Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7147/10.3TBMTS.P2.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
RESPONSABILIDADE DO REQUERENTE
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
CULPA
ILICITUDE
DOLO
NEGLIGÊNCIA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
DIREITOS DE AUTOR
Apenso:
Data do Acordão: 02/25/2021
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Para que o requerente de providência cautelar injustificada seja constituído em responsabilidade é preciso que tenha agido culposamente ou sem a prudência normal (cfr. artigo 374.º, n.º 1, do CPC).

II. Tendo os requerentes alegado factos que sabiam não ser verdadeiros, considera-se verificado o requisito da culpa exigido para estes efeitos.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO


1. AA e Grupopie – Portugal, S.A., intentaram a presente acção com processo comum de declaração contra Sage Portugal Software, S.A., BB e Joint Action Unipessoal, Lda., pedindo a condenação destes:

a) A reconhecer que os programas informáticos SIR, FIRST e SAGE Restauração correspondem a uma cópia do programa PC-POS II, e bem assim a reconhecer a usurpação do direito de autor sobre este programa;

b) A absterem-se de manipulação, modificação, acesso ao código fonte, introdução de alterações, funcionalidades ou prática de qualquer ato de alteração, duplicação, distribuição, cópia, emissão de licença ou qualquer outra atividade que tenha por finalidade duplicar, comercializar ou trabalhar sobre o mesmo PC POS II, depois denominado como SIR, FIRST ou SAGE Restauração a que corresponde o registo na ASSOFT Deposit assoft …, ainda que por via de um outro programa com similar função, estrutura e procedimentos que venha a existir em substituição daquele e que tenha afinidade com o programa criado pelo autor, com a consequente apreensão de cópias que já tenham sido colocadas no mercado e que existirem nas instalações dos réus;

c) A indemnizar os autores, quer por via da usurpação, quer por via da concorrência desleal, no valor correspondente aos benefícios obtidos até à presente data e a apurar em sede de liquidação; e

d) A título de dano moral, pela usurpação de direito do autor em quantia correspondente ao valor previsto para a cláusula de não concorrência fixada entre o réu BB e a ré Sage, de € 300.000,00.

A fundamentar aqueles pedidos, alegam que o autor criou e desenvolveu a parte de front office de um programa de computador de gestão de bares e estabelecimentos equiparados, cujo back office foi criado e desenvolvido por um professor seu, chamado CC, e o hardware pelo 2.º réu, e que veio a ser comercializado com o nome de PC-POS, sujeito a desenvolvimentos ulteriores por parte do autor, na parte que lhe correspondia e que veio a ser denominado de PC-POS II e comercializado com divisão entre os três do produto da venda das licenças;

Subsequentemente, o autor foi contratado pela empresa Restinfor – Sociedade Informática, Lda., como chefe de desenvolvimento e programador principal, no âmbito do que desenvolveu um novo programa destinado ao mercado da restauração designado de Winrest e que assim veio a ser comercializado;

Do mesmo passo, também o réu BB foi contratado pela Restinfor – Sociedade Informática, Lda;

Posteriormente, a autora Pie adquiriu o referido programa Winrest e recrutou o autor que, ao seu serviço, passou a desenvolver esse programa assim como outros produtos com a marca Pie com os conhecimentos, criações, soluções e técnicas, nomeadamente adquiridos com o PC-POS e o PC-POS II;

Concomitantemente, a autora Pie contratou também o réu BB que, como diretor de departamento de research and development, teve acesso ao seu planeamento, tecnologia, modelos de negócios, desenhos, termos de contratos e rede de agentes e clientes;

Em 2008 foi registado programa informático na Assoft em nome da empresa Joint Action, Lda., de quem, ao tempo, era sócio DD, pai do réu BB, gerente da mesma sociedade;

Após a saída do réu BB da autora Pie, dois dos seus distribuidores, EE e PRI, em meados de 2008, impulsionaram a distribuição no mercado de um produto, com apresentação gráfica idêntica ao PC-POS II, designado por FIRST POS;

A partir do início de 2009, a empresa denominada Priceless, constituída entre o réu BB, o distribuidor EE e FF, gerente e sócio da PRI, introduziram no mercado o FIRST POS, mas com o nome de SIR;

Em Setembro de 2009, o réu BB foi contratado pela ré Sage para o exercício de funções de project manager para a área da restauração;

Em 3 de Novembro de 2009, a ré Sage apresentou o programa SIR adquirido ao réu BB para desenvolvimento e posterior introdução no mercado, e

Constataram por exame que este programa registado na Assoft era o PC-POS II criado pelo autor.

Concluíram, dizendo que o autor foi vítima de contrafação e de violação do direito moral de autor, em virtude de a ré Joint Action ter feito sua uma criação que lhe pertencia a si autor e a autora foi objeto de concorrência desleal por o réu BB, com a intervenção da ré Joint Action, ter utilizado na ré Sage conhecimentos exclusivos da autora a que só teve acesso por estar ao seu serviço.

2. Citados, os réus BB e Joint Action, depois de invocarem a ilegitimidade da autora Grupopie, começaram por defender que o programa informático PC-POS II, resultou do que a exploração económica partilhada é sintoma, de um trabalho de criação conjunta e interdependente entre autor, réu BB e CC, circunstância que compromete indelevelmente a posição de testemunha deste último na providência cautelar que antecedeu a presente ação, o mesmo sucedendo com o resultado da perícia que nesse âmbito lhe foi atribuída.

Acrescentaram que, quando o autor ingressou na Restinfor foi combinado entre os respetivos coautores que o programa PC-POS II continuaria a pertencer aos três que seriam livres de o usar individualmente nos seus projetos profissionais, razão pela qual a ele recorreu o autor ao serviço da PIE, tal como o réu BB para o desenvolvimento do FIRST – POS, e que o projeto inicial seria continuado pelo réu BB e por CC, o que, numa fase subsequente, aconteceu unicamente por este último que para o efeito constituiu a sociedade Unue com o objetivo de desenvolver o PC-POS II e comercializá-lo sob a designação de Koncepto.

Para mais, negaram ter tido acesso ao código fonte do Winrest ou ter utilizado em proveito próprio dados conhecidos pelo réu BB ao serviço da autora, assim como atribuíram a EE, Lda., detentora da marca FIRST, a comercialização em 2007, com conhecimento dos autores, do FIRST POS desenvolvido pela Joint Action Unipessoal, Lda., a pedido de EE.

Do mesmo modo, explicaram que a designação SIR se deveu ao facto de corresponder a uma marca detida pela PRI, sócia da Priceless que só providenciou e comercializou o programa com esse nome depois de M…, Lda., e PRI, Lda., terem cessado, por imposição do Grupo Pie, a distribuição do seu programa Winrest.

Ademais, afirmaram que, estando o código fonte do programa desenvolvido pelo réu BB registado na ASSOFT desde 2008, a que os autores só tiveram acesso no decurso da providência cautelar, não compreendem como antes deste acesso, único que lhes foi comunicado, puderam estes afirmar da sua identidade com a do PC –POS II.

Outrossim, o referido código fonte do programa registado na ASSOFT porque fornecido em primeira mão a CC, testemunha indicada pelos aqui autores, requerentes da providência cautelar, antes mesmo de estes terem apresentado ou registado o código fonte do PC-POS II, além da já existente parcialidade do depoimento de um dos autores deste programa e do subsequente parecer que então ofereceu, inquina a prova pericial no âmbito destes autos principais desde logo por impedir a certeza da originalidade de cada um dos apontados programas e assim a comparação entre os mesmos.

Por último, deduziram pedido reconvencional, pedindo indemnização, no valor global de €400.000,00, dos quais €100.000,00 por danos de imagem e €300.000,00 por lucros cessantes do reconvinte BB.

Para o efeito, alegaram que a interposição da presente ação e o deferimento da providência cautelar que determinou a apreensão de quaisquer cópias do programa redundou na cessação da utilização do respetivo software e colocou em causa todo o bom nome, credibilidade e reputação dos réus, com graves e avultados prejuízos para os mesmos, tanto mais que a decisão respetiva foi divulgada pelos autores, como sendo definitiva.

3. Por sua vez, a ré Sage apresentou a sua contestação com pedido reconvencional salientando, de início, a correção na PI da matéria de facto alegada na providência cautelar por forma a deixar de resultar que o programa PC POS II era uma obra conjunta e que a autora Grupopie é parte ilegítima, um e outro objetivo sem sucesso, desde logo, como posteriormente defendeu, por aquele programa ter sido utilizado livremente e em benefício exclusivo por cada um dos seus diferentes criadores, o autor, o réu e CC.

De seguida, sublinhou a impossibilidade de os autores, antes da providência cautelar terem constatado por exame que o programa registado na Assoft em nome da Joint Action denominado SIR ou FIRST POS, a que só tiveram acesso no decurso daquela, ser o programa PC-POS II.

De qualquer modo, a ter sido possível tal versão dos factos, mal se compreende, dizem, a alegação de que foi ao serviço da autora Grupopie que o réu BB teve conhecimento de erros do programa PC-POS II, o que, no seu conjunto, por contradição entre a causa de pedir relativa à Grupopie e o respetivo pedido, torna inepta a petição inicial e nulo todo o processado e revela a ilegitimidade desta autora.

Por outro lado, dizendo não conhecer o programa PC POS II, ao contrário dos autores que conhecem o programa Sage Restauração e o programa da Joint Action registado na ASSOFT que, entretanto, lhes foi fornecido, entendem estar prejudicada a prova acerca da originalidade daquele programa, inclusive por via de CC que, como criador do PC POS II, é parte interessada.

Em todo o caso, porque adquiriu um programa informático ao seu proprietário em nome de quem estava registado na Assoft, imprimindo-lhe novas funcionalidades, criou um produto único distinto de qualquer outro.

Finalmente, apresentou pedido reconvencional de indemnização, a liquidar ulteriormente, no mínimo de €1.100,000,00, correspondendo €250.000,00 por danos não patrimoniais e €850.000,00 pelos prejuízos sofridos e lucros cessantes.

Para tanto, alegou, em síntese, que os autores bem sabiam não lhes assistir os direitos de que se arrogam, tendo agido com o objetivo conseguido de a impedir de exercer a sua atividade no mercado, com um prejuízo anual de cerca de €450.000,00 e perda do investimento já realizado de sensivelmente €400.000,00 a que acresce o incalculável dano proveniente da possível perda irremediável do mercado e dos danos na sua imagem, especialmente devido à divulgação pelos autores da decisão do Tribunal como definitiva.

