Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
539/13.8TTCSC.L1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: CONTRATO A TERMO
RENOVAÇÃO EXTRAORDINÁRIA
Data do Acordão: 06/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CONTRATO DE TRABALHO A TERMO RESOLUTIVO / DURAÇÃO DO CONTRATO A TERMO / RENOVAÇÃO DO CONTRATO A TERMO.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
Doutrina:
- Ana Prata, Dicionário Jurídico, 2.ª edição, 661.
- Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª ed., 111.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 4.ª ed., 445 e ss..
- Baptista Machado, Introdução ao direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, 175 e ss..
- Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 21 e 26.
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 5.ª edição, revista e atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas até 2014, Almedina, Coimbra, 2014, 298.
- Pedro Romano Martinez e outros, “Código do Trabalho” Anotado, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, anotação XV ao artigo 148.º da autoria de Luís Miguel Monteiro e Pedro Madeira de Brito, 386.
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 247.
- Sinde Monteiro, Estudos Sobre a Responsabilidade Civil, 1983, 9 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, 358.º, N.º 4, 483.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 3, 639.º, N.º 1, 674.º, N.º 3.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 7.º, N.º 1, 106.º, N.º 2, AL. E), 109.º, 140.º, 147.º, N.º 2, AL. B), 148.º, N.º 1, 149.º, N.ºS 1, 2 E 3.
LEI N.º 3/2012, DE 10 DE JANEIRO:- ARTIGOS 1.º, N.º1, 2.º, 3.º, 5.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 05/04/1989, IN B.M.J. 386/446, DE 23/3/1990, IN A.J., 7.º/90, 20, DE 12/12/1995, IN C.J., 1995, III/156, DE 18/06/1996, C.J., 1996, II/143, DE 31/01/1991, IN B.M.J. 403.º/382.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

- DE 07/03/1985, IN B.M.J., 347.º/477.
Sumário :
1 - À renovação extraordinária prevista no artigo 2.º da Lei 3/2012, de 10 de janeiro, por força do seu artigo 5.º, aplica-se o disposto nos arts. 110.º e 149.º do Código do Trabalho de 2009, concretamente, o disposto no n.º 2 do artigo 149.º daquele Código do Trabalho.

2 - A renovação extraordinária de contrato a termo certo por prazo idêntico ao da renovação anterior não carece de qualquer declaração negocial por parte do empregador ao trabalhador, no sentido de pretender essa renovação, bastando a não denúncia do sobredito contrato.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1])

1. RELATÓRIO

AA, residente em …, propôs a presente ação, emergente de contrato de trabalho, contra BB, S.A., com sede em …, peticionando o seguinte: 

a) Que se declare a ilicitude do seu despedimento, por não se ter verificado a caducidade do contrato de trabalho, na medida em que o mesmo, fruto das renovações ocorridas, já se tinha convertido em contrato de trabalho sem termo e que em consequência seja ordenada a sua reintegração no seu posto de trabalho;

b) E/ou em alternativa, e apenas com o expresso consentimento do trabalhador, proceder à substituição da reintegração pelo pagamento de uma compensação ao Autor em valor a arbitrar nos termos do art.º 391.º do Código de Trabalho;

c) a condenação da R. no pagamento das seguintes quantias:

- € 1.718,85 - proporcionais dos prémios não pagos nas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 7.4.2010 a 6.10.2012;

- € 21.901,88 - 1 ano de retribuições (1.09.2012 a 30.9.2012) - art.º 390.º n.º 1 do C.T.;

- € 4.140,00 - parte da remuneração, parte em dinheiro e outra em espécie, que o Autor deixou de receber durante um ano em virtude da invocada ilicitude da caducidade do contrato de trabalho;

- € 38.800,00 - a título de danos patrimoniais; 

- € 5.000,00 - danos não patrimoniais sofridos;

- € 477,77 - Juros de mora vencidos, tudo num total de € 72.038,50;

d) A condenação da R. no pagamento das retribuições que o Autor venha a ter direito que se vierem entretanto a vencer, bem como nos juros de mora vincendos, custas e demais procuradoria, bem como de todos os encargos do processo.

Alegou para tanto que o seu contrato de trabalho já se tinha convertido em definitivo quando a R. o veio denunciar, pelo que foi vítima dum despedimento ilícito, com as legais consequências. Em virtude dessa cessação, com que não contava, sofreu danos patrimoniais porquanto assumiu compromissos bancários que depois não pôde cumprir, tendo sofrido psicologicamente com a situação. Alegou ainda que não lhe foram pagos os proporcionais dos subsídios relativamente aos prémios auferidos.

             

Na contestação, a R. invocou que o contrato de trabalho foi celebrado com termo, porquanto se destinava à abertura de um novo stand. Foi objeto de três renovações normais e de uma quarta ao abrigo da Lei n.º 3/2012, de 10 de janeiro. As comissões pagas estavam dependentes do alcance de objetivos específicos. Relativamente aos prémios, eram montantes que discricionariamente a R. decidia dar aos seus colaboradores, sem que os mesmos pudessem ser exigidos. Quanto à atribuição de viaturas aos vendedores era um instrumento de trabalho, sendo a R. a principal interessada em que os seus trabalhadores circulassem nas viaturas que deveriam promover e vender. Inexiste qualquer nexo de causalidade entre a cessação do contrato e os danos patrimoniais que o A. alega ter tido.

           

Após a realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

«Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:

a) Declaro que entre A. e R. existe um contrato de trabalho sem termo;

b) Declaro que a R. despediu ilicitamente o A;

c) Consequentemente, condeno a R. a reintegrar o A. no mesmo estabelecimento sem perda de antiguidade e de categoria;

d) Condeno a R. a pagar ao A:

1. Retribuições que aquele deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, a que serão deduzidas:

a) As importâncias que o A aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;

b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, uma vez que esta foi intentada nos 30 dias subsequentes ao despedimento; e

c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.

2. € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;

3. Juros legais à taxa de 4%, desde a data do trânsito da presente sentença até integral pagamento. 

e) Absolvo a Ré do mais peticionado.»

Inconformados, apelaram Autor e Ré tendo o Tribunal da Relação de Lisboa deliberado:

«Face ao exposto, julgam-se improcedentes os recursos interpostos e confirma-se a sentença recorrida, ainda que, com a rectificação acima enunciada, pelo que a decisão recorrida, na alínea d) n.1b) passará a ter a seguinte redacção: “… b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, uma vez que esta não foi intentada nos 30 dias subsequentes ao despedimento.”     

Custas na proporção do vencimento.»

