a um amigo onde costumava ir comprar heroína e apenas por duas vezes comprou heroína para um amigo
7° Os factos praticados pelo Arguido A consubstanciam a prática de um crime previsto e punido no artigo 25°) alínea a) " do Decreto - Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro - Crime de Trafico de Menor Gravidade.
8° Mostra-se desadequado, atenta a pouca ilicitude dos factos praticados, a condenação do Arguido, ora Recorrente, pela prática do crime previsto e punido pelo artigo 21° do referido diploma legal.
9° Os factos praticados pelo Arguido A não se revestem de gravidade tal, que permita a aplicação do referido artigo 21º.
10° Atenta a moldura penal do crime previsto no artigo 25° do diploma legal referido, a pena a aplicar ao Arguido A não deverá ser superior a dois anos, a qual, atendendo ao período de prisão preventiva já cumprido, deverá ser suspensa a sua execução por um período a fixar próximo dos dois anos.
11º Na graduação da medida da pena a aplicar deverá o Tribunal considerar a situação familiar do Arguido: viúvo com dois filhos menores de 6 e 14 anos de idade.
12° Não considerando que o Arguido A incorreu na prática de um Crime de Tráfico de Menor Gravidade, o douto Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 25° do Decreto - Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente Recurso, assim se fazendo Justiça.

O arguido B concluiu:
a) O arguido B no dia 4 de Dezembro de 2000 tinha em seu poder 0,172 gr. de heroína;
b) Por 4 vezes o arguido cedeu uma pequena quantidade de heroína a C quando preparava o seu consumo para que este também consumisse;
c) Por 3 vezes E entregou 2000 escudos de cada vez ao arguido para que este adquirisse heroína;
d) Estes factos decorreram no período compreendido entre 4 de Dezembro de 2000 e 27 de Março de 2001;
e) O arguido foi condenado pela prática de um crime p. e p. pelo art.º 21° do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro;
f) O arguido detinha 0,172 gr de heroína, cedeu pequenas quantidades do seu próprio consumo e, por 3 vezes, serviu de intermediário, entendendo-se que deveria ser punido pelo art.º 25° alínea a) do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro;
g) Os factos praticados pelo arguido devem enquadrar-se no conceito de "tráfico de menor gravidade";
h) A ilicitude de tais factos está consideravelmente diminuída.
i) A pena a aplicar ao arguido deverá ser suspensa atendendo a que é primário e a ameaça da pena é suficiente para que não continue a sua actividade.
j) O douto acórdão ao condenar o arguido pela prática de um crime p. e p. pelo art. 21º do DL nº 15/93 violou o disposto no art. 25º do mesmo diploma legal.
Nestes termos e nos mais de direito, requer seja dado provimento ao recurso substituindo-se a douta sentença de que se recorre, assim se fazendo Justiça.
Nas suas doutas respostas, o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido defendeu a manutenção do decidido, argumentando que os factos não permitem considerar integrado crime do art. 25º do DL nº15/93, por não se verificar a exigida diminuição considerável da ilicitude, e que é adequada aos factos e critérios legais a medida concreta da pena aplicada a cada um dos arguidos. Subsidiariamente, pronunciou-se no sentido de que, a considerar-se integrado crime p. e p. pelo citado art. 25º, a pena a aplicar a cada um dos arguidos não deve ser inferior a três anos de prisão e não deve ser suspensa a sua execução porque os factos praticados e a revelada personalidade dos arguidos não justificam o juízo de prognose positivo no sentido de a simples censura dos factos e a ameaça da prisão realizar de forma bastante as finalidade da punição, traduzidas na protecção dos bens jurídicos e na reintegração social dos arguidos.

Subidos os autos ao S.T.J., o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, na sua douta promoção quando da vista nos termos do art. 416º do C.P.P.. pronunciou-se no sentido de nada obstar ao conhecimento do recurso.
Igual entendimento foi expresso no despacho preliminar, pelo que, após vistos, teve lugar a audiência, cumprindo agora apreciar e decidir.