4. Na resposta, os autores defenderam, em suma, a sua posição inicial donde entendem decorrer a improcedência dos pedidos reconvencionais.

5. Em fase de saneador, a excepção da ilegitimidade da autora foi julgada procedente e, por os autores não a terem suprido por preterição de litisconsórcio necessário, os réus foram absolvidos da instância em prejuízo do conhecimento dos pedidos reconvencionais, decisão revogada em recurso pelo Tribunal da Relação do Porto que mandou prosseguir os autos.

6. Identificado o objeto do processo e enunciados os temas de prova, as respectivas reclamações foram atendidas em sede de audiência prévia.

7. Procedeu-se a julgamento e, a final, proferida sentença, na qual a acção e as reconvenções foram julgadas improcedentes.

8. Inconformados, os réus BB e Joint Action Unipessoal, Lda., bem como a ré Sage Portugal Software, S.A., recorreram para o Tribunal da Relação do Porto.

9. Em 30.04.2020 foi por esta Relação proferido um Acórdão que concluiu com o seguinte dispositivo:

Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em revogar parcialmente a sentença recorrida e, consequentemente:

– Julgar improcedente a apelação dos réus BB e Joint Action Unipessoal, Lda.

– Julgar procedente a reconvenção deduzida pela ré Sage Portugal Software, S.A., condenando-se os autores a indemnizá-la, nos termos do artigo 609º, nº 2, do C.P.C., por quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença.

Os réus BB e Joint Action suportam as custas do respetivo recurso.

As custas do recurso da ré Sage são suportadas pelos autores, sendo esta responsabilidade tributária a corrigir, em função do resultado da liquidação”.

10. Inconformados, os autores AA e Grupopie interpuseram recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela revogação do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto. A terminar formulam as seguintes conclusões:

A - Um dos pressupostos da responsabilidade civil é a ilicitude da conduta, avaliada em termos objectivos e a culpa, o que, no caso concreto dos autos, se revelaria pela demonstração que os Autores de forma consciente alegaram factos que sabiam ser falsos; Não basta que se revele uma verdade processual diversa na prova que se estabeleceu e nos factos apurados;

B - Com efeito, para que se revele ilicitude e culpa nos presentes autos, é necessário que se dê como provado que os Autores eram cientes de que os factos que alegaram não eram verdadeiros, e que produziam a tal alegação cientes de tal falsidade (na medida em que a conduta tem que ser culposa, e não meramente negligente), para obter vencimento;

C - Nos presentes autos, não foi efectuada prova, nem dos factos dados como provados resulta que os Autores alegaram factos que sabiam conscientemente ser falsos; Tal determinou que não tivesse sequer ocorrido a condenação como litigantes de má-fé dos Autores, antes se tendo concluído que a sua actuação se enquadrava dentro da normal actuação de acordo com os trâmites da lide;

D - Da mesma forma, o procedimento cautelar nem caducou, nem ficou parado por mais de trinta dias, nem foi julgado infundado, após o recurso intentado que determinou que fosse exercido o contraditório por parte dos Réus no processo em causa;

E - A prova de factos diferentes dos alegados pelos Autores não é de per se suficiente para demonstrar a existência de ilicitude e culpa; Os Autores não extravasaram a normal conduta processual das partes, alegando factos que não lograram vir a provar;

F - O douto Acórdão viola o disposto no Art.483º do Cód. Civil, ao estabelecer uma obrigação de indemnização sem que previamente estabeleça a ilicitude da conduta, nomeadamente, por via da demonstração de que os Autores alegaram de forma consciente factos que sabiam não corresponder à verdade; Não sendo feita a prova de que os Autores de forma consciente alegaram factos que sabiam não ser verdadeiros, como na verdade não foi, não se estabeleceu a existência de uma conduta ilícita, o que relevou para a não condenação dos Autores como litigantes de má-fé; Não basta a parte contrária provar factos contrários aos alegados pelos Autores”.

11. Pugnando, por seu turno, pela improcedência, ou mesmo pela inadmissibilidade, deste recurso, a ré Sage apresentou contra-alegações, concluindo nos termos seguintes:

A. O douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, sem voto de vencido, agora os Recorrentes tentam pôr em crise não merece qualquer reparo e parece até de que os Recorrentes pretendem apenas obstar ao trânsito em julgado do acórdão, de forma abusiva (art. 670.º do CPC).

B. De resto, considera-se que o recurso nem deve ser aceite, porquanto inadmissível.

C. Aquilo que os Recorrentes colocam em causa no Acórdão prende-se, na sua essência, com três frases que vão escritas na penúltipla página do Acórdão, a saber:

“Como já se disse, a ré Sage Portugal Software, S.A., sofreu danos e há culpa dos autores pelo que alegaram na petição inicial, evidenciando-se, face ao que resultou provado, a sua falsidade.

Nesse sentido, deve ser julgada procedente a reconvenção deduzida pela ré Sage, condenando-se os autores no pagamento de indemnização, a título de danos emergentes e por afectação da imagem da mesma ré, na medida em que a ação daqueles não é de todo indiferente para as notícias que vieram a ser publicadas. Se os autores não tivessem alegado factos falsos na providência, a mesma não teria sido decretada e, dada a sua amplitude, era previsível que a mesma viesse a ser do conhecimento público e até noticiada.” [sublinhados acrescentados]

D. Os Recorrentes vêm negar terem alegado factos falsos e que sabiam serem falsos, o que corresponde a colocar em causa a factualidade atrás descrita no Acórdão e obrigaria a uma nova aferição, por parte do STJ, da matéria de facto, coisa que está vedada a este Tribunal. De forma que o recurso não é admissível e não deve ser admitido.

E. Por mera cautela sempre se dirá, em resposta às alegações:

São dois os argumentos dos Recorrentes: começam por alegar que a decisão do Tribunal da Relação peca por não ter tido em consideração a decisão da providência cautelar e os factos aí considerados como provados, acrescentando que como na providência cautelar a decisão de deferimento tinha sido fundada em depoimentos de testemunhas que, no essencial, teriam sido as mesmas que foram ouvidas em sede de audiência de julgamento, aquilo que divergia nas decisões seria apenas uma diversa apreciação da prova.

F. Ora, de acordo com o n.º 4 do art. 364.º do CPC, a decisão da matéria de facto em procedimento cautelar e mesmo a decisão final do procedimento nenhuma influência têm no julgamento da acção principal.

G. Ainda que assim não fosse, a prova produzida em audiência de julgamento foi muito diferente daquela que se apresentou na providência, e a Perícia que foi realizada na acção principal foi uma verdadeira Perícia e determinante para afastar as pretensões e alegações dos Autores, e o Presidente da ASSOFT também evidenciou as conscientemente falsidades produzidas.

H. A acrescer, a decisão da providência cautelar foi proferida sem que tivesse havido contraditório, pelo que vale muito pouco e não é, também por isso, comparável.

I. De realçar que quando o Tribunal da Relação do Porto, aquando da apreciação do recurso interposto face à decisão da providência, determinou que deveria ter havido contraditório e ordenou a sua realização, os Autores, agora Recorrentes, então Requerentes, desistiram do pedido da providência cautelar (pois já tinham obtido os benefícios que pretendiam e causado os prejuízos que queriam) – ver acta da audiência e homologação de 17/01/2012.

J. Por via dessa desistência do pedido é que não se deu o contraditório, que na altura (ano de 2012) já nem interessava a ninguém porquanto o mal estava feito às Requeridas da providência e o benefício criado nos Requerentes.

K. Ou seja: não se trata apenas de diferente apreciação da prova no procedimento cautelar e na acção principal (coisa que, de resto, não seria criticável), trata-se de realidades de produção de prova completamente distintas, pelo que o Acórdão não padece do vício apontado.

L. Dizem os Recorrentes, ainda neste capítulo da suposta “prova” no procedimento cautelar, que “a prova de factos, estabelecendo uma verdade processual, é de todo diversa da conclusão de que os factos alegados são falsos.” Pois será, mas já assim não é se se tratar de factos pessoais que as partes não podem desconhecer.

M. No procedimento cautelar apresentado no dia 4 de Janeiro de 2010, os então Requerentes alegaram o que não poderiam alegar, ou seja, que:

“(…), os Requerentes lograram apurar, por exame, que o programa registado na ASSOFT, em nome de Joint Action, e denominado como SIR ou como First POS, é precisamente o programa PC POS II, integrando este SIR precisamente as linhas de código, a estrutura de ficheiros e as apresentações gráficas que foram desenvolvidas e criadas em 1993, pelo Requerente AA.” [sublinhados acrescentados]

N. Nada disto era verdade e os Autores sabiam-no. A afirmação não veio a revelar-se falsa ou apenas indemonstrada ou não provada: a afirmação era falsa quando foi criada, a afirmação era falsa enquanto estava a ser redigida, quando foi apresentada em Tribunal, a afirmação nunca passou de uma falsidade, de uma invenção deliberada e consciente dos Autores destinada a convencer o Tribunal a decretar a providência cautelar e sem contraditório.

O. À data de 4 de Janeiro de 2010, dia em que deu entrada a providência cautelar (ou mesmo depois), os então Requerentes não tinham logrado apurar coisa alguma, muito menos “por exame” (isso era-lhes impossível), nunca haviam examinado qualquer programa existente na ASSOFT (era-lhes igualmente impossível), designadamente o de que falavam – e nem podiam, dado que o mesmo se encontrava registado na ASSOFT em envelope inviolável, nunca violado, depositado num cofre da Caixa Geral de Depósitos.

P. E, por fim, quando na acção principal se fez uma verdadeira perícia constatou-se que o programa que se encontrava registado na ASSOFT não era “precisamente o programa PC POS II”, nem pouco mais ou menos!!!

Q. Os Recorrentes não podiam afirmar, no requerimento inicial, que tinham por “exame” constatado a contrafacção, e que o programa depositado na ASSOFT era “precisamente” o PC POS II quando não tinham realizado exame algum, não tinham constatado coisa alguma e quando o programa que lá estava depositado, não era “precisamente” o programa PC POS II nem sequer coisa parecida!

R. Eles não podiam dizer que tinham examinado o programa depositado na ASSOF e depois assumir que não o fizeram (com todas as consequências inerentes para as restantes alegações a este propósito),

Também não podiam dizer, no requerimento inicial da providência (e na petição inicial), que o tal programa PC POS II era a conjugação de três programas independentes entre si para depois admitirem que eram programas dependentes uns dos outros e todos fundamentais para o produto final (ver também 17 e 49 dos factos provados e motivação da Sentença).