           

De novo inconformada, dela recorreu a R. de revista excecional para este Supremo Tribunal, a qual foi admitida por deliberação da formação prevista no art. 672º, nº 3 do CPC.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([2]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

”1ª O presente recurso abrange tudo o que na decisão proferida pelo Tribunal a quo foi desfavorável à Recorrente, tudo aquilo em que esta foi condenada, devendo decretar-se, pelas razões a seguir sintetizadas, não existir entre a Recorrente e o Recorrido um contrato de trabalho sem termo, não ter sido o Recorrido ilicitamente despedido (houve apenas caducidade do contrato a termo), revogando-se então a condenação da Recorrente em reintegrar o Recorrido no mesmo estabelecimento, sem perda de antiguidade e de categoria, revogando-se a condenação no pagamento ao Recorrido das retribuições que este deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão e ao valor de € 2.500,00 a título de danos morais, revogando-se ainda a condenação da Recorrente em juros de mora desde o trânsito da decisão até integral pagamento;

2ª Por força do disposto no artigo 674.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC (aplicável ex vi artigo 1.º do CPT), é fundamento do recurso de revista a apreciação de violação por parte do Tribunal a quo de lei substantiva ou de lei processual, sendo que no caso em apreço, na fixação do facto provado 10, houve violação das regras legais de distribuição do ónus da prova (artigos 342.º e ss. do Código Civil), bem como de regras processuais quanto à determinação de factos admitidos por acordo das partes;

3ª O douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo encontra-se em contradição direta com outro, já transitado em julgado, proferido (também) pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de Direito, preenchendo-se, assim a previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil e sem que haja Acórdão Uniformizador de Jurisprudência sobre essa matéria.

4ª Na verdade, no Acórdão fundamento, de que adiante se junta cópia e se protestará juntar certidão, proferido em 21/05/2014 no processo n.º 665/12.0TTBRR.L1-4 (in www.dgsi.pt), debruça-se precisamente sobre essa mesma legislação e, mais concretamente, sobre essa exata temática da articulação de regimes, sendo que em ambos os arestos está em causa responder a uma mesma questão essencial de Direito: em caso de renovações extraordinárias nos termos da Lei n.º 3/2012, de 10 de janeiro, a renovação que seja por período igual ao que estava em curso carecem de redução de forma escrita, ou prescindem dessa forma escrita?

5ª Ora, o Acórdão em crise responde afirmativamente a essa questão, considerando a Recorrente que o Acórdão fundamento responde negativamente (e neste caso bem), pois que circunscreve a necessidade de redução a escrito aos casos em que há uma renovação por período diferente - justamente a solução que se encontra no Código do Trabalho e que a referida legislação extravagante não derrogou. É no Acórdão fundamento que a Recorrente expressamente se louva.

6ª A presente revista excecional é também admissível por nela estarem em causa matérias que pela sua relevância e complexidade jurídica, clamam, com a devida vénia, por melhor aplicação do Direito.

7ª Na verdade, para além de estarmos perante uma contradição jurisprudencial que interessa superar, a questão jurídica essencialmente em causa nos autos tem um âmbito de aplicação que em muito extravasa as fronteiras do caso concreto, tal a potencialidade da aplicação da interpretação a fazer no universo de dezenas de milhar de contratos a termo renovados ao abrigo da Lei n.º 3/2012 e, bem assim, ao facto de estarmos perante legislação recente, de conteúdo pouco claro e quanto à qual inúmeros casos estarão neste momento a ser discutidos pelos nossos tribunais.

8ª A tudo acresce que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não tem, com todo o respeito por melhor opinião, suporte literal na Lei n.º 3/2012 ou no Código do Trabalho, o que por si só justifica uma apreciação e revisão dogmáticas mais aprofundadas por parte do Supremo Tribunal de Justiça - sendo enfim neste sentido que o artigo 672.º do CPC deve ser interpretado e aplicado.

Isto posto,

9ª O artigo 607.º, n.º 4, do CPC determina que na fixação dos factos dados como provados o juiz deve ter em consideração os factos admitidos por acordo das partes, sendo que tal norma decorre da obrigação do Réu de tomar posição na Contestação sobre os factos alegados pelo Autor na Petição Inicial, impugnando aqueles com os quais não concordar (artigo 574.º do CPC). Porém, no caso em apreço, o Tribunal a quo entendeu que a matéria constante do facto provado 10 não era controvertida, tendo sido aceite por ambas as partes, quando, na verdade, a mesma tinha sido alegada pelo A. na petição inicial e expressamente impugnada (através de impugnação especificada) pela R. na Contestação - pelo que, ao assim ter decidido, o Tribunal a quo violou a regra processual decorrente do artigo 607.º, n.º 4, e do artigo 574.º, ambos do CPC;

10ª Na linha do sufragado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de fevereiro de 2008 (processo n.º 07A4705), a prova dos factos constitutivos, sejam eles positivos ou negativos, incumbe à parte que invoca o direito, não sendo «pelo facto de estarmos perante um "facto negativo" que se inverte o ónus da prova nem tão-pouco pela dificuldade que isso naturalmente representa.». É assim que o artigo 342.° do Código Civil deveria, salvo o respeito, por melhor opinião, ter sido interpretado e aplicado.

11ª Mesmo que dúvidas houvesse acerca da distribuição do ónus da prova relativamente a este facto, o n.º 3 do artigo 342.º do Código Civil dá uma resposta cabal a este respeito, ao determinar, que, na dúvida, deve considerar-se que os factos são constitutivos do direito, pelo que também por aqui chegaríamos exatamente à mesma conclusão: que cabia ao A. a prova deste facto.

12ª O facto provado 10 era facto constitutivo (negativo) do direito alegado pelo A. pois que a não renovação extraordinária é o cerne da sua causa de pedir e conditio sine qua non da sua alegação de conversão contratual e pretenso (mas inexistente) despedimento ilícito, pelo que, ao ter sufragado o entendimento do Tribunal de primeira instância de que o ónus da prova quanto a este facto (que, de resto, nem foi invocado pela R., mas sim pelo A.), cabia à R., o Tribunal a quo violou as disposições legais de distribuição do ónus da prova.

13ª A Recorrente alegou (cfr. artigos 7.º a 11.º da Contestação) e provou (facto provado 21) que o contrato de trabalho celebrado entre as partes foi objeto de 4 (quatro) renovações, todas por seis meses, sendo a última delas a renovação extraordinária ao abrigo do disposto no artigo 2.º da Lei 3/2012 e artigo 149.º, n.º 2 do Código do Trabalho (este último aplicável ex vi artigo 5.º da Lei 3/2012).

14ª Por isso, logo por aqui se crê que deveria resultar afastada a possibilidade de se sustentar que o contrato se havia convertido em contrato sem termo a 7 de abril de 2012 e, bem assim, que se pretendeu recorrer retroativamente à figura da renovação extraordinária -conforme se crê, com a devida vénia, indevidamente suceder no acórdão aqui impugnado.

