Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
087908
Nº Convencional: JSTJ00028692
Relator: MACHADO SOARES
Descritores: EXCEPÇÃO DILATÓRIA
EMBARGOS DE EXECUTADO
REGISTO
CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO
LEGITIMIDADE
LITISCONSÓRCIO
EFICÁCIA DO NEGÓCIO
VALIDADE
Nº do Documento: SJ199511280879081
Data do Acordão: 11/28/1995
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV. DIR REGIS NOT.
Legislação Nacional: CRP84 ARTIGO 8 N1 N2.
CPC67 ARTIGO 28 N2 ARTIGO 33 ARTIGO 40 N8 ARTIGO 276 ARTIGO 288 N1 C.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1990/10/18 IN BMJ N400 PAG582.
ACÓRDÃO STJ DE 1987/06/02 IN BMJ N368 PAG534.
Sumário : I - A consequência da falta de formulação do pedido de cancelamento do registo de aquisição do prédio hipotecado, consubstanciando uma excepção dilatória, é tão só o não prosseguimento do processo após os articulados.
II - Se for posta em causa a eficácia do negócio jurídico questionado - ou a sua validade - impõe-se, para que se produza o efeito útil normal, a intervenção de todos os interessados que possam ser afectados pela decisão (litisconsórcio necessário).
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Por apenso à execução ordinária para pagamento de quantia certa quer Neste A instaurou contra B, mulher C e D, vieram estes deduzir embargos de executado, invocando, fundamentalmente a ilegitimidade dos dois primeiros Réus, por não serem donos nem possuidores do prédio sobre que recai a hipoteca que serviu de fundamento à execução, por ter sido vendido à D; e o facto de não serem devedores de quantia titulada pela hipoteca.
Opõem, ainda, que a hipoteca referida garantia o pagamento de letras de câmbio, das quais, na data da propositura da execução, apenas estavam vencidas quatro, pelo que somente as quantias correspondentes a essas letras vencidas seriam exigíveis.
A exequente contestou pugnando pela improcedência dos embargos.
Após a audiência preparatória a embargada - que na sua contestação reprimira também com a impugnação pauliana, da venda referida - veio requerer o cancelamento do registo de aquisição do imóvel hipotecado a favor de D.
Este requerimento foi indeferido, pelo despacho de páginas 59 e 60, tendo desta decisão agravado a embargada.
No saneador foi julgado procedente a excepção de ilegitimidade deduzida pelos executados B e C, que, por isso mesmo foram absolvidos da instância.
Desta decisão agravou a exequente/embargada.
Procedeu-se mais tarde a julgamento, que rematou pela prolação da sentença que julgou improcedentes os embargos.
Transitada em julgado tal veredicto, veio o exequente/embargado requerer a subida dos agravos interpostos, nos termos do n. 2 do artigo 735 do Código de Processo Civil.
Após analisar as questões sobre que recaíram os agravos em apreço, a Relação, através do seu Acórdão de páginas 157 e seguintes, decidiu do seguinte modo: - revogou o despacho de páginas 59 e 60, considerando admissível a formulação do pedido de cancelamento do registo através do requerimento de página 56.
- revogou o despacho saneador, na medida em que consideram partes ilegítimas os embargantes B e C, passando a considerá-los como partes legítimas.
- determinou que o Meretíssimo Juiz a quo ordenasse o prosseguimento dos autos, se necessário com elaboração da especificação e questionário, para apreciação e conhecimento do mérito da impugnação pauliana com que a agravante excepcionou os embargos.
Inconformados, os embargantes agravaram para este Supremo Tribunal.
Eis, em síntese, as conclusões das suas alegações: a) em relação ao primeiro agravo:
1. - Em processo de embargos de executado, o exequente/embargado tem de - na própria contestação onde impugna factos comprovados pelo registo - pedir o cancelamento deste e nunca posteriormente.
2. - A sanção prevista para a violação de tal directiva é a ineficácia ou inatendibilidade da impugnação deduzida pelo contestante (n.1 do art. 8 do Código de Registo Predial).
3. - O Acórdão recorrido ao permitir a apresentação do requerimento onde se pede o cancelamento do registo de aquisição do prédio hipotecado, em fase posterior à da contestação violou o disposto nos ns. 1 e 2 do artigo 8 do Código de Registo Predial e nos artigos 509 n. 1 alínea a), 510 e 817 n. 2 do Código de Processo Penal e, ainda, o disposto nos ns. 1 e 3 do artigo 9 do Código Civil; b) relativamente ao segundo agravo:
1 - A questão da legitimidade dos executados apesar de por imperativo processual ter sido discutida e decidida em processo de embargo à execução, é decidida em função da relação material contravertida, delineada no processo executivo, pelo que não pode ficar dependente a sua decisão da admissão ou não admissão de pedido de cancelamento de registo feito, posteriormente à apresentação da contestação por parte do exequente no processo de embargos.
2 - O Acórdão recorrido violou os artigos 56 n. 2 e 260 ns. 1 e 2 do Código de Processo Civil e 1316, 1317 alínea a), 874 e 879 alínea a) do Código Civil.
A agravada, na sua contra-alegação sustenta a manutenção do Acórdão recorrido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
A - O primeiro agravo entronca na situação factual que passamos a descrever: a) Na contestação dos embargos, apresentada em 28 de
Abril de 1993, veio a embargada invocar, além do mais, a intenção dos embargantes de se furtarem à garantia da hipoteca através da venda do prédio hipotecado à D, impugnando um acto, nos termos dos artigos 610 e seguintes do Código Civil. b) Nessa altura estava inscrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, a favor daquela sociedade, a aquisição do prédio, através da apresentação n. 34 de 17 de Dezembro de 1992. c) A embargada, na contestação, não formulou o pedido de cancelamento do registo de aquisição do prédio a favor da D. d) Vindo, porém, a fazê-lo mais tarde, em requerimento de 1 de Julho de 1993 (página 56), o qual foi indeferido pelo despacho ora agravado.