Não podiam dizer que o programa era só do Autor AA para depois este admitir que era uma obra em colaboração.

Não podiam dizer que o Autor AA nunca tinha dado autorização para a comercialização do tal PC POS II para depois o próprio vir admitir que tinha dado autorizações (ver também 53, 54, 55 e 56 dos factos provados e motivação da Sentença).

S. Trata-se da alegação de factos pessoais que os Autores, designadamente o Autor AA, sabia serem falsos! Não podiam desconhecer serem falsos!

T. De forma que o argumento não colhe e o Acórdão não merece reparo.

U. Como segundo argumento, afirmam os Recorrentes que se efectivamente tivessem invocado factos que sabiam ser falsos aquando da sua invocação deveriam ter sido condenados como litigantes de má fé e não o foram, pelo que o Acórdão da Relação peca também por esse facto, pois essa não condenação como litigantes de má fé afastaria a ilicitude.

V. Ora, a ilicitude da conduta não é dependência da condenação da parte como litigante de má fé mas sim da conduta censurável, e a dos Recorrentes foi inconcebível e inadmissível, até porque a falsidade do alegado no requerimento inicial foi admitida pelo Autor/Recorrente AA, como conclui a Sentença de 1.ª Instância e pode ler-se na sua motivação.

W. Os Autores não foram condenados como litigantes de má fé, com efeito, e mereciam tê-lo sido. E até pode ser que o STJ ainda o venha a fazer. Mas o facto de não terem sido condenados como litigantes de má fé não implica que fique legitimada a sua actuação nem retira o carácter ilícito da sua actuação e atitudes.

X. De forma que este segundo argumento também não colhe, não merecendo o Acórdão qualquer reparo e assim se devendo manter.

Y. Em conclusão, os Recorrentes apontam ao Acórdão proferido dois vícios: não ter tido em consideração a “prova” realizada na providência cautelar, argumento que não tem cabimento algum; e o facto de não ter considerado que a não condenação dos Recorrentes como litigantes de má fé deveria legitimar a atitude dos Recorrentes, argumento que também não tem cabimento.

Z. O Acórdão não merece censura e deve ser mantido, julgando improcedente o recurso apresentado, caso seja admitido.

AA. Por cautela, refira-se que se encontra mais abundamente tratada no Capítulo II das alegações a matéria da responsabilidade civil, seus requisitos e aplicabilidade ao caso dos autos, para a eventualidade da sua apreciação”.

12. Em 12.10.2020 proferiu o Exmo. Relator do Tribunal da Relação de Lisboa um despacho em que se dizia:

Admito o recurso de revista e com efeito devolutivo”.


*


Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, é a de saber se os autores AA e Grupopie devem ser condenados na obrigação de indemnizar a ré Sage pelos danos sofridos.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1. A sociedade denominada Priceless, Lda., foi constituída a 14/08/2008, tendo por sócios e gerentes GG, EE, FF e BB.

2. A firma Joint Action Unipessoal, Lda., tendo por objeto a conceção, desenvolvimento e comercialização de programas informáticos e equipamentos eletrónicos; conceção e desenvolvimento de software e equipamentos eletrónicos associados ao comércio de retalho; comercialização de equipamentos informáticos; criação de páginas na internet e prestação de serviços em equipamentos e programação informática, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial em 2/05/2006, com o sócio único DD, que a 11/06/2007 transmitiu a respetiva quota a BB, seu filho.

3. A sociedade Unue – Investigação e Desenvolvimento de Novas Tecnologias, Lda., tendo por objeto a investigação e desenvolvimento de soluções informáticas e de equipamentos de inovação tecnológica assim como comercialização de soluções, equipamentos e prestações de serviços, foi inscrita no registo comercial a 22/09/2000, além do mais com o sócio HH que transmitiu a sua quota a 1/06/2004.

4. O réu BB, em nome próprio e na qualidade de sócio único e gerente da "Joint Action Unipessoal, Lda.", designada de Vendedora, a 30/09/2009 celebrou com a ré "Sage Portugal – Software, S.A." um contrato em que fizeram consignar – além do mais:

A) “A Vendedora é uma empresa dedicada à concepção, desenvolvimento e comercialização de programas informáticos e equipamentos electrónicos e à prestação de serviços associados;

B) No exercício da sua atividade, a Vendedora desenvolveu um software, designado “First”, destinado à gestão de hotéis, restaurantes e cafés, o qual se encontra depositado em seu nome junto da Assoft (doravante “Programa”);

C) …

D) A Sage é uma empresa igualmente dedicada à concepção, desenvolvimento e comercialização de programas informáticos, pretendendo adquirir a totalidade dos direitos patrimoniais sobre o Programa”.

5. Mais fizeram constar:

1 – Objeto do contrato:

1. Pelo presente contrato, a Vendedora vende e a Sage adquire, livre de quaisquer ónus, encargos ou direitos de terceiro, e com todos os direitos que lhe são inerentes, o Programa, o qual se encontra depositado em nome da Vendedora junto da Assoft, conforme resulta do certificado que se junta como Anexo I ao presente contrato.

2. Os direitos sobre o Programa referidos na alínea anterior incluem todos os desenvolvimentos posteriores à versão que se encontra depositada junto da Assoft, mesmo que as novas versões ou desenvolvimentos das versões anteriores ainda não estejam em comercialização.

3. Em consequência da alienação total e definitiva de todos os direitos sobre o Programa, a Sage adquire o exclusivo de todos os direitos patrimoniais sobre o mesmo, tendo, entre outros, o direito exclusivo de usar, fruir, reproduzir por qualquer meio, transformar, divulgar e explorar economicamente, por qualquer forma, directa ou indirectamente, autorizar a utilização por terceiro, onerar e alienar, total ou parcialmente, em Portugal ou no estrangeiro, sem quaisquer encargos adicionais e subsequentes para com a Vendedora."

6. Mais fizeram consignar:

“2 – Propriedade Industrial e Direitos de Autor:

1. A Vendedora declara e garante ser única e exclusiva titular dos direitos sobre o Programa ora alienado e que não existem quaisquer ónus e encargos sobre o mesmo ou quaisquer direitos de terceiros que possam restringir o seu uso e comercialização plenos pela Sage. (…).

4 – Contrapartida:

1. Como contrapartida pela transmissão da totalidade dos direitos sobre o PROGRAMA e ainda pela transmissão da carteira de clientes, a SAGE paga à VENDEDORA a quantia de € 100 000,00 (cem mil euros) na data da assinatura do presente contrato.

2. No mês de Dezembro de cada um dos quatro anos subsequentes à data da celebração do presente contrato (2010, 2011, 2012 e 2013), a Sage pagará à Vendedora, ainda a título de preço, as quantias correspondentes a 50% da diferença entre a faturação líquida obtida pela Sage com a comercialização do Programa e os custos operacionais incorridos no exercício dessa atividade, nas seguintes condições: (...)

b) O preço variável a pagar pela Sage em cada ano não excederá €150.000 e, no global, o preço a pagar pela Sage ao abrigo do presente contrato (incluindo o valor de €100 000 referido no número 1 supra) não excederá € 400.000 (quatrocentos mil euros). (...)

5 – Contrato de Trabalho e não Concorrência:

1. Na data de celebração do presente contrato, BB dá início a uma relação laboral com a SAGE, desempenhando as funções de "Project Manager" para a área da restauração.

2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, BB compromete-se, enquanto se mantiver como trabalhador da Sage e por um período de três anos subsequente à cessação do vínculo laboral:

2.1. A não exercer, sob qualquer forma, por si ou por interposta pessoa, por conta própria ou por conta de outrem, em qualquer parte do território nacional ou no estrangeiro, qualquer atividade que concorra directa ou indirectamente com a actividade desenvolvida pela SAGE;

2.2. A não desenvolver, distribuir ou comercializar, sob qualquer forma, por si ou por interposta pessoa, por conta própria ou por conta de outrem, em qualquer parte do território nacional e por um período de três anos a contar da data de celebração do presente contrato, qualquer programa de computador semelhante ao Programa objeto de alienação e/ou que seja suscetível de concorrer directa ou indirectamente com o mesmo.

3. A violação do disposto no número um anterior fará incorrer BB na obrigação de pagar à Sage, a título de cláusula penal, a quantia de €300.000 por cada violação (...)."

7. Na Assoft, o programa FIRST POS ou SIR encontra-se registado desde 6/05/2008 com as seguintes referências "Joint Action Srs” e Assoft … e tendo como titular dos direitos de autor a sociedade ré Joint Action Unipessoal, Lda." (cfr. doc. de 151, cujo teor se dá aqui por reproduzido).

8. A ré Sage adquiriu e desenvolveu o programa Joint Action Srs, fazendo homologar o programa como Sage Restauração junto da Direção-Geral dos Impostos.

9. A Sage Portugal Softwere, S.A., é uma sociedade comercial que se dedica à compra, venda, armazenamento, comercialização, distribuição, fabricação, promoção, introdução e exportação de todo o tipo de programas de computador (software), à formação e toda a variedade de serviços, produtos e fornecimento de materiais relacionados, direta ou indiretamente, com os mesmos e a sua utilização, bem como, de forma geral, a todas as operações e atividades financeiras, comerciais e industriais, relacionadas direta ou indiretamente, com o objeto social ou suscetíveis de facilitar ou contribuir à sua realização.

10. A Sage Portugal Software, S.A., faz parte do Sage Group, empresa líder mundial no desenvolvimento e comercialização de Software de Gestão para Pequenas e Médias Empresas (PME), tendo uma grande capacidade de venda, promoção e distribuição.

11. Em 1993, o professor do 1º autor na Faculdade de Engenharia da Universidade …., CC, tendo um negócio em perspetiva, propôs ao 1º autor o desenvolvimento de um produto final de programa de software de gestão, cabendo ao próprio o programa de back office e a este o programa de front office.

12. Nesse contexto, propôs ao 1º autor que se associassem e que unissem os programas de front e back office num único produto, destinado posteriormente a distribuição.

13. O 1º autor criou de raiz um programa de computador de front office, ou seja, interface de utilizador, de um programa de gestão de bares ou estabelecimentos equiparados.