II
Das conclusões das motivações dos recursos, que, como é pacífico, delimitam o seu objecto, resultam as seguintes questões a decidir:
a) Os factos praticados devem qualificar-se juridicamente como crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º do DL nº 15/93, e não como crime p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do mesmo diploma?
b) Em consequência dessa diferente qualificação, devem ser aplicadas penas inferiores às decididas no acórdão recorrido, em medida próxima dos dois anos de prisão para o arguido A e não superior a um ano para o arguido B?
c) Essas penas devem ser suspensas na sua execução?
III
Do acórdão recorrido consta a seguinte decisão de facto e respectiva fundamentação:
FACTOS PROVADOS:
No dia 4 de Dezembro de 2000 o arguido B encontrava-se na sua residência sita na Rua ....., em Pêra.
Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar o arguido B detinha em seu poder 0,172 gr. de heroína.
Em 27 de Março de 2001 o arguido A quando regressava à sua casa no Sítio das Areias, em Pêra, num motociclo por ele conduzido e pertencente a R que também nele se fazia transportar, detinha em seu poder 2,487 gr. de heroína.
Em datas não concretamente apuradas, mas situadas no período de 2 meses antes da detenção do arguido A (27/3/01), pelo menos por 4 vezes, o arguido A ao preparar dose individual de heroína para o seu consumo cedeu uma pequena quantidade desse produto a C para que este também consumisse.
Em datas não concretamente apuradas, mas situadas no período de 2 meses antes da detenção do arguido A (27/3/01), pelo menos por 4 vezes, o arguido B ao preparar dose individual de heroína para o seu consumo cedeu uma pequena quantidade desse produto a C para que este também consumisse.
Pelo menos por três vezes, no período de um mês antes de 4/12/00, E, entregou 2000 escudos de cada vez ao arguido B para que este lhe adquirisse heroína, o que este fez juntando também o dinheiro de outros consumidores que para o mesmo efeito lho entregavam.
De seguida o arguido B entregou a E heroína em quantidade correspondente à quantia de 2000 escudos que esta lhe havia entregue.
No acima referido dia 4/12/00, E dirigiu-se à residência do arguido B com o objectivo de mais uma vez lhe entregar a quantia de 2000 escudos para que este lhe fosse adquirir heroína.
Pelo menos por três vezes, no período de 2 meses antes da sua detenção, o arguido A indicou a D, na sequência de solicitação deste, indivíduos a quem ele podia adquirir heroína, tendo de seguida o D adquirido heroína a esses indivíduos.
Pelo menos por duas vezes, no período de 2 meses antes da sua detenção, o arguido A recebeu de F a quantia de 2.000$00 de cada vez para que aquele lhe adquirisse heroína, o que ele fez juntando também o dinheiro de outros consumidores que para o mesmo efeito lho entregavam.
De seguida o arguido A entregou a F em quantidade correspondente à quantia de 2000 escudos que este lhe havia entregue.
Ambos os arguidos conheciam a natureza estupefaciente do produto que detinham e cediam e proporcionavam a terceiros.
Ambos actuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.
O arguido B é primário.
Reside sozinho em casa ao lado da de sua mãe.
Está actualmente desempregado.
O arguido A foi condenado em 11/11/98 por crime de condução sem carta na pena de 120 dias de multa e em 4/5/00, por idêntico crime, na pena de 7 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por 3 anos.
G, nascido em 2/2/88, está registado como sendo filho do arguido A.
H, nascido em 12/10/95, está registado como sendo filho do arguido o A.
Segundo o assento de óbito nº 91 da C.R.C. de Silves em 29/3/01 faleceu ......., no estado de casada com o arguido A.
FACTOS NÃO PROVADOS:
No dia 4/12/00 quando os agentes da G.N.R. se encontravam na casa do arguido B dirigiu-se a essa residência C com o intuito de aí comprar produtos estupefacientes.
E em 4/12/00 dirigiu-se à residência do arguido B com o intuito de aí comprar produtos estupefacientes directamente a ele.
No dia 27/3/01 o arguido A tinha ido ao Sítio dos Salgados, Pêra, adquirir a heroína que detinha.
O arguido B destinava a heroína que detinha à venda a terceiros.
O arguido A destinava a heroína que detinha à venda a terceiros.
A heroína detida pelo arguido A daria para 26 doses.
Os arguidos costumavam actuar de comum acordo e em comunhão de esforços.