15ª Em abril de 2012 já se encontrava em vigor a Lei 3/2012, sendo que o contrato então existente entre as partes (06/04/2012) preenchia os requisitos previstos no artigo 2.º de tal diploma para que a renovação extraordinária pudesse operar, sendo que o Tribunal considerou (e bem) que o contrato foi formal e substancialmente válido na sua celebração - matéria que esteve e está fora do objeto do litígio.

16ª Como recentemente sufragado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa [3], à "renovação extraordinária prevista na Lei 3/2012 é aplicável o CT em tudo o que não está ali previsto, pois este diploma legal cuidou apenas de formular um desvio ao regime geral no que concerne ao prazo. Assim, não estando prevista qualquer norma referente à forma da renovação, aplica-se o CT quanto a esta questão." A Recorrente louva-se expressamente nesta doutrina, que se lhe afigura, aliás, certeira na interpretação conjugada do disposto nos artigos 110.º e 149.º do Código do Trabalho, em articulação com o vertido na Lei 3/2012, sendo assim que todos eles deveriam, no caso sub judice, ter sido interpretados e aplicados.

17ª Só há obrigatoriedade de reduzir a renovação extraordinária a escrito se a mesma estipulasse um período diferente do inicial (artigo 149.º, n.º 3 do Código do Trabalho). Não tendo tido a renovação extraordinária uma duração distinta da anteriormente indicada, então aquela não tinha de ser reduzida a escrito, nos termos do artigo 5.º da Lei 3/2012, e artigos 110.º, 149.º, n.º 2 e 149.º, n.º 3 a contrario do Código do Trabalho, sendo assim que estas normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.

18ª Na verdade, tais normas estabelecem um quadro legal nos termos do qual, quando as partes não declarem o contrato insuscetível de renovação, não o renovem por período diferente do inicial, nem promovam a sua caducidade, o mesmo se converte automaticamente (independentemente de qualquer formalidade, ou declaração de vontade) por igual período, contanto que exista para tanto cabimento legal (i.e., contando que sejam sempre respeitados os máximos de duração e renovações que lei - codificada e avulsa - estabeleça), pelo que, quer nos termos do Código do Trabalho, quer nos termos da Lei n.º 3/2012, a inexistência de declaração em contrário é tratada como vontade das partes em renovar o contrato por período igual ao inicialmente escolhido (o que sucedeu no caso sub judice), sendo assim que tais normas legais deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.

19ª Não só o Recorrido não provou que não houve acordo específico quanto às renovações, como a Recorrente provou efetivamente que as partes quiseram que o contrato ficasse sujeito a renovações, pois que tal ficou expressamente acordado entre elas e textualmente consagrado no clausulado do contrato de trabalho junto aos autos.

20ª Por outro lado, ainda que não houvesse existido acordo específico das partes no sentido da renovação extraordinária, a Lei 3/2012 nada diz que aponte no sentido de ter de haver um acordo específico (formalizado ou não) no sentido da renovação extraordinária, pelo que a letra da lei não suporta a conclusão judicial aqui posta em crise (por isso merecedora de reparo), pois que o legislador privilegiou sempre a manutenção da relação contratual entre as partes, a menos que as mesmas expressamente renunciem a essa manutenção, sendo a não renovação da relação contratual a termo (com observância dos máximos de duração e renovações que lei - codificada e avulsa - estabeleça), vista pelo legislador como uma exceção.

21ª Como exemplos do que se defende na conclusão anterior temos que: (i) independentemente do termo inicial aposto ao contrato, apenas se as partes convencionarem expressamente a impossibilidade de renovação do mesmo é que o contrato não se poderá renovar; (ii) o legislador estabelece que, se nenhuma das partes promover a caducidade do contrato, o mesmo se renovará, sem necessidade de acordo específico; (iii) o legislador não só impõe a renovação contratual no silêncio das partes, como define a duração dessa renovação (um período igual ao anteriormente concluído); (vi) o que é tratado como excecional e com obrigatoriedade de redução a escrito é, precisamente, a não renovação contratual.

22ª O douto acórdão ora em crise abstraiu-se completamente, salvo o devido respeito, não apenas da letra, mas sobretudo da ratio legis da Lei 3/2012, dos propósitos da lei no sentido da manutenção de emprego no contexto de uma gravíssima crise económico-financeira, antes exigindo sem suporte legal um acordo e um requisito de forma sem apoio na lei e contrariando os preceitos legais vigentes (não só na Lei 3/2012 mas no Código do Trabalho).

23ª O douto acórdão contraria igualmente jurisprudência firmada nesta matéria no sentido de a redução a escrito das renovações extraordinárias ser apenas exigível nos casos de a renovação extraordinária ser por período diferente, tendo sido invocado pelo Tribunal a quo o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de maio de 2014 (665/12.0TTBRR.L1-4), quando este acórdão confirma, salvo o devido respeito por melhor opinião, precisamente o entendimento defendido pela Recorrente, acima exposto, precisamente por neste acórdão se ter determinado a obrigatoriedade de redução a escrito da renovação extraordinária precisamente pelo facto de, nesse caso, ter estado em causa uma renovação extraordinária por período diferente.

24ª O termo usado pelo legislador no artigo 148.º, n.º 1 do Código do Trabalho ("O contrato de trabalho a termo certo pode ser renovado até três vezes") é exatamente o mesmo usado no artigo 2.º, n.º 1 da Lei 3/2012 ("Podem ser objeto de duas renovações extraordinárias"), não havendo nenhum motivo para se exigir diferentes exigências legais para que as renovações ocorram, seja no que diz respeito à necessidade de um acordo específico nesse sentido, seja relativamente a requisitos de forma (exceto, claro está, se a renovação for por período diferente, nos termos do artigo 149.º, n.º 3 do Código do Trabalho).

25ª Acresce que a aplicabilidade de uma renovação adicional nos contratos a termo independentemente de qualquer acordo em contratos quanto aos quais as partes não hajam proibido a renovação não foi, sequer, uma novidade da Lei 3/2012, na medida em que o Código de Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/08, permitia apenas, no seu artigo 139.º, duas renovações, sendo que o de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, que lhe sucedeu, veio permitir três renovações, dizendo o artigo 7.º de tal lei que essa renovação adicional era imediatamente aplicável aos contratos a termo em curso (tendo tido o cuidado de excecionar - na alínea d) do n.º 5) - a duração, mas não o número de renovações).

26ª Tendo havido (como houve) lícita renovação extraordinária do contrato e legítima/válida promoção da sua caducidade, improcedem todas as consequências diretas ou indiretas de um despedimento ilícito (que inexistiu), aí incluídas não apenas as condenações na reintegração e nos salários intercalares (feitas as devidas deduções), mas também a indemnização por danos morais.