14. O front office foi desenvolvido em linguagem C ++, e o back office em linguagem access.

15. O 2º réu tinha sólidos conhecimentos de hardware, era aluno da ... e colega do 1º autor e tinha com este e com o indicado CC relações de amizade.

16. O 1º autor e o indicado CC propuseram ao 2º réu associar-se no modelo de negócio, e em simultâneo, desenvolver uma proteção, por via de hardware para o programa em causa.

17. Os três indicados programas de back office, de protecção ao software via hardware e de front office eram três produtos distintos desenvolvidos em conjunto e para interoperar e funcionar em conjunto.

18. O programa final foi denominado de PC-POS.

19. O programa PC-POS teve a sua primeira instalação no bar ….. "…", sito em ..., e foi distribuído em outras unidades e restaurantes, nomeadamente, no restaurante "…", "…" e "…".

20. Estas três pessoas (1º autor, 2º réu e CC) acordaram que os ganhos que adviessem das licenças vendidas seriam distribuídos por todos.

21. O autor procedeu ao desenvolvimento daquele programa de front office, mais abrangente que o inicial, cujo produto final, juntamente com os referidos back office e hardware, passou a ser denominado de PC-POS II e foi lançado no final do verão de 1995 no mercado.

22. Em 1996, o autor AA foi contratado pela Restinfor – Sociedade Informática, Lda.,, como chefe de desenvolvimento e programador principal, com vista ao desenvolvimento de um novo programa, destinado ao mercado da restauração.

23. De acordo com pedidos e diretivas daquela Restinfor, o autor, como programador principal, desenvolveu para aquela sociedade o programa genericamente designado por Winrest, programa esse que a empresa veio a comercializar, distribuir e instalar no mercado.

24. Em 1/11/2003, a Restinfor transferiu a sua tecnologia para a 2ª autora Grupopie – Portugal, S.A., e o autor passou a exercer as suas funções como trabalhador desta empresa.

25. Nesta empresa, o 1º autor desenvolveu os produtos da família Winrest e os produtos com a marca Pie, desenvolvidos pela 2ª autora.

26. Nos produtos em causa, o 1º autor utilizou os seus conhecimentos, e as suas criações, nomeadamente, conhecimentos, soluções e técnicas que tinha desenvolvido aquando da criação do referido PC-POS e PC-POS II.

27. Em Janeiro de 2001, o réu BB foi admitido como trabalhador da referida Restinfor, Lda e, em 1/11/2003, foi admitido como trabalhador da 2ª autora Grupopie, situação que se manteve até 7/02/2006.

28. No exercício das suas funções, o réu BB teve acesso a toda a informação relativa à atividade da autora necessária ao exercício de funções como director de departamento de desenvolvimento, designadamente a toda a rede de distribuidores e agente e clientes.

29. Alguma dessa informação não está acessível aos demais operadores do mercado, sendo apenas do conhecimento da autora Grupopie.

30. Entre inícios de 2007 e meados de 2008, surgiu no mercado distribuído por EE, também distribuidor da Grupopie, um produto designado de First Pos.

31. Na sequência dessa primeira distribuição, o mesmo produto, mas agora com o nome de Sir – Sistema Integrado de Restauração, a partir do início de 2009, começou a ser introduzido no mercado por intermédio da empresa denominada Priceless supra referida em 1).

32. Os programas PC-POS e PC-POS II são programas criados de raiz, inovadores, sem produto similar à data da sua elaboração, com estrutura, código fonte, e interface gráfico, criados de raiz, estando corporizados num produto final, funcional, e diverso de qualquer um existente.

33. O programa Winrest da Grupopie ao tempo representava um avanço tecnológico em relação à concorrência, estando na vanguarda da técnica.

34. A ré Sage iniciou a distribuição do programa adquirido à Joint Action com a denominação de Sage Restauração, pela sua rede de agentes.

35. Até à data em que foi proferida a decisão no Procedimento Cautelar, a R. SAGE encontrava-se a distribuir a licença.

36. A ré Sage introduziu diferenças e melhoramentos no programa que adquiriu à Joint Action.

37. A ré Sage desenvolveu novas funcionalidades, como sejam:

a) Imagem Sage;

b) Licenciamento Sage;

c) SAFT-PT 1.01;

d) Importação de entidades GesRest + GesDisco;

e) Compatibilidade com comandos e configurações X64 GesRest (necessário novo firmware);

f) PDAs suportados (M3, PIDION, compatíveis Windows Mobile 6 ou superior);

g) Possibilidade de inicialização da BD (Base de Dados) demonstrativa para início de atividade;

h) Enumeração de HW compatível dentro do produto ao configurar;

i) Dois perfis por omissão, um deles mantém a configuração GesREST;

j) Cores diferentes entre famílias e PLUS;

k) Possibilidade de selecção de BD demonstrativa ou limpa na instalação do produto;

l) Numeração nas configurações especiais de perfis;

m) Suporte de 3 tipos de balanças (Dibal, Ipesa RB50, Equilibra);

n) Apresentação do valor por cada modalidade de pagamento no caso de escolher várias;

o) Configuração para retirar texto de plus com imagem;

p) Hora do pedido nas mesas abertas;

q) Alteração da libraria de encriptação para suportar Windows 98;

r) Totais nas transferências;

s) Correcção do Refresh em Windows;

t) Instalador para Ubuntu e Debian;

u) Ligação ao Backoffice Sege Retail: ligação unidireccional Sage Restauração > Sage Retail; importação do ficheiro de vendas no SAGE RETAIL com geração automática de clientes e artigos/plus e food Cost Teórico, Food Cost Real, e Analise diferencial;

v) Imagem alternativa para resolver problema das cores (3 padrões) – Maior impacto fundo;

w) VNC na vertical – Optimização do desenho para vertical;

x) Filtrar as páginas na criação de menus;

y) Relatório de vendas por centro de custo;

z) Com ligação ao Sage Retail ter a opção de exportar dados em alternativa a abrir ficheiro de configurações;

aa) Controlo de licenciamento na passagem de informação ao Sage Retail;

bb) Possibilidade de inibir o acesso de utilizadores ao registo de licenças;

cc) Impressão conforme certificação;

dd) Referência das consultas de mesa nas facturas e VD;

ee) Implementação da assinatura para certificação de faturas, VD e contas;

ff) Criação de tipos de documentos recibos e faturas, com contadores e relatórios;

gg) Aceleração nas listas;

hh) Swipe para mudança de páginas;

ii) Multi página automática, retirando limite do ecran;

jj) Descontos com algoritmos de cálculo de diferenças nos arredondamentos;

kk) Singleton para garantir uma cópia a correr em Linux;

ll) Couvert definido por zona, a ser usado também para número de pessoas;

mm) Identificação de cliente na entrada da mesa;

nn) Interface de edição dos headers e footers;

oo) Relatórios de comissões, detalhes método de pagamento e zonas;

pp) Edição dos drivers das impressoras dentro da aplicação;

qq) Drivers com ficheiros independentes;

rr) Plugins com níveis de permissão;

ss) Novo tipo de documento: anulação de documento original, sem movimento negativo;

tt) Ofertas e descontos totais e por valor;

uu) Sistema de Comissões empregado/artigos;

vv) Tipo de periféricos com definição de parâmetros para balanças e leitores;

ww) Balanças com average;

xx) Manifesto interno a aplicação;

yy) Ficheiros de dados passam a conter o número de série do cliente;

zz) Impressão por zonas;

aaa) Artigos passam a deleted, em vez de ser apagados;

bbb) Novo sistema de zonas;

ccc) Tipo de artigo gravado no arquivo de dados;

ddd) Referências de documentos originais em anulações;

eee) Texturas e outlines no texto;

fff) Parametrização e relatórios de verificação de caixa/pedidos por empregado;

ggg) Procedimento de Limpeza de carateres não suportados pelas impressoras;

hhh) Parâmetros para leitura de cartões de empregado, mesa e cliente;

iii) Processamento automático da alteração de IVA com recalculo de preços;

jjj) Plug ins de Backup e de limpeza;

kkk) Novos drivers para impressoras com impressão invertida;

lll) Impressão com newprint, com abertura única das portas;

mmm) Hierarquia Famílias/subfamílias;

nnn) Relatórios totais ou por terminal;

ooo) Pesquisa inteligente de artigos por código, PLU ou código barras;

ppp) Listagem de mesas abertas com estado e hora dos pedidos;

qqq) Textbox lookups para clientes e artigos;

rrr) Alteração de cliente em contas fechadas;

sss) Analisador SAFT;

ttt) IZArc na instalação para backups;

uuu; Pedidos por PLU;

vvv); Pagamento para Conta Corrente;

www) Verificação de estado nas impressoras Série;

xxx) Número de pessoas nos terminais e

yyy) Sistema Licenciamento por web em windows e Linux.

38. Os programas Sage Restauração e o depositado na Assoft (Joint Action Srs) sendo diferentes entre si apresentam semelhanças que consistem em 60% das linhas de código fonte dos ficheiros.cpp do programa Joint Action Srs, num total de perto de 17.500 linhas físicas, estarem repetidas no programa Sage Restauração, ocupando aí perto de 19000 linhas que constituem cerca de 33% das linhas fonte dos seus ficheiros.cpp.

39. Tudo isso fruto de um investimento da ré Sage, compreendendo a aquisição do programa (€100.000,00), o seu desenvolvimento e homologação, o marketing e campanhas de formação, propaganda e publicidade tendo em vista a sua comercialização.

40. No âmbito da providência cautelar que antecedeu a presente ação, julgando-a parcialmente procedente, foi decidido:

a) Ordenar-se que os requeridos, aqui réus, se abstivessem, por qualquer via ou forma, por si ou por interposta pessoa, de manipular, modificar, aceder ao código fonte, introduzir alterações, funcionalidades, ou praticar qualquer acto de alteração, duplicação, distribuição, cópia, emissão de licença ou qualquer outra actividade que tenha por finalidade duplicar, comercializar, ou trabalhar sobre o programa denominado de PC-POS II, agora denominado como SIR, e a que correspondia, à data, o registo na Assoft, Deposit assoft …, estendendo-se a ordem judicial a outro programa com similar função estrutura e procedimentos, que viesse a existir em substituição deste, e que tivesse afinidade com o programa criado pelo requerente AA, aqui autor;

b) Determinar-se que se procedesse à apreensão de quaisquer cópias que já tivessem sido colocadas no mercado, e as que existissem nas instalações dos requeridos, aqui réus;

c) Condenar-se os requeridos, aqui réus, caso se verificasse o incumprimento da ordem anteriormente determinada, ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de inferior a €1.000.000,00, e

d) Solicitar-se à Assoft que procedesse à selagem da cópia do programa que aí se encontrasse depositada em nome de Joint Action, Unipessoal, Lda., com a referência ....