Sustentam os recorrentes não ser possível deduzir pedido de cancelamento de registo em fase posterior à da dedução de impugnação em juízo do facto comprovado por esse mesmo registo.
Os dois pedidos têm que ser deduzidos simultaneamente, como manda a Lei - artigo 8 n. 1 do Código de Registo Predial.
E a sanção, segundo a hermenêutica proposta pelos recorrentes, que a lei estabelece para o Réu, no caso de ser ele a formular tardiamente o pedido de cancelamento do registo, como acontece neste caso, e não poder ser impugnado o facto comprovado por esse registo.
Esta seria, de acordo com a tese agora referenciada, a sanção aplicável à hipótese considerada pelo n. 1 do preceito citado.
Esta sanção consistiria, assim, no entender dos recorrentes, na "ineficácia" ou "inatendibilidade" da impugnação deduzida na contestação.
Na sequência da mesma interpretação, o n. 2 do mesmo artigo, ao prescrever que "não terão seguimento, após os articulados, as acções em que não seja formulado o pedido de cancelamento previsto no número anterior" dirigir-se-ia, apenas, ao Autor da acção, no mesmo contexto, ou seja, no caso de não requerer tempestivamente, isto é, na petição inicial, o cancelamento do registo.
Nesta óptica, o Autor se persistisse na omissão verificada teria que arcar com a suspensão da instância e, eventualmente, com a interrupção e mesmo a deserção da instância, nos termos das leis de processo definidoras destas situações (artigos 285 e 291 do Código de Processo Civil).
Para os recorrentes esta sanção nunca poderia ser aplicada ao Réu, pois, em tal hipótese poderia vir a funcionar como irremediável expediente dilatório, o que seria inadmissível.
Não sufragamos este entendimento.
O artigo 8 do Código de Registo Predial não prevê duas formas de sancionamento, uma para o Autor (n. 2) e outra, bem mais grave, para o Réu (n. 1).
Antes, os dois mandamentos insertos nos ns. 1 e 2 deste artigo estabelecem um só procedimento sancionatório, para o vício em causa, seja ele cometido pelo Autor, ou pelo Réu.
O n. 1 estabelece que a anomalia verificada (a omissão do pedido de cancelamento do registo, na altura própria) impede a impugnação do facto registado; e o n. 2 fixa o momento a partir do qual é posta em prática essa sanção, ao determinar a paralisação do processo, após os articulados.
De resto, seria, de todo em todo, incompreensível a dualidade de tratamento jurídico proposto pelos recorrentes - uma para o Autor e outra para o Réu - quando basicamente está em causa a mesma situação.
É claro que a crítica tecida pelos recorrentes à interpretação adoptada de que esta pode conduzir, em tese geral, a uma almejada suspensão da instância, provocada pelo Réu e pre-ordenada à paralisação da acção, com as nefastas consequências daí derivadas para a posição do Autor, não tem o valor que, à primeira vista, parece comportar.
E desde logo porque, como se sabe, as disposições legais do Código de Processo Civil que regulam a suspensão, a interrupção e deserção, da instância (artigo 276), apresentam, por vezes, fissuras que permitem a infiltração de situações semelhantes à aqui denunciada, criando dificuldades ao Autor, dificilmente superáveis.
Cremo, porém, ser possível aproveitar as directivas (defluentes) de outros preceitos, tendentes a remediar situações anómalas, análogas à equacionada pelos recorrentes.
Temos em vista, agora, de modo muito particular o disposto no artigo 33 do Código de Processo Civil - e não está posto que, numa análise mais aprofundada desta questão, que aqui não cabe, outros preceitos não possam ser ponderados a este respeito (cfr. v.g. o n. 2 do artigo 40 do mesmo diploma - que reza assim: "Se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o Tribunal, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, fá-lo-á notificar para o constituir dentro de, prazo certo, sob pena de o Réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa".
Parece-nos legítimo invocar a lição deste preceito devidamente adaptado à hipótese congeminada pelos recorrentes, enquanto visa salvaguardar a posição do Autor, evitando que o Réu - talqualmente poderia suceder naquela hipótese - possa, propositadamente ou por mera inércia, eternizar a paralisação da acção, com a sua atitude omissiva.
O modo de atingir o seu desiderato é, segundo o mandamento transcrito conferir ao Tribunal a faculdade de determinar, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, a notificação do Réu - isto para nos circunscrevermos a hipótese considerada - para dentro de prazo certo regularizar a situação, sob pena de ficar sem efeito a defesa.
Ora, este procedimento alcança ainda plena justificação
- legitimando, assim, o recurso à analogia (artigo 10 do Código Civil), do mesmo passo que contribui para a unidade do sistema jurídico (artigo 9 do mesmo Código)
- quando aplicado à hipótese pensada pelos recorrentes, funcionando como o meio mais adequado de pôr termo aos inconvenientes dela decorrentes.
Não vemos, portanto, que a crítica dos recorrentes, enfocada, atinja o alvo que teve sob mira.
Assim sendo e tendo em conta as proposições já consideradas, algumas com clara inspiração na jurisprudência deste Supremo Tribunal a este respeito,
(Acórdão de 18 de Outubro de 1990, Boletim 400, página 582 e de 2 de Junho de 1987, Boletim 368, página 534), cremos poder assentar - a rematar a análise posta - nos seguintes pontos:
A consequência da falta de formulação do pedido de cancelamento do registo impugnado é tão só o não prosseguimento do processo, após os articulados.
Tal omissão corresponