Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5149/20.0T8STB.E1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: CONHECIMENTO PREJUDICADO
MATÉRIA DE DIREITO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Quando a apreciação de determinada questão está subordinada, nas alegações de recurso, à condição de ser dada uma certa resposta a outra questão, improcedendo esta, o Tribunal tem o poder e o dever de, em conformidade com o artigo 608.º, n.º 2, do CPC, considerar prejudicada a apreciação daquela outra.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

Recorrente: Rodo Cargo, Transportes Rodoviários de Mercadorias, S.A.

Recorrida: Seguradoras Unidas, S.A.

1. Rodo Cargo, Transportes Rodoviários de Mercadorias, S.A., propôs acção declarativa comum contra Seguradoras Unidas, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe:

A) €139.043,16 (cento e trinta e nove mil quarenta e três euros e dezasseis cêntimos), correspondendo:

1 - €1.391,14 ao custo da reparação do reboque especial para transporte de automóveis matrícula SE-....; € 2.603,00 à indemnização pela paralisação do veículo; € 200,00 ao valor da peritagem que teve que realizar e pagar; € 4,60 ao envio da carta de reclamação de 7.07.2020; € 4,60 ao envio da carta de reclamação de 13.07.2020; € 3,85 + €3,85, relativos ao envio das cartas datadas de 11.08.2020, de resposta à Direcção do Ramo Automóvel da ré e outra de resposta à Direcção dos Ramos Reais da ré, no valor total de € 4.211.04

2 - €101.311,04 relativamente a penalizações, onde se inclui a impossibilidade de circulação do tractor especial para transporte de automóveis matrícula ..-OC-.. e do reboque especial para transporte de automóveis matrícula SE-...., no decurso da imobilização do reboque SE-...., e em face da impossibilidade do conjunto circulante matrículas ..-OC-../SE-.... prestar quaisquer serviços no período em que decorreu a execução da reparação do reboque.

B) - € 37.732,12 correspondente a juros simples à taxa de 14%, por referência ao período compreendido entre 15.02.2018 e 13.10.2020, data da entrada da p.i. (artigos 109 a 114)

C) Juros de mora, de 14% ao ano, em dobro da taxa legal como decorre do nº 1 e 3 do artigo 43º do DL 291/2007 sobre o montante da condenação até efetivo e integral pagamento, ou, caso assim não se entenda, juros de mora à taxa comercial, desde a mesma data até efetivo e integral pagamento, a que acresce a obrigação de pagamento de juros à taxa de 5% ao ano desde a data em que a Sentença de Condenação transitar em julgado;

D) O pagamento à autora das penalizações impostas pelo incumprimento do Decreto-lei 291/2007;

E) E a notificação para ainda no âmbito do processo, se assim o entender, comunicar a assunção ou não assunção da sua responsabilidade como fixado na alínea e) do artigo 36º do Decreto Lei 241/2007 a fim de parar com a penalização imposta por força do decorrente deste incumprimento €100,00/dia o qual se requer continue a contar e seja a ré condenada a pagar até à data da sua assunção de responsabilidade de forma positiva com o depósito à ordem do processo da verba que eventualmente venha a considerar como correta para pagamento dos prejuízos diretamente decorrentes do sinistro em causa.

Alegou, em síntese, que é uma sociedade comercial cujo objeto se prende com o transporte rodoviário de mercadorias por estrada, sendo possuidora do conjunto circulante especial para transporte de automóveis constituído pelo veículo tractor com a matrícula ..-.OC-.. e pelo reboque especial para transporte de automóveis com a matrícula SE-.....

No dia 22 de Dezembro de 2017, pelas 15:45 horas, na estrada que liga a saída da Auto Europa com destino à A-2, cerca de 60 metros depois da 1.ª rotunda ali existente, tendo por referência quem sai das instalações da Auto Europa, no distrito de ..., concelho de ..., ocorreu um acidente que envolveu o conjunto circulante constituído pelo veículo tractor especial para transporte de automóveis com a matrícula ..-OC-.. e pelo reboque especial para transporte de automóveis com a matrícula SE-.... e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-AX, segurado pela ora ré através da apólice nº ........91.

Tal acidente deveu-se a conduta culposa do condutor do AX, que foi embater com a parte da frente na traseira do reboque acima referido.

Em 26 de Dezembro de 2017 a autora enviou à ré, através da empresa sua representante, a sociedade R..., Lda., por correio normal, uma carta a “participar” o sinistro. Em 8.01.2018 recebeu da ré uma carta expedida por correio normal, datada de 27 de dezembro de 2017, onde são pedidos esclarecimentos sobre a acidente, carta a que não respondeu porque entendeu que os elementos solicitados já constavam da sua “reclamação”.

Atento o silêncio da ré, em 1.06.2018 enviou à ré nova carta a solicitar resposta à reclamação de 26.12.2017, insistência renovada em 28 de dezembro de 2018.

Em 31.01.2019 a ré enviou à autora uma carta cheque no valor de €2.876,29, com referência ao sinistro ........14, que a autora recepcionou em 5.02.2019, tendo presumido que tal montante visava ressarcir o acidente em causa nestes autos. Só mais tarde, quando procurou saber o que se passava em relação a um acidente que teve na carga de outro veículo, ao abrigo de uma apólice de cobertura da carga, é que foi informada que a importância antedita visava ressarcir o acidente da carga e não o dos autos.

Nessa sequência entrou em contacto telefónico com a ré, tendo-lhe sido solicitado o reenvio das cartas anteriormente expedidas o que fez, após o que a ré, em 4.08.2020, lhe enviou um email a solicitar a descrição pormenorizada do acidente, o que mereceu resposta da autora, a dizer que a atitude da ré não tinha contribuído para a resolução da questão, pelo que iriam intentar acção judicial.

Mais alegou que em face do silencio da ré procedeu ao arranjo do reboque nas suas próprias instalações, tendo o veículo demorado dois dias a arranjar e estado parado 5 dias.

Por último, alega que a ré viola reiteradamente o DL 291/2007, já que em determinadas outras situações em que teve intervenção, a ré também não assumiu uma posição em tempo.

Assim concluindo nos termos anteditos.

2. A ré contestou onde alegou que a autora litiga com abuso de direito, tendo em vista que o acidente de viação ocorreu em 22 de Dezembro de 2017, que a partir de 9/01/2018 os danos e prejuízos alegadamente sofridos e computados em 2.876,29, estavam fixados pela própria autora, pelo que a partir dessa data poderia propor acção contra a ré, o que só veio a fazer em Outubro de 2020, ou seja, 34 meses após o acidente e após a reparação que a própria efetuou, o que teve em vista receber o máximo possível, numa tentativa de enriquecimento ilegítimo, à custa do património da ré, sendo esta uma actuação que a autora. também prosseguiu em vários outros casos de acidentes de viação, em que reclama elevadas quantias para ressarcir danos e prejuízos de montantes diminutos.

Em 26/12/2017, o segurado da ré, proprietário e condutor do veículo AX, fez chegar aos seus serviços uma reclamação do acidente, no impresso da declaração amigável de acidentes de automóvel, assinado por ambos os condutores. Nessa reclamação não vinham descritas a forma e causas do acidente, nem vinham preenchidos quaisquer quadrados do nº 12 (circunstâncias). Também o croqui não permitiu concluir a responsabilidade ou contribuição de cada um dos condutores na eclosão do acidente.

Tendo em vista que a autora. também é sua segurada em apólice de Seguro de Carga, a ré abriu um processo de sinistro na apólice da autora, com vista ao apuramento da responsabilidade dos condutores e nesse mesmo dia procedeu à marcação da peritagem dos danos sofridos pelo AX.

Em 27/12/2017 remeteu à autora carta dizendo que teve conhecimento através duma reclamação que lhe foi apresentada, do acidente, tendo solicitado que lhe fossem fornecidos esclarecimentos complementares relativamente às circunstâncias em que ocorreu o sinistro, bem como à identificação dos intervenientes.

Neste quadro, a ré ficou sem elementos para, com segurança, imputar a responsabilidade a qualquer dos condutores, pelo que em 2/02/2018 remeteu carta ao proprietário do veículo AX, dizendo que não dispunha de prova bastante para concluir pela responsabilidade da autora, pelo que não aceitava sem mais prova qualquer responsabilidade da ora autora na eclosão do acidente e uma carta à autora dizendo que não havia prova bastante para concluir pela responsabilidade de qualquer um dos intervenientes e que por isso declinava qualquer responsabilidade.

Em 4/08/2020 a autora remeteu à ré cópia das comunicações que alega ter-lhe enviado anteriormente, mas que não recebeu, tendo a ré respondido no mesmo dia, por mail, solicitando que lhe fosse facultada uma descrição pormenorizada das circunstâncias do acidente.

Mais, o veículo da autora era conduzido pelo um seu empregado no seu horário de trabalho, no cumprimento de ordens e instruções da sua entidade empregadora, pelo que se presume a respetiva culpa na eclosão do acidente.

Entre a autora e a ré encontrava-se em vigor um contrato de seguro de responsabilidade civil transportador, titulado pela apólice ...........03, em cujos termos a ré assumiu a responsabilidade civil por danos sofridos por veículos transportados pela autora no exercício da sua actividade de transporte de automóveis.

Num dos sinistros ocorridos, um veículo automóvel transportado sofreu danos, em cuja sequência a ré pagou à autora. a quantia de 2.876,29, que é exatamente o mesmo montante reclamado pela autora em face do acidente destes autos.

Mais alega que o veículo da autora foi peritado e reparado nas suas próprias oficinas, sem o seu conhecimento ou autorização, em face do que impugna os valores reclamados a título de privação do veículo.

Por último invoca que a autora traz à colação outros sinistros, completamente alheios ao presente, matéria que não tem qualquer relevância para a boa decisão da causa, termos em que pede a desconsideração da matéria dos artigos 121 a 195.

Concluiu pela declaração de abuso de direito por parte da autora, pela aplicação de uma taxa sancionatória excecional, nos termos do artigo 531 do CPC e pela procedência da acção na medida da prova produzida.

3. Procedeu-se a audiência prévia, onde foi proferido despacho que determinou a desconsideração dos art.º 121º a 195º da p.i. e o desentranhamento e devolução ao apresentante dos documentos apresentados em seu suporte.

4. No mais, foi proferido saneador tabelar, relegou-se o conhecimento do abuso de direito para final e enunciou-se o objeto do litígio e selecionaram-se os temas de prova, sem que tivesse havido reclamações.

5. Após julgamento foi proferida a seguinte decisão:

Em face do exposto, vistas as indicadas normas jurídicas e os princípios expostos o tribunal julga:

a) Improcedente por não provada a exceção de abuso de direito da A., invocada pela R.

b) Improcedentes por não provados todos os pedidos formulados pela A., de que se absolve a R.

c) Improcedente por não provado, o pedido de condenação da A. em taxa sancionatória nos termos do disposto no artº 531º do CPC”.

6. Inconformada, a autora Rodo Cargo, Transportes Rodoviários de Mercadorias, S.A., apelou e a ré Seguradoras Unidas, S.A., apelou também subordinadamente, tendo o Tribunal da Relação de Évora proferido Acórdão com o seguinte dispositivo:

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora e julga a apelação improcedente e confirma a douta sentença recorrida”.