41. Com as medidas decretadas na providência cautelar, a ré Sage foi impedida, além do mais, de comercializar o programa que havia adquirido à Joint Action e o programa Sage Restauração que havia desenvolvido a partir dele, o que implicou um prejuízo anual, a acrescer aos investimentos já feitos e anteriormente descritos.

42. Depois de decretada a providência cautelar, e ainda antes do contraditório, foi posta a circular na comunicação social, designadamente no Jornal …, uma notícia com o seguinte teor: “Uma ordem judicial determinou a apreensão de todos os suportes informáticos do programa Sage Restauração, lançado pela multinacional de desenvolvimento de aplicações informáticas no final do ano passado. Em causa está o facto de o programa ter sido considerado “uma cópia de um programa anterior”, pelo Tribunal Judicial de ... como adiantou fonte do Grupopie, que avançou com o processo contra a Sage. Em causa estão centenas de restaurantes que podem paralisar a actividade se a ASAE ou a Inspeção Geral das Atividades Culturais lhes retirarem o programa. O Grupopie é o autor do programa de facturação destinado à restauração líder de mercado Winrest, e no final do ano passado avançou com um processo contra a Sage, depois de a empresa ter comprado a um ex-colaborador do Grupopie um programa que era uma cópia de um software desenvolvido no Grupopie. “A Sage foi avisada por fax de que o programa em questão era uma cópia mas a empresa não quis saber”, adiantou a mesma fonte. Oito meses depois de o processo ter avançado o tribunal reconheceu que o programa Sage Restauração é uma cópia e que houve apropriação ilegal das fontes do programa por parte da Sage, com ofensa do direito de autor. Na sequência da ordem judicial, adiantou a fonte ligada ao processo, foi já levada a cabo uma operação de apreensão das fontes e de todos os suportes do programa existentes nas instalações da Sage e na próxima semana deverá ser efectuada pela ASAE uma acção de apreensão dos programas já instalados em bares, cafés e restaurantes. Segundo a mesma fonte deverá haver entre 500 a 1000 licenças ativas que terão de ser desactivadas ficando as empresas que tenham adquirido este programa sem software de facturação. A decisão judicial determinou a apreensão de todos os suportes existentes na sede da Sage, a apreensão das licenças emitidas e a proibição da distribuição do programa Sage Restauração, o que vai implicar que as empresas que distribuem este programa também vão ser alvo de diligências nas próximas semanas. Se a Sage desrespeitar algumas destas decisões incorre numa multa que pode ir até um milhão de euros, adiantou a mesma fonte”.

43. Parte desta notícia foi reproduzida na página digital da Computerworld – http://www.computerworld.com.pt/2010/12/03/facturacao-self-service- investigada/.

44. Esta página digital é dirigida a um público, alvo ligado ao setor da informática.

45. O teor destas notícias afectou o nome da ré Sage assim como o do réu BB.

46. O autor AA, na discussão que se desenvolveu na caixa de comentários na sequência da notícia publicada no Jornal…..

(http://.........sapo.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=.......26) fez os seguintes dois comentários: “AA 13.10.2010/14:29: Se preferes continuar com essa atitude de avestruz e manter a cabeça enterrada na areia para não ver a realidade é lá contigo, mas não espalhes desinformação. A sentença do tribunal que condenou a Sage é clara e pública: o Sage Restauração é uma cópia do PCPOS. Foram avisados no início do ano e mesmo assim continuaram com os planos para a sua distribuição. Ou são ingénuos e acreditaram-se na história que lhes contaram ou agiram de má-fé e tentaram ganhar dinheiro com um programa que sabiam ser copiado. Qualquer das alternativas não deixa a Sage bem na fotografia…” e “AA 12.10.2010/23:19: Eu estava a tentar evitar comentar, mas vendo a confusão que aqui vai, é difícil ficar de fora. Eu sou o autor do PCPOS e fui eu que instaurei um processo contra a Sage (a notícia é enganadora nesse aspecto). A Sage foi avisada no início deste ano que estava a preparar-se para distribuir um software copiado e ignorou os avisos, provocando agora graves problemas aos seus clientes a agentes. O que eu acho surreal nesta discussão é que para alguns parece que o mau da fita sou eu por fazer valer os meus direitos e a Sage é só uma vítima infeliz de uma conspiração. Naturalmente o Grupopie tinha interesse no desfecho deste processo e apoiou-me no mesmo, mas isso não é importante aqui pois eu teria avançado com o processo na mesma sem esse apoio”.

47. Alguns clientes da ré Sage cessaram a utilização do software da Sage.

48. É possível que a ré Sage venha a perder definitivamente esses clientes.

49. Os programas elaborados pelo autor AA, pelo réu BB e por CC eram dependentes de todas as suas partes, as quais evoluíram em paralelo e em cooperação ab initio, sendo que o software não funcionava sem o referido touchscreen e hardware associado.

50. O autor AA e o CC numa reunião informaram o réu BB que haviam sido convidados pela R..., Lda., para aí exercerem funções.

51. Também o réu BB foi convidado para colaborar com a Restinfor – Sociedade Informática, Lda.

52. O autor AA aceitou o convite da Restinfor.

53. Ficou acordado entre todos que o réu BB e CC, que haviam declinado o convite da Restinfor, continuariam com o projeto do programa de computador PCPOS II autonomamente, quer na vertente da manutenção dos clientes prévios, quer no que dizia respeito a novos clientes.

54. Após, procederam à elaboração de contas e de divisão de ativos entre os três, ficando acordado que o projeto do programa PCPOS II continuaria a ser desenvolvido pelo réu BB e por CC que para o efeito, com a concordância do autor AA, dispunham do código-fonte.

55. Até começar a colaborar com a 2ª autora, em full/time, o réu BB manteve com CC a exploração e o desenvolvimento do programa PC-POS II, sendo aquele responsável pela parte do front office e do hardware e estando este incumbido do back office.

56. Continuando a implementação do programa desenvolvido em diversos estabelecimentos comerciais, tais como a F… e o Restaurante C….

57. Mais tarde, após a entrada do réu BB nos quadros da autora Grupopie – Portugal, S.A., o desenvolvimento do programa ficou a cargo exclusivo de CC, tendo, para o efeito, sido constituída a sociedade Unue – Investigação e Desenvolvimento de Novas Tecnologias, Lda., que, mantendo o código fonte e introduzindo algumas alterações, o comercializou com outra designação.

58. O produto FIRST POS, comercializado pelos distribuidores EE e PRI, foi o resultado de um projecto de Front Office para a área da restauração desenvolvido pela Joint Action Unipessoal, Lda.

59. Este produto foi colocado no mercado, com conhecimento dos autores, pela EE, Lda.

60. A distribuição do programa SIR por parte da sociedade Priceless, no início de 2009, apenas ocorreu após a cessação da distribuição do programa Winrest da Grupopie, Lda., por parte dos distribuidores desta, M….., Lda., e PR Informática, Lda.

61. Cessada a possibilidade de comercialização do produto Winrest, aqueles providenciaram pelo desenvolvimento de um novo produto, que denominaram SIR e que começaram a distribuir.

62. Nos programas PC POS II e FIRST POS há elementos gráficos ou funcionais que têm de ser idênticos ou semelhantes, pela própria natureza e finalidade dos programas, designadamente têm um objeto mesa, cliente, produto, ambas usam ficheiros de configuração e carregam os ficheiros para a memória e ambas usam uma Library gráfica e desenham os componentes gráficos.

63. Os sistemas gráficos e de resposta aos eventos gerados pela interação dos utilizadores com o ecrã é muito diferente entre, por um lado o sistema operativo DOS e, por outro, os sistemas operativos Windows e Linux (que têm mais semelhanças entre si no que respeita aos subsistemas gráficos).

64. Os programas PC POS II, Winrest e Sage Restauração utilizam uma library gráfica que é de domínio público (vulgo open source), de seu nome L1BGRX, sendo que qualquer pessoa pode utilizar este expediente, uma vez que é acessível a todos, sendo possível encontrá-la em milhares de aplicações por todo o mundo.

65. O programa de computador Sage Restauração teve como base os conhecimentos intrínsecos de quem trabalhou praticamente uma década no desenvolvimento de um software na área.

66. Os princípios funcionais comuns a este programa e ao PC POS II são comuns a todas as soluções informáticas para a área da restauração, podendo haver diferenciação de funções e implementações.

67. O programa Sage Restauração destina-se ao sistema operativo Windows é direcionado para sistemas operativos diferentes do programa PC POS e tem necessidade de suportar tipos de hardware diferentes.

68. A decisão da providência cautelar apensa veio suscitar preocupação dos utilizadores, e resultou na cessação da utilização do software Sage Restauração comercializado pela ré Sage.


