Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8319/09.9TBMAI.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: HELDER ALMEIDA
Descritores: DOAÇÃO
INCAPACIDADE ACIDENTAL
INTERDIÇÃO
CASO JULGADO
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
VÍCIOS DA VONTADE
ANALOGIA
BEM IMÓVEL
INTERDIÇÃO POR ANOMALIA PSÍQUICA
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO À REVISTA E ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXECUÇÕES / RECURSOS DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO – PROCESSOS ESPECIAIS / INTERDIÇÕES E INABILIDADES.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS / INCAPACIDADES / INTERDIÇÕES / NEGÓCIO JURÍDICO / FALTA E VÍCIOS DA VONTADE – DIREITO DAS SUCESSÕES / SUCESSÃO LEGITIMÁRIA / CAPACIDADE TESTAMENTÁRIA.
Doutrina:
-Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, Almedina, p. 200;
-José Lebre de Freitas e Outra, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3.ª Edição, Almedina, p. 599, 600, 626 e ss. e 657.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 581.º, 682.º, N.º 3, 683.º, N.º 2, 684.º, N.º 3, 685.º-A, N.º 1 E 901.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 150.º, 257.º E 2189.º, ALÍNEA B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 22-01-2009, PROCESSO N.º 08B3333, IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 07-07-1992, IN CJ, TOMO IV, P. 57.
Sumário :
I - Tendo sido fixada numa acção de interdição a data de começo da incapacidade, tal veredicto surge, noutra acção, como absoluto injuntivo, por força da autoridade de caso julgado, independentemente da coexistência ou não da tríplice identidade a que se refere o art. 581.º do CPC, sendo indiferente o circunstancialismo do recorrente achar, ou não, consistentemente fundamentada a fixação de tal momento.

II - À doação de um imóvel efectuada por um interdito (entretanto falecido), anteriormente à propositura da acção de interdição, e, portanto, à publicitação de tal acção, é-lhe aplicável o regime plasmado no art. 150.º do CC, no qual se prevê que aos negócios jurídicos celebrados pelo incapaz antes de anunciada a proposição da acção de interdição é aplicável o disposto acerca da incapacidade acidental (art. 257.º do CC).

III - Como tal, não é de sufragar o entendimento seguido pela Relação que fez funcionar, mediante aplicação analógica, o estatuído no art. 2189.º, al. b), do CC, que prevê a incapacidade dos interditos por anomalia psíquica para testar, devendo os autos baixar à Relação a fim de apurar do vício referido em II.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]

I – RELATÓRIO


     I. AA e BB intentaram a presente acção declarativa de processo comum contra CC e DD - Investimentos Imobiliários, Lda., pedindo que a presente acção seja julgada provada e procedente e, consequentemente:

    a) - declarar-se nula e de nenhum efeito a doação que, por escritura lavrada de fls. 51 a fls. 52, do livro de notas para escrituras diversas número “Cinquenta e sete –A” do Cartório Notarial de EE, sito à Rua …, n.º …, 1.º, salas …, …, e …, Matosinhos, o FF fez ao R.  CC do prédio denominado “Campo da GG”, composto de terreno de cultura com ramada, sito em …, freguesia de …, Maia, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o número novecentos e cinquenta e um, com inscrição do direito de propriedade a seu favor, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 492;

    b) - sequencialmente, deve também declarar-se nula e de nenhum efeito a permuta que, em 10 de Agosto de 2007, no Cartório Notarial da Maia, o R. CC celebrou com a 2.ª Ré, por escritura exarada a fls. cento e vinte e dois a cento e vinte e três do Livro de escrituras diversas 525- F;

    c) - caso assim se não entenda, subsidiariamente: deverá anular-se a apontada doação que, por escritura exarada de fls. 51 a fls. 52, do livro de notas para escrituras diversas número “Cinquenta e sete – A” do Cartório Notarial de EE, sito à Rua …, n.º ..., 1.º, salas …, …, e …, Matosinhos, o FF fez ao R. CC do prédio denominado “Campo da GG”, composto de terreno de cultura com ramada, sito em …, freguesia de …, Maia, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o número novecentos e cinquenta e um, com inscrição do direito de propriedade a seu favor, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 492; e,

   d) - consequentemente, deverá, também, anular-se a permuta que, em 10 de Agosto de 2007, no Cartório Notarial da Maia, o R. CC celebrou com a 2.ª Ré, por escritura exarada a fls. cento e vinte e dois a cento e vinte e três do Livro de escrituras diversas 525-F ;

   e) - Deve ainda, em qualquer dos casos, ordenar-se o cancelamento de todo e qualquer registo efectuado na competente Conservatória do Registo Predial com base nas referidas escrituras de doação e de permuta, designadamente as inscrições de propriedade a favor do R. CC, pela ap. 22, de 2-4-2007, e a favor do réu DD – Investimentos imobiliários, Lda., pela ap. 21, de 03- 12-2007.

      Alegaram para tal factos, que em seu entender, a resultarem provados, levariam à procedência da presente acção.

      Devidamente citados, contestou a Ré DD, impugnando na generalidade a matéria alegada pelos AA., mais deduzindo pedido reconvencional, pedindo que, caso a acção seja julgada procedente, sejam os AA. condenados a pagar à ré a quantia de € 23.467,55, acrescida dos respectivos juros de mora legais desde a citação até integral pagamento.

     Igualmente contestou o R. CC, invocando a excepção de ilegitimidade activa, a excepção de caducidade do direito de invocar a anulabilidade da escritura de doação, e impugnando na generalidade os factos alegados pelos AA…

      Replicaram os AA., pugnando pela improcedência das invocadas excepções, bem como do pedido reconvencional (invocando a compensação de créditos) e terminando como na petição inicial.

      A 19 de Outubro de 2010, foi ordenada a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado do processo nº 2222/09.0TVPRT, por aí se discutir se os aqui AA. eram os únicos parentes sucessíveis de FF, sendo a 30 de Janeiro de 2014 determinado o prosseguimentos dos presentes autos.

       O R. CC foi declarado insolvente.

       Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a invocada excepção de ilegitimidade activa, relegando-se para final o conhecimento da invocada excepção de caducidade. Mais foram fixados o objecto do litígio e os temas da prova.


  2. Realizou-se o julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a presente acção totalmente improcedente e em consequência absolveu os réus dos pedidos contra si deduzidos.

3. Inconformado, o A. AA interpôs recurso de apelação, no qual, a Relação do Porto, findou o seu acórdão com o dispositivo seguinte:

- “(…) decide-se julgar a apelação procedente, revogando-se a sentença recorrida, que se substitui por sentença que julga a acção inteiramente procedente e em consequência:

a) Declara-se nula e de nenhum efeito a doação que, por escritura lavrada de fls. 51 a fls. 52, do livro de notas para escrituras diversas número “Cinquenta e sete –A” do Cartório Notarial de EE, sito à Rua …, n.º …, 1.º, salas …, …, e …, Matosinhos, o FF fez ao réu CC do prédio denominado “Campo da GG”, composto de terreno de cultura com ramada, sito em …, freguesia de …, Maia, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o número novecentos e cinquenta e um, com inscrição do direito de propriedade a seu favor, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 492;

b) Declara-se nula e de nenhum efeito a permuta que, em 10 de Agosto de 2007, no Cartório Notarial da Maia, o réu CC celebrou com a 2.ª ré, por escritura exarada a fls. cento e vinte e dois a cento e vinte e três do Livro de escrituras diversas 525- F;

c) Ordena-se o cancelamento de todo e qualquer registo efectuado na competente Conservatória do Registo Predial com base nas referidas escrituras de doação e de permuta, designadamente as inscrições de propriedade a favor do réu CC, pela ap. 22, de 2-4-2007, e a favor do réu DD – Investimentos imobiliários, Lda., pela ap. 21, de 03- 12-2007.nceder provimento ao presente recurso de Apelação, revogando a decisão recorrida, condenando a requerida HH, S.A. a pagar à requerente II, Lda a quantia de € 39.892,10 (trinta e nove mil oitocentos e noventa e dois euros e dez cêntimos) a título de indemnização pela falta de cumprimento de aviso prévio acrescida de juros de mora desde a notificação para contestar a presente liquidação até pagamento integral.