7. Ainda inconformada, e pretendendo a revogação deste Acórdão, vem a autora Rodo Cargo, Transportes Rodoviários de Mercadorias, S.A., recorrer para este Supremo Tribunal, por via excepcional.

Termina com as seguintes conclusões:

1. A interpretação do artigo 608º nº2 do CPC, efetuada pelo Tribunal Recorrido, através da qual preconiza que questões jurídicas autónomas não deverão ser apreciadas por se encontrarem prejudicas pela apreciação da questão factual, entram em contradição com o teor da apreciação da questão de Direito, assim como com o teor do artigo 607º nº4 e 639º nº2 do CPC.

2. As questões que se ora se colocam sob apreciação deste Supremo Tribunal e que se encontram prejudicados pela solução de Direito preconizada pelo Venerando Tribunal Recorrido, são:

a) A definição do que se deve considerar assunção, ou não assunção de responsabilidade, nos termos resultantes da conjugação dos números 1 e 2 do artigo 38º, dos números 1 e 2 do artigo 40º e do número 1 do artigo 43º do Decreto-Lei 291/2007;

b) A violação do artigo 483º do Código Civil, no que diz respeito, em bloco, ao Instituto da Responsabilidade Civil Aquiliana, em especial em que nenhum dos dois intervenientes de um acidente de viação foi ressarcido dos prejuízos sofridos;

c) A incorreta atribuição de culpa ao condutor do veículo propriedade da ora Recorrente, decorrente da presunção legal do artº 503º, nº 3º, do C.C., que assim se entende dever ser objeto de reapreciação quanto à prova produzida, bem como quanto à presunção jurídica que foi ilidida, constituindo este tema objeto do Recurso de Apelação.

3. No que diz respeito à aplicação do Decreto-lei 291/2007, em especial, qual a natureza que essas normas especiais revelam face ao ordenamento jurídico nacional e europeu e se quer a aplicação dos prazos previstos nos artigos 38º, 40º e 43º, conjugados com o artigo 36º, do Decreto-Lei 291/2007, assim como a aplicação da figura da sanção cível prevista no número 2 do artigo 40º do citado normativo, se encontram condicionadas à aplicação de qualquer figura de direito interno, como a culpa do lesado ou abuso de direito ou mesmo se é possível estender a interpretação da lei de tal forma que nela caibam soluções não previstas pelo legislador europeu.

4. Verificando-se, no caso em apreço, todos os pressupostos de aplicação do Instituto da Responsabilidade Civil Aquiliana, havendo dano indemnizável e gerando-se esse mesmo dever por parte da Seguradora, não pode, contudo, existir, é um caso como o dos presente Autos, em que, verificando-se os pressupostos de aplicação da responsabilidade civil aquiliana e, concomitantemente, existindo danos, em que nenhum dos dois intervenientes de um acidente de viação foi ressarcido dos prejuízos sofridos.

5. Por último, no que diz respeito à aplicação do artigo 503º nº3 do Código Civil (CC), existe já esparsa e elucidativa jurisprudência quanto à aplicação deste normativo. Não obstante, o que não pode suceder, como acontece no âmbito dos presentes Autos, é que seja julgado que o comissário, condutor do conjunto circulante, resultando do seu depoimento a ilisão da presunção de culpa e da leitura dos Autos o respeito pelas regras estradais, tenha como corolário o seu exato oposto, que sobre si recai a culpa na produção do presente sinistro.

6. Estas questões devem ser enquadradas como questões que encerram em si mesmas um elevado grau de complexidade, como se revestem de ineditismo ou novidade – estas questões não se encontram devidamente sedimentadas na jurisprudência nacional - e que aconselhem a respetiva apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, com vista à obtenção de decisão suscetível de contribuir para a formação de uma orientação jurisprudencial clara e inequívoca.

7. Jurisprudência esta que deve servir para balizar concretamente todos os casos em que um Tribunal, confrontado com pedido de condenação de uma Ré Seguradora na aplicação da sanção cível prevista no número 2 do artigo 40º do Decreto-Lei 291/2007, aplique a legislação interna sem qualquer condicionamento que não tenha respaldo na letra da lei desse mesmo diploma, por respeito ao princípio do primado, isto é, que aplique, com base num juízo de verificação da existência ou não existência de resposta, a sanção cível preconizada neste artigo 40º do Decreto-lei 291/2007, sempre que os prazos previstos no seu artigo 36º se mostrem incumpridos.

8. Mais que esta Jurisprudência deve ainda servir para balizar concretamente todos os casos em que, para além de se encontrarem reunidos todos os pressupostos de aplicação da figura da responsabilidade civil extracontratual, exista um dano indemnizável, e se venha a concluir pela não aplicação da figura, dado que nenhum dos intervenientes se encontra indemnizado pela Seguradora responsável pela regularização do sinistro.

9. Como deverá também para balizar os casos em que, havendo notória ilisão de culpa por parte de um comissário, condutor de um veículo por conta de outrem, por respeito das regras estradais, se veja que um Tribunal não procede ao afastamento da mesma ilisão, julgando erradamente ter o mesmo dado causa à produção do sinistro em apreço no âmbito dos presentes Autos.

10. No que concerne à determinação dos interesses de particular relevância social, vem sendo jurisprudência preencher-se o requisito plasmado na alínea b) do número 1 do artigo 672ºdo Código de Processo Civil quando a questão suscitada tenha repercussão fora dos limites da causa por estar «relacionada com valores sócio-económicos importantes e exista o risco, por isso, de fazer perigar a eficácia do direito ou de se duvidar da capacidade das instâncias jurisdicionais para garantir a sua afirmação».

11. Pois repare-se que, para além do que já foi nos articulados 1º a 35º que, por razões de celeridade e economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidos, encontramo-nos no âmbito sensível de uma matéria de índole social que se traduz na forma como as seguradoras respondem aos sinistrados no âmbito da regularização de um sinistro automóvel, cujo seguro de responsabilidade civil é obrigatório, correspondendo uma função social muito importante, que diz respeito à reparação do direito de propriedade e, mais importante, do direito à integridade física e, muitas vezes, reparação do dano morte, questão da mais elevada índole (direito à vida e sua reparação indemnizatória) que se pode trazer perante um órgão jurisdicional.

12. De igual modo, existe também uma especial sensibilidade social relativamente às Seguradoras no que diz respeito à forma como se processa a regularização de sinistro automóvel, em que não podem existir situações claras de aplicação dos pressupostos da Responsabilidade Civil e nenhum dos intervenientes ser indemnizado.

13. E, ainda, no que respeita à aplicação do artigo 503º nº3 do Código Civil, não podem existir situações em que o tecido empresarial, especialmente o setor dos transportes, se retraia na sua atividade económica quando um seu comissário, cumprindo as regras estradais, é considerado causador de um sinistro automóvel, mais ainda quando este faz prova em julgamento que respeitou essas mesmas normas, como se retira, in casu, do seu próprio depoimento em sede de audiência de julgamento.

14. Importando, pois, clarificar as questões acima elencadas, pois que, doutro modo, não sendo as mesmas conhecidas, falhará a confiança do cidadão (homem médio comum) no sistema de regularização de sinistros automóveis.

15. O Acórdão Recorrido impediu deliberadamente que se verifica a insuficiência da Sentença proferida em Primeira Instância, no que diz respeito à incorreta atribuição de culpa ao condutor do veículo propriedade da ora Recorrente, decorrente da presunção legal do artº 503º, nº 3º, do C.C., que assim se entende dever ser objeto de reapreciação quanto à prova produzida, bem como quanto à presunção jurídica que foi ilidida, constituindo este tema objeto do Recurso de Apelação.

16. Do mesmo modo, o Acórdão Recorrido impediu deliberadamente que se apreciasse a questão de Direito autonomamente formulada pela qui Recorrente no seu Recurso de Apelação e que se traduz no não-reconhecimento pelo Tribunal a quo do imobilismo da R., que, escondendo-se por detrás do biombo em que transformou a Declaração Amigável de Acidente e a falta de informação nesta, se escusou a responder por um acidente que envolveu dois segurados seus, e em que nenhum dos doisintervenientes de um acidente de viação foi ressarcido dos prejuízos sofridos, o que se revela totalmente contrário ao funcionamento do Instituto da Responsabilidade Civil Aquiliana.

17. Sem prescindir, constituindo igualmente objeto do presente Recurso o trecho decisório que julgou não se ter verificado, como verificou, por parte da R., a violação do dever de diligência plasmado no artigo 26º nº1 alínea d) do Decreto-lei 291/2007, em especial no que toca à comunicação (ou não assunção) da sua responsabilidade no assumir da responsabilidade no presente sinistro sub judice.

18. O Tribunal Recorrido não apreciou as questões de Direito autónomas e autonomizáveis plasmadas na Conclusões do Recurso de Apelação formulado pela aqui Recorrente.

19. Tal assunção por parte do Venerando Tribunal Recorrido encontra-se errada e é contrária à lei processual civil, designadamente os seus artigos 608º nº2, 607º nº4 e 639º nº2 do CPC.

20. A questão de direito em abstracto, tem por objecto a determinação do critério jurídico que haverá de orientar, e concorrer para fundamentar, a solução jurídica do caso decidendo. A questão de direito em concreto é o problema do próprio juízo concreto que há-de decidir esse caso.

21. O Venerando Tribunal Recorrido efetua assim uma interpretação sem respaldo na lei processual civil no que diz respeito à sua justificação para a não apreciação de questões de direito perfeita e autonomamente delimitadas. Tanto mais que, no que respeita ao próprio dever de fundamentação, inexiste falta da mesma e/ou erro de direito, porquanto a apreciação da matéria de facto em nada prejudica a apreciação das questões de direito formuladas pela aqui Recorrente.

22. Dito de outro modo, encontrada e delimitada a realidade fáctica, impera submeter a mesma à apreciação jurídico-normativa, o que não sucedeu no caso concreto pelo Venerando Tribunal Recorrido, incorrendo o mesmo em claro e notório erro sobre a aplicação do Direito.

23. Pois que sempre poderia e deveria ter analisado as alegações e conclusões do Recurso de Apelação da aqui Recorrente como questões de subsunção jurídicas distintas e autónomas., em especial, aquelas vertidas nos pontos E) a M), O), P), S) e U) a BB) das Conclusões do Recurso de Apelação.

24. Deste modo, o Venerando Tribunal Recorrido viola igualmente o disposto nos artigos 615º nº1 alínea b) e 608º nº2 do CPC e, conhecendo oficiosamente deste vício e/ou erro claro de interpretação e aplicação do Direito, deverá o Colendo Supremo Tribunal de Justiça aplicar o regime jurídico que julgue adequado aos presentes Autos em julgamento.

25. O Tribunal a quo considerou imputável ao condutor da Autora, aqui Recorrente, a culpa na produção do sinistro, não lhe assistindo razão.

26. Salvo o devido respeito, que é muito, não assiste razão ao Tribunal a quo para considerar que a DAAA tem um valor probatório elevado por “as circunstâncias ali relatadas eram muito recentes e apresentavam-se naturalmente claras e terão merecido o consenso de ambos os intervenientes.”