E vêm como não provados no Acórdão recorrido:

 “Todos os que se mostram em contradição com os que acima se deram como provados, designadamente e ainda que:

1. Tenham sido apenas o 1º autor e CC a atribuir o nome de PC-POS;

2. O back office, o front office e o hardware de protecção do programa do PC-POS ou do PC-POS II fossem independentes entre si;

3. No exercício das suas funções na PIE, o réu BB tenha tido acesso a todo o planeamento de desenvolvimento;

4. Tenha tomado conhecimento de todas as tecnologias da empresa, todos os modelos de negócio, desenhos, termos dos contratos;

5. Os conhecimentos adquiridos pelo réu BB ao serviço da autora PIE não estejam acessíveis aos demais operadores do mercado;

6. O programa denominado como SIR ou como FIRST POS seja o programa PC- POS II;

7. Integre as linhas de código fonte, a estrutura de ficheiros e as apresentações gráficas que tinham sido desenvolvidas e criadas em 1993 pelo autor AA;

8. As linhas de código fonte, as funcionalidades e soluções base do programa SIR ou FIRST POS sejam aquelas que foram desenvolvidas pelo autor AA;

9. A ré Joint Action tenha feito registar, distribuir e colocar no mercado como se fosse seu produto, um programa de computador que denominou de forma diversa do produto original;

10. O tenha feito passar como se fosse de sua criação;

11. Bem soubesse que o não era;

12. O réu BB, enquanto trabalhador da Grupopie se tenha tornado conhecedor de todos os erros, problemas, questões, soluções, implementações e direcionalidades do referido programa PC-POS II;

13. Os testes pelo mercado e pelo utilizador final efetuados durante o tempo em que o réu BB exerceu funções para a autora Grupopie tenham permitido a este adquirir conhecimentos que pertenciam ao núcleo do segredo de desenvolvimento da autora Grupopie;

14. A rés Sage e Joint Action soubessem que adquiriam conhecimento relevante e secreto que resultava de esforço e investimento de outra empresa que que constitua parte da vantagem tecnológica da empresa em causa;

15. Os réus BB, Joint Action e Sage tenham vindo a introduzir alterações, desenvolvimentos e funcionalidades no programa PC POS II;

16. A autora PIE desenvolva um esforço considerável para manter os produtos secretos;

17. Os registos dos produtos da Grupopie sejam protegidos internamente;

18. Os acessos às zonas de desenvolvimento sejam restritos, nomeadamente com

 a colocação de fechaduras com código;

19. Os réus BB e Joint Action tenham iniciado a distribuição do programa Sage Restauração;

20. No mercado, a colocação de licenças para a área da restauração, associada a uma estratégia de distribuição em massa, possa representar a venda de licenças, no valor de €1.000.000,00 por ano;

21. Baste para tanto a instalação de 1000 licenças;

22. Tal corresponda a menos de 1% do mercado alvo de restauração;

23. A ré Sage tenha investido €400.000,00 no programa Sage Restauração;

24. O preço da revenda da licença do programa Sage Restauração tenha sido próximo dos €650,00;

25. Tal só tenha sido possível por não ter tido de suportar o custo da aquisição da tecnologia encerrada no programa;

26. O custo do seu desenvolvimento e certificação tenha ascendido a €125.000,00;

27. O marketing e campanhas de formação, propaganda e publicidade tendo em vista a sua comercialização tenham custado cerca de €175.000,00;

28. Em virtude das medidas decretadas na providência cautelar, a ré Sage tenha sofrido um prejuízo anual de, pelo menos, €450.000,00 por não poder exercer a sua atividade neste mercado;

29. Tenha sido a Grupopie quem pôs a circular notícias acerca da providência cautelar, designadamente a notícia do Jornal … supra mencionada;

30. Tenha sido a Grupopie quem levou à Computerworld o conteúdo supra identificado;

31. A Grupopie tenha contactado os clientes da ré Sage, propondo-lhes a substituição gratuita do software;

32. Tenha ficado expressamente acordado entre o autor AA, o réu BB e CC que os códigos-fonte do programa informático PC-POS II seria pertença de todos e que os mesmos seriam de livre utilização pelos próprios;

33. Este programa tenha sido continuado nos estabelecimentos comerciais “P…”, “Pe…” e “G…”;

34. O FIRST POS tenha sido colocado no mercado numa feira da especialidade onde marcaram presença todas as marcas relevantes num evento daquele género;

35. O FIRST POS tivesse a particularidade de, em termos de modelo de negócio, ser vendido em regime de OEM, ou seja, proporcionando a possibilidade de cada parceiro poder ter uma apresentação visual distinta, com marca própria, que permitiria serem facilmente distinguidos entre si;

36. Tenha sido no início de 2007 que este produto foi colocado no mercado numa feira da especialidade;

37. A aplicação FIRST POS seja configurada sem necessidade de edição de base

 de dados, assumindo-se numa lógica de disponibilização imediata e automática;

38. As funcionalidades por zona e de periféricos obriguem a uma arquitetura diferente;

39. No específico caso da venda a mesma seja implementada de forma diferente, na medida em que existe controlo de caixas e empregados;

40. A library gráfica, não obstante ter o mesmo nome, tenha implementações diversas, tendo na versão atual sido introduzidas alterações ao código open source;

41. O PC POS II ocupe um espaço de 368 Kb e a aplicação FIRST POS atinja os 2.000 Kb;

42. O programa de computador Sage Restauração tenha sido iniciado do zero;

43. Tenha sido o autor AA quem veiculou no seu canal de distribuição a existência dos autos de providência cautelar e o conteúdo da sua decisão como definitiva;

44. Tenha sido a Grupopie quem veiculou no seu canal de distribuição a existência dos autos de providência cautelar e o conteúdo da sua decisão como definitiva;

45. Um e outro o tenham feito com o intuito de prejudicar os réus;

46. Que o programa Sage Restauração não será comercializado;

47. A ré Joint Action tenha ficado afetada no seu nome pelas notícias supra referidas.


O DIREITO

No presente recurso está em causa o pedido de condenação dos autores AA e Grupopie na obrigação de indemnização à ré Sage, que o Tribunal recorrido decidiu julgar procedente com base no seguinte raciocínio:

Por sua vez, a ré/apelante Sage Portugal Software, S.A., pretende ser indemnizada pelos danos que alegou ter sofrido, em consequência da providência cautelar que a impediu de comercializar o programa informático Sage Restauração, por si desenvolvido a partir do programa Joint Action que, para o efeito tinha adquirido.

Resulta da matéria de facto provada que a ré Sage Portugal Software, S.A., sofreu danos, em virtude da providência cautelar que lhe apreendeu o programa Sage Restauração, pois, impedindo-a de o comercializar, com desperdício de parte do investimento já efetuado, privou-a dos resultados correspondentes a tal comercialização.

Não se determinou que o programa Joint Action/First POS/SIR ou o Sage Restauração fosse uma cópia do PC-POS II.

Estabelece o artigo 209º do Código de Direitos de Autor que, sem prejuízo das providências cautelares previstas na lei de processo, pode o autor requerer das autoridades policiais e administrativas do lugar onde se verifique a violação do seu direito a imediata suspensão de representação, recitação, execução ou qualquer outra forma de exibição de obra protegida que se estejam realizando sem a devida autorização, e cumulativamente requerer a apreensão da totalidade das receitas.

Ou seja, a lei processual civil e o Código de Direitos de Autor permitem a instauração de providências cautelares para as pessoas singulares ou coletivas reagirem ao fundado receio de ameaça grave e de difícil reparação dos seus direitos.

Nos termos do artigo 374º, nº 1, do C.P.C., se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal.

No caso concreto, a responsabilidade civil dos autores não se enquadra no citado normativo, mas é apreciada nos termos gerais dos artigos 483º e seguintes do C.C

Como já se disse, a ré Sage Portugal Software, S.A., sofreu danos e há culpa dos autores pelo que alegaram na petição inicial, evidenciando-se, face ao que resultou provado, a sua falsidade.

Nesse sentido, deve ser julgada procedente a reconvenção deduzida pela ré Sage, condenando-se os autores no pagamento de indemnização a título de danos emergentes e por afetação da imagem da mesma ré, na medida em que a ação daqueles não é de todo indiferente para as notícias que vieram a ser publicadas. Se os autores não tivessem alegado factos falsos na providência, a mesma não teria sido decretada e, dada a sua amplitude, era previsível que a mesma viesse a ser do conhecimento público e até noticiada.

Sucede, porém, que esta Relação não dispõe de elementos para concretamente fixar a indemnização devida à ré Sage Portugal Software, S.A., e, por conseguinte, deverá proceder-se ao cumprimento do disposto no artigo 609º, nº 2, do C.P.C: «Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.

Deste modo, (…) procede o da ré Sage Portugal Software, S.A., nos termos referidos”.

Contrapõem os autores / recorrentes AA e Grupopie, no essencial, que para alguém ser constituído responsabilidade civil é preciso que se demonstrem os respectivos pressupostos, entre os quais avulta a ilicitude e a culpa – o que implicaria, in casu, que se tivesse demonstrado que eles sabiam que os factos que alegaram não eram verdadeiros, o que não aconteceu (cfr. conclusões A, B, C, D e E).

Sublinham ainda os autores / recorrentes que a prova de que não se estabeleceu a ilicitude é que eles não foram condenados como litigantes de má-fé (cfr. conclusões C e F).

Aprecie-se.

Estando em causa a eventual responsabilidade civil dos autores / recorrentes por danos relacionados com o requerimento e a decretação de certa providência cautelar (cfr. os factos provados 40 a 48 e 68), deve equacionar-se a aplicação do artigo 374.º, n.º 1, do CPC. Veja-se se se confirma a sua aplicabilidade.

Dispõe-se no artigo 374.º, n.º 1, do CPC o seguinte:

Se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal”.

Comentando o preceito, dizem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa que “se exige a conjugação de uma série de pressupostos: o evento, o dolo ou a culpa, a ilicitude, o dano e o nexo de causalidade[1].

Ora, verifica-se que estão presentes, in casu, todos os pressupostos de aplicabilidade da norma. Se não veja-se.

Regula a norma, em rigor, duas situações: a situação em que a providência é considerada injustificada e a situação em que a providência caduca por facto imputável ao requerente.

Seguindo Abrantes Geraldes, deve entender-se que, na primeira situação, cabem não só os casos, porventura mais habituais, em que a providência é decretada e impugnada (por oposição ou por recurso) e esta impugnação é julgada procedente, mas também aqueles em que a providência se mantém por não ser impugnada ou por resistir à impugnação e na acção se verifica que era injustificada.

Afirma o autor, em comentário à norma homóloga antecessora (o anterior artigo 390.º do CPC):

A comprovação da falta de justificação será encontrada fundamentalmente através do incidente de oposição.

Mas não está afastada também a possibilidade de ser verificada no âmbito do agravo interposto ou, o que será mais corrente ainda, em sede da própria acção principal, onde, num contraditório mais alargado, se adquira a convicção de que a medida cautelar se fundou em factos inverídicos ou deturpados ou em meios de prova forjados.

Em tais circunstâncias, constatando-se que o requerente agiu de forma dolosa ou imprudente, que sonegou ao tribunal elementos importantes para a formação da convicção, que apresentou um quadro factual fora da realidade ou que carreou para o processo meios probatórios forjados, sem prejuízo de outras consequências extraídas do instituto da litigância de má fé, responderá pelos prejuízos causados ao requerido, de acordo com as regras gerais da responsabilidade civil [2].