27ª Seja como for, e sem prescindir: (i) não se demonstrou a culpa da Recorrente numa matéria que nunca passaria de uma diversa interpretação da Lei; (ii) os factos provados são vagos, ambíguos e insuficientes para que se pudesse com rigor concluir pela existência de danos indemnizáveis; (iii) jamais os supostos danos demonstrados teriam gravidade bastante para merecer a tutela do Direito, até por se estar perante um contrato a termo em que a precaridade é pressuposto originário da relação contratual e; (iv), sendo certo que sempre o valor da condenação sempre se mostra exagerado e que qualquer dano que existisse foi atenuado pelo recebimento da compensação legalmente definida e do subsídio de desemprego.

28ª Em consequência, a Recorrente promoveu licitamente a caducidade de um contrato a termo formal e substancialmente válido e que foi renovado de acordo com todos os preceitos legais vigentes e na observância de toda a legislação referente a esse tipo de contrato de trabalho.

29ª O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 342.º, 483.º e 496.º do Código Civil, 574.º e 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, 110.º, 147.º a 149.º e 344.º do Código do Trabalho e a Lei n.º 3/2012, designadamente os seus artigos 2.º e 5.º.”

O A. contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-‑Adjunto emitiu parecer, que não mereceu resposta de qualquer das partes, no sentido da negação da revista.

Prevenindo a possibilidade de não conhecimento do recurso relativamente à questão de saber se o facto dado como provado no nº 10 com fundamento na sua não impugnação na contestação, foram as partes notificadas para se pronunciarem, tendo-o apenas feito a recorrente e no sentido de que este tribunal deveria conhecer da questão, uma vez que estava em causa a violação das regras substantivas sobre a distribuição do ónus da prova.

 

2 – ENQUADRAMENTO LEGISLATIVO

Os presentes autos respeitam a ação de processo comum e foram instaurados em 3 de Março de 2013.

O acórdão recorrido foi proferido em 7 de outubro de 2015.

O termo da terceira renovação ocorreu em 7 de abril de 2012, tendo o contrato sido resolvido por iniciativa da empregadora em 6 de outubro de 2012.

Nessa medida, é aplicável:

- O Código de Processo Civil na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou, e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto;

- O Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de fevereiro;

- A Lei 3/2012 de 10 de janeiro.

3 – QUESTÃO PRÉVIA

Como consignado no despacho atrás referido, constitui um dos fundamentos do recurso a violação “de regras processuais quanto à determinação de factos admitidos por acordo das partes“ (2ª conclusão) no tocante à “matéria constante do facto provado 10”, tendo sido entendimento da Relação que se trata de matéria alegada na petição e que, ao não ter sido impugnada pela Ré na contestação se considera aceite por ambas as partes. Porém tal não corresponde à verdade. Tendo sido alegada pelo A. no artigo 21 da petição, foi expressamente impugnada no art. 356º da contestação (9ª conclusão).

Considera, assim, que foi violado o disposto no art. 607º, nº 4 do CPC.

Estabelece o art. 674º, nº 3 do CPC que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Como daqui resulta, só nos casos de ofensa expressa de lei que exija prova vinculada ou que estabeleça o valor de determinado meio probatório pode este tribunal de revista conhecer da matéria de facto.

Não é este, manifestamente o caso dos autos.

Efetivamente a 1ª instância julgou o facto provado, por «a R. não ter feito qualquer prova em contrário, isto é, de não ter junto qualquer documento ou testemunha que comprovasse que entre o A. e R., dada a entrada em vigor da Lei n.º 3/2012 de 10 de Janeiro, que tinham acordado que aquela renovação ocorria como renovação extraordinária».

Assim, a matéria fática em causa não foi considerada provada por falta de impugnação mas por falta de produção de prova de quem, no entender daquele tribunal, competia fazê-la.

É certo que a Relação, para além de assentir neste fundamento, entendeu ainda que se tratava de matéria não impugnada e, por isso, aceite por ambas as partes.

O que se afigura inquestionável é que não estamos perante uma situação para a qual a lei exija uma certa espécie de prova ou fixe a força de determinado meio de prova.

Na verdade, saber se determinados factos foram admitidos por acordo, por falta de impugnação ou mediante uma confissão tácita, é matéria da competência exclusiva das instâncias, sobre a qual este Supremo Tribunal não pode exercer o seu poder cognitivo, porquanto, conforme estabelece o n.º 4 do artigo 358.º do Código Civil, a confissão judicial que não seja escrita, como é o caso da confissão tácita, é apreciada livremente pelo tribunal.

Está, por conseguinte, este Tribunal impedido de conhecer do recurso no tocante ao facto provado sob o número 10, com o fundamento de que foi impugnado na contestação e respetivas consequências.

Questão diversa é a da distribuição do ónus da prova, ou seja, a de saber sobre qual das partes impendia o ónus da prova do facto e, sobre esta adiante este tribunal se pronunciará.

Face ao exposto, não se conhece do recurso quanto à referida questão e com o aludido fundamento.

4 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas e não considerando as destinadas a fundamentar a admissão da revista excecional, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se o contrato a termo celebrado entre as partes se converteu em contrato sem termo em 7 de abril de 2012, no termo da terceira renovação.

2 - Se o tribunal “a quo” violou as regras da distribuição do ónus da prova ao considerar que impendia sobre a Ré/recorrente o encargo de provar ter comunicado ao A./recorrido a intenção de renovar extraordinariamente o contrato.

3 – Se deve manter-se a condenação da recorrente no pagamento ao recorrido da indemnização por danos não patrimoniais.

5 - FUNDAMENTAÇÃO

5.1 - OS FACTOS

Foram os seguintes os factos julgados provados pelas instâncias:

“1. Em 7 de Abril de 2010, o Autor, na qualidade de trabalhador, celebrou com a Ré, na qualidade de entidade empregadora, um contrato ao qual as partes atribuíram o nome de “Contrato de Trabalho a Termo Certo”.

2. A partir de 7 de Abril de 2010, o Autor começou a trabalhar para a Ré sob a sua autoridade e direcção, tendo começado a exercer funções de vendedor, mediante o pagamento de um vencimento mensal base no valor de €485,00, de um subsídio de alimentação diário no montante de €6,17.

3. O A. recebia ainda, por vezes, prémios e comissões, estas últimas calculadas sobre as vendas efectuadas por aquele.

4. O Autor recebia um montante de €125,00 para combustível e um saldo em telecomunicações, bem como um automóvel de marca Mercedes, que o A. usava para além do horário de trabalho, o qual constituía o seu único meio de transporte.

5. Em 20 de Setembro de 2012, a Ré enviou uma carta ao Autor invocando a caducidade do contrato de trabalho supra referido, com efeitos a partir de 6 de Outubro de 2012.