Os arguidos venderam heroína a D, F, I, J e a L.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Quanto ás detenções da heroína por parte dos arguidos o Tribunal baseou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas de acusação que foram inquiridas na qualidade de agentes da G.N.R., sendo certo que as testemunhas M, N, O, P, tiveram intervenção no que se refere ao arguido B e a testemunha Q teve intervenção no que se refere ao arguido A, tendo este prestado depoimento convincente no sentido de que o arguido A deitou para o chão a heroína que de imediato foi apreendida.
Quanto aos demais actos dados como provados no que se refere a cada um dos arguidos, o Tribunal considerou os depoimentos das testemunhas C, E, D e F, todos eles depondo de forma convincente e conforme provado se considerou no que se refere a cada um deles.
Considerou ainda o Tribunal os relatórios periciais constantes nos autos no que se refere à natureza do produto apreendido a cada um dos arguidos, os C.R.C.s juntos aos autos e os documentos de fls. 177 a 180.
No que se refere à situação pessoal e profissional do arguido B, considerou o Tribunal as suas próprias declarações.
No que se refere à matéria dada como não provada considerou o Tribunal que sobre ela não foi oferecida qualquer prova suficientemente convincente, designadamente porque nenhuma das testemunhas inquiridas declarou ter adquirido alguma vez produtos estupefacientes directamente a qualquer dos arguidos, não tendo os agentes da G.N.R. presenciado qualquer eventual venda. (refira-se a este propósito que por oposição do arguido A não foi legalmente possível ler em audiência e, consequentemente, tomar em consideração, as declarações prestadas por algumas testemunhas no decurso do inquérito).
Os agentes da G.N.R. também não confirmaram que quando se encontravam na residência do arguido B, o C lá se tivesse dirigido.
Quanto à não prova de que a heroína detida pelo arguido A daria para 26 doses, considerou o Tribunal que tal alegação não consubstancia propriamente um facto que deva constar na acusação, antes sendo matéria que se prende com eventual conclusão (embora não numericamente reflectida) que se deve extrair noutra sede.
Seja como for, entende-se que o número de doses depende sempre, como parece óbvio, da quantidade de heroína que se coloque em cada dose, bem como de eventual "produto de corte" que com ela se misture.
Nada revela que esta decisão de facto enferme de qualquer dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do C.P.P., que são de conhecimento oficioso (art. 434º do C.P.P.), pelo que se considera assente a matéria de facto.
Com sua base nessa matéria, apreciemos as questões de direito acima sintetizadas.
IV
Relativamente à questão da qualificação jurídico-criminal dos factos, que os recorrentes defendem integrar crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º do DL nº 15/93:
Reproduzindo as considerações que desenvolvemos no acórdão do S.T.J. proferido no proc. nº 121-02- 3ª, de 20/3, diremos a propósito de tal crime:
Conforme se nos afigura resultar da interpretação da lei e ser entendimento da doutrina e de jurisprudência abundante (1), trata-se de um tipo de crime privilegiado relativamente ao p. e p. pelo art. 21º, a partir da consideração do grau da ilicitude e não da culpa. A sua integração exige que a ilicitude do facto, relativamente à pressuposta no art. 21º, se mostre consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a quantidade ou a qualidade das plantas, substâncias ou preparações.
É assim claro que a conclusão sobre o elemento típico da considerável diminuição da ilicitude do facto terá de resultar de uma valoração global deste, tendo em conta não só as circunstâncias que o artigo enumera de forma não taxativa mas ainda outras que, atendíveis na referida globalidade, sejam significativos para a conclusão sobre a existência ou não da referida considerável diminuição da ilicitude.
Resulta ainda evidente que esse elemento da considerável diminuição da ilicitude do facto tem de ser aferido face à ilicitude que é típica do art. 21º, expressa, além do mais, na moldura penal abstracta que lhe corresponde - um mínimo elevado a quatro anos e um máximo de doze anos de prisão -, bem reveladora, no quadro do nosso sistema sancionatório penal, de que essa moldura pressupõe uma acentuada ilicitude.
Como elemento de referência elucidativo do grau considerável de diminuição de ilicitude indispensável à integração do tipo de crime do art. 25º, devem ter-se ainda em atenção, em conformidade com o que se deixa dito, as molduras penais abstractas que estabelece. E, neste ponto, para além da gradação que, em função da qualidade dos estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, as alíneas a) e b) permitem, importa atentar que, na hipótese da alínea a), o mínimo da moldura abstracta é já de um ano e o máximo atinge cinco anos de prisão, o que é expressivo, face ao já referido quadro do nosso sistema sancionatório penal, de uma já muito apreciável ilicitude.