Entendimento semelhante apresenta Marco Carvalho Gonçalves[3]. Criticando a tese de Calamandrei, defende o autor que “se a providência cautelar for decretada sem a audiência prévia da parte contrária, nada impede que o requerido demonstre a injustificabilidade da providência em sede de oposição, desde logo pela eventual inexistência do direito que o requerente visava acautelar. Mas tal não obsta a que o requerido comprove igualmente na própria acção principal, após uma prova mais exaustiva e rigorosa da relação material controvertida, a inexistência do direito que serviu de fundamento à providência cautelar (por exemplo, inexistência do direito do embargante de uma obra). De resto, se assim não se entendesse, estar-se-ia a permitir a legitimação de uma providência cautelar injustificada por mero efeito do seu acolhimento provisório, quando é certo que o julgador, por força da apreciação sumária inerente ao decretamento dessa medida, depara-se frequentemente com diversas dificuldades no que concerne ao apuramento da realidade dos factos”.

No tocante aos outros pressupostos de aplicabilidade da norma, ou seja, os pressupostos da responsabilidade civil, os dados disponíveis indicam que eles também podem dar-se por verificados, designadamente a ilicitude e a culpa.

Antes de mais, deve reconhecer-se que existe um certo “entrelaçamento” ou mesmo alguma diluição das fronteiras destes dois requisitos. Na realidade, no artigo 374.º, n.º 1, do CPC faz-se, em rigor, duas alusões à culpa (“culposamente” e “não tenha agido com a prudência normal”) e nenhuma referência expressa à ilicitude[4].

No que toca à culpa, em particular, esclareça-se, desde já, contra a convicção dos recorrentes, que não se exige que ela revista a modalidade de dolo, sendo suficiente a mera negligência. Em confirmação, veja-se o que dizem dois dos autores que mais desenvolvidamente estudaram a matéria da responsabilidade do requerente de providência cautelar.

Começando por Marco Carvalho Gonçalves, a sua tese de doutoramento incide sobre a responsabilidade do requerente de providência cautelar injustificada, abordando o autor, a certa altura, a questão dos pressupostos da responsabilidade, ou seja, a questão de saber se se trata de uma responsabilidade objectiva ou de una responsabilidade subjectiva[5]. Fazendo uma análise de Direito comparado, o autor acaba por situar o Direito português no grupo (minoritário) dos que acolhem o regime da responsabilidade subjectiva. Tendo em conta que a culpa do lesante é um elemento constitutivo do direito à indemnização, o autor refere ainda que o ónus da prova da culpa pertence ao requerido. Ainda assim, deixa claro que, havendo culpa, sob a forma de dolo ou de negligência, há lugar à responsabilidade do requerente.

Rita Lynce de Faria vai mais longe e, na sua tese de doutoramento[6], equaciona a hipótese de existir uma presunção de culpa favorável ao requerido. Reproduzam-se algumas das conclusões atingidas na sua tese de doutoramento e bem sintetizadas em artigo publicado posteriormente[7]:

A questão que nos ocupa de procurar as vias para atenuar a eventual irreversibilidade de uma providência cautelar antecipatória encontra resposta por excelência no regime da responsabilidade civil do requerente prevista no art. 374.°, n.° l19. Se a providência cautelar caducar, o requerente, verificados certos requisitos, responde pelos danos causados ao requerido.

O exercício do direito de ação não dispensa as partes da obediência a deveres de conduta a cuja violação o sistema de responsabilidade reage. Nestes termos, a responsabilidade do requerente cautelar enquadra-se no género mais abrangente da responsabilidade civil e, em especial, na responsabilidade processual, de que constitui figura central a litigância de má fé. Neste enquadramento na responsabilidade civil geral e nos seus diversos tipos, dir-se-ia que, à partida, se trataria de uma responsabilidade delitual ou aquiliana, não assente em qualquer relação obrigacional prévia. Para além disso, seria uma responsabilidade por factos ilícitos, assente na ilicitude e na culpa lato sensu.

Antes de qualquer conclusão, todavia, importa aprofundar o regime do art. 374.°, n.° 1, à luz de alguns pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente, o tipo objetivo e subjetivo da norma.

A responsabilidade civil pressupõe, em primeiro lugar, um facto ilícito. Neste caso, o facto ilícito do requerente. Há que identificar o facto voluntário praticado pelo requerente, bem como a sua censurabilidade, para que este possa ser responsabilizado. Está em causa um facto ilícito ao qual se possa imputar objetivamente a caducidade da providência cautelar.

Ora, pode sempre vislumbrar-se uma atuação do requerente como interveniente num facto complexo de produção sucessiva que acaba por gerar a caducidade da providência cautelar, seja a mera propositura da ação principal que acabou por ser julgada improcedente, seja a respetiva omissão na instauração daquela ação.

Já no que se refere à ilicitude dessa conduta, suscitam-se maiores dúvidas uma vez que o requerente se limitou a atuar no âmbito das possibilidades que lhe são legalmente conferidas. O direito de ação é de exercício livre e a propositura da ação principal não constitui um dever e sim um mero ónus. Terá de concluir-se, por isso, que esta censura do comportamento do requerente decorre necessariamente da identificação de uma sua atuação imprudente no exercício do direito de ação ou na omissão da propositura da ação, acabando por confundir-se, por isso, com o pressuposto da culpa. Só assim se explica a referência tautológica feita no art. 374.° ao facto de que o requerente "não tenha agido com a prudência normal", acrescido ao requisito da atuação culposa. Note-se que, em sede cautelar, o requerente estará adstrito a um dever de prudência ainda mais exigente, precisamente devido à provisoriedade da providência cautelar e à possível maior gravi­dade dos efeitos produzidos na esfera jurídica do requerido.

Por seu turno, do tipo subjetivo da norma resulta a possível responsabilização do requerente, quer tenha atuado com dolo, quer tenha agido de forma negligente. Como se referiu, a especial gravidade da tutela cautelar implica uma maior exigência de conduta do requerente, viabilizando a sua responsabilização em todos os graus de culpa, ao contrário do que sucede no regime da litigância de má fé, que exclui a culpa leve.

Ainda que, em termos comparativos, o regime de responsabilidade civil do requerente favoreça a respetiva responsabilização, cremos ser de questionar sobre a bondade de uma solução que, ainda assim, pode deixar o requerido extremamente desprotegido uma vez que, na maioria dos casos de danos irreversíveis causados por providência cautelar que caducou, não se pode vislumbrar qualquer atuação culposa da parte do requerente. O requerido acaba assim, em grande número de situações, por suportar os benefícios do sistema de tutela cautelar a favor do requerente, ao arrepio do princípio ubi commoda, ibi incommoda.

Apenas um sistema de responsabilidade objetiva do requerente cautelar que, de resto, não é estranho ao direito comparado e mesmo ao nosso sistema jurídico em épocas anteriores, permitiria salvaguardar, na íntegra, o interesse do requerente. Esta conclusão, todavia, não pode ser considerada sem se atentar no contrapeso de outros valores também prosseguidos pelo nosso sistema jurídico, nomeadamente, o carácter fundamental da garantia de uma tutela judicial efetiva, podendo a responsabilidade objetiva do requerente acabar por restringir em demasia o exercício do direito de ação cautelar.

Sendo aquele argumento suficiente para se concluir pela não justificação de uma responsabilidade não fundada na culpa do requerente, acabámos por defender, no entanto, a existência de uma presunção ilidível de culpa do requerente, equiparável à presunção consagrada no art. 799.° do Código Civil. Explicamos em seguida o porquê desta conclusão.

Muito embora não faça sentido qualificar a responsabilidade civil do requerente da providência cautelar que venha a caducar como sendo uma responsabilidade de natureza contratual, também não será rigoroso qualificá-la simplesmente como uma forma de responsabilidade aquiliana. Na verdade, podemos vislumbrar na pendência processual a existência de uma espécie de relação triangular entre as partes e o juiz. Ainda que dela não decorram obrigações em sentido técnico, não pode negar-se que esta relação processual implica um plus relativamente ao mero dever de respeito da responsabilidade meramente delitual. Estão em causa deveres laterais que radicam, em última análise, no princípio da boa fé.

Pelo descrito, entendemos dever integrar a responsabilidade processual numa espécie de zona cinzenta, equiparável ao que a doutrina civilista chama de terceira via da responsabilidade civil, que pressupõe um regime particular apurado em relação a diversos pontos em concreto, que exigirão uma integração específica de lacunas. Em particular no que concerne a responsabilidade civil do requerente cautelar, coube perguntar se não se justificaria aplicar o regime da presunção de culpa, próprio da responsabilidade con­tratual, a esta relação jurídica de cariz particular.

Depois de aprofundarmos as razões justificativas da inversão do ónus da prova do art. 799.° do Código Civil, concluímos que as mesmas razões estariam presentes no regime da responsabilidade civil do requerente cautelar, razão pela qual se justificaria aí identificar a existência de uma presunção de culpa no âmbito da construção de um regime próprio de uma terceira via de responsabilidade”.

Significa isto, em síntese, que o regime de responsabilidade do requerente de providência cautelar se qualifica como um regime de responsabilidade subjectiva e que basta a mera culpa ou negligência para existir responsabilidade.

Assim, independentemente da existência de uma presunção de culpa e sem necessidade de tomar posição quanto a esse ponto, haveria responsabilidade dos requerentes se o seu comportamento tivesse sido meramente negligente.

Acontece, porém, que os dados apontam para que é outra a modalidade de culpa dos autores / recorrentes.

Com efeito, os factos que os autores / recorrentes alegaram no requerimento da providência cautelar e que fundamentaram o decretamento desta vieram a ser contraditados pela factualidade posteriormente julgada provada na acção.

Trata-se, em especial, dos factos constantes dos artigos 36 e 37 do requerimento da providência cautelar:

36. Na sequência da referida apresentação pública [organizada pela Sage, realizada em Lisboa, no dia 3 de Novembro de 2009], os Requerente lograram apurar, por exame, que o programa registado na ASSOFT, em nome da Joint Action, c denominado como SIR ou como First POS, é precisamente o programa PC-POSII, integrando este SIR precisamente as linhas de código, a estrutura de ficheiros e as apresentações gráficas que foram desenvolvidas e criadas em 1993, pelo Requerente AA,

37. Sendo as linhas de código fonte, as funcionalidades e soluções base do programa aquelas que foram desenvolvidas pelo requerente AA, mas onde se operou o registo em 2008 como se fosse criação e produto desenvolvido pela referida Joint Action

factos estes que foram acolhidos e serviram de fundamentação (de facto) para a decisão de decretação da providência cautelar:

31. Na sequência da referida apresentação pública, os requerentes lograram apurar, por exame, que o programa registado na ASSOFT, em nome da Joint Action, denominado como SIR ou como First POS, é o programa PC-POS II, integrando este SIR as linhas de código, a estrutura de ficheiros e as apresentações gráficas que foram desenvolvidas e criadas em 1993, pelo requerente AA, sendo as linhas de código fonte, as funcionalidades e soluções base do programa aquelas que foram desenvolvidas pelo requerente AA, mas onde se operou o registo em 2008, como se fosse criação e produto desenvolvido pela referida Joint Action.