[…]”.

4. Discordando, por sua vez, do assim decidido, pela Ré DD - Investimentos Imobiliários, Lda. foi interposto recurso de revista para este Supremo, cuja alegação encerra com as seguintes conclusões:

   I - Não á possível aplicar por analogia o disposto no artigo 2189 al. b) do C.C. sobre a incapacidade acidental numa escritura de doação.

  II - Não tendo o Acórdão da Relação alterado a factualidade provada, está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça fazê-lo e terá de aplicar o direito com base na factualidade provada nos presentes autos em sede de julgamento da 1ª Instância.

  III - Ter-se-á de tirar nos presentes autos conclusões face à factualidade provada nos itens 85 a 99 da Sentença da 1ª Instância, sobre a incapacidade do FF.

   IV - Se a sua capacidade para dispor é atestada por 2 médicos psiquiatras e o Relatório pericial do processo de interdição é muito mais tardio.

   V - Não tendo sido justificada a data da incapacidade reportada a 1/1/2006.

    VI - Sendo certo que só nos presentes autos é que a Notária que presidiu ao acto colocado em crise e 3 médicos é que defenderam os seus pareceres médicos.

   VII - Se a incapacidade é reportada a 1/1/2006, é nula e de nenhum efeito a revogação do testamento que foi outorgado em 25/09/2006.

   VIII - Pelo que o único testamento válido é o que o Sr. FF outorgou em Dezembro de 2005, quando não tinha qualquer incapacidade.

  IX - Como ele dispôs dos seus bens a favor do vizinho NN, não têm os AA. qualquer legitimidade para a presente acção.

  X - Se a decisão de interdição e respectiva data valem "ius et de iure" então não pode o Tribunal ignorar o teor do testamento de Dezembro de 2005, sendo nula e de nenhum efeito a revogação de 25/09/2006.

   XI - O que implica a ilegitimidade dos AA. para o presente pleito, pois não são os herdeiros do falecido FF.

   XII - a inquirição do Sr. FF em 15/11/2007 e posterior no âmbito do processo de interdição na …, não se vislumbra a incapacidade dele.

   XIII - É o depoimento normal duma pessoa com 87 anos de idade, medianamente letrada.

    XIV - O Sr. FF tinha plena consciência que não tinha vendido mas dado e não queria deixar nada aos AA. seus irmãos, como consta, aliás, do testamento de Dezembro de 2005.

    XV - Devem ser valorados os depoimentos da Notária e 3 peritos médicos que nunca tinham deposto em qualquer um dos processos anteriores.

  XVI - Para haver anulação de declaração negocial é necessário que a incapacidade seja conhecida ou cognoscível pelo destinatário que se comporte com normal diligência.

    XVII - A incapacidade tem de ser notória e conhecida do declaratório.

    XVIII - Mas como tais factos foram julgados não provados, não é nula ou anulável a doação colocada em causa e, assim, também não o é a escritura de permuta.

    XIX - Se o terreno permutado se destina à construção e tendo a Ré sido citada para a acção de anulação mais de 2 anos após a sua aquisição, tem de ser indemnizada pelos valores que suportou com o projecto, obras e taxas com vista ao licenciamento de tal terreno.

   XX - Já que manifestamente é esse o destino dele, para os AA. ou para qualquer outra pessoa que o adquira.

   XXI - E os AA. ou adquirentes vão aproveitar e recebem o terreno em fase adiantada de licenciamento com as despesas suportadas pela Ré.

    XXII - O que tudo tipifica um enriquecimento sem justa causa, à custa do empobrecimento da Ré.

    XXIII - Devendo a Ré ser indemnizada pelo valor correspondente.

       E, na conformidade do exposto, termina no sentido de dever o Acórdão ser revogado e ser verificada a ilegitimidade dos AA. para a presente acção com a consequente absolvição da instância dos RR. e, se assim se não entender, por erro de interpretação e aplicação do disposto no art. 257.º  do CC deve o Acórdão ser revogado e substituído por outro que confirme a Sentença, e, ainda, de todo o modo, deve a Reconvenção ser julgada provada por procedente por o Acórdão não aplicar o instituto do enriquecimento sem justa causa, previsto e regulado nos arts. 473.º e 479.º do C C e, nessa conformidade, condenar os AA. a pagar à Ré o valor de 19.836,13 € e respectivos juros de mora.

  5. Pelo A. AA foi apresentada resposta, a qual conclui sustentando dever ser negado provimento ao recurso, mantendo-se, na íntegra o acórdão recorrido, seja pelos fundamentos dele constantes, seja por qualquer uma das mais causas de invalidade sucessiva e subsidiariamente invocadas pelos AA. e cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução dada ao caso, designadamente por a questionada doação consubstanciar negócio contrário aos bons costumes, ou por celebrado com dolo do donatário, ou por incapacidade acidental do doador, ou, por último, por configurar negócio usurário.

     E caso assim se não venha a entender – mais acrescenta ‑ deve o processo ser remetido ao Tribunal da Relação do Porto para que este aprecie e profira decisão sobre a requerida alteração da matéria de facto e sobre as demais apontadas causas de invalidade da doação suscitadas pelo aqui Recorrido.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


     II – FACTOS

A factualidade considerada provada foi inscrita na sentença da forma que segue:

Dos factos já assentes.

        1 - Os autores são filhos de JJ e de KK.

        2 - Irmãos germanos de FF.

        3 - O qual faleceu em 30 de Março de 2008, no estado de solteiro, sem descendentes nem ascendentes.

        4 - Em 25 de Janeiro de 2007, o FF, por testamento lavrado a fls. 50 a 50 v., do livro de testamentos públicos e escrituras de revogação de testamentos número “Um - B”, do Cartório Notarial de EE, sito à Rua …, nº …, 1º, salas …, ..., e …, Matosinhos, instituiu suas únicas e universais herdeiras LL e a sua filha MM, sendo a primeira na proporção de três quartas partes e a segunda na proporção de uma quarta parte.

      5 - Estas, LL e MM, em 4 de Junho de 2008, através de escritura lavrada de fls. 95 a fls. 96 do livro de notas para escrituras diversas nº “Cem-A” do Cartório Notarial de EE, sito à Rua …, nº …, 1º, salas …, … e …, Matosinhos, vieram habilitar-se como únicas e universais herdeiras do falecido FF.

      6 - Por sentença proferida a 19/04/2013, e transitada em julgado foram declarados nulos os actos referidos em 4. e 5., e foram declarados os aqui autores únicos e universais herdeiros de FF.

      7 - Em 25.01.2007, por escritura lavrada de fls. 51 a fls. 52, do livro de notas para escrituras diversas número “Cinquenta e sete - A” do Cartório Notarial de EE, sito à Rua …, nº …, 1º, salas …, … e …, Matosinhos, o FF doou ao réu CC, com as benfeitorias nele existentes, o prédio que constituía a sua residência e que, ali vem identificado:

    - “Campo de GG”, composto de terreno de cultura com ramada, sito em …, freguesia de …, Maia, descrito na 1ª conservatória do Registo Predial da maia sob o número 951, com inscrição do direito de propriedade a seu favor, inscrito na respectiva matriz sob o art. 492.