De forma que se nos afigura que não deve entender-se o "tráfico de menor gravidade" previsto no art. 25º como tráfico de gravidade necessariamente diminuta.
A tipificação do art. 25º parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e a frequência desta), encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do art. 21º e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no art. 25º. Resposta que nem sempre seria viável e ajustada através dos mecanismos gerais de atenuação especial da pena (arts. 72º e 73º do Código Penal), cuja possibilidade de aplicação não podia ter deixado de estar presente no espírito do legislador ao decidir-se pelo tipo privilegiado do art. 25º.
Este objectivo é de saudar, sabendo-se como é essencial à prossecução dos fins das penas o seu equilíbrio e justiça, por, além de respeitadoras dos limites da culpa, se apresentarem proporcionais às exigências concretas de prevenção geral e especial.
Interpretação mais restritiva do que a exposta parece-nos que seria inadequada às finalidades que levaram o legislador a esta previsão, tornando-a inaplicável a muitas das situações em que se justifica, considerando a complexidade e a variedade da realidade social pressuposto da intervenção penal nesta matéria.
A justiça da intervenção, com a adequada prossecução dos relevantíssimos fins de prevenção geral e especial, justifica bem as opções legais tendentes à adequada diferenciação de tratamento penal entre os grandes e médios traficantes (arts. 21º, nº1, e 24º), dos pequenos traficantes (art. 25º) e daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si os estupefacientes ou psicotrópicos (art. 26º).
Tendo presente o que fica sumariamente exposto, apreciemos o caso concreto.
Provado ficou que a qualidade do estupefaciente apreendido - heroína - é dos de maior potencialidade danosa para a saúde e segurança individual e pública, pelas consequências de elevada dependência que determina, com os efeitos frequentes de deterioração da saúde física e psíquica, diminuição do espírito crítico face aos valores e fragilização do domínio da vontade, expressas muitas vezes em comportamentos penalmente ilícitos tendentes a conseguir meios para satisfação da sentida premência do consumo nas situações de toxicodependência.
Trata-se pois de um elemento que aponta para a não diminuição da ilicitude exigida para a integração do tipo do art. 25º.
Mas não a exclui, como resulta desde logo evidente da previsão da sua al. a).
E não pode, como vimos, ser considerada isoladamente, devendo sê-lo na perspectiva de globalidade já referida.
Vejamos então as restantes circunstâncias a considerar, relativamente a cada um dos arguidos, na base dos factos efectivamente provados.
No que respeita ao arguido A:
Em 27 de Março de 2001, quando regressava à sua casa no Sítio das Areias, em Pêra, num motociclo por ele conduzido e pertencente a R que também nele se fazia transportar, detinha em seu poder 2,487 gr. de heroína.
No período de dois meses antes desses factos, pelo menos por quatro vezes, ao preparar dose individual de heroína para seu consumo, cedeu uma pequena quantidade desse produto a C para que este também consumisse.
Pelo menos por três vezes, no período de 2 meses antes da sua detenção, indicou a D, na sequência de solicitação deste, indivíduos a quem ele podia adquirir heroína, tendo de seguida o D adquirido heroína a esses indivíduos.
Pelo menos por duas vezes, no período de 2 meses antes da sua detenção, o arguido A, recebeu de F a quantia de 2000 escudos de cada vez para que aquele lhe adquirisse heroína, o que ele fez juntando também o dinheiro de outros consumidores que para o mesmo efeito lho entregavam.
De seguida entregou a F em quantidade correspondente à quantia de 2000 escudos que este lhe havia entregue.
Não se provou que destinasse a heroína que detinha à venda a terceiros.
Este circunstancialismo, considerado na sua globalidade complexiva, aponta efectivamente, salvo o devido respeito, para a acentuada diminuição da ilicitude face à pressuposta pelo art. 21º. Note-se que são diminutas as quantidades de heroína apreendidas e que tudo indica que as «pequenas quantidades» cedidas por quatro vezes e as quantidades de heroína adquirida por duas vezes para outrem pela quantia de 2000$00 não podiam ser significativas. Repare-se ainda que o arguido era consumidor de heroína, que as referidas cedências a outrem se verificaram quando o arguido preparava a dose para o seu próprio consumo e que a indicação de vendedores de heroína foi efectuada a solicitação do D. Atente-se ainda que não se provou destinar à venda a terceiros a heroína apreendida. Circunstancialismo todo este que, na falta de prova de outros factos relativos a qualquer tipo de organização relevante para tráfico, fora daquele indiciado quadro de colaboração entre consumidores de estupefacientes, não pode interpretar-se como correspondendo a um grau de perigo atingindo o mínimo do grau de ilicitude pressuposto na incriminação pelo art. 21º, nos termos acima expostos.
O mesmo deverá concluir-se, ainda com mais nitidez, em relação ao arguido B:
A quantidade de heroína que lhe foi apreendida é claramente diminuta (0,172 gr.). Tal como se disse relativamente ao co-arguido, foram pequenas as quantidades cedidas (também no condicionalismo de estar a preparar a dose para seu próprio consumo). Como o foram igualmente as adquiridas para outrem.
É pois de concluir que os factos integram a prática por cada um dos arguidos de crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, al. a), do DL nº 15/93, e não crime de tráfico p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do mesmo diploma, assim procedendo o fundamento dos recursos correspondente à primeira questão apreciada.
V
Importa agora considerar as questões relativas à medida concreta das penas.
Relativamente ao arguido A:
A ilicitude da sua conduta, no quadro da ilicitude pressuposta pela incriminação do art. 25º, al. a), do DL nº 15/93, é de grau não superior ao médio, atento o referido modo de execução e às quantidades de heroína envolvidas.
A intensidade do dolo é a correspondente à necessária à verificação do dolo directo, no aludido condicionalismo de colaboração entre consumidores.
Não se provaram intuitos lucrativos.
Tem dois filhos, de 14 e 6 anos de idade. Sua mulher, mãe dos filhos, faleceu.
Foi condenado duas vezes por crime de condução sem carta, da primeira, no dia 11/11/98, em pena de multa e da segunda, em 4/5/00, na pena de sete meses de prisão, ficando a execução desta pena suspensa pelo período de 3 anos, portanto não decorrido à data dos factos considerados nos presentes autos.
Presente este circunstancialismo, na consideração da moldura abstracta de 1 a 5 anos de prisão e dos critérios e factores legais a atender na fixação concreta da pena, nos termos dos arts. 40º e 71º do C.P., entende-se como justa e adequada a pena de três anos de prisão. Respeita o limite inultrapassável da medida da pena correspondente à culpa, satisfaz suficientemente as exigências concretas de prevenção geral positiva ou de integração, que são elevadas, atento o elevado nível das expectativas comunitárias ma restauração ou manutenção da validade das normas violadas, visando a protecção de bens jurídicos pessoal e socialmente consabidamente muito valiosos, e, dentro da «moldura da prevenção geral» (a fixar, razoavelmente, entre um mínimo de dois anos e seis meses e o máximo de três anos e seis meses, corresponde adequadamente às necessidades no caso de prevenção especial de socialização, que não deixam de ser significativas, atento sobretudo a provada situação do arguido como consumidor de heroína.

No que respeita ao arguido B:
O grau de ilicitude é inferior à média, atento sobretudo o carácter muito diminuto da heroína apreendida.
Relativamente à intensidade do dolo e aos motivos da actuação, a situação é idêntica à referida a propósito da determinação concreta da pena a aplicar ao arguido A.
Reside sozinho em casa ao lado de sua mãe. Estava desempregado à data do julgamento.
Não tem antecedentes criminais.
A consideração da globalidade do circunstancialismo referente a este arguido, à luz dos princípios e critérios mencionados a propósito da determinação da pena do co-arguido, leva a situar a «moldura da prevenção geral» entre um mínimo de dois anos e um máximo de três anos de prisão e a ter por justa e adequada, atento também o grau sensível das necessidades concretas de prevenção especial, a pena de dois anos e quatro meses de prisão.
VI
Apreciemos finalmente a questão da substituição das penas de prisão, à luz do disposto no disposto nos arts. 50º e ss. do C.P.