A verdade é que, na acção principal, uma vez desenvolvida a peritagem devida, não se demonstrou de todo que o programa da Joint Action, primeiro, ou o programa Sage Restauração, depois, fosse uma cópia do programa PC POS II[8].

Demonstrou-se, justamente, o contrário, considerando-se como provados os factos 62 a 67, isto é:

62. Nos programas PC POS II e FIRST POS há elementos gráficos ou funcionais que têm de ser idênticos ou semelhantes, pela própria natureza e finalidade dos programas, designadamente têm um objeto mesa, cliente, produto, ambas usam ficheiros de configuração e carregam os ficheiros para a memória e ambas usam uma Library gráfica e desenham os componentes gráficos.

63. Os sistemas gráficos e de resposta aos eventos gerados pela interação dos utilizadores com o ecrã é muito diferente entre, por um lado o sistema operativo DOS e, por outro, os sistemas operativos Windows e Linux (que têm mais semelhanças entre si no que respeita aos subsistemas gráficos).

64. Os programas PC POS II, Winrest e Sage Restauração utilizam uma library gráfica que é de domínio público (vulgo open source), de seu nome L1BGRX, sendo que qualquer pessoa pode utilizar este expediente, uma vez que é acessível a todos, sendo possível encontrá-la em milhares de aplicações por todo o mundo.

65. O programa de computador Sage Restauração teve como base os conhecimentos intrínsecos de quem trabalhou praticamente uma década no desenvolvimento de um software na área.

66. Os princípios funcionais comuns a este programa e ao PC POS II são comuns a todas as soluções informáticas para a área da restauração, podendo haver diferenciação de funções e implementações.

67. O programa Sage Restauração destina-se ao sistema operativo Windows é direcionado para sistemas operativos diferentes do programa PC POS e tem necessidade de suportar tipos de hardware diferentes.

Assim sendo, o facto alegado pelos requerentes não podia ter ocorrido, isto é, os requerentes não podiam ter comprovado, por exame, o contrário, ou seja, que o programa era uma cópia do outro.

E todavia, afirmaram-no.

Quer isto dizer, enfim, que, com o fito de ver realizada a sua pretensão, os autores / recorrentes alegaram, no âmbito do requerimento da providência cautelar, factos que não eram verdadeiros, apesar de saberem que não eram verdadeiros.

Mas, além destes, há outros factos que foram alegados no requerimento da providência cautelar e constituíram fundamento para o decretamento desta que vieram a ser desmentidos pela factualidade posteriormente julgada provada na acção.

Trata-se dos factos constantes dos artigos 14 e 60 do requerimento da providência cautelar:

14. Entre o Requerente, CC e BB, não foi constituída qualquer sociedade comercial, nem foi estabelecido qualquer outro contrato que não fosse resultante da divisão, entre estes, do produto da venda das licenças do programa PC POS, e PC POS II.

60. Sendo do conhecimento da Requerente que, com base no «programa PC POS II, criado pelo Requerente AA e de sua propriedade, agora apelidado de SIR, os Requeridos se encontram a negociar com um outro operador de telecomunicações a colocação no mercado de uma solução similar, duplicando o modelo de negócio com outro operador,

factos estes que foram acolhidos e foram decisivos para a decisão de decretação da providência cautelar:

14. Entre o requerente, CC e BB, não foi constituída qualquer sociedade comercial, nem foi estabelecido qualquer outro contrato que não fosse o resultante da divisão, entre estes, do produto da venda das licenças do programa PC POS, e PC POS II;

41. Sendo do conhecimento da requerente que, com base no programa PC-POS II, criado pelo Requerente AA e de sua propriedade, e agora apelidado de SIR, os requeridos encontram a negociar com um outro operador de telecomunicações a colocação no mercado de uma solução similar, duplicando o modelo de negócio com outro operador;

mas que também são desmentidos pela factualidade provada na ação principal. Se não, veja-se o que resulta do facto provado 54:

54. Após, procederam à elaboração de contas e de divisão de ativos entre os três, ficando acordado que o projeto do programa PCPOS II continuaria a ser desenvolvido pelo réu BB e por CC que para o efeito, com a concordância do autor AA, dispunham do código-fonte.

A inverdade de todos aqueles factos – insiste-se – era do conhecimento dos autores / recorrentes. Os factos do primeiro grupo respeitam a matérias de que os autores detêm profundo domínio; quanto à existência do acordo de desenvolvimento do programa, trata-se de um facto de natureza pessoal, pelo que é logicamente impossível os autores / recorrentes desconhecerem-no.

Considerando tudo o que fica descrito, não resta senão concluir autores / recorrentes agiram, assim, com dolo ou, no mínimo, com uma gravíssima imprudência, nem sequer ponderando e se demovendo pela seriedade dos danos que aquela sua conduta seria susceptível de provocar à requerida.

Pode acrescentar-se ainda, que, mesmo que alguns dos danos apurados da ré extravasassem, no plano da causalidade, do âmbito da providência cautelar e fosse necessário enquadrá-los na disciplina dos artigos 483.º e s. do CC, a conclusão não se alteraria: verificando os respectivos pressupostos, os autores / recorrentes estariam do mesmo modo constituído em responsabilidade civil.

Por fim, a propósito de uma eventual relação necessária entre a responsabilidade do requerente de providência cautelar injustificada (cfr. artigo 347.º, n.º 1, do CPC) e a responsabilidade por litigância de má fé (cfr. artigo 542.º, n.º 1, do CPC) alegada pelos recorrentes (cfr. conclusões C e F) e rebatida pela recorrida (cfr. conclusões U, V, W e X), atente-se no que explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre: “o âmbito de previsão do n.º 1 não coincide, pois, com o do art. 542-1, que, além de excluir a culpa leve, é aplicável com outros fundamentos além dos admitidos para a responsabilização específica do requerente da providência cautelar e também nos casos em que a providência não é decretada ou em que se mantém, mas se reconhece na ação que não existia o direito nem era verosímil a sua existência [9]. Conclui-se, então, que não existe relação entre os dois institutos, não tendo a verificação de um que coincidir com a verificação do outro.

Tudo visto, conclui-se que a decisão do Tribunal recorrido não merece censura e deve ser confirmada.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


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Custas da revista pelos recorrentes.

Atendendo à complexidade da causa, o remanescente da taxa de justiça a considerar na conta a final é reduzido em 75%, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP.


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Catarina Serra (relatora)

Rijo Ferreira

Cura Mariano


Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1.05, declaro que o presente Acórdão tem o voto de conformidade dos restantes Exmos. Senhores Juízes Conselheiros que compõem este Colectivo, com a seguinte declaração de voto do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Rijo Ferreira:

Não subscrevo o entendimento de que tenha ficado demonstrado não ser verdadeira a invocação de cópia de programa informático PC POSII, entendendo antes que aí se verifica apenas uma situação de insucesso da prova. Com efeito o relatório pericial indica claramente que os programas em causa partilham uma parte significativa do código fonte, só não sendo possível concluir qual deles é o ‘original’ em virtude de todos os intervenientes terem acesso ao código fonte, sendo que os factos 62 a 67 não afastavam a possibilidade de cópia caso se tivesse provado a utilização dos programas subsequentes de parte do código fonte do PC POSII”.

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[1] Cfr. Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 441.
[2] Cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III volume – 5. Procedimento cautelar comum, Coimbra, Almedina, 2004 (3.ª edição), p. 321.
[3] Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Providências cautelares injustificadas e responsabilidade do requerente, Braga, Universidade do Minho, 2013, p. 432.
[4] Evidentemente, a ilicitude não deixa de estar presente, decorrendo do carácter injustificado do requerimento da providência cautelar.
[5] Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Providências cautelares injustificadas e responsabilidade do requerente, cit., pp. 444 e s.
[6] Cfr. Rita Lynce de Faria, A tutela cautelar antecipatória no processo civil português. Um difícil equilíbrio entre a urgência e a irreversibilidade, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2016, pp. 367-403.
[7] Cfr. Rita Lynce de Faria, “A tutela cautelar antecipatória no processo civil português. Um difícil equilíbrio entre a urgência e a irreversibilidade - síntese”, in: Revista do CEJ, 2018, n.º 1, pp. 38-63 (pp. 58-61).
[8] Pode ler-se, mais precisamente, na sentença: [d]os factos disponíveis a verdade é que não consta nem se retira que quer o JOINT ACTION/FIRST POS/SIR por um lado quer o SAGE RESTAURAÇÃO por outro contenham, ainda que parcialmente, ou sejam uma imitação do PC POS/PC-POS II, o que só por si afasta a possibilidade de qualquer contrafacção. Na verdade, o elemento comum a estes três programas, e inclusive ao próprio WINREST e às próprias partes, qual seja o R. BB, no primeiro programa PC-POS/PC-POS II com o A. AA, no WINREST com o A. AA ao serviço da A. PIE, no FIRST POS/SIR com a JOINT ACTION, e finalmente no SAGE RESTAURAÇÃO com a SAGE, não é suficiente para considerar que estes dois últimos programas são uma cópia ou imitação daquele primeiro. A admitir-se semelhanças entre estes três programas, inevitáveis, ao menos em parte, na medida em que tratam e transpõem a mesma realidade, nem por isso, se pode, sem mais, enquadrá-las no plano da cópia ou imitação e portanto da contrafacção (…). De onde, não estando demonstrado que o programa JOINT ACTION/FIRST POS/SIR, da R. JOINT ACTION, ou o programa SAGE RESTAURAÇÃO, da R. SAGE, seja uma cópia, reprodução, total ou parcial, ou imitação do PC POS/PC POS II, é forçoso concluir que aqueles não representam qualquer apropriação abusiva do conteúdo e consequentemente qualquer violação da paternidade deste último ou dos direitos patrimoniais correspondentes, em prejuízo da verificação do comportamento descrita no art. 196.º do CDA como contrafacção por qualquer um dos RR”.
[9] Cfr. Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, Coimbra, Almedina, 2018, p. 76.