27. Também não se percebe por que razão as dimensões dos veículos levam o Tribunal a quo a concluir que “a intensidade dos riscos próprios da circulação do veículo conduzido pelo funcionário da A. é muito superior à do outro veículo (circulam em faixas perpendiculares e não em faixas de sentidos de circulação opostos), o que concorre para o afastamento do relevo do respetivo risco de circulação, na eclosão do acidente.”

28. A ser assim, estaríamos também perante uma presunção, desta feita sem suporte legal, de que todos os veículos pesados seriam culpados nos acidentes com veículos ligeiros em que interviessem, mesmo que circulando devagar, numa reta, com boa visibilidade, e que os outros veículos desrespeitassem a sinalização que lhes impunha paragem.

29. Ora, a qualificação de uma conduta como contrária às regras de trânsito resulta da sua proibição objetiva e não do facto do agente ter consciência ou não dessa regra, até porque o risco que a norma pretende prevenir existe, haja ou não essa consciência.

30. Como tal, o que releva é o sinal de cedência de prioridade, colocado na via de onde provinha o veículo seguro pela Ré e conduzido pelo Senhor AA.

31. Como se retira igualmente do número 2 do artigo 18º do Código da Estrada, o condutor de um veículo em marcha deve manter distância lateral suficiente para evitar acidentes entre o seu veículo e os veículos que transitam na mesma faixa de rodagem, no mesmo sentido ou em sentido oposto, não subsistindo dúvidas que, ao agir da forma descrita e conforme o seu depoimento, o condutor AA, segurado pela Ré, teve culpa exclusivamente sua na produção do sinistro automóvel sub judice.

32. Ultrapassando hipóteses abstractas de potenciação de risco de circulação pela dimensão dos veículos, sem olhar ao caso concreto, o que inequivocamente os autos atestam face à prova produzida é que a culpa do embate cabe ao veículo (também) seguro na Recorrida, conduzido pelo Sr. AA, desde logo por este não haver respeitado a sinalização vertical que lhe impunha a cedência de passagem, e também porque não foi produzida qualquer prova, antes pelo contrário, de que o veículo pesado foi embater naquele, o que teria implicado o seu despiste.

33. Como é notório, entrou numa via com características de autoestrada, não tendo esperado na sinalização de perda de prioridade, que distava, no mínimo, cerca de dois metros da delimitação direita da berma dessa via com característica de autoestrada, e esta (a berma) com pelo menos dois metros (características notórias, como acima demonstrado através do acesso à fonte pública de informação google maps), implicando assim, ter o Sr. AA avançado cerca de 4 metros, para além do local onde devia ter aguardado pela passagem do veículo porta-automóveis da Recorrente, quando, inclusivamente, desse local tinha perfeita visibilidade para o lado de onde provinha o veículo Porta Automóveis (mais de 75m como referido pelo próprio Sr. AA em audiência de julgamento).

34. Assim, sempre será de se considerar ilidida a presunção legal de culpa que impendia sobre o condutor da Recorrente atento o artigo 503º, nº 3 do C.C., face à prova que se encontra carreada no âmbito dos presentes Autos, conjugado com o teor das normas do Código da Estada.

35. Sempre com salvaguarda do devido respeito, que se tributa, mal andou o Tribunal a quo, considerando a matéria probatória dos autos, ao acobertar o comportamento da Recorrida, que ignorando toda a informação que possuía não adoptou qualquer comportamento activo, tal como é sua obrigação.

36. A Recorrida, porque possuidora de todos os elementos e informações, cabia ter tomado uma atitude activa de esclarecimento de responsabilidade no acidente que lhe havia sido participado pelo seu segurado com a entrega da DAAA, e pela reclamação enviada, uma e mais vezes em sucessivas interpelações, pela ora Recorrente.

37. Ora, estando comprovado o envio, e recepção, das comunicações alusivas ao acidente por parte da Recorrente, nomeadamente quanto às circunstâncias de tempo, local, identificação dos intervenientes e respectivos veículos, cabia à Recorrida adoptar as atitudes que entendesse convenientes a uma tomada de decisão.

38. O que não podia fazer a Seguradora Recorrida era ficar inactiva, enviando uma carta às partes dizendo que não possuía informação que lhe permitisse tomar posição, sem sequer referir quais os elementos que pretendia e se mostravam em falta.

39. Isto, quando o segurado da Recorrida Sr. AA já lhe tinha entregue participação do acidente, em que no verso da DAAA descrevia o que na sua opinião tinha acontecido, e a Recorrida já havia elaborado uma reclamação de terceiro, datada de 26/12/2018, em que circunstanciava detalhadamente o que havia acontecido.

40. Até porque era à Recorrida que cabia dar uma resposta fundamentada, o que nunca fez, limitando-se a dizer que não possuía elementos suficientes para tomar uma decisão.

41. Sendo ambos os intervenientes seus segurados, a um deles deveria ser imputada a culpa do sinistro; ou a ambos, na respetiva proporção; o que nunca poderia ocorrer era nenhum dos dois ter culpa, e o acidente ter ocorrido por causas a que ambos eram alheios.

42. O segurado da Ré, Sr. AA, efetuou uma participação do acidente, como se retira do teor das suas declarações, assim, tomando a Ré conhecimento da existência de uma DAAA, preceitua o número 6 do artigo 36º do Decreto-lei 291/2007 que os prazos referidos nas alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo 36º são reduzidos a metade havendo declaração amigável de acidente automóvel.

43. Pois bem, de acordo com o teor da alínea a) do número 1 do artigo 36º do Decreto-lei 291/2007, deveria a Ré proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar, ou seka, mais tardar até 28 de dezembro de 2017 deveria a Ré, impreterivelmente, ter entrado em contacto com a Autora. Tal não sucedeu, porquanto a Autora tomou apenas conhecimento dessa missiva a 08 de janeiro de 2018.

44. Não se podendo confundir marcação de peritagem com assunção de responsabilidade, pois se a Ré recebe uma participação e tem dúvidas quanto ao teor da mesma, deverá utilizar os contactos telefónicos para esclarecimentos, ou mesmo marcar dia para realização de peritagem, ou questionar onde se encontram as viaturas para serem peritadas e averiguar do sucedido, o que a Ré não se dignou a fazer.

45. O que nos traz à data prevista na alínea e) do número 1 do artigo 36º do Decreto-Lei 291/2007, ou seja, o dia 19 de janeiro de 2018, como o dia em que a Ré deveria efetivamente ter dado conhecimento à Autora da assunção, ou não assunção, da responsabilidade.

46. O artigo 40º nº1 do Decreto-Lei 291/207 impõe uma declaração recetícia, que chegue ao efetivo conhecimento do lesado, neste caso a aqui Autora, o que nunca sucedeu, nem pode o Tribunal Recorrido entender que uma carta enviada ao causador do sinistro, conforme configuradopelaAutora,enãoaestaprópria,configuraumaposiçãodefinidasobreosinistro.

47. Além do mais, o teor desta carta traduz-se numa incerteza jurídica, pois a Ré sempre deveria ter determinado a quem pertencia a responsabilidade, se a um, se a outro, ou se a ambos, na respetiva proporção, o que não sucedeu.

48. Não poderá, contudo, é existir uma situação em que os dois únicos intervenientes são 100% responsáveis pela produção do sinistro.

49. Destarte, é claro que o legislador pretendeu que a Seguradora, ora Requerida, apresentasse uma proposta, nos termos do número 1 do artigo 38º do Decreto-Lei 291/2007, ou uma resposta fundamentada, nos termos do número 1 do artigo 40º do mesmo normativo, não que viesse enviar uma carta a outro interveniente que não a Autora lesada, declarando que «não dispunha de prova bastante para concluir pela responsabilidade da Autora, pelo que não aceitava sem mais prova qualquer responsabilidade da ora Autora na eclosão do acidente e uma carta à Autora dizendo que não havia prova bastante para concluir pela responsabilidade de qualquer um dos intervenientes e que por isso declinava qualquer responsabilidade».

50. Em conclusão, a Ré incumpriu o dever estatuído no artigo 40º nº1 do Decreto-Lei 291/2007, pelo que deverá ser condenada na sanção prevista no número 2 deste mesmo artigo por violação desse dever, desde 19 de janeiro de 2018.

51. Sem olvidar o Tribunal que, por força do disposto na alínea c) do número 1 e do número 6 do artigo 36º, a carta enviada pela Ré, mencionada em 72, nunca chegou a tempo aos intervenientes do presente sinistro e, mais importante, não existe prova de que a mesma tenha sido rececionada pela aqui Autora.

52. Ao julgar pela forma que o fez, o Tribunal a quo violou diversas normas de direito, designadamente, os artigos 503º, nº 3 do C.C., 29º do C.E., e 21º do R.S.T., e 36º nºs 1 alínea c) e número 6, 38º nºs 1 e 2 e 40º nºs 1 e 2 do D.L. nº 291/2007.

53. Assim, deverá o Colendo Supremo Tribunal de Justiça aplicar o regime jurídico que julgue adequado aos presentes Autos em julgamento, designadamente no que diz respeito à correta aplicação do Decreto-lei 291/2007 no âmbito dos presentes Autos, em especial e no que concerne explicitamente ao dever de zelo e diligência que emerge da aplicação do artigo 36º deste mesmo diploma e, consequentemente, a condenação da Ré, aqui Recorrida, no incumprimento dos deveres aqui plasmados”.

8. A ré Seguradoras Unidas, S.A. contra-alegou.

Pugna pela rejeição do recurso e, subsidiariamente, pela sua improcedência.

As suas conclusões, ainda mais extensas do que as da autora, são as seguintes:

1. Vem o presente Recurso Excepcional de Revista interposto pela Recorrente Rodo Cargo - Transportes Rodoviários de Mercadorias, SA , do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que julgou totalmente improcedente o recurso de apelação então interposto pela ora Recorrente, da douta sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância - Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juizo Central Cível de ... – Juiz 3 - que julgou, além do mais:

• (.…)

• Improcedentes por não provados, todos os pedidos formulados pela Autora, de que se absolve a Autora;

• Improcedente por não provado, o pedido de condenação da Ré em taxa sancionatória, nos termos do disposto no art.º 531.º do CPC.

2. O Recurso de Revista Excepcional deve ser liminarmente rejeitado, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas do art.º 671.º n.º. 3 do CPC e 671.º n.º 1 (a contrario), ambos do CPC.

3. A Recorrente, não cumpriu o ónus de verificação dos pressupostos para admissibilidade de recurso de revista excepcional

4. A Recorrente não indicou, de forma clara, (nem nas alegações, nem nas suas conclusões, que delimitam o objecto do recurso), quais as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – cfr. Art.º 672.º n.º 2 al. a) do CPC

5. Não alegou a Recorrente que estejamos em face de uma questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão – seja porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores, seja porque se trata de questão nova, que à partida se revela susceptível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, susceptíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir

6. É necessário que a Recorrente demonstre que a questão jurídica sob judice, tenha relevância jurídica; que seja necessária a sua apreciação; e que essa apreciação em sede de revista excepcional seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito

7. Os Tribunais de Primeira Instância , da Relação e do Supremo têm tido entendimento convergentes sobre as questões pretendidas ver esclarecidas pela Recorrente, a saber, a disciplina do DL 291/2007, o instituto da responsabilidade civil aquiliana; a responsabilidade por presunção de culpa do comissário– são questões devidamente sedimentadas na legislação, doutrina e jurisprudência portuguesas.

8. No que respeita à matéria do cumprimento ou não das disposições do DL 291/2007, As alterações legislativas foram de pormenor, mantendo-se o diploma no essencial, tendo atingido, há muito a sua maturidade, vem sendo observado pelos seus destinatários, assiste-se, por outro lado, a uma cada vez mais evidente actuação do supervisor – ASF – na actividade dos operadores, tendo em vista justamente acautelar os interesses em causa, tendo o Estado, através do supervisor, uma forte componente regulatória.

9. Quanto à questão da aplicação do instituto da responsabilidade civil aquiliana, e em concreto da aplicação das regras da presunção de culpa do comissário (funcionário da Autora, que conduz veículo pesado de mercadorias); e do maior risco na circulação do veículo pesado de mercadorias em face de um veículo ligeiro; tais questões encontram-se devidamente apcificadas na jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente a do Supremo Tribunal de Justiça.

10. Conforme vem decidido de forma unânime, o normativo do n. 3, do artigo 503, do C.C., estabelece uma presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem, pelos danos que causar, aplicável nas relações entre ele como lesante e, o titular ou titulares do direito de indemnização e contém um preceito de índole genérica, só de arredar, quando haja disposição legal que lhe abra reserva ou excepção, sendo que só a culpa efectiva exclui a presumida.

11. As acções que vêm sendo instauradas têm sido decididas de forma pacífica, sempre salvaguardados os legítimos direitos de defesa dos interesses em causa, sem colocar em causa as instituições que os regulam e decidem – máxime os Tribunais.

12. Não são conhecidos acórdãos manifestamente divergentes sobre a matéria, que determinem a necessidade de apreciação da questão, em termos tais que seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, como a tal impõe o art.º 672.º n.º 2 al. a) do CPC

13. As razões a que se refere a al. a) do nº 2 do artigo 672º, são razões concretas e objectivas que devem ser explicitadas através de argumentação sólida e convincente, susceptível de revelar a alegada relevância jurídica, a qual passa pela complexidade ou dificuldade da questão de direito que se pretende ver reapreciada, pela controvérsia que essa questão venha gerando na doutrina ou jurisprudência, e pela consequente susceptibilidade de produzir decisões divergentes ou mesmo contraditórias.

14. A Recorrente é omissa na identificação, com o necessário aprofundamento, das razões sobre a complexidade jurídica ou relevância da questão de direito a ser apreciada, pela controvérsia gerada na doutrina ou jurisprudência.

15. O recurso deve ser rejeitado, por não se encontrar demonstrado o fundamento previsto na alínea b) do art.º 672 n.º2 do CPC

16. Na densificação do conceito indeterminado “interesses de particular relevância social” – cláusula bastante vaga, que permite grande flexibilidade e elevado grau de discricionariedade – deverá apelar-se, inter alia, para a repercussão (mesmo alarme, em casos-limite), larga controvérsia(dos interesses em causa),por conexão com valores sócio-culturais, inquietantes implicações políticas que minam a tranquilidade ou, enfim, situações que põem em causa a eficácia do direito e põem em dúvida a sua credibilidade, quer na formulação legal, quer na aplicação casuística, estando, pois, aqui abrangidos casos em que há “um invulgar impacto na situação da vida que a norma ou normas jurídicas em apreço visam regular”.

17. A Recorrente também não demonstrou, como devia, nas suas Alegações de recurso, a existência, no caso, de interesses de particular relevância social.

18. Entende a Recorrida que o douto acórdão ora posta em crise se deve manter, nos seus precisos termos; não merece censura, e está estribada na prova documental e testemunhal produzida nos autos.

19. O acórdão recorrido apreciou efectivamente as questões que se lhe eram colocadas, analisando criticamente os meios probatórios, e as respostas à matéria de facto, e às várias soluções de direito possíveis, não se verificando a violação do disposto do art.º 608.ºn.º 2 do CPC, 607 n.º 4 e 639. N.º2 do CPC.

20. A presente acção versa sobre a responsabilidade civil extracontratual da Ré, decorrente de acidente de viação ocorrido em 22/12/2017, no qual foram intervenientes um veículo pesado da Autora, conduzido por funcionário da Autora no exercício das suas funções, e um veículo ligeiro de passageiros.

21. O objecto do litígio é conforme consta do despacho saneador de 28.01.2022, 1) Se a Autora, ao instaurar a acção nos termos em que o fez, está a agir em abuso de direito; 2) Quem teve a culpa na eclosão do acidente, quais os danos do mesmos para a esfera patrimonial da A. e se nessa sequência a Ré é responsável pela sua indemnização e em que montante.

22. Ora, tanto a primeira instância como a Relação debruçaram-se, detalhadamente, sobre o objecto de litígio, primeiro, na apreciação que fizeram sobre a matéria de facto provada e não provada: o tribunal de primeira instância apreciou concatenadamente os meios de prova carreados para osautos, ea Relação, em sede de recurso sobre a matéria de facto, analisou aprofundadamente os argumentos apresentados pela recorrente, mantendo, com a fundamentação que assim exige, as respostas dadas à matéria de facto, decidindo ainda da desnecessidade de renovação de prova; depois, porque com base na matéria de facto, apreciaram a responsabilidade de cada um dos condutores na ocorrência do acidente, concluindo, ambas, que a responsabilidade foi exclusiva do condutor do veículo pesado.

23. Ambas as instâncias concluíram, fundadamente, que o condutor do veículo pesado da Autora foi o único responsável pelo acidente, quer por via da prova directa dessa responsabilidade, quer pela via da presunção de culpa resultante da sua condição de comissário (503.º n.º 3 do CC), que não foi ilidida pela Autora; (O Tribunal da Relação concluiu ainda ter-se comprovado a imputação da responsabilidade pela produção do acidente ao condutor do veículo da recorrente, dispensando a necessidade de analisar a presunção de culpa do comitente).

24. Da análise dos pontos 1 a 5, 75, 76, dos factos provados, e ainda da factualidade instrumental enunciada na sentença de primeira instancia e confirmada na Relação, de que o conjunto circulante embateu no veículo AX, que se encontrava parado a aguardar a sua passagem, resulta que o acidente se deveu exclusivamente à conduta do condutor do veículo da Autora.

25. Da análise dos depoimentos dos condutores, o condutor do veículo ligeiro é peremptório em afirmar que se encontrava parado na passagem do tractor / reboque.

26. Importa contextualizar, também, o depoimento prestado por este condutor, para aferir a veracidadeda sua versão. Trata-sedeuma pessoade80 deidade, alentejano - Percorrendo-se todo o seu depoimento verifica-se uma espontaneidade, coerência, isenção e credibilidade cristalinas, ao ponto de acreditar que o condutor do veículo pesado se iria dar como culpado, e por isso não era necessário chamar a GNR…

27. Essa versão tem correspondência nos danos no veículo, e ainda na Declaração Amigável de fls,. 516, ainda que esta seja omissa quanto às exactas circunstâncias do acidente e a identificação dos intervenientes.

28. No croquis junto com a DAAA não consta, em primeiro lugar, e em parte alguma, sinalização de perda de prioridade

29. A testemunha AA manteve quanto ao acidente um discurso coerente, objectivo e convincente: viu o camião, e porque pretendia entrar na via, e perante a aproximação deste, parou, antes da risca branca, e aí se manteve até ser embatido pelo veículo da Autora. Já quanto ao depoimento da testemunha BB, o mesmo foi incoerente, contraditório, : a dinâmica do acidente, tal como é indicada pelo condutor do veículo pesado, é ilógica, e contrária às regras da física, não tendo qualquer espelho na restante matéria probatória, sendo contraditada pela prova documental (fls 516) e pelo depoimento da testemunha AA.

30. E, como conclui o Tribunal de primeira instância e depois a Relação, o depoimento da testemunha AA, condutor do veículo ligeiro, édo ponto de vista lógico, a mais correcta, e sustenta-se ainda na Declaração Amigável, que é elaborada contemporaneamente aos acontecimentos, e por isso com especial relevo

31. Chega-se assim à conclusão, como tal alcançaram o Tribunal de Primeira Instãncia e o Tribunal da Relação, que o acidente se deveu única e exclusivamente ao condutor do veículo pesado.

32. Essa responsabilidade (exclusiva) é directa, ou seja, dos factos carreados para os autos conclui-se que foi a manobra incauta do condutor do veículo pesado, que foi embater num veículo ligeiro, parado na estrada, que foi a única causal do acidente.

33. A condução temerária do condutor do veículo pesado da A., Sr. BB, única causal do acidente

34. Ainda que assim não fosse – o que por mera hipótese se admite – a Autora não conseguiu ilidir a presunção de culpa que impendia sobre o condutor do veículo da Autora, que circulava no local, na qualidade de funcionário da A. (cfr, factos provados 75 e 76).

35. Ambas as instâncias concluíram, fundadamente, no sentido de que a Autora não demonstrou factos que ilidiam a sua responsabilidade presumida.

36. E, conforme se referiu, a culpa presumida só pode ser afastada com factos que determinem a responsabilidade efectiva do outro interveniente – o que não foi o caso dos autos.

37. E, assim, quer por força da responsabilidade directamente determinada, quer por força da não ilisão da presunção de culpa, o condutor do veículo a Autora sempre será responsável pelo acidente.

38. Tal determina – no que ao objecto do litígio diz respeito – a não responsabilização da Ré no acidente, com o consequente não pagamento, pela Ré de qualquer indemnização à Autora em face desse resultado.

39. De salientar que estamos no domínio da responsabilidade extracontratual, ou seja, no preenchimento ou não pela Autora, dos pressuspostos em que assentam esse tipo de responsabilidade.

40. Não tendo a Ré demonstrado, conforme lhe competia através da regras de distribuição do ónus de prova, que o acidente se deveu a responsabilidade do condutor do veículo ligeiro, que não procedeu de culpa sua (ilidindo a presunção de comissário), a Ré tem de ser absolvida do pedido.

41. No acórdão recorrido, verifica-se que não existiu qualquer omissão da análise crítica da prova, tendo o tribunal de primeira instância analisado e ponderado concatenadamente todas as provas que lhe foram apresentadas, não determinando assim a baixa dos aitos para renovação de prova;

42. Assentando a solução que a recorrente defendeu no recurso para o Tribunal da Relação, exclusivamente na modificação da decisão de facto, que veio a ser totalmente improcedente no Tribunal superior; e não defendendo a apelante qualquer alteração da decisão proferida no pressuspoto da não modificação da matéria de facto, deve concluir-se que esta improcedência prejudica a apreciação da questão de direito suscitada pela Ré(Autora) no recurso que interpôs.

43. Ambas as instâncias concluíram, da matéria de facto elencada nos autos que a Ré cumpriu com os deveres de diligência e fundamentação constantes no DL 291/2007, nomeadamente quanto à resposta sobre a assunção ou não assunção da responsabilidade em acidente de viação.