Como é sabido (2), não são considerações de culpa que interferem na decisão que agora nos ocupa, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em questão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.
No caso concreto, afigura-se que o condicionalismo apurado - designadamente a inexistência de anteriores condenações por factos semelhantes no que respeita ao A e a primariedade do B, a falta de intenção lucrativa e as circunstâncias em que cediam ou facultavam a disponibilidade do estupefaciente, e bem assim as instantes responsabilidades parentais do arguido A - é de molde a justificar como razoável um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão (no caso do arguido A do tempo de prisão que excede a prisão preventiva sofrida desde 27/3/01) serão suficientes, se acompanhadas da obrigação de apresentação periódica perante Técnico de Reinserção Social que os ajude e estimule a interiorizar, responsavelmente, os valores ofendidos e a diligenciar seriamente pela superação da situação de consumo de estupefacientes. Pensa-se que serão assim melhor prosseguidas as finalidades de socialização dos arguidos, sem prejuízo da satisfação das razoáveis exigências de prevenção geral, também melhor acauteladas pela probabilidade de maior êxito na referida prossecução das finalidades de prevenção especial.
Por isso se decide a referida suspensão pelo período de três anos, subordinada à aludida regra de conduta.
VII
Em conformidade, julgando-se procedentes os recursos, revoga-se o douto acórdão recorrido, decidindo-se:
a) Absolver o arguido A de crime previsto e punível pelo art. 21º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, mas condená-lo, como autor material de um crime previsto e punido pelo art. 25º do mesmo diploma, na pena de três anos de prisão;
b) Absolver o arguido B de crime previsto e punível pelo art. 21º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, mas condená-lo, como autor material de um crime previsto e punido pelo art. 25º do mesmo diploma, na pena de dois anos e quatro meses de prisão;
c) Substituir, nos termos do art. 50º do C.P., cada uma das penas referidas em a) e b) pela suspensão da sua execução, pelo período de três anos, suspensão essa subordinada ao cumprimento por cada um dos arguidos da regra de conduta, prevista no art. 52º, nº 1, al. g), do C.P., de se apresentar periodicamente perante Técnico de Reinserção Social da área da sua residência, a quem competirá ajudá-lo e estimulá-lo a interiorizar, responsavelmente, os valores ofendidos e a diligenciar seriamente pela superação da situação de consumo de estupefacientes, assim se preparando, como é seu dever, para um comportamento futuro respeitador dos valores jurídicos cuja infracção constitui crime. A periodicidade será, no mínimo, trimestral no primeiro ano e poderá ser mais espaçada no tempo seguinte, se o Técnico o considerar adequado aos fins indicados.
Não são devidas custas.
Passem se mandados para imediata restituição do arguido A à liberdade, com simultânea informação a este sobre os termos da decisão, embora ainda não transitada em julgado.

Fixam-se em 5 UC´s os honorários à Exma. Defensora Oficiosa.
Elaborado pelo relator e revisto.
Lisboa, 22 de Maio de 2002
Armando Leandro,
Virgílio Oliveira,
Lourenço Martins,
Flores Ribeiro.
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(1) Cf., v.g., Lourenço Martins, Droga e Direito, Aequitas, Editorial Notícias, pp. 145 e ss., Acs. do S.T.J. de 7/12/99, B.M.J. nº 492, p. 149, de 10/05/00, B.M.J. nº 497. p. 144, de 31/05/00, BMJ. nº 497, p. 167, de 15/07/00, proc. nº 273/00- 3ª, de 30/11/00, proc. nº 2849/00-5ª, de 30/11/00, proc. nº 2849/00 -5ª, de 17/05/00, proc. nº 260-00-3ª , de 28/06/00, proc. nº 113/00-
3ª, de 05/07/00, proc. nº 137/00- 3ª, de 12/07/00, proc. nº 266/00- 3ª , de 12/10/00, proc. nº 170-00-5ª, de 21/06/91, proc. nº 863/01- 5ª, de 10/10/01, proc. n º 2446-01- 3ª, de 18/10/01, proc. nº 1188/01- 5ª.)
(2) Cfr., v. g, Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime, págs. 330 e sgs., e Ac. S.T.J. de 21/3/90, in RPCC, 1, 1991, págs. 243.