6. Na referida carta, alegou a Ré, em síntese, que o aludido contrato de trabalho teria atingido o máximo de renovações legais previstas no n.º 1 do art.º 148.º do C.T., mas que em virtude da entrada em vigor da Lei n.º 3/2012, de 10 de Janeiro, o contrato teria tido a sua primeira renovação extraordinária novamente por igual período (de seis meses), nos termos da conjugação do disposto no artigo 5.º da Lei n.º 3/2012 e do artigo 149.º do Código do Trabalho.

7. Tendo o referenciado contrato de trabalho sido celebrado pelo período de 6 meses tendo o respectivo termo sido justificado pela alegada necessidade de satisfazer necessidades temporárias da Ré, nomeadamente, pelo facto de aquela ter implementado um novo estabelecimento na localidade de …, o que em face das “condições de mercado” e dos “riscos típicos de cada negócio” sempre caracterizaram como de duração incerta o lançamento do estabelecimento.

8. A Ré, no 2.º parágrafo da carta que endereçou ao Autor em 20.9.2012 reconheceu que a duração máxima do contrato de trabalho legalmente admissível, era, à data da celebração do referido contrato de 2 anos, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1 do art.º 148.º do Código de Trabalho.

9. Argumenta a Ré na missiva, que em virtude da entrada em vigor da Lei n.º 3/2012, de 10 de Janeiro, o contrato teria tido a sua primeira renovação extraordinária novamente por igual período (de seis meses), nos termos da conjugação do disposto no artigo 5.º da Lei n.º 3/2012 e do artigo 149.º do Código do Trabalho, na data de 7 de Abril de 2012.

10. Até 7 de Abril de 2012, a Ré não comunicou ao Autor que pretendia que o respectivo contrato de trabalho fosse alvo de uma renovação extraordinária ao abrigo do disposto na nova Lei n.º3/2012, de 10 de Janeiro entretanto publicada.

11. A Ré veio entretanto a admitir ainda outros trabalhadores, para exercer as mesmas funções das do Autor.

12. A empresa Ré continua com o seu estabelecimento em franca actividade, actividade essa superior à da data da sua abertura.

13. O Autor pelas vendas dos carros usados ou de serviço que realizava sempre recebeu da Ré as respectivas comissões ou de prémios.

14. Os prémios não entravam na retribuição do A., para efeito de retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal:

15. O Autor, em virtude de ter ficado numa situação de desemprego involuntário face à invocada caducidade do contrato de trabalho por parte da Ré, Autor passou a receber mensalmente a título de subsídio de desemprego a quantia de € 1.510,50.

16. O despedimento em causa fez com que o A., tenha ficado com o seu sistema nervoso afectado, o que determinou por diversas vezes manifestar-se em comportamentos um pouco agressivos para com terceiros, e donde resultou uma quase total falta de paciência seja para o que fosse, designadamente para conviver com o seu único filho menor.

17. O contrato de trabalho a termo certo celebrado entre o A. e a R. teve como fundamento o facto de, à data da admissão do A., a R. ter muito recentemente iniciado a laboração de um novo stand (estabelecimento) na …, ….

18. As partes estipularam que o contrato de trabalho a termo certo teria a duração inicial de 6 meses.

19. Não foi acordado entre as partes que o contrato em questão não estaria sujeito a renovações.

20. No termo dos 6 meses iniciais de duração e na ausência de promoção de caducidade por qualquer uma das partes, o contrato de trabalho foi renovado uma primeira vez.

21. O contrato de trabalho celebrado entre as partes foi, aliás, objecto de quatro renovações (ou seja 3 renovações para além da recordada no artigo anterior).

22. Tal como resulta da cláusula quarta do contrato de trabalho celebrado entre as partes, ficou acordado que o A. auferiria.

a) Uma retribuição base no valor de € 475,00 ilíquidos (cláusula 4.ª, n.º 1 do contrato de trabalho);

b) Um subsídio de refeição no valor ilíquido de € 6,17 por cada dia de trabalho efectivo (cláusula 4.ª, n.º 3 do contrato de trabalho).

23. No n.º 1, da cláusula 4.ª do contrato de trabalho pode ler-se: “todos e quaisquer prémios, subsídios ou gratificações que a Primeira Contraente confira ao Segundo Contraente têm natureza facultativa e precária, pelo que poderá a empresa alterá-los ou retirá-los em qualquer altura e sem necessidade de aviso prévio”:

24. Atentas as funções a desempenhar pelo A., que se dedicava à venda de viaturas automóveis comercializadas pela R., o mesmo passou a estar sujeito ao regime de comissões vigente na empresa.

25. O regime de comissões incidia sobre a venda de viaturas novas, e viaturas usadas.

26. As percentagens das comissões aplicáveis no caso de vendas de viaturas eram conhecidas dos vendedores da R., aqui se incluindo o A.

27. Contanto que se verificassem todos os requisitos de atribuição e apenas nesse caso, as comissões eram pagas mensalmente, juntamente com a retribuição base do A.

28. Particularmente, a partir do 6.º mês de execução do contrato, é evidente o pagamento de comissões ao A. pela venda de viaturas aos clientes da Ré.

29. Sendo que, até ao sexto mês de execução do contrato, tratando-se de uma fase de ambientação do A. às suas funções, à empresa e às viaturas por esta comercializadas, não existiu pagamento de comissões.

30. Sendo que, por esse fato, a R., por sua própria iniciativa, decidiu compensar o A., atribuindo-lhe um prémio extraordinário e temporário para lhe assegurar uma retribuição bruta de € 1.000,00, sob a designação “prémio”.

31. As comissões eram incluídas na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal do A. 

32. Refira-se que as comissões estavam sujeitas a objectivos comunicados aos trabalhadores, variando em função de grau de alcance dos mesmos, sendo que havendo desvio relevante, nenhuma comissão seria paga pela empresa.

33. O sistema vigente na empresa para os vendedores era o do pagamento de uma retribuição base, complementada pelo eventual pagamento de comissões por viaturas vendidas. 

34. Não estava assim contratualizado o pagamento de quaisquer prémios por parte da R. ao A.

35. Mas como são os vendedores que, em permanente contacto com os clientes, impulsionam as vendas da empresa e, consequentemente, o rendimento desta última, a R., por vezes, premiava os seus vendedores pela venda de viaturas. 

36. Quando tal ocorria, era através da atribuição de prémios extraordinários e de valor e periodicidade discricionária e incerta.

37. Com efeito, essa rubrica começou por ser utilizada pela empresa nos primeiros meses do contrato do A. para lhe atribuir, discricionariamente, os valores necessários para que este recebesse todos os meses € 1.000,00 brutos.

38. A empresa entendeu que, atentas as funções a desempenhar pelo A. e a maior dificuldade que o mesmo teria nos primeiros meses de execução do contrato em realizar vendas, deveria atribuir-lhe, a título transitório e precário, um prémio de forma, a que o mesmo pudesse auferir, nos primeiros meses de execução do contrato, um valor bruto mínimo de € 1.000,00.

39. Tendo sido criada, no início da execução do contrato, a rubrica “prémio”, a mesma (sujeita aos legais descontos) veio a ser aproveitada, posteriormente para proceder ao pagamento de outros montantes.

40. Assim, a dada altura de 2010 essa rubrica passou a ser usada para efectuar outros pagamentos ao A., por exemplo por horas de trabalho suplementar prestadas pelo mesmo.

41. O A. foi contratado para exercer as funções inerentes à categoria profissional de Vendedor.

42. Como o próprio nome indica, os vendedores dedicam-se essencialmente à actividade comercial e promocional da empresa, dos bens e serviços que esta comercializa e/ou presta e, em última instância, da marca “Mercedes”.

43. Nesse sentido, no exercício das suas funções, os vendedores têm de estar em permanente contacto com clientes ou potenciais clientes da R., sejam eles clientes particulares ou empresas.

44. Os contactos com os clientes – essencialmente promovidos pelos vendedores da R., como era o caso do A. – desenvolvem-se na sua maioria das vezes telefonicamente.

45. Ou através de visitas aos clientes.

46. No mesmo sentido, os vendedores da R. têm também uma actividade promocional intensa, pelo que é bastante comum os mesmos comparecerem em feiras de automóveis, roadshows, ou outros eventos relacionados com a indústria automóvel.

47. Qualquer colaborador que exerça funções de vendedor na R. passa grande importante do seu tempo fora das instalações da empresa.

48. Sendo que, durante essas viagens, os mesmos têm de estar permanentemente contactáveis e disponíveis para os clientes.

49. Resulta assim evidente que, para o exercício das suas funções, os vendedores tenham de ter disponível uma viatura de serviço e um telemóvel de serviço.

50. No que diz particularmente respeito aos automóveis de serviço, o facto de a R. ser uma empresa que se dedica à comercialização de viaturas automóvel da marca Mercedes não pode, evidentemente, deixar de ser tido em conta.

51. Por esse motivo, as viaturas de serviço que são atribuídas aos seus colaboradores são da marca Mercedes.

52. As viaturas de serviço, bem como os telemóveis de serviço, são atribuídas aos vendedores para fins profissionais, enquanto instrumentos de trabalho, sendo-lhes contudo, permitido que usem ambos aos fins-de-semana e mesmo durante as férias.

53. Com efeito, tendo novamente em conta a actividade comercial desenvolvida pelo A., a R. tinha consciência que o mesmo tinha de estar permanentemente contactável.

54. A utilização de viatura e de telemóvel da R. não consta do contrato de trabalho como retribuição.

55. No caso da viatura de serviço, uma vez que os vendedores são o principal interface da R. perante os seus clientes, devem circular nas diversas viaturas que vão sendo comercializadas pela Ré. 

56. Além da retribuição base do A., a R. incluía ainda no cálculo do subsídio de Natal a média das comissões auferidas.

57. Assim, nos meses de Novembro de 2010 e 2011, o subsídio de Natal foi processado ao A. em várias rubricas, uma referente ao cálculo sob a retribuição base do A., e outras referentes ao cálculo das médias das comissões vendidas.

58. No que diz respeito ao ano de 2012, tendo o A. saído da empresa antes de Novembro desse ano (mês em que é processado o subsídio de Natal aos colaboradores), os proporcionais do subsídio de Natal foi pago com o fecho de contas.

59. Sendo que aí, mais uma vez, foram incluídos nos cálculos deste subsídio não só a retribuição base (numa rubrica), como até a média das comissões (noutra rubrica). 

60. A R. efectivamente incluía no cálculo do subsídio de férias, as médias das comissões auferidas.

61. Tendo em conta o facto de o A. estar vinculado ao A. mediante um contrato de trabalho a termo certo de 6 meses, o pagamento do subsídio de férias era feito de forma proporcional, ao fim de cada termo do contrato.

62. Assim, no fim de cada termo era pago ao A. o proporcional de subsídio de férias referente ao período de execução do contrato.

63. Nesses meses (Outubro de 2010, Abril de 2011, Novembro de 2011, Março de 2012 e Outubro de 2012), o subsídio de férias era, à semelhança do que ocorria com o subsídio de Natal, pago em várias rubricas.

64. Numa das rubricas o subsídio de férias era pago com referência à retribuição base do A. (uma vez que este não auferia diuturnidades.

65. E nas demais com referência à média das comissões realizada nos últimos meses.

68. Acontece porém que, como os vendedores da R. tinham uma parte da sua retribuição variável (as comissões por vendas de viaturas, nestes casos, calculava-se a parte variável da retribuição por referência à média dos últimos meses.

69. Nos contratos de trabalho a termo referentes aos vendedores, a R. optou por ir pagando os dias de férias referentes à retribuição variável periodicamente (que normalmente coincidia com a renovação do termo).

70. Sendo que nos meses em que os trabalhadores gozavam efectivamente dias de férias a retribuição base continuava a ser-lhe processada.

71. Deste modo, nos meses de novembro de 2010, maio de 2011, julho de 2011, novembro de 2011, abril de 2012, agosto de 2012 lhe foram pagas os dias de férias por referência à média das comissões auferidas nos últimos meses (rubrica “Med.Com.Férias”).

72. Por fim, no fecho de contas, com o último recibo de vencimento, foram-lhe pagos os valores ainda em dívida referente a dias de férias não gozados.

73. E, mais uma vez, os dias de férias foram pagos em duas rubricas, sendo que uma delas integrava as médias das comissões.”

5.2 - O DIREITO

Vejamos então de per si as referidas questões que constituem o objecto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]), bem como, nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º n.º 2 e 679º do Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

5.2.1 – Se o contrato a termo celebrado entre as partes se converteu em contrato sem termo em 7 de abril de 2012, no termo da terceira renovação.

Foi entendimento da Relação, sufragando o da primeira instância, que o contrato a termo se converteu em contrato sem termo em 7 de abril de 2012, após o termo da terceira renovação, “ex vi” dos arts. 147º, nº 2, al. b) e 148º, nº 1, porquanto “para que possa haver renovações extraordinárias não basta que o documento inicial tenha sido celebrado pela forma escrita, sob pena de subverter as finalidades do formalismo estabelecido para as renovações por período diverso do inicialmente estipulado que têm de obedecer a requisitos de forma (n.º 3 do art.º 147), ou seja, se a R. pretendia lançar mão de uma renovação extraordinária tinha que ter informado atempadamente o A. pois, caso contrário, e de acordo com o regime jurídico previsto no Código do Trabalho, o contrato convertia-se num contrato sem termo, por excesso de prazo e de renovações, em obediência ao disposto no art.º147 n.º2 b) e 149 do CT.

Assim, não pode a Ré invocar retroactivamente uma renovação extraordinária, quando isso não tinha sido acordado, constituindo uma surpresa para o trabalhador, cujas legítimas expectativas eram a de que a sua permanência ao serviço da ré, após o termo da última renovação significava que o seu contrato se havia convolado em contrato sem termo.

O regime jurídico da renovação extraordinário não pode ser de aplicação automática por colidir com regime normal das renovações, no qual o contrato se converteria em contrato sem termo decorrido o número de três renovações, cf. n.º1 do artigo 148 do CT, não podendo assim substituir-se automaticamente a um regime legal imperativo e à vontade das partes”.

Mas será de facto assim?

Estabelece o art. 9º do CC:

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

Interpretar a lei consiste em fixar, de entre os sentidos possíveis, o seu sentido e alcance decisivos ([5]). Para alcançar tal desiderato, «o primeiro passo consiste na sua interpretação literal, isto é, na apreensão do sentido puramente gramatical ou textual da lei; uma vez operada essa interpretação da letra da lei, e de acordo com o nº 1 do artigo 9º do CC, o intérprete deve recorrer a elementos extraliterais, que lhe permitam “reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo”» ([6]).

O elemento gramatical ou textual (“letra da lei “) constitui apenas o ponto de partida, cabendo-lhe, desde logo uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei.

O elemento gramatical ou textual tem sempre que ser utilizado em conjunto com o elemento lógico (que por sua vez se subdivide em três: o elemento racional ou teleológico, o elemento sistemático e o elemento histórico). Não pode haver uma interpretação gramatical e outra lógica.

O elemento sistemático (“a unidade do sistema jurídico“) compreende a consideração das outras disposições legais que formam o quadro legislativo em que se insere a norma em causa, bem como as disposições que regulam situações paralelas (unidade do sistema jurídico). O elemento racional ou teleológico (“o pensamento legislativo”), consiste na “ratio legis”, no fim prosseguido pelo legislador ao elaborar a norma, a sua razão de ser. Finalmente o elemento histórico (“as circunstâncias em que a lei foi elaborada”) compreende o contexto em que foi elaborada, a evolução histórica do preceito, as suas fontes ([7]).

A interpretação tem também que ser atualista (“tendo… as condições específicas do tempo em que é aplicada”).

Estabelece o art. 148º, nº 1:

“1 - O contrato de trabalho a termo certo pode ser renovado até três vezes e a sua duração não pode exceder:

a) 18 meses, quando se tratar de pessoa à procura de primeiro emprego;

b) Dois anos, nos demais casos previstos no n.º 4 do artigo 140.º;

c) Três anos, nos restantes casos.”

Nos termos do disposto no art. 147º, nº 2, al. b):

“2 - Converte-se em contrato de trabalho sem termo:

b) Aquele em que seja excedido o prazo de duração ou o número de renovações a que se refere o artigo seguinte”.

Porém, a Lei 3/2012, de 10 de janeiro, veio estabelecer “um regime de renovação extraordinária dos contratos de trabalho a termo certo”, referindo no seu artigo 1º, nº 1 sob a epígrafe “objecto”:

“1 — A presente lei estabelece um regime de renovação extraordinária dos contratos de trabalho a termo certo, celebrados ao abrigo do disposto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que atinjam o limite máximo da sua duração até 30 de Junho de 2013.”

Condensando este “objecto”, estipula o art. 2º, sob a epígrafe “Regime de renovação extraordinária”:

“1 — Podem ser objecto de duas renovações extraordinárias os contratos de trabalho a termo certo que, até 30 de Junho de 2013, atinjam os limites máximos de duração estabelecidos no n.º 1 do artigo 148.º do Código do Trabalho.

2 — A duração total das renovações referidas no número anterior não pode exceder 18 meses.

3 — A duração de cada renovação extraordinária não pode ser inferior a um sexto da duração máxima do contrato de trabalho a termo certo ou da sua duração efectiva consoante a que for inferior.

4 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, o limite de vigência do contrato de trabalho a termo certo objecto de renovação extraordinária é 31 de Dezembro de 2014”.

E nos termos do art. 3º “converte-se em contrato de trabalho sem termo o contrato de trabalho a termo certo em que sejam excedidos os limites resultantes do disposto no artigo anterior”.

Não refere, todavia, o diploma quais os requisitos formais ou negociais para que as prescritas renovações extraordinárias possam ocorrer, limitando-se o art. 5º a determinar que “em tudo o que não se encontre previsto na presente lei, é aplicável subsidiariamente o disposto no Código do Trabalho.”

Temos assim, por força do silêncio desta lei e da norma remissiva do art. 5º, que as renovações devem obedecer ao regime consagrado no Código do Trabalho, rectius ao estabelecido no seu art. 149º.

Estipula este art. 149º:

“Renovação de contrato de trabalho a termo certo

1 - As partes podem acordar que o contrato de trabalho a termo certo não fica sujeito a renovação.

2 - Na ausência de estipulação a que se refere o número anterior e de declaração de qualquer das partes que o faça cessar, o contrato renova-se no final do termo, por igual período se outro não for acordado pelas partes.

3 - A renovação do contrato está sujeita à verificação da sua admissibilidade, nos termos previstos para a sua celebração, bem como a iguais requisitos de forma no caso de se estipular período diferente.

4 - Considera-se como único contrato aquele que seja objecto de renovação.”

Como claramente resulta deste preceito, o contrato a termo renova-se automaticamente (nº 2), nos termos e prazos consagrados no transcrito art. 148º, nº 1, exceto se as partes tiverem acordado que o mesmo não era renovável (nº 1), ou se alguma das partes o fizer cessar (nº 2).

Da conjugação do nº 2 com o nº 3, conclui-se que, exceto quando a renovação for por prazo diferente do inicial (caso em que se impõe a forma escrita) a renovação não exige qualquer formalismo ou, sequer, prévia comunicação de uma à outra parte.

A renovação é automática e ocorre por força da lei, ainda que condicionando-a à manutenção da situação que admitiu a sua celebração e de acordo com o art. 140º.

Assim, não estabelecendo a Lei 3/2012 qualquer formalismo de renovação e remetendo expressamente para o regime geral regulado no Código do Trabalho, a conclusão que se impõe será a de que a renovação é automática, se for por prazo idêntico ao inicial.