44. Ambas as instâncias concluíram que foi o comportamento omissivo da Autora, ao não ter respondido às cartasda Ré na qual esta solicitava os elementos para apurar as circunstâncias do acidente, que determinou e fundamentou a resposta de não assunção de responsabilidade da Ré, na carta de 02/02/2018.

45. A Ré actuou diligentemente e em cumprimento de todas as disposições previstas nos artigos 34.º a 40.º do DL 291/2007, conforme bem decidiram o Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal da Relação de Lisboa.

46. Resulta demonstrado nos presentes autos que o acidente em que interveio o veículo da Autora/Recorrente ocorreu no dia 22/12/2017 (facto provado 3); que Ré teve conhecimento do sinistro em causa em 26.12.2017, pela participação do proprietário do veículo AX (ponto 61 da Matéria de Facto Provada)

47. Resulta provado nos autos que, nessa sequência, diligenciou junto da Autora, logo em 27/12/2017, por carta remetida à Ré e por esta recebida em 08/01/2018 (pontos 66 e 67 dos factos provados), que teve conhecimento da participação e que como da mesma não constavam elementos imprescindíveis à correcta regularização do sinistro, solicitava esclarecimentos complementares sobre as circunstâncias em que ocorreu o sinistro, bem como à identificação dos intervenientes, tendo indicado os contactos para qualquer esclarecimento adicional(ponto 66 dos factos provados).

48. Resulta ainda demonstrado nos autos que a Autora não respondeu à carta, não enviou à Ré a participação, nem prestou os solicitados esclarecimentos (pontos 69 dos factos provados) .

49. Resulta ainda provado que em 02/02/2018, A Ré remeteu à Autora uma carta onde referia que não havia prova bastante para concluir pela responsabilidade de qualquer um dos intervenientes e que por isso declinava qualquer responsabilidade.

50. Acresce ainda que, embora não tivesse sido possível obter as informações sobre as circunstâncias e os intervenientes no acidente , o certo é que conforme consta dos factosprovados71,nãotendorecebidodaA. Os esclarecimentos que havia solicitado nem a participação do acidente, a Ré ficou sem elementos para, com segurança, imputar a responsabilidade a qualquer dos intervenientes.

51. Os elementos colhidos pela Ré não eram manifestamente suficientes para uma correcta e sustentada definição de responsabilidades: A DAAA era omissa quanto às circunstâncias próprias do acidente; à identificação dos intervenientes; as cartas remetidas pela Ré à Autora não foram por esta respondidas.

52. Não era admissível, perante os elementos de que dispunha, impor-se à Ré a assunção de responsabilidade de qualquer um dos condutores, ou dos dois;

53. Antes, era admissível à Ré tomar a posição dos autos, - perante a inexistência de prova bastante para concluir pela responsabilidade de qualquer um dos intervenientes, declinar qualquer responsabilidade (e aguardar, como é seu dever, que lhe fossem apresentados outros elementos de prova que permitissem determinar as circunstâncias do acidente, os intervenientes e as causas)?

54. No entender da Ré, e de ambas as instâncias, a Ré fez aquilo que legalmente se lhe imputa: - diligenciou pela obtenção de informação acerca de um acidente que lhe foi comunicado junto dos tomadores de seguro intervenientes: - remeteu carta onde solicitava especificando quais os elementos que necessitava sobre o acidente; - e comunicou, em tempo, que face aos elementos até então colhidos, não podia assumir a responsabilidade de qualquer dos condutores.

55. A posição tomada pela Ré de não assumir a responsabilidade de qualquer dos intervenientes no acidente não impedia, antes permitia que os mesmos apresentassem novos elementos que permitissem esclarecer e/ou alterar esta posição.

56. Os interessados (intervenientes), perante a posição da Ré, plasmada esta carta de 02/02/2018, de não assunção de responsabilidade, podiam reagir, reclamando, apresentando novos factos, fotografias, testemunhas, escritos, croquis...

57. A Autora, que era interessada directa no processo, não reagiu a esta carta, como não reagiu à carta de 27/12/2017: Não respondeu, não adiantou informações, não prestou esclarecimentos, não apresentou provas, não identificou o condutor, não apresentou fotografias do local, como só agora o faz (em sede de recurso excepcional de revisão!)

58. Não agiu activamente na resolução do litígio, quando a Ré seguradora lhe solicitou, e manteve a inércia até 2020, mais de dois anos após o acidente.

59. O DL 291/2007, na parte respeitante aos deveres de diligência das seguradoras, foi construído, também, tendo por base a participação dos intervenientes na resolução do sinistro.

60. A seguradora deve proceder com diligência, mas o lesado também tem o dever de colaborar no cumprimento desse dever de diligência.

61. Assim, quando a seguradora pretenda, no cumprimento do seu dever de diligência na gestão do processo e na manifestação quanto à assunção ou não de responsabilidade, o lesado deve deve ser colaborativo para com o processo de resolução do litígio.

62. Retirar ao lesado todo e qualquer ónus de contributo para a resolução de um sinistro, colocando todo o peso na resolução do litígio na seguradora, é o que pretende a Autora.

63. A Autora quer fazer esquecer ao Tribunal o papel decisivo que teve no prolongamento da situação: não comunicou o sinistro atempadamente, impediu a peritagem, fazendo-a por conta própria; impediu a reparação, tendo realizado a mesma por conta própria; não respondeu às cartas, mensagens e telefonemas; só voltou a comunicar com a Ré decorridos dois anos do acidente; …

64. Ao considerar-se como provado , no ponto 72 dos Factos Provados, que a Ré comunicou a sua posição acerca da responsabilidade, com os fundamentos constantes na carta de 02/02/2028, está afinal preenchido, o dever de comunicação previsto no art.º 40 do DL 291/2007.

65. F oi antes a Autora, com a sua inércia, deu causa à indefinição da situação, ao não ter correspondido às solicitações da Ré (entendimento do Tribunal de Primeira Instância).

66. De modo que não é sério afirmar-se não ter a Ré assumido qualquer posição perante a Autora, ou que essa posição não tenha cumprido com o art.º 40.º do DL

67. A actuação da Autora foi manifestamente censurável, não podendo ser ignorada nem ter valor jurídico relevante na verificação do cumprimento ou incumprimento da Ré do disposto no DL 291/2007, devendo tal actuação enquadrar-se na figura jurídica do abuso de direito.

68. Ora, atento o exposto, entende-se que, também por manifesto abuso de direito, não é devido qualquer valor a título de penalização por alegado incumprimento do DL 291/2007.

69. Caso se entenda desconsiderar a existência de um manifesto desequilíbrio entre o dano verificado na esfera da Autora e o montante da condenação pelo alegado

Incumprimento das regras do DL 291/2007 – que não se verifica – estaremos perante a violação dos preceitos constitucionais do nomeadamente a do art.º 20.º (principio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva), artigo 13.º (princípio da igualdade) e artigo 202.º n.º 1 (dever da administração da justiça imposto aos Tribunais).art.º 20.º, 202.º n.º 1 da Lei Fundamental”.

9. O Exmo. Desembargador proferiu despacho com o seguinte teor:

Por tempestivo, legal e legítimo, admito o recurso de revista execional para o Supremo Tribunal de Justiça, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo – artº 672º/1 e 3 do CPC.

Remeta os autos ao Colendo Supremo Tribunal de Justiça”.

10. A presente Relatora remeteu o recurso à Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC e a Formação admitiu o recurso por via excepcional, com fundamento na al. b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.

*

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a única questão a decidir, in casu, é a de saber se o Tribunal recorrido decidiu bem ao considerar prejudicada a apreciação da questão de direito.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1. A autora é uma sociedade comercial cujo objeto se prende com o transporte rodoviário de mercadorias por estrada, sendo possuidora do conjunto circulante especial para transporte de automóveis constituído pelo veículo tractor com a matrícula ..-OC-.. e pelo reboque especial para transporte de automóveis com a matrícula SE-...., sendo ainda legítima proprietária do tractor.

2. A autora é ainda titular da licença nº 650376 emitida para o tractor matrícula ..-OC-.., a qual a legitima a utilizar o conjunto circulante constituído pelo veículo tractor com a matrícula ..-OC-.. e pelo reboque especial para transporte de automóveis com a matrícula SE-.... no transporte rodoviário internacional de mercadorias por conta de outrem, licença esta emitida pela Delegação de ... do IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., a 28 de Setembro de 2017 e válida de 19 de Outubro de 2017 a 18 de Outubro de 2022.

3. No dia 22 de Dezembro de 2017, pelas 15:45 horas, N-223, na estrada que liga a saída da Auto Europa com destino à A-2, cerca de 60 metros depois da 1ª rotunda ali existente naquela estrada, para quem sai das instalações da Auto Europa com destino à A-2, no distrito de ..., concelho de ..., freguesia de ..., no sentido de quem se encaminha das instalações da Auto Europa para a A-2, ocorreu um acidente envolvendo o conjunto circulante constituído pelo veículo tractor especial para transporte de automóveis com a matrícula ..-OC-.. e pelo reboque especial para transporte de automóveis com a matrícula SE-...., conduzido pelo Sr. BB, motorista da autora, e ainda o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-AX, conduzido pelo Sr. AA, com registo a favor do mesmo, segurado pela ora ré através da apólice nº ........91.

4. Na data e local referidos, o conjunto circulante especial para transporte de automóveis constituído pelo veículo tractor especial para transporte de automóveis com a matrícula ..-OC-.. e pelo reboque especial para transporte de automóveis com a matrícula SE-...., encontrava-se a circular na faixa do lado direito, da estrada que liga a saída da Auto Europa com destino à A-2, constituída por duas faixas de rodagem em cada sentido, cerca de 60 metros depois da 1ª rotunda, existente naquela estrada para quem sai das instalações da Auto Europa com destino à A-2.

5. O condutor do veículo seguro pela ré vinha de uma estrada com sinalização de perda de prioridade, concretamente a estrada dos Fazendeiros, que entronca pelo lado direito atento o sentido de marcha do conjunto circulante da autora, naquela em que este circulava.

6. Do acidente não foi lavrado auto de ocorrência pela autoridade policial.

7. Em 26 de Dezembro de 2017 a autora enviou à ré, para a Direcção do Ramo Automóvel na Av. ..., nº 242, … ... ..., através da empresa sua representante, a sociedade R..., Lda., por correio normal, a carta cuja cópia consta de fls. 676 a 678, que aqui se dá por reproduzida.

8. A referência aposta na carta cuja cópia consta de fls. 676 a 678 era: ........22 .....18 ..-OC-.. SE-.... 002.

9. Com a identificação do acidente; a identificação dos intervenientes; a descrição da sua versão relativamente à forma como o mesmo ocorreu, a que entendiam que a respetiva responsabilidade era do condutor do veículo seguro na ré e a indicação da localização dos danos.

10. Bem como a solicitação para a quantificação dos danos a fim de que pudessem ser prontamente reparados para que o conjunto circulante porta automóveis pudesse rapidamente continuar a laborar com segurança e a cumprir os serviços que lhe estavam destinados;

11. A solicitação da ré para realização da peritagem ao reboque especial para transporte de automóveis com a matrícula SE-.....