   8 - O réu CC, permutou o prédio referido em 7., com a 2ª ré, pelo prédio identificado no documento junto com a petição inicial sob o nº 11.

   9 - Recebendo, em acerto de valores, mais 150.000,00 €.

   10 - O FF nasceu em 13-10-1930.

   11 - Por sentença proferida no processo nº 3712/07.4TBMAI, transitada em julgado, foi declarado que o FF, por virtude de anomalia psíquica de que padecia, estava incapacitado de reger a sua pessoa e bens desde 01/01/2006.

Dos factos que resultaram provados no julgamento:

12 - Os demandantes tomaram conhecimento da doação, já depois do decesso FF, ocorrido, em 30 de Março de 2008.

  13 - Contudo, naquele 25 de Janeiro de 2007 o FF encontrava-se impedido de entender o sentido e de querer o alcance da declaração manifestada naquela escritura.

  14 - Incapacidade que se exteriorizava através de vários sinais.

  15 - Em Setembro de 2005 o doador, FF, foi acometido por um acidente vascular cerebral.

  16 - Deste AVC adveio-lhe hemiparésia direita.

   17 - Ao tempo em que sofreu o mencionado AVC, o FF vivia sozinho na sua residência da Rua …, n.º 920 - A, …, Maia,

   18 - Passando, daí em diante, a ser assistido e auxiliado nas suas tarefas diárias de higiene, alimentação e cuidados de saúde por um casal de vizinhos: NN e mulher.

    19 - Nessa altura, o FF evidenciava já um discurso arrastado e confuso, marcado por revivescência de episódios relacionados com partilhas.

   20 - E repetidas alusões persecutórias em relação à irmã, a aqui 2.ª autora.

   21 - Nos primeiros dias de Janeiro de 2006, o FF foi vítima duma queda na sua residência.

   22 - Tendo sofrido traumatismo crânio- encefálico.

   23 - No dia 8 de Janeiro de 2006, o FF sofreu duas paragens cardio respiratórias.

    24 - Tendo sido assistido pelo INEM.

    25 - Que depois o conduziu à Unidade de Saúde de Matosinhos (Hospital …).

    26 - Onde ficou internado.

    27 - Conforme dos respectivos registos clínicos ressuma, o FF apresentava um discurso lentificado e confuso, com alteração do estado de consciência.

28 - Os mesmos registos clínicos da Unidade de Saúde de Matosinhos referem informação prestada pelo Médico de Família do FF, segundo a qual este tinha já antecedentes de alterações de personalidade.

29 - Os médicos que assistiram o FF durante o internamento hospitalar fazem referência a períodos de obnubilação mental e discurso persecutório.

30 - O FF teve alta a 11-01-2008, tendo-lhe sido diagnosticada “Demência, por multi-enfartes cerebrais”.

   31 - Um dos médicos da Unidade de Saúde de Matosinhos que acompanhou o FF durante o respectivo internamento alertou o Sr. NN da necessidade de acompanhamento psiquiátrico.

   32 - E entregou-lhe uma carta fechada, para ser presente a clínico dessa especialidade.

  33 - O Sr. NN confiou essa carta ao Dr. OO.

   34 - Após regressar à sua residência da Rua …, onde, acamado e entubado, continuou a ser assistido e tratado pelo referido NN e mulher.

    35 - O FF, no dia 23 de Janeiro de 2006, num acesso de violência, arrancou os tubos lhe estavam aplicados.

     36 - Chamado o Médico de Família do FF, Dr. OO, este opinou que o mesmo carecia de cuidados de saúde e de assistência permanentes.

     37 - Tendo recomendado o seu internamento no estabelecimento denominado “Clínica Geriátrica …”, no Porto.

     38 - A tal que é propriedade da beneficiária do testamento referido em 4. supra, efectuado no mesmo dia e local da doação que aqui se questiona.

     39 - Face ao mencionado anúncio de internamento, o Sr. NN, chamou o Sr. Dr. PP, advogado do FF há já muitos anos e pessoa na qual este depositava inteira confiança.

    40 - O Sr. Dr. PP, na tarde desse mesmo dia 23 de Janeiro de 2006, deslocou-se à residência do FF.

    41 - E quando lá chegou, já lá estavam o Sr. Dr. OO e o marido da proprietária da tal Clínica …, Sr. QQ.

    42 - Nesse mesmo dia, o Dr. OO, o Dr. PP e o Sr. QQ discutiram as condições do internamento do FF na Clínica Geriátrica …, pelo tempo necessário ao respectivo tratamento.

     43 - No dia 23 de Janeiro de 2006 o FF deu entrada na Clínica Geriátrica ….

  44 - Quando foi internado na Clínica Geriátrica …, em 23-01-2006, o FF possuía, em depósito à ordem na conta bancária com o n.º 0001.0…1 BT - 000, do Banco RR, na Maia e noutras aplicações financeiras do mesmo banco, cerca de 400.000,00 € (quatrocentos mil euros).

  45 - Quando foi internado na clínica de …, em 23 de Janeiro de 2006, o FF era proprietário do prédio em que tinha instalada a sua residência e que constitui o objecto da questionada doação.

   46 - Em 3 de Fevereiro de 2006, o FF, em acto de urgência, foi conduzido pelos responsáveis da Clínica Geriátrica … ao Cartório Notarial da Maia, sito à Praceta …, n.º 37, e constituiu sua procuradora a Dr.a SS, a quem conferiu poderes para: “proceder a qualquer abertura de contas bancárias em nome do outorgante, em qualquer instituição bancária, financeira, ou de crédito, podendo movimentá-las, tanto a débito como a crédito, incluindo movimentar qualquer conta de que o outorgante seja ou venha a ser titular, individualmente ou em conjunto, podendo proceder a transferências das mesmas, de uma para outra ou outras instituições bancárias, designadamente no Banco RR, S.A., podendo requisitar e assinar cheques, tanto a crédito como a débito, bem com nelas proceder a levantamentos e / ou depósitos de títulos ou outros valores mobiliários, podendo dar ordens de aquisição ou de venda, e de, um modo geral, gerir e administrar as suas contas e quaisquer aplicações financeiras delas emergentes, enquanto o outorgante permanecer nesta situação de incapacidade física por se encontrar acamado na referida clínica, em relação à qual a mandatária poderá acertar quaisquer quantias ou valores em dívida relacionados com o seu internamento, tratamento e estadia”.

 47 - Em 5 de Fevereiro de 2006 foi emitida uma declaração, pela Clínica Geriatria …, assinada pelo seu director clínico, Dr. TT, onde consta que: “Por imposição do doente Sr. FF, este não quer ter visitas dos seus familiares. Assim, após análise desta decisão do doente, o corpo clínico decidiu: Estão vedadas as visitas ao doente em causa, em virtude de o doente se encontrar dentro das suas capacidades mentais, avaliadas, pelo colega de Psiquiatria”. A partir dessa os responsáveis da Clínica Geriátrica … proibiram todo e qualquer contacto entre o FF e os seus familiares, aos quais passam a vedar a entrada na clínica.

 48 - No dia 10-02-2006 a referida conta bancária do FF regista os primeiros movimentos, com a entrada de 50.000,00 € provenientes de resgate de títulos, logo seguida das saídas de 27.670,00 € em 13-02, de 21.885,00 € em 21-02 e de 8.710,25 € em 13-03.

  49 - Sendo que entre esse 10 de Fevereiro de 2006 e o dia 31 de Outubro de 2006 saíram daquela conta bancária do FF, pelo menos, mais 310.388,16 €.

  50 - No dia 30-08-2006, o Dr. PP comunica aos responsáveis da Clínica … que, a pedido do Sr. FF, no dia 31 iria transferi-lo para unidade hospitalar, solicitando o respectivo processo clínico e a apresentação de contas - doc. 7, fls. 40.

 51 - No dia 31-08-2006 a proprietária da Clínica e o seu marido opuseram-se à saída do FF.

  52 - Tendo mesmo solicitado a intervenção da P.S.P. da 6.ª esquadra do Porto.

 53 - Perante a qual o FF terá dito não querer sair.

 54 - Em 6 de Setembro de 2006, o FF, no Cartório Notarial do Porto da Notária UU, sito à Rua …, 706,1.º, onde foi conduzido pelos responsáveis da Clínica Geriátrica … e pelo primeiro réu, CC, constituiu este seu procurador, conferindo-lhe poderes para: “gerir e administrar todos os seus bens pessoais e patrimoniais; para o representar perante todos os estabelecimentos de crédito, bancos em geral - incluindo o “Banco RR S.A.”, designadamente, a conta número zero, zero, dois, zero, um, um, quatro, oito, zero, zero, dois, -- abrindo, movimentando - a débito e a crédito - e encerrando contas, podendo proceder a transferência das mesmas de uma para outra instituição de crédito, podendo requisitar, emitir, e endossar e assinar cheques e ordens de pagamento, assim como solicitar saldos, extractos de conta e requisitar cartões de crédito, bem como nelas proceder a levantamentos e depósitos de títulos ou outros valores mobiliários, podendo dar ordens de aquisição ou de venda, e, de um modo geral, gerir e administrar as suas contas e quaisquer aplicações financeiras delas emergentes; para celebrar quaisquer tipos de contratos, estipulando cláusulas e condições que entender necessárias, assinar contratos de locação, rescindir contratos, outorgar, aceitar, rectificar, ratificar e assinar escrituras públicas ou documentos particulares de qualquer natureza; para o representar perante quaisquer Conservatórias do Registo Civil, Comercial ou Predial, assinando, autorizando e requerendo tudo o que se torne necessário; para, receber quaisquer importâncias em dinheiro, valores ou rendimentos, certos ou eventuais, vencidos ou vincendos, que pertençam ou venham a pertencer ao outorgante por qualquer via ou título, passando recibos e dando quitações; para o representa junto de quaisquer repartições públicas ou administrativas, designadamente nas Câmaras Municipais e nas Repartições de Finanças competentes, liquidar impostos ou contribuições, reclamando dos indevidos ou excessivos, recebendo títulos de anulação e as suas correspondentes importâncias, requerer avaliações fiscais e inscrições matriciais, fazer manifestos, alterá-los ou cancelá-los; assinar quaisquer documentos relacionados com o Imposto Municipal de Imóveis, apresentar relações de bens ou mapas de inquilinos, podendo ainda prestar quaisquer declarações complementares; requerendo a assinando tudo o que se torne necessário aos indicados fins; para o representar junto de quaisquer entidades ou instituições, públicas ou privadas, designadamente junto de qualquer companhia de seguros, “Portgás - Electricidade do Norte”, “EDP - Energias de Portugal, AS” e Segurança Social, requerendo e assinando todo o que necessário for para efeito; para, junto dos CTT, poder receber toda e qualquer correspondência que lhe seja dirigida, assinando recibos e vales e tudo que se mostre necessário aos indicados fins; mais lhe conferido poderes para o representar em juízo, usando para o efeito, de todos os poderes forenses em direito permitidos, os quais, deverá substabelecer em advogado ou procurador habilitado, sempre que deles tenha de usar, podendo, ainda, o mandatário contratar para o mandante advogado ou advogados que o representem em qualquer assunto judicial ou extrajudicial, outorgando em nome e representação do mandante as respectivas procurações forense, incluindo poderes especais, e ainda conferindo ao mandatário os poderes de revogar quaisquer mandatos anteriormente outorgados seja por via de procuração forense ou por via de instrumento notarial, nomeadamente aos Senhores Drs. PP, VV e XX, todos eles Advogados com domicílio profissional na cidade de Vila do Conde, na Avenida …, n.º …, 1.º Direito; mais confere poderes ao mandatário para contratar e outorgar com a Clínica de Geriatria de … de LL, contribuinte fiscal n.º 16…, sita na morada acima indicada, desta cidade do Porto, ou outra ou outras eventualmente escolhidas pelo mandatário, qualquer tipo de contrato nos termos, condições e cláusulas que entender por convenientes, relativa à sua estadia, permanência, tratamento e internamento de que careça o mandante, ainda que vitaliciamente.”.

   55 - Antes de ser levado para a Clínica Geriátrica .., o FF não conhecia nem a respectiva proprietária, nem o marido, tampouco o réu CC, o qual é arquitecto de profissão.

  56 - Em 25-09-2006, o FF, revoga o testamento que em Dezembro de 2005 havia feito a favor dos referidos vizinhos NN e mulher.

  57 - E, em 25-01-2007, acaba por transferir para o réu, donatário, o prédio que constituía a sua residência.

  58 - Como se alcança do depoimento por ele prestado no âmbito da providência cautelar apensa aos autos de interdição n.º 3712/07.4TBMAI, do 3.º Juízo Cível da Maia, o doador nem sequer chegou a tomar consciência e a aperceber-se de que a casa em que tinha instalada a sua residência tivesse ficado abrangida pela doação.

 59 - Nem o queria.

 60 - Das respostas dadas ao Meritíssimo Juiz de Direito que o interrogou, por várias vezes, o FF referiu ter doado o terreno, mas ter ficado com a casa.

  61 - Ter reservado, para si, o usufruto da casa.

  62 - Deixando a questão da propriedade da casa para os outros resolverem depois da sua morte.

   63 - Pese embora se tenha atribuído à doação o valor de cem mil euros, certo é que o imóvel valia, pelo menos, quatro ou cinco vezes mais.

   64 - E tanto assim que: em 10 de Agosto de 2007, depois de demolir a casa que se encontrava edificada no sobredito prédio objecto da doação.

  65 - O réu CC permutou-o, com a 2.ª ré, pelo identificado no doc. junto sob o nº 11 com a petição inicial.

   66 - Recebendo, em acerto de valores, mais 150.000,00 euros.

   67 - Ao tempo destes factos o FF contava 76 anos de idade, pois que nasceu em 13-10-1930.

   68 - Provinha duma família rural, de humilíssima condição sócio cultural.

    69 - Encontrava-se doente e acamado,

   70 - Necessitado de cuidados de saúde e de assistência permanente, por parte de terceiros, para se desembaraçar das suas tarefas diárias de higiene, alimentação, etc.

  71 - E, assim, numa situação de grande debilidade física e fragilidade anímica e emocional.

   72 - No processo n.º 3712/07.4TBMAI, uma acção de interdição, o FF, enquanto arguido, foi submetido a perícias médicas, do foro psicológico e psiquiátrico que vieram corroborar as suas apontadas incapacidades intelectual e volitiva.

   73 - Enfatizando défices cognitivos acentuados e susceptíveis de interferirem no seu quotidiano.