É este, aliás, o entendimento acolhido por PEDRO ROMANO MARTINEZ e OUTROS, in Código do Trabalho Anotado, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, anotação XV ao artigo 148.º da autoria de LUÍS MIGUEL MONTEIRO e PEDRO MADEIRA DE BRITO, p. 386, em que se escreveu:

«A renovação extraordinária de contrato a termo certo por prazo idêntico ao da renovação anterior (ordinária ou extraordinária) não exige forma especial (n.º 3 do artigo 149.º do CT2009, in fine). Todavia, deve subsistir o motivo que justificou a contratação a termo, atenta a aplicação subsidiária do Código do Trabalho decorrente do artigo 5.º da Lei n.º 3/2012. Assim, a renovação extraordinária de contrato a termo pelo mesmo prazo não carece de qualquer declaração negocial escrita, bastando a não denúncia.» ([8])

É certo que no nº 1 do art. 2º em análise, o legislador utilizou no sintagma verbal o verbo “podem” (“1 — Podem ser objecto de duas renovações extraordinárias). Tal não significa, porém, a nosso ver, que a permitida renovação extraordinária deixe de ser automática. Efetivamente, também no art. 148º nº 1 do CT, o legislador utilizou a mesma fórmula verbal ao estipular o número de renovações permitidas (“1 - O contrato de trabalho a termo certo pode ser renovado até três vezes…”), sendo que dúvidas não existem que estas renovações são automáticas com as condicionantes estabelecidas no art. 149º do CT (sublinhados nossos).

Como realça a recorrente, se olharmos para o passado legislativo sobre a matéria, constatamos que não estamos perante uma situação inovadora.

O Código do Trabalho de 2003 permitia no art. 139º, nº 2, um máximo de duas renovações. O Código de 2009 veio permitir 3 renovações, aplicando-se este regime, nos termos do art. 7º, nº 1, aos contratos que estavam em curso, exceto quanto à duração do contrato (nº 5º, al. d).

Por conseguinte, recorrendo tanto ao elemento literal, como ao elemento histórico, impõe-se concluir que, não condicionando a Lei 3/2012, nem o Código de Trabalho, quer a renovação ordinária, quer a extraordinária, à prévia comunicação da intenção de renovação, não pode a mesma ser exigida pelo julgador, maxime, tendo a sua omissão como consequência a conversão do contrato a termo em contrato sem termo, como foi entendido e decidido pelas instâncias.

Consideraram estas que, tendo a Ré omitido a comunicação da intenção de renovar extraordinariamente o contrato, ocorreu a violação do dever de informação estabelecido nos arts. 106º (designadamente na al. e) do nº 2) e 109º do CT.

Porém, o legislador não só não cominou tal violação com a conversão em contrato sem termo, como no art. 109º do CT afasta o dever de informação quando a alteração ao contrato resulte da lei, como é o caso.

Em suma, a conversão em contrato sem termo, objeto de renovação, ordinária ou extraordinária, apenas ocorre se forem excedidos os limites estabelecidos no art. 2º da Lei 3/2013 (art. 3º), ou se não se verificarem as condições prescritas no art. 140º.

Tendo o contrato tido início em 7 de Abril de 2010, com a duração de 6 meses, em 7 de Outubro de 2010, teve lugar a primeira renovação, em 7 de Abril de 2011, a segunda renovação e em 7 de Outubro de 2011, a terceira renovação, cujo termo era atingido em 7 de abril de 2012, altura em que estava já em vigor a Lei 3/2012, podendo, por isso, como foi, objeto de renovação extraordinária.

Pelo referido, o contrato não se converteu em contrato sem termo em 7 de abril de 2012, motivo pelo qual a Ré lhe podia pôr termo em 6 de outubro de 2012, no final do prazo da quarta renovação (1ª renovação extraordinária).

Não foi, assim, o A. ilicitamente despedido, pelo que a revista procede nesta parte.

5.2.2 - Se o tribunal “a quo” violou as regras da distribuição do ónus da prova ao considerar que impendia sobre a Ré/recorrente o encargo de provar ter comunicado ao A./recorrido a intenção de renovar extraordinariamente o contrato.

Entendeu a Relação que competia à Ré provar que comunicou previamente ao A. a intenção de renovar extraordinariamente o contrato, ao abrigo da Lei 3/2012 de 10 de janeiro.

Entendimento diverso tem a recorrente defendendo que a renovação é automática e ocorre por força da lei, cabendo, por isso, ao trabalhador provar que não lhe foi comunicada a intenção de renovação.

Face, porém, à conclusão a que se chegou de que a renovação é automática e não dependente de prévia comunicação dessa intenção, está prejudicada a apreciação desta questão.

5.2.3 – Se deve manter-se a condenação da recorrente no pagamento ao recorrido da indemnização por danos não patrimoniais.

Estipula o art. 483º do CC:

“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”

De acordo com esta norma (que consubstancia o regime regra da responsabilidade subjetiva acolhido pelo nosso ordenamento jurídico), são pressupostos da obrigação de indemnizar: o facto voluntário (ativo ou omissivo) do agente – “(não um mero facto natural causador de danos), pois só o homem, como destinatário dos comandos emanados da lei, é capaz de violar direitos alheios, ou de agir contra disposições legais” -, a ilicitude desse facto, a imputação do facto ao agente, o dano – “pois sem dano não chega a pôr-se qualquer problema de responsabilidade civil” e o nexo de causalidade entre o facto e o dano – “de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação, pois só quanto a esses manda a lei indemnizar o lesado” ([9]).

A condenação em causa assentou na ilicitude do despedimento. Não configurando a cessação do contrato ocorrida por iniciativa da Ré, um despedimento ilícito, não assiste ao A. o direito a ser indemnizado por quaisquer danos, porquanto a Ré não violou ilicitamente a lei ou direitos do A., condição da atribuição de indemnização por responsabilidade civil.

Por isso, a revista também procede nesta parte.

DECISÃO

Pelo exposto decide-se:

1 – Conceder a revista e revogar o acórdão recorrido.

3 – Condenar o recorrido nas custas das instâncias e da revista.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 30.06.2016

Ribeiro Cardoso (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha


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[1] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[2] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de  23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[3] Cfr. Acórdão de 21 de maio de 2014, p. 665/12.0TTBRR.L1-4, relatora Desembargadora Paula Santos, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2 e 608º, n. 2 do CPC.
[5] Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Lais, pág. 21 e 26.
[6] Ana Prata, Dicionário Jurídico, 2ª edição, pág. 661.
[7] Baptista Machado, Introdução ao direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, págs. 175 e segs.
[8] Diversamente, considera MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO (in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 5.ª edição, revista e atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas até 2014, Almedina, Coimbra, 2014, p. 298) que «as renovações extraordinárias previstas na L. n.º 3/2012, de 10 de Janeiro, e na L. n.º 76/2013, de 7 de Novembro, deverão ser sempre renovações expressas, uma vez que a lei não as configura como renovações automáticas (antes se refere no artigo 2.º, n.º 1, destas leis que estes contratos “podem ser objeto de duas renovações”) e, que mais não seja, porque estão sujeitas a prazos diferentes do período inicial ou anterior do contrato (os que decorram de um dos critérios do artigo 2.º, n.º 3, destas Leis)».
[9] Cfr., entre outros, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 4ª ed., pág. 445 e segs. e Sinde Monteiro, Estudos Sobre a Responsabilidade Civil, 1983, pág. 9 e segs..