12. A indicação do local onde a ora ré deveria fazer deslocar o seu perito com o intuito de avaliação dos prejuízos materiais do reboque especial para transporte de automóveis com a matrícula SE-.....

13. A referência a que decorridos 5 dias úteis sem notícias da ora ré, devidamente comprovadas, a empresa R..., Lda., tomaria a iniciativa de requisitar imediatamente uma peritagem ao veículo sinistrado.

14. A indicação de uma 1ª lista de 7 prejuízos a reclamar em consequência direta do acidente.

15. Em 8.01.2018 a autora recebe uma carta da ré, enviada por correio normal, datada de 27 de Dezembro de 2017, onde, faz menção: Ocorrência nº ........15; sinistro nº ........73; apólice ..............93; veículo ../../AX; data do acidente: 22.12.2017; gestor: CC e refere: “Tivemos conhecimento do sinistro em referência através da reclamação que nos foi apresentada. Dado que a participação de sinistro em nosso poder carece de elementos imprescindíveis à correta regularização do nosso processo, solicitamos que nos sejam fornecidos esclarecimentos complementares relativamente às circunstâncias em que ocorreu o sinistro, bem como a identificação dos intervenientes do mesmo. Se pretender algum esclarecimento adicional, por favor contacte-nos através de um dos meios abaixo indicados”.

16. A autora, conforme indicação da sua representante, a empresa R..., Lda., contratou uma empresa independente para realização da peritagem tendo então contactado a empresa RC..., Lda para proceder à realização da peritagem aos danos verificados no seu veículo e esta veio a emitir esse relatório de peritagem em 9.01.2018.

17. A ré, até 30.12.2017, não contactou a autora para marcação da peritagem.

18. A representante da autora, a empresa R..., Lda., enviou à ré, em 1.06.2018, por correio normal, a carta cuja cópia está junta a fls. 227, aqui dada por reproduzida, onde além do mais refere: “Escrevemos em nome da Rodocargo para solicitar resposta à nossa reclamação de 26.12.2017.

19. Em 28 de Dezembro de 2018, a representante da autora, a empresa R..., Lda., enviou uma carta à ré, cuja cópia está junta a fls. 59/165, onde além do mais e de acordo com o que é possível ler, a interpela para o pagamento das seguintes quantias: a) - indeminização correspondente ao custo de reparação do reboque especial para transporte de automóveis com a matrícula SE-.... no valor de €1.391,14; b) - indemnização correspondente aos custos de paralisação do reboque especial para transporte de automóveis com a matrícula SE-.... no valor de € 1.285,15 ; c) - indemnização correspondente aos custos decorrentes da necessidade de contratar a empresa RC..., Lda, para proceder à peritagem do reboque especial para transporte de automóveis com a matrícula SE-.... acidentado no valor de €200,00, num total de €2.876,29.

20. A antedita carta foi enviada por correio normal para a sede da ré, Av. ..., nº 242, 1124 ... .... Eliminado.

21. Em 31.01.2019 a ré enviou à autora uma carta cheque no valor de €2.876,29, com referência ao sinistro ........14, que a autora rececionou em 5.02.2019

22. Na sequência de reclamação da autora, datada de 28.12.2017, para pagamento de um outro sinistro ocorrido na mesma data deste (22.12.2017) do que está em causa nos autos, a ré informou que esse sinistro já se encontrava pago, informando que o meio de pagamento era a carta cheque rececionada pela autora em 5.02.2019.

23. Em 16.03.2020, a empresa R..., Lda., através do seu colaborador (diretor e gerente), Eng. DD, enviou à ré a carta datada de 10.07.2020, que seguiu por correio registado com aviso de receção para a sua Direcção do Ramo Automóvel, sita na Av. ..., nº 242, … ... ....

24. A referência da autora era: ........22 .....18 ..-OC-.. SE-........

25. O assunto como sendo o acidente ocorrido no dia 22 de Dezembro de 2017, na Estrada dos ... cerca de 60 metros depois da 1ª rotunda existente naquela estrada para quem sai das instalações da Auto Europa com destino à A-2, envolvendo o veículo com a matrícula ..-..-AX, conduzido pelo Sr. AA, seguro na Vossa companhia e o conjunto circulante porta-automóveis com as matrículas ..-OC-../SE-...., conduzido pelo Sr. BB, propriedade da nossa representada, a firma Rodo Cargo, Transportes Rodoviários de Mercadorias, S.A.

26. A indicação de que escrevia para, em nome e em representação da firma Rodo Cargo, S.A., lamentar, uma vez mais, a conduta adotada pela ré a qual, se reiterava, se tinha vindo a agravar nos últimos anos.

27. E referindo que se escrevia, nessa altura temporal, para em concreto reclamar da forma como a ré se encontrava a gerir as reclamações apresentadas pela empresa R..., Lda.

28. E bem assim que muito se agradecia à ora ré que viesse explicar como apenas só em 22.05.2020, no decurso de pandemia mundial, vinha referir que o cheque no valor de €2.876,29 enviado através de carta cheque datada 31.01.2019, reportava-se a um outro processo que ainda se encontrava por regularizar, e não a esse a que a R..., Lda. se encontra nessa carta a fazer referência já que o sinistro destes autos se tinha considerado regularizado desde 31.01.2019.

29. Referiu ainda a R..., Lda. que solicitaria ao Advogado da autora o dever ter em especial atenção os comentários que passavam a listar seguidamente de “1.” a “14.” (e que abaixo se transcrevem) e para os quais, aguardaria 10 dias por uma resposta da ré que justificasse esta lamentável situação, se assim o entendesse:

1. A R..., Lda., na sua qualidade de representante da empresa Rodo Cargo, S.A., aceita especificadamente a confissão expressa operada pela Companhia de seguros Tranquilidade, ora Ré, na sua correspondência datada de 27.12.2017 “tivemos conhecimento do sinistro em referência através da reclamação que nos foi apresentada.

(…)

3. Assim, não pode a Companhia de seguros Tranquilidade, ora Ré, afirmar que desconhece os factos vertidos nessa carta por ter acusado a sua receção logo em 27.12.2017.

4. Deste modo, deve igualmente valer como confissão a tomada de posição da Companhia de seguros Tranquilidade, ora Ré, face ao teor dessa carta por, em virtude da confissão operada na sequência da sua carta datada de 27.12.2017 que expressa e especificadamente acusa a reclamação do sinistro (…)

5. Logo, tomando a Companhia de seguros Tranquilidade, ora Ré, conhecimento da carta enviada a 26 de Dezembro de 2017, incumpriu esta com os deveres de diligência e prontidão estabelecidos no número 1 do artigo 36º do Decreto-Lei 291/2007, em especial:

a) - Cumprindo, apenas parcialmente, com o proceder ao primeiro contacto com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, sem contudo marcar as peritagens que devam ter lugar – alínea a);

- Concluir as peritagens no prazo dos oito dias úteis seguintes ao fim do prazo para marcação das mesmas – alínea b);

- Disponibilização dos relatórios de peritagens no prazo dos quatro dias úteis após a conclusão destas – alínea d);

- Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de trinta úteis, a contar do termo do prazo fixado para o contacto para a marcação de peritagens – alínea e).

6. Assim a Companhia de seguros Tranquilidade, ora Ré, para além do incumprimento

dos deveres de zelo, diligência e prontidão previstos no artigo 36º do Decreto-Lei 291/2007, violou o dever de comunicação expressamente constante da alínea e) do número 1 do artigo 36º, do número 1 do artigo 38º e do número 1 do artigo 40º, todos do mencionado Decreto-Lei 291/2007.

7. Pelo que, de tal conduta da Companhia de seguros Tranquilidade, ora Ré, importa a sua constituição como devedora da empresa Rodo Cargo, S.A., representada pela R..., Lda. e do Instituto de Seguros e Fundos de Pensões, em partes iguais, de uma quantia de €200,00 por cada dia de atraso, como resulta claramente do consignado no número 2 do artigo 40º do Decreto-lei 291/2007.

8. A imposição dos prazos perentórios previstos em todas as alíneas do número 1 do artigo 36º do Decreto-Lei 291/2007 resultam claramente da adoção da Diretiva 2000/26/CE Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Maio de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, que, no número 6 do seu artigo 4º estatui que os Estados-Membros devem prever obrigações avalizadas por sanções, pecuniárias ou administrativas equivalentes, adequadas, eficazes e sistemáticas, por forma a garantir que, num prazo de três meses a contar da data em que a pessoa lesada tenha apresentado o seu pedido de indemnização diretamente à empresa de seguros da entidade que causou o sinistro ou ao seu representante para sinistros:

a) A empresa de seguros da pessoa que causou o sinistro ou o seu representante para sinistros apresentem uma proposta de indemnização fundamentada, no caso de a responsabilidade não ser contestada e o dano sofrido estar quantificado; ou

b) A empresa de seguros a quem tiver sido dirigido o pedido de indemnização ou o seu representante para sinistros deem uma resposta fundamentada quanto aos pontos invocados no pedido, no caso de a responsabilidade ter sido rejeitada ou não ter sido claramente determinada ou os danos sofridos não estarem totalmente quantificados.

9. E, mesmo que assim não fosse, sempre teria a Companhia de seguros Tranquilidade, ora Ré, de proceder ao pagamento de tais montantes previstos no número 2 do artigo 40º do Decreto- Lei 291/2007 por força de eventual confissão que a mesma operasse no âmbito do presente processo, em especial no que tange à responsabilidade do seu segurado e ao cumprimento dos deveres que para si resultam da aplicação da alínea a) do número 1 do artigo 34º do Decreto-Lei 291/2007.

10. Ora, como se encontra estatuído no normativo referenciado anteriormente, a alínea a) do número 1 do artigo 34º do Decreto-Lei 291/2007, o tomador do seguro ou o segurado, sob pena de, responder por perdas e danos, obriga-se a comunicar a ocorrência do sinistro à empresa de seguros no mais curto prazo de tempo possível, nunca superior a oito dias a contar do dia da ocorrência ou do dia em que tenha conhecimento da mesma, fornecendo todas as indicações e provas documentais e ou testemunhais relevantes para uma correta determinação das responsabilidades.

11. Como bem resulta do teor do carta datada de 26.12.2017, tendo sido alegados os factos que ocorreram e determinaram a ocorrência do sinistro, estes teriam sido comunicados obrigatoriamente pelo segurado (3º interveniente no sinistro) à Companhia de seguros Tranquilidade, ora Ré, no aludido prazo máximo de oito dias, facto que não é colocado em causa pela companhia de seguros Tranquilidade, ora Ré, ou seja, o mais tardar a 29 de Dezembro de 2017, teria a mesma de ter forçosamente conhecimento da ocorrência do acidente, e consequentemente procedesse aos contactos devidos para a regularização do sinistro em causa no âmbito da presente reclamação conforme referido em “5.”.

12. Por conseguinte, por força da incúria da Companhia de seguros Tranquilidade, ora Ré, verificasse igualmente a violação dos deveres de zelo, prontidão e diligência que especialmente impendem sobre as empresas seguradoras por força da aplicação do disposto no artigo 36º do Decreto-lei 291/2007:

- Inexistência do primeiro contacto com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar – alínea a); - Falta da conclusão das peritagens no prazo dos oito dias úteis seguintes ao fim do prazo para marcação das mesmas – alínea b);

- Ausência de disponibilização dos relatórios de peritagens no prazo dos quatro dias úteis após a conclusão destas – alínea d); - Inexistência da comunicar da assunção, ou da não assunção, da responsabilidade no prazo de trinta úteis, a contar do termo do prazo fixado para o contacto para a marcação de peritagens – alínea e).