    74 - Na perícia do foro psiquiátrico a que, no dito processo, foi submetido, o FF revelava já, para além de marcada lentificação psicomotora, um humor deprimido ”... não tenho mais nada na vida”;

  75 - E marcadas carências afectivas “... dei tudo à MM e à mãe e não me arrependo...nunca me apaixonei tanto como pela MM ... se não tivesse sido homem, até teria acontecido muito mais...”.

  76 - Essa mesma perícia psiquiátrica mostra, que o FF não tinha sequer consciência das suas próprias limitações, confabulando projectos de realização completamente impossível: “ ...a MM gostava muito de mim... apesar dos 15 anos, era uma verdadeira mulher... talvez pudéssemos ter casado...”.

   77 - Só a absoluta ausência de sentido crítico e a excessiva familiaridade com estranhos, características marcantes deste tipo de processos demenciais, poderão justificar a desinibição com que o FF passou a discorrer com a perita médica a respeito das suas relações, de cariz amoroso e sexual, com uma menor de 14 anos.

  78 - Só a mesma ordem de razões justifica a excessiva e rapidíssima familiaridade estabelecida com pessoas totalmente estranhas, como lho eram a dona da clínica, a filha e o réu CC.

   79 - A favor dos quais abriu mão da maior parte do seu património.

   80 - Concluiu-se no dito relatório da perícia psiquiátrica realizada ao FF, que todas as decisões por ele tomadas após o AVC que o vitimou em Setembro de 2005, foram realizadas sem o devido discernimento para o seu total alcance.

   81 - Por tal e tanto, a apontada doação que, em 25 de Janeiro de 2007, o FF, fez no Cartório Notarial de EE, sito à Rua …, n.º …, 1.º, salas …, .., e …, Matosinhos, a favor do réu CC, não corporiza uma declaração de vontade espontânea, esclarecida e livre.

   82 - No momento da doação ao réu CC o FF não entendia nem queria o que, na respectiva escritura, ficou consignado como tendo sido por ele dito.

   83 - A sua inteligência vinha já deteriorada pelo quadro demencial decorrente dos vários e sucessivos enfartes cerebrais e das paragens cardio respiratórias de que foi acometido a partir de Setembro de 2005.

   84 - A sua vontade encontrava-se enfraquecida pelos mesmos anteditos episódios de saúde.

   85 - Da transcrição que consta de fls. 41 no proc. nº 3712/07.4 TB MAI, sessão de 1/6/07, cassete 1, Lado A, resulta que o falecido FF tinha plena consciência do nome, estado e morada com indicação do nº da porta.

  86 - A fl. 42 e 43, diz claramente que não vive em casa mas numa clínica e identifica e limita o tempo na qual permanece e porque foi para lá.

   87 - A fl. 44 e 45 diz que foi para essa clínica por indicação do Sr. Dr. OO a quem conhece muito bem por ser cliente dele.

   88 - A fls. 47 diz que é o Sr. CC que trata dos assuntos dele e rejeita qualquer contacto com a família a fls. 48 e segs. e até consegue identificar o Sr. NN que tratava dele a quem tinha feito um testamento (fls. 48 in fine) e a fls. 50 ratifica que confia no CC.

   89 - A fls. 52 diz que “a terra já a dei… não vendi, dei”, “e ao senhor CC também”.

   90 - A fls. 59 acentua que não quer que os irmãos fiquem “nem um tostão” e prefere que sejam os outros a ficar mas nunca os irmãos.

   91 - A fls. 72 específica quanto é a reforma dele por mês - duzentos e vinte e seis euros.

    92 - No final de fls. 73 e na fls. 74 acentua que não quer dar nada aos irmãos.

   93 - A resposta que ele dá para uma procuração a fls. 75 e a forma categórica com que afirma que mesmo os irmãos vivendo ao lado dele, nunca o foram visitar ou ajudar - fls. 92, 93, 94 e 95.

   94 - Todo o depoimento do falecido FF se verifica em 1 de Junho de 2007, quando a escritura de doação foi outorgada em 25/01/07.

   95 - Do Relatório da Sr.a Dr.a ZZ junto à p.i.. a fls. 62 de 192, consta que o falecido FF identificou todos os irmãos e alguns sobrinhos.

   96 - Conclui a Técnica que “a sua postura é colaborante, mostrando-se interessado em esclarecer os factos, apesar da marcada lentificação psicomotora que evidência. Parece compreender tudo o que lhe é dito, mantendo aparentemente um raciocínio coerente conservado, expresso no discurso fluente, coerente, apesar de lentificado.

   97 - Tal relatório data de 10/12/07.

   98 - Na procuração datada de 6/9/2006 no Cartório da Licenciada UU (fls. 91 de 192 da P.I.) intervieram os peritos médico-legais - Dr. AAA e Dr. BBB, que atestaram a idoneidade psíquica e mental do uso pleno das suas faculdades por parte do Sr. FF.

99 - Na procuração de 3/2/2006 no Cartório do Licenciado CCC (fls. 99 de 192 da P.I.) intervêm os peritos médicos - Dr. BBB e Dr. DDD, que atestaram a idoneidade psíquica, moral e mental do pleno uso das suas faculdades por parte do falecido Joaquim.

100 - A ré não conhecia o 1º réu de lado algum e, o negócio foi-lhe apresentado por um Agente Imobiliário da Maia, Sr. EEE.

101 - E toda a documentação foi tratada por uma Advogada, Dra. FFF, filha deste EEE.

102 - Depois duma negociação chegou-se ao acordo que se concretiza no que consta da escritura de permuta outorgada em 10/08/2007 no Cartório Notarial da Maia.

103 - A propriedade adquirida, foi registada a favor da ré, sem ónus ou qualquer encargo, em 20/08/07 (fls. 180 de 192 da P.I.).

104 - Para além duma verba em dinheiro, a ora ré entregou ao vendedor (1º réu) um lote de terreno destinado a construção.

105 - Esse lote já foi vendido e já lá está em construção uma moradia.

106 - A ré tem em curso na Câmara Municipal da Maia um processo de loteamento do terreno que adquirira ao 1º réu CC.

107 - A ré desconhecia que, por traz do vendedor permutante, pudesse existir alguma forma ilícita ou ilegal de aquisição.

108 - Aliás, a tal Sr.a Dr.a FFF, filha do Agente Imobiliário EEE, encarregou-se de verificar que o prédio não tinha qualquer impedimento à sua transmissão e, logo após a escritura de permuta entregou o registo a favor da ré sem qualquer ónus ou encargo.

109 - A ré tem como escopo social a realização de loteamentos, compra e venda de terrenos e construção de imóveis.

110 - Tendo adquirido o terreno em causa para dar continuidade aos seus negócios no ramo imobiliário.

111 - Sendo que logo contratou um Gabinete de Arquitectura da … para realizar o respectivo projecto de loteamento, que está pendente na Câmara Municipal da …, tendo despendido em honorários 9.000,00€.

112 - Em IMT, com a permuta, liquidou 7.500 €.

113 - Na escritura e registos liquidou 1.476,35 € e 321,20 €.

114 - Na Câmara Municipal da … em taxas para o licenciamento do loteamento já pagou 469,13 € e num ensaio acústico ao terreno o valor de 714 €.

115 - A ré já deu início ao alargamento da Rua que passa junto ao terreno, por imposição Camarária e, para garantia das obras, teve de obter uma garantia bancária, no que já pagou 356,00 €.

116 - Caso a acção proceda, os autores vão receber um terreno já em adiantada fase da obtenção do seu licenciamento para loteamento, com custos suportados pela ré na obtenção desse licenciamento, que é o fim normal para que serve o terreno e seria esse, também, o destino que lhe dariam os autores ou um possível comprador.

117 - Pois não é um terreno para fins agrícolas, antes estando em zona de construção.

118 - A presente acção deu entrada no dia 14.11.2009 e foi registada em 02.12.2009.


          III - DIREITO

1. Como é sabido, e flui do disposto nos arts. 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do C. P. Civil, o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões da alegação do recorrente, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas, sendo certo que o conhecimento e solução diferidos a uma(s) poderá tornar prejudicada a apreciação de outra(s).

De tal sorte, e tendo em mente o quadro de sintéticas proposições com que a aqui Ré/Recorrente finda a sua douta minuta recursória, alcança-se que as questões em tal contexto suscitadas são as que seguem:

1 –. Ilegitimidade dos AA., na medida em que não serão herdeiros do falecido FF;

2 ––. Falta de justificação da data da incapacidade do falecido FF fixada em 1.01.2006;

3 – Em face do resultado da prova, a doação feita pelo dito Falecido a favor do R. CC, não é nula ou anulável;

4 – E assim, também o não é a escritura de permuta realizada entre o R. CC e a Ré DD, Ld.ª ;

5 – A Ré DD, Ld.ª, caso a acção proceda, tem de ser indemnizada pelos valores que suportou com o projecto, obras e taxas com vista ao licenciamento do terreno objecto da permuta.

Vejamos, pois.

2. Presente a necessária precedência lógico-jurídica, temos que a Ré/Recorrente começa por sustentar a falta de legitimidade dos AA. para a lide.

Com efeito – dizem – se a incapacidade do Falecido FF tem de ser reportada – mercê da sentença de interdição proferida no Proc. 3712704. 7TBMAI ‑, a 1.01.2006 [Facto n.º 11], valendo esta data “ius et de iure”, então também a revogação do testamento operada pelo “de cujus” a 25.09.2006, visando o testamento pelo mesmo efectuado a favor do casal formado por NN e Mulher, instituindo estes, entre o mais, seus sucessores [Facto n.º 56], tem de ser tida por nula e de nenhum efeito e, portanto, os mesmos [membros do casal] como únicos herdeiros do finado.

Salvo o muito respeito – desde já se adiante – cremos que não lhe cabe razão.

Como bem salienta o A./Recorrido, essa mesma questão da ilegitimidade dos AA. já foi suscitada – e nos exactos moldes que aqui ocorre – pela ora Recorrida no seu requerimento de fls. 594 v.º - 595, tendo sido objecto de específica ou concreta apreciação no despacho saneador [ fls. 629 v.º].

Ora, aí se ponderou, além do mais, que “[… ] pese embora tenha [o Falecido] sido declarada interdito desde 01/01/ 2006, pois que a acção de interdição do FF foi proposta em 16/04/207 e publicitada a 09/05/2007 (cfr. doc.de fls. 615 a 617), e aos negócios celebrados pelo incapaz antes de anunciada a propositura da acção (como é o caso da revogação de testamento), aplica-se o disposto sobre a incapacidade acidental (art. 150.º do CC).”

Prosseguindo, e após se reproduzir o enunciado legal respeitante ao art. 257.º, do CC, mais se referiu no despacho em apreço:

‑ “Ora a revogação do testamento invocada foi efectuada em data anterior à da publicidade da acção de interdição, e não foi invalidada por decisão judicial, nem consta dos autos que tal pedido de anulação tenha alguma vez sido efectuado.”

E assim se conclui – como antes ali considerado – que os AA. “[…] são, neste momento, os únicos e universais herdeiros de FF”, em consequência julgando a invocada excepção da ilegitimidade dos mesmos improcedente.

Pois bem. Proferido este despacho, com a inerente notificação das partes, seguindo os autos a concernente e legal tramitação teve lugar a prolação da sentença, como vimos, julgando a acção improcedente e absolvendo os RR. dos pedidos contra eles deduzidos.

Ora, havendo o A. AA interposto recurso de apelação dessa sentença, por nenhum dos RR./vencedores foi lançado mão, como, para o caso, forçosamente se impunha – mor do disposto no art. 644.º do CPC - do procedimento previsto no art. 636.º do mesmo Diploma - ampliação do âmbito do recurso  - , pelo que o dito despacho saneador transitou em julgado. Passando a constituir caso julgado formal, frente ao estatuído no art. 595.º, n.º 3 (primeira parte), referido à al. a), do n.º 1, desse preceito, também do sobredito Código.

E, portanto, com força obrigatória dentro do processo – art. 620.º, n.º 1, do CPC - impeditiva de nova apreciação no âmbito do mesmo.

Tanto mais quanto é certo – anote-se - que tal adjectiva questão não foi alvo de mera tabelar e genérica referência declarativa, mas, bem ao invés – e como vimos de mencionar e descrever - , sobre a mesma recaiu uma expressa e desenvolvida apreciação, incidente sobre os vários elementos a ter em conta, implicantes, para essa apreciação e consequente resolução.[2]

A afirmada legitimidade dos AA. é, pois, neste momento, dado assente e insusceptível de discussão.

Pelo que, conforme o adiantado, a douta objecção recursória em presença naufraga.

3. Sustenta em seguida a Ré/Recorrente que a data da incapacidade do falecido FF, reportada a 1.01.2006, apresenta-se falha de justificação.

De novo, e salvo sempre o muito respeito, cremos a vertente objecção improcedente.

Como deflui do Facto n.º 11, tal incapacidade, fundada em anomalia psíquica de FF e como tendo início em 1.01.2006, foi fixada na sentença proferida, em 21.05.2010, no já mencionado Proc. n.º 3712/04.7TBAI.

Tal sentença, tendo sido objecto de recurso para a Relação, foi por esta confirmada, tendo o concernente acórdão transitado em julgado a 20.10.2011.

Destarte, uma vez mais, se nos depara a figura do caso julgado.

Não já, como bem é de ver, o caso julgado formal, mas o caso julgado material - arts. 619.º, n.º 1, e 621.º, ambos do CPC.

Ora, a força da decisão por tal figura coberta, como sabido, impõe-se a qualquer outro tribunal – “dentro do processo e fora dele”, lê-se no sobredito n.º 1, do art. 619.º - , não podendo, por isso – e exceptuada a hipótese de recurso de revisão, nos termos dos arts. 696.º e ss. - , ser objecto de qualquer controvérsia, verificando-se esse insuperável cariz vinculativo – é dizer, “autoridade de caso julgado” - independentemente da coexistência ou não da tríplice identidade a que se refere o art. 581.º do CPC.[3]

Deste modo, indiferentemente a se achar, ou não, consistentemente fundamentada a data de começo da incapacidade fixada ao Falecido, na sentença decretadora da respectiva interdição, o certo é que, tendo a mesma sido integralmente confirmada por superior douto aresto recursivo, transitado, tal veredicto surge agora, como dito, em absoluto injuntivo, nenhuma dúvida, questionação, a seu respeito, comportando.

A douta objecção ora analisada soçobra, pois, também.

4. Seguindo, defende a Ré/Recorrente que tendo em mente o resultado da prova produzida – factos provados e não provados - a doação feita pelo dito Falecido a favor do R. CC, não écontrariamente ao decido no acórdão ora sob recurso - nula ou anulável.

Que dizer agora? Vejamos.

Para decidir nesse sentido ora posto em crise, a Relação do Porto, no acórdão recorrido, ateve-se, entre o mais, ao que – ora aqui transcrevendo – se segue:

- “No caso vertente temos que por sentença de 21 de maio de 2010, proferida na acção de interdição 3712/07.4TBMAI, confirmada por Acórdão da Relação do Porto de 4 de outubro de 2011, transitado em julgado em 20 de outubro de 2011, foi julgada procedente tal acção e declarado que o requerido FF, por virtude de anomalia psíquica de que padecia, estava incapacitado de reger a sua pessoa e bens desde 1 de janeiro de 2006.