13. Pelo que, desde já se solicita à Companhia de seguros Tranquilidade, ora Ré, nos dê conhecimento da totalidade dos elementos constitutivos do seu processo interno de regularização do sinistro automóvel em apreço bem como do outro sinistro ao qual tardiamente veio informar dever ser alocado o cheque datado de 31.01.2019, tudo, atenta a igual falta de cumprimento para com o disposto no nº 7 do artigo 36º do Decreto-lei 291/2007 relativamente ao acidente em apreço.

14. Termos em que, face à confissão da Companhia de seguros Tranquilidade, ora Ré, deverá ser desde já admitido o referido nos pontos anteriores quanto à matéria das penalizações impostas pelo número 2 do artigo 40º do Decreto-Lei 291/2007 face ao incumprimento do dever de comunicação por parte desta quanto à assunção ou não assunção da sua responsabilidade até ao prazo máximo de 15.02.2018 e este contado apenas, tendo em atenção os dois dias úteis decorridos sobre o prazo máximo que o seu segurado tinha para lhe participar o acidente (30.12.2017).

30.Referindo a representante da autora que atento todo o exposto muito se agradecia à ora ré que viesse explicar como apenas só em (22.05.2020!!!) vem referir que aquele cheque no valor de €2.876,29 reportava a um outro processo que não esse a que a representante da autora se encontrava a fazer referência.

31. Mais anexou a fatura da peritagem e os 4 documentos a que se referia.

32. Eliminado.

33. Em momento não concretamente apurado, a empresa R..., Lda., na pessoa do seu colaborador Eng. DD contactou a linha de sinistros da Tranquilidade, sendo atendido por funcionário não concretamente apurado, a quem foram solicitadas várias informações sobre o processo atinente ao sinistro em causa, tendo sido solicitado o contacto do gestor de sinistros encarregue da tramitação do processo, ao que foi respondido que o gestor do processo era o Sr. CC, tendo ainda sido referido que o gestor entraria em contacto brevemente, tendo então o Eng.º DD respondido que se estava a atingir o prazo de prescrição.

34. Mais tarde e na ausência de qualquer contacto, a empresa R..., Lda., na pessoa do seu colaborador Eng.º DD voltou a contactar a linha de sinistros da Tranquilidade, tendo sido atendida, num primeiro contacto, pelo Sr. EE que referiu que não era possível falar com o gestor do processo e que tinham solicitado elementos que nunca foram participados.

35. Eliminado.

36.Eliminado.

37. Em nova chamada, o Sr. Eng.º DD falou com o Sr. FF, que, além do mais, referiu que o mesmo acidente pode ter dois números de sinistros e estes estão associados ao reclamante, informando ainda que o sinistro tinha o nº ......73, que o Sr. AA reclamara o sinistro em 22.12.2017 e que a regularização do mesmo fora recusado ao Sr. AA em 2.02.2018, por falta de elementos, constantes da Declaração Amigável de Acidente Automóvel entregue pelo Sr. AA em 22.12.2020.

38. O Sr. Eng.º DD, perguntou ainda ao Sr. FF sobre a assunção de responsabilidade perante a Rodo Cargo, pois se no sinistro só existiam dois intervenientes, e a regularização do mesmo fora recusado ao Sr. AA, deveria ter sido (regularizado) assumido perante a Rodo Cargo S.A.

39. O Sr. FF informou que o sinistro pode ser recusado às duas partes pois a recusa a um não implica a necessária assunção de responsabilidade perante o outro. Mais referiu que não tinha no processo qualquer reclamação da Rodo Cargo.

40. O Eng. DD manifestou a sua estranheza pois a Rodo Cargo, S.A. tinha recebido uma carta resposta da Tranquilidade a solicitar elementos.

41. Contudo, o Sr. FF informou o Eng. DD que também esse “reminder” não tinha sido rececionado.

42. O Eng.º DD informou o Sr. FF ter ainda enviado a reclamação final quantificada em 28.12.2018, sendo que a ré emitiu um cheque em 31.01.2019 no valor exato do pedido e que apesar dessa situação a posteriormente referiu que afinal o cheque não se reportava a este sinistro mas sim a outro.

43. Foi então que o Sr. FF solicitou ao Eng.º DD que lhe enviasse a reclamação datada de 26.12.2017; o “reminder” datado de 1.06.2018 e a reclamação final datada de 26.12.2018, tudo, para ele reenviar à gestora do processo a solicitar-lhe esclarecimentos.

44. O Eng.º DD enviou no mesmo dia os elementos solicitados para o e-mail indicado pelo Sr. FF.

45. A ré, através de um e-mail de resposta automática, acusou a receção do e-mail enviado ao Sr. FF.

46. Em 4.08.2020 a ré enviou diretamente, para a autora um e-mail, no qual refere:

“Tivemos conhecimento do sinistro em referência através da reclamação que nos foi apresentada.

Dado que a participação de sinistro em nosso poder carece de elementos imprescindíveis à correta regularização do nosso processo, solicitamos que nos sejam fornecidos esclarecimentos complementares relativamente às circunstâncias em que ocorreu o sinistro (descrição do acidente), bem como a identificação dos intervenientes do mesmo.

Segue em anexo DAAA (Declaração Amigável de Acidente Automóvel) subscrita por ambos intervenientes”.

47. Em 10.08.2020 a ré dirigiu à representante da autora, a empresa R..., Lda., o ofício de fls. 239 vº, aqui dado por reproduzido, onde além do mais refere:

“No âmbito da ocorrência acima indicada, acusamos a receção da vossa correspondência datada de 13 de Julho de 2020 a qual mereceu a nossa melhor atenção.

Neste sentido, após a análise do contido na vossa carta, informamos que a apólice em apreço corresponde ao segurado de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Cargas, colocada pelo segurado nesta seguradora e aplicável à regularização do sinistro respeitante aos danos ocorridos com o chassis WVWZZZAUZJW…42.

Nesta conformidade, confirmamos que a respetiva indemnização no valor de €2.876,29 (Prejuízo no valor de € 3.195,88 – franquia de €319,59) foi liquidada ao nosso segurado através do envio da carta cheque nº …6.3, tendo o respetivo cheque sido descontado em 13.02.2019.

No que se refere ao relatório da peritagem automóvel efetuada para apuramento do valor da reparação do chassis acima identificado, informamos que o mesmo resultou do acordo estabelecido entre a oficina indicada pelo nosso segurado e o perito nomeado.

Se pretenderem obter algum esclarecimento adicional, por favor contactem-nos através de um dos meios abaixo indicados”.

48. Na sequência deste e-mail, a representante da autora, a empresa R..., Lda., dirigiu à Direcção do Ramo Automóvel da ré a correspondência registada com aviso de receção, cuja cópia consta de fls. 130 e ss., que aqui se dá por integralmente reproduzido e da qual consta, além do mais:

“… Atenta a vossa atitude em nada contribuindo para impulsionar o processo no sentido da sua, nem que parcial resolução, pondo assim fim a parte das penalizações impostas pelo Decreto-Lei 291/2007, solicitaremos ao Advogado da nossa representada, Dr. GG, o intentar, tão breve quanto lhe seja possível, da ação judicial para reclamação deste sinistro, devendo o mesmo ter em conta os comentários listados de “1.” a “14.” da nossa carta de reclamação para com a vossa conduta, datada de 13.07.2020, enviada por correio registado com aviso de receção e recebida por essa companhia em 14.07.2020, a qual atenta o seu teor torna absolutamente despropositado o teor do vosso e-mail datado de 04-08-2020 enviado à nossa representada…”.

49. Na sequência do acidente em causa nos autos, o veículo reboque com a matrícula SE-...., sofreu os seguintes danos: - A destruição: do farolim traseiro direito; - O empeno do suporte do mesmo, das chapas de sinalização direitas, do macaco da extensiva e - Danos: na pintura das partes sinistradas.

50. Os quais foram valorados da seguinte forma: Conjunto de chapas de sinalização traseira direitas do reboque – €12,25; Farolim traseiro direito - €47,25; Suporte dos farolins traseiros direitos - € 38,65; Macaco da extensiva da plataforma inferior - €498,24, num total de €596,39.

51. Ascendendo o custo da “mão de obra”; “material de pintura” e “diversos” a €794,75.

52. O que perfaz o valor total geral de €1.391,14.

53. O conjunto circulante especial para transporte de Automóveis matrículas ..-OC-../SE-...., deu entrada nas instalações oficinais da Rodo Cargo, S.A. em 5-01-2018.

54. A reparação do reboque iniciou-se em 8-01-2018 e para realização da mesma, foi determinado pelo perito um período de 2 dias úteis, tendo a mesma ocorrido nesse período.

55. O conjunto circulante especial para transporte de Automóveis matrículas ..-OC-../SE-.... utilizado pela autora ficou impossibilitado de trabalhar, no período que decorreu entre a data em que deu entrada nas instalações oficinais da Rodo Cargo, S.A., 5-01-2018 e a data de conclusão da reparação, 9-01-2018, num total de 5 dias.

56. Eliminado.

57. Apesar da paralisação houve que pagar o salário do motorista, os seguros de responsabilidade civil e de transporte, os custos de leasing e ainda as quotas-partes dos custos administrativos e mais pessoal da empresa.

58. O facto de a reparação ter ocorrido nas instalações oficinais da própria autora, leva a que o seu valor seja inferior ao que se pagaria se tivesse optado por reparar o seu equipamento nas instalações de um qualquer representante da marca do seu equipamento, a Lohr.

59. A autora celebrou com o Banco Santander Totta, S.A. um contrato de locação financeira mobiliária, relativamente a diversos bens, nos quais se incluía o veículo interveniente no acidente.

Da contestação.

60. Eliminado.

61. Ambos os veículos intervenientes no acidente, encontravam-se seguros na ré, embora por apólices e coberturas distintas.

62. Em 26/12/2017, o segurado da ré, proprietário e condutor do veículo AX, fez chegar aos serviços desta uma reclamação do acidente, no impresso da declaração amigável de acidentes de automóvel, assinado por ambos os condutores.

63. Nessa reclamação não vinham descritas a forma e causas do acidente, nem vinham preenchidos quaisquer quadrados do nº 12 (circunstâncias).

64. O croqui dela constante não permitiu concluir a responsabilidade ou contribuição de cada um dos condutores na eclosão do acidente.

65. Eliminado.

66. Em 27/12/2017 a ré remeteu à autora carta dizendo que teve conhecimento através duma reclamação que lhe foi apresentada, tendo solicitado que, uma vez que da participação (reclamação) não constavam elementos imprescindíveis à correta regularização do processo, lhe fossem fornecidos esclarecimentos complementares relativamente às circunstâncias em que ocorreu o sinistro, bem como à identificação dos intervenientes no mesmo, tendo indicado os contatos para qualquer esclarecimento adicional (telefone, fax, email e site).

67. Em 8/01/2018 a autora apôs nessa carta a seguinte anotação, que rubricou, no seguinte sentido: “enviar participação”.

68. Eliminado.

69. A autora não enviou à ré a participação do acidente nem prestou os solicitados esclarecimentos.

70. A ré, face à reclamação do proprietário do veículo AX, procedeu em 2/01/2018 à peritagem dos danos sofridos pelo mesmo, cujo custo de reparação ascendia a 549,90.

71. Não tendo recebido da autora os esclarecimentos que havia solicitado nem a participação do acidente, a ré ficou sem elementos para, com segurança, imputar a responsabilidade a qualquer dos condutores.

72. Em 2/02/2018 a ré remeteu carta ao proprietário do veículo AX, dizendo que não dispunha de prova bastante para concluir pela responsabilidade da autora, pelo que não aceitava sem mais prova qualquer responsabilidade da ora autora na eclosão do acidente e uma carta à autora dizendo que não havia prova bastante para concluir pela responsabilidade de qualquer um dos intervenientes e que por isso declinava qualquer responsabilidade.

73. Em 4/08/2020 a autora remeteu à ré cópia das alegadas comunicações enviadas relativamente ao acidente dos autos.

74. A ré respondeu no mesmo dia, por mail, solicitando que lhe fosse facultada uma descrição pormenorizada das circunstâncias do acidente.

75. O veículo da autora era conduzido por BB, que é seu empregado.

76. O qual conduzia o veículo no seu horário de trabalho, cumprindo ordens e instruções da sua entidade empregadora.

77. Entre a autora e a ré encontrava-se em vigor um contrato de seguro de responsabilidade civil transportador, titulado pela apólice ...........03.

78. Nos termos dessa apólice, a ora ré assumiu a responsabilidade civil por danos sofridos por veículos transportados pela autora no exercício da sua actividade de transporte de automóveis.

79. Num dos sinistros ocorridos, sofreu danos o veículo automóvel com o chassis WWWAVZJW…42, cuja reparação ascendia a 3.195,88.

80. A este montante abateu-se a franquia contratual de 10% (319,59) de conta da segurada,

81. A ré pagou à autora a quantia de 2.876,29.

82. Este sinistro tem o nº .......14 – ocorrência .....30, sendo segurada a autora.

83. No sinistro dos autos a autora foi identificada como terceira, face à reclamação do proprietário do veículo AX e o sinistro tem o nº ......73.

84. O veículo sinistrado no acidente em causa nestes autos podia circular.

85. A autora instaurou em 31/03/2020 uma acção contra a ré, em consequência dum acidente de viação ocorrido em 10/07/2017, que corre termos pelo Juízo Central Cível e Criminal de ... – Juiz 3, com o nº. 576/20.6..., onde reclamou o pagamento de 137.735,35, que inclui 4.876,90 da reparação, paralisação e custo da peritagem do reboque, 36.504,80 de juros capitalizados à taxa de 14%, 97,00 do custo de 4 certidões da participação do acidente elaborada pela autoridade policial, 96.256,24 de penalizações decorrentes da lei e 100,00 por dia até à data em que a ré comunique a assunção ou não da responsabilidade.

86. A autora instaurou outra acção contra a ré em 24/04/2020, em consequência dum acidente de viação ocorrido em 22/01/2018, que corre termos pelo Juízo Central Cível de ..., Juiz 2, com o nº. 987/20.7..., onde reclama o pagamento de 105.575,01, que inclui 1.634,70 do custo da reparação do semi-reboque, 1.285,15 do custo da paralisação do mesmo, 200,00 do custo da peritagem ao veículo e 595,16 do custo da reparação dum veículo que era transportado no semi-reboque e que ficou danificado em consequência do acidente, 23.974,81 de juros capitalizados à taxa de 14% e 77.885,15 de penalizações decorrentes do alegado incumprimento de normas do Dec. Lei 291/2007. Assim,

E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:

A) Nas circunstâncias dos pontos 3 a 5, o condutor do veículo seguro pela ré foi embater na traseira do reboque especial para transporte de automóveis matrícula SE-.... sobre o seu lado direito.

B) O embate ocorreu como consequência direta da manobra injustificada e reveladora de imperícia/distração/imprudência/não cumprimento da sinalização de obrigatoriedade de cedência de passagem, do condutor do veículo ligeiro de passageiros ..-..-AX, seguro pela ré, cujo condutor, não adaptou nem reduziu a velocidade tendo em consideração que circulava num acesso a uma via prioritária e sem tomar as precauções que lhe estavam impostas para deter o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente.

C) Que o funcionário que atendeu a comunicação a que se alude em 33, tenha sido o Sr. HH.

D) O veículo estava afeto a serviços já anteriormente contratados, determinando esta situação, a necessidade de obter um veículo idêntico para dar continuidade aos referidos serviços.

E) A autora viu-se forçada a cancelar todos os serviços para os quais tinha o veículo destinado.

F) Eliminado.

G) Que no âmbito do telefonema a que se alude em 34, tenha sido dito pelo funcionário da ré, que tinham recebido a carta de reclamação datada de 26.12.2017.

H) A ré não tomou qualquer atitude no sentido de impulsionar a regularização do sinistro.

I) A ré não recebeu as cartas de 26.12.2017, de 1.06.2018 e de 28 de Dezembro de 2018.

J) Que na circunstância referida em 40, o Eng. DD tenha ditos que os elementos solicitados pela ré tinham sido enviados com o reminder de 1.06.2018.

O DIREITO

Admitido o presente recurso pela Formação, cumpre conhecê-lo.

Mas recorde-se, antes de mais, a decisão do Tribunal a quo.

As passagens mais relevantes do Acórdão recorrido para o efeito são as seguintes:

“(…) a recorrente discorda da decisão da 1.ª instância, na parte em que se considerou caber à ré/recorrida a responsabilidade pela ocorrência do embate, sustentando que não deu causa ao acidente e concluindo que não se encontram preenchidos os pressupostos, entre outros, do direito ao ressarcimento, como consequência do que se dispõe no Dec. Lei 291/2007, 21-08.

Contudo, verifica-se que a solução que a recorrente defende para o litígio assenta, exclusivamente, na modificação da decisão de facto, no sentido de serem dados como provados os factos constantes das alíneas A), B), C) e H) e J) dos factos não provados, que alega deverem ser dados como provados.

E também os factos dados como provados nos pontos 22, 33, 34 e 64 que considera deverem ser incluídos nos factos não provados.

Ora, a impugnação da matéria de facto veio a ser totalmente improcedente neste tribunal superior, o que implica ter-se comprovado a imputação da responsabilidade pela produção do acidente ao condutor do veículo da recorrente, pelo que inexiste também a necessidade de analisar a presunção de culpado do comitente a que alude o artº 503º/3 do CC.

Assim sendo, a improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto deduzida pela ré, com a consequente não modificação da factualidade considerada provada e não provada, implica se considere prejudicada a apreciação da questão de direito pela mesma suscitada, dado que a solução que preconiza se baseia na rejeitada modificação da factualidade fixada e imodificada pela primeira instância.

Verificando-se que a apelante não defende qualquer alteração da decisão proferida a apreciar no pressuposto da não modificação da matéria de facto, deve concluir-se que esta improcedência prejudica a apreciação da questão de direito suscitada pela ré no recurso que interpôs.

Em consequência, improcede totalmente a apelação da recorrente”.

Resulta claro deste excerto que o Tribunal recorrido, não obstante ter formulado, a partir do recurso de apelação da autora, duas questões a apreciar (1. - A impugnação da matéria de facto; 2. – Na procedência da [impugnação da] matéria de facto, se foi ilidida a presunção de culpa atribuída ao motorista da Recorrente e as consequências dessa ilisão), não apreciou senão a questão de facto.

Decidiu o Tribunal recorrido – e esta foi a única decisão apreciada e decidida – que era improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e que, face a isto, estavam prejudicadas a apreciação e a decisão da questão de direito.

Consequentemente, a única questão que é possível apreciar neste recurso admitido pela Formação é a de saber se o Tribunal recorrido decidiu bem ao considerar prejudicada a apreciação da questão de direito, com o fundamento a que a recorrente alude, mais ou menos explicitamente, nas conclusões 1 e 18 a 24, qual seja a violação dos artigos 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.

Para responder é preciso conhecer os precisos termos em que são enunciadas as duas questões no recurso de apelação.

Ora, analisando de perto as conclusões de apelação, o que se verifica é que, depois de numerosas considerações exclusivamente relevantes para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a autora / apelante termina assim:

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão na realização do nobre míster de sindicância judicial, deverá a douta sentença recorrida ser revogada, e após (re)apreciação da prova, substituída por outra que considere ilidida a presunção de culpa atribuída ao motorista da Recorrente, e único culpado o condutor do veículo seguro na Recorrida, o Sr. AA, e em consequência condenar esta ultima a ressarcir os danos considerados como provados nos autos, condenando-a ainda na compensação legal reclamada pela Recorrente por violação, por aquela, do disposto no artº 40º do D.L. nº 291/2007, pelo seu comportamento omissivo que resultou no não impulsionar, tal como lhe competia, o processo de regularização de sinistro dos seus segurados, do qual resultaram os prejuízos reclamados pela ora Recorrente, tudo como resulta do legalmente prescrito, dos factos provados e do senso comum, assim se realizando em resultado da conjugação de todos estes fatores, o que ora se pede, que é justiça”.

Quer isto dizer que foi a própria autora / apelante que subordinou a apreciação da questão de direito à procedência da alteração da decisão sobre a matéria de facto, estabelecendo, assim, uma relação de dependência entre os dois grupos de questões (de direito e de facto).

Ora, se assim foi, é apenas lógico que o Tribunal recorrido, depois de ter rejeitado a alteração da decisão sobre a matéria de facto, tenha considerado prejudicada a apreciação da questão de direito.

Dispõe-se no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que a recorrente entende ter sido violado, na parte relevante:

O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Como é visível, o Tribunal recorrido não só não violou esta norma como actuou em plena conformidade com ela: decidiu a questão que tinha o dever de decidir (questão de facto) e só não decidiu a outra questão (questão de direito) porque a sua decisão ficou prejudicada pela decisão da questão anterior, ou seja, a questão que não tinha o dever nem o poder de decidir.

O argumento a que a recorrente insistentemente se refere – a questão de direito ser autonomízável – não altera o facto de que a questão não é ou surge, com efeito, como autónoma. É que a recorrente, enquanto apelante, não a autonomizou, estabelecendo, pelo contrário, um nexo de dependência relativamente à solução da questão de facto, como se viu acima.

Nesta linha de raciocínio, não resta senão concluir que não há, tão-pouco, a nulidade por omissão de pronúncia a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC.

Quanto à alegada violação dos artigos 607.º, n.º 4, e 639.º, n.º 2, do CPC, só pode dizer-se que não se enxerga – e nem a recorrente explica – como o Tribunal recorrido poderia tê-los violado, dado que, para começar, nem se vê que eles tenham alguma relevância para a questão aqui em apreço. Não se vislumbra, em suma, qualquer violação.


*


III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


*


Custas pela recorrente.

*


Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024

Catarina Serra (relatora)

Isabel Salgado

Fernando Baptista