A doação em causa nos autos foi outorgada por aquele FF, como doador, no dia 25 de Janeiro de 2007.

Resulta assim provado que, embora na data em que foi outorgada a doação o doador não se encontrasse ainda interditado por anomalia psíquica, tal veio a ocorrer com o trânsito do Acórdão da Relação do Porto de 4 de Outubro de 2011, que ocorreu no dia 20 de Outubro de 2011, embora importe ter em consideração que a data do início da incapacidade por anomalia psíquica do requerido FF foi fixada em 1 de janeiro de 2006, nos termos do art. 957º nº 1do CPC.

Ora, a partir do momento em que o requerido FF foi declarado interdito por anomalia psíquica no processo especial de interdição 3712/07.4TBMAI, incapacitado de reger a sua pessoa e bens desde 1 de janeiro de 2006, passou o mesmo a ter um estatuto jurídico próprio no que toca aos actos de ordem pessoal e de natureza patrimonial por si praticados desde aquela data, incluindo a doação aqui em questão, não tendo sentido proceder á averiguação da incapacidade acidental do mesmo no momento em que outorgou a polémica doação em 25 de janeiro de 2007.

A sentença de anomalia psíquica, transitada em julgado no dia 20 de Outubro de 2011, fixou a data da incapacidade em 1 de janeiro de 2006, retrotraindo-se os efeitos da decisão a tal data, tornando inválidos todos os actos praticados pelo requerido desde então, configurando-se uma situação idêntica à que o legislador prevê especificamente para a incapacidade de testar baseada na interdição por anomalia psíquica (art. 2189º al. b) do CC, preceito de que podemos lançar mão analogicamente, ficando a doação inquinada de nulidade por força da incapacidade (permanente, decretada na sentença) do doador, incapacidade esta que não carece de averiguação e discussão, pois que se baseia na presunção do estado ou situação de incapacidade iuris et de iure criada pela sentença.

Assim, tendo em conta o ditâme resultante da sentença de interdição, ficando inexoravelmente inquinada a doação em causa nos autos, não tem qualquer sentido discutir a factualidade relacionada com a alegada incapacidade acidental, já que esta incapacidade resulta evidenciada daquela decisão, em termos permanente e não meramente acidentais..”

E na conformidade do exposto, uns passos adiante, concluiu-se que “[…]sem necessidade de reapreciar os meios de prova, tal como requer o apelante, pois tal configuraria acto inútil que a lei processual proíbe (art. 130º do CPC), na procedência da apelação (embora com diversos fundamentos jurídicos), haverá que decretar anulada a doação outorgada pelo doador FF a favor do Réu CC.”

Em consonância com o ora expendido, temos, pois, que o ventilado acórdão, partindo da constatação que o Falecido FF havia sido declarado interdito, mercê da incapacidade de reger a sua pessoa e bens, por virtude da anomalia psíquica de que padecia, desde 1.01.2006 – em observância ao disposto no art. 957.º, n.º 1, do anterior CPC - valendo o estabelecimento desta data “iuris et de iure”, e com efeitos à mesma retrotraídos, logo, força é concluir que aquando da doação do prédio “Campo da GG”, efectuada pelo mesmo FF a favor do R. CC – 25.01.2007 - , ele já se encontrava remetido ao “limitado” estatuto jurídico próprio dessa condição de interdito.

Como tal – e ainda segundo o enfocado aresto - , justifica-se aplicar analogicamente o disposto no art. 2189.º, al. b), do CC – no sentido de que “são incapazes de testar os interditos por anomalia psíquica”;.

Pelo que, importando considerar a dita doação inquinada de nulidade, ficando assim dispensada de averiguação e discussão a incapacidade do doador - presumida, como dito, “iuris et de iure”, mor do estatuído na sentença de interdição -, completamente despicienda e inútil se apresenta qualquer diligência – conforme o pretendido pelo A. e aqui Recorrido AA, com a impugnação da decisão de facto por si deduzida -, tendente a apurar, quer do conhecimento por parte do donatário da situação de incapacidade do doador para compreender do alcance da sobredita doação, quer da notoriedade de tal incapacidade.

E assim fundado, no acórdão em atinência, rematou-se com a, como tal justificada, abstenção do conhecimento dessa impugnação, e, sem mais, com o julgamento, seja da prefalada doação, seja da permuta do imóvel, na sequência da mesma efectuada pelo donatário, como nulas.

Ressalvando sempre melhor entendimento, afigura-se-nos não ser de sufragar este entendimento seguido pela Relação.

E para assim concluir, quadra-se-nos da mais completa relevância ora chamar à colação o decidido no acórdão deste Supremo de 22.01.2009[4], versando sobre caso de configuração exactamente coincidente com aquele aqui em exame, e em cuja síntese argumentativa – para o que aqui interessa - , se pode ler[5]:

       - 1. No que concerne ao regime legal dos actos praticados pelo interdito, há diferenças de tratamento conforme esteja em causa negócio jurídico praticado pelo interdito (i) após o registo da sentença de interdição definitiva (art. 148º CC), ou (ii) na pendência do processo de interdição, depois de publicados os anúncios a que alude o art. 945º do CPC (art. 149º), ou (iii) anteriormente à publicidade da acção de interdição (art. 150º).

       - 2. Tendo o contrato aqui impugnado sido celebrado antes da publicação do anúncio da acção de interdição, está, por força do disposto no indicado art. 150º, sujeito ao regime, previsto no art. 257º do CC, dos actos praticados por quem, devido a qualquer causa, se achava acidentalmente incapacitado de entender o sentido da declaração negocial ou não tinha o livre exercício da sua vontade.

        - 3. Esses actos só são anuláveis desde que, no momento da sua prática, isto é, no momento em que é emitida, pelo interdito, a sua declaração de vontade, haja neste uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade, e que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (nos contratos, a contraparte), entendendo-se notória a incapacidade quando uma pessoa de normal diligência a teria podido notar.

        - 4. A declaração judicial, na sentença que decreta a interdição, sobre a data do começo da incapacidade, constitui mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência, da incapacidade, à qual pode ser oposta contraprova, nos termos do art. 346º do CC.

        Destes doutos considerandos – com os quais, diga-se, na íntegra nos identificamos - , resulta, pois – e revertendo ao caso em apreciação -, que tendo a doação do imóvel efectuada pelo Falecido FF tido lugar anteriormente à propositura da acção de interdição do mesmo – 25.01.2007 e 16.04.2007, respectivamente -, e portanto à publicitação de tal acção, é-lhe aplicável o regime plasmado no art. 150.º do CC, no qual se estipula – subordinadamente ao título “Actos anteriores à publicidade da acção”- que aos negócios celebrados pelo incapaz antes de anunciada a proposição da acção é aplicável o disposto acerca da incapacidade acidental; ou seja – e mercê desta referência remissiva – o disposto no art. 257.º, do mesmo Diploma, exactamente com esse título – “Incapacidade acidental”, e constando do respectivo corpo o que segue:

    - 1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.

     2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.

      Frente a esta normação, pois, de concluir é que a doação ora ajuizada, dada a sua precedência em relação à acção de interdição e respectiva tramitação, apenas é susceptível de invalidação nesses termos daí decorrentes, e não – como entendido no acórdão recorrido -, fazendo funcionar, mediante aplicação analógica, o estatuído no supradito art. 2189.º, al. b), do CC.

       E como assim, desde logo por isso que à data da feitura de tal liberalidade, o doador ainda não estava declarado interdito.

       Mas então – perguntar-se-á - , vindo o aludido doador a ser objecto de tal declaração de interdição, e considerando-se ele afectado da correspectiva incapacidade desde momento claramente anterior ao da celebração dessa liberalidade, não terá o mesmo, ainda assim, de ser objecto de recondução à previsão da sobredita al. b), do art. 2189.º; já que, impondo-se fazer retrotrair tal declaração – “rectius”, a fixação da data nela operada – a esta mesma data, daí resulta que o doador, aquando da alienação, se achava efectivamente nas deficientes condições psicológicas de quem interdito, a exemplo do testador nessa dita previsão contemplado?

         A resposta quadra-se pela negativa.

        Com efeito, só assim seria se essa data de incapacidade, estabelecida em respeito do preceituado no art. 957.º, n.º 1, do anterior CPC [art. 901.º, n.º1, do actual], houvesse de ser tida – similarmente ao considerado no acórdão da Relação - , como “coberta” por presunção inilidível de efectivo começo de incapacidade, e a partir daí permanente, absolutamente irreversível, em relação ao Falecido FF.

       Como visto, porém, tal não é o entendimento a perfilhar, na senda do doutrinado nesse acórdão deste Tribunal Supremo, a partir do qual – e fazendo as devidas acomodações para o caso em presença - surge possível ler:

      - A sentença de interdição, que fixou o início da incapacidade em 1.01.2006, apenas constituiu um princípio de prova favorável à incapacidade do doador FF na data em que praticou o acto anulando (25.01.2007), não dispensando os demandantes de fazer a completa prova dessa incapacidade em tal data, já que sobre eles impende o respectivo ónus probatório. A declaração judicial sobre a data do começo da incapacidade constitui – afirma-se mais uma vez – mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência (praesumptio facti ou hominis), da incapacidade do interdito na data da celebração da escritura de doação– é dizer, uma prova prima facie ou de primeira aparência, que os arts. 349º e 351º admitem, enquanto mera dedução ou ilação autorizada pelas regras da experiência (id quod plerumque accidit), mas nada mais do que isso.

      Não, seguramente, uma presunção legal juris et de jure, absoluta, irrefutável; nem mesmo uma presunção legal juris tantum, a exigir da contraparte, para a sua ilisão, prova em contrário.

     Nestes termos, pois, não podendo o FF ser, sem mais, considerado como afectado, à data da realização da doação, de doença psicológica impeditiva de aquilatar do sentido dessa declaração negocial emitida, ou de livremente exercitar a sua vontade no tocante à mesma, mister se torna necessariamente entender que, a tal data, ele não pode ser tido como “ipso facto” interditado e, portanto, valendo em relação a si –por identidade de razão -, a incapacidade prevista na já reiteradamente mencionada al. b), do art. 2189.º, para o testador.

      De tal sorte, e como antes avançado, a invalidade do acto praticado pelo Falecido apenas logra concretização nos termos das disposições conjugadas dos arts. 150º e 257.º, do CC, ou seja – e repisando - , mediante a comprovação, quando de tal prática, da efectiva ocorrência dessa antes referida afectação e, bem assim, de que a mesma era obrigatoriamente de percepcionar, ou mesmo conhecida, por parte do donatário CC.

      Donde resulta que a fundamentação por que a Relação se guardou de conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, integrante do recurso de apelação para ela interposto pelo A. e aqui Recorrido AA, não se apresenta de acolher.


   5. Mas, sem embargo, não será esse acervo fáctico dado como [pacificamente] provado, e acima inscrito, suficiente – como, aliás, defende o dito Recorrido - , para se decidir do mérito da causa, que o mesmo é dizer, pela invalidação da escritura de doação outorgada entre o Falecido e aquele por qualquer dos fundamentos – além da incapacidade acidental, a ofensa dos bons costumes, o dolo e a usura - , invocados a alicerçar a pretensão deste último?

     Sempre sem quebra do devido respeito, pensamos que não.

      Na verdade, e como deflui da sentença apelada, essa decisão “de meritis”, para lhe assistir a necessária consistência – quanto a qualquer desses fundamentos - não pode prescindir da prova da matéria fáctica a que se reportam os, considerados não provados, art. 13.º - “e era [a incapacidade do doador FF] do conhecimento do donatário” -, art. 14.º -“tal-qualmente o era de qualquer pessoa, minimamente arguta, que com o FF privasse” -, e art. 67.º - “ainda e sempre induzido, conduzido e condicionado pelos mesmos responsáveis da Clínica, LL e J…, e pelo Réu CC, mas sem consciência do alcance do acto praticado e sem o querer”.

       Não obstante, é certo que o último segmento deste transcrito facto– “[…] mas sem consciência do alcance do acto praticado e sem o querer” - [ segmento que, a nosso ver, unicamente ao caso releva por, diversamente do outro e anterior, não integrar matéria exclusivamente de índole conclusiva e, portanto, de direito], se acha, com idêntica formulação, incluído entre o contingente dado como provado – Facto n.º 82: “No momento da doação ao réu CC o FF não entendia nem queria o que, na respectiva escritura, ficou consignado como tendo por ele sido dito."

       Todavia, cotejando ambas estas formulações em confronto, não vemos como não configurar entre as mesmas uma efectiva e insanável contradição, a obstar a uma inequívoca, objectiva e segura aplicação do direito.

     Assim, tanto por esta razão – arts. 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 2, ambos do CPC - , mas também para devidamente conhecer e decidir sobre o demais âmbito da impugnação incidente sobre o julgamento fáctico realizado pela 1.ª instância _ conforme visado no recurso de apelação -, impõe-se que os autos voltem à Relação, a fim de, a respeito de isso tudo, a mesma emitir o pronunciamento tido por conveniente.

       Após o que, fixada a factualidade a considerar, se deverá proceder ao enquadramento jurídico tido por aplicável.

           

  6. Em face do exposto, prejudicada fica, pois, a apreciação das demais questões suscitadas e supra elencadas, pelo que, sem mais, se remata com a seguinte

IV – DECISÃO

Termos em que, concedendo provimento à revista, anula-se o acórdão recorrido, ordenando a remessa dos autos à Relação do Porto, a fim de se conhecer dos aspectos acima apontados – contradição envolvendo os pronunciamentos a respeito da matéria do art. 67.º e do Facto n.º 82.º - e impugnação da decisão sobre a matéria de facto, seguindo-se os demais termos tidos por pertinentes.

Custas pelo vencido a final.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2018

Helder Almeida (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova

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[1] Rel.: Helder Almeida
   Adjs.: Exm.ª Conselheira Maria dos Prazeres Beleza e
              Exm.º Conselheiro Salazar Casanova.
[2] A este propósito, cfr., entre outros, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, in “Direito Processual Civil”, Vol. II, Almedina, p. 200, e José Lebre de Freitas e Outra, in “Cód. Proc. Civil- Anot., Vol. 2.º, 3.ª ed., Almedina, p. 657.
[3] Cfr. Obras antes cits, pp. 626 e ss. e pp. 599-600, respectivamente.
[4] Proferido no Proc. n.º 08B3333, e acessível in dgsi/Net; no mesmo sentido, além da jurisprudência do STJ referenciada neste mesmo aresto, ainda, e pelo seu desenvolvimento, o Ac. da R. C. de 7.07.1992, in Col., Tomo iv; p. 57.
 [5] Sublinhados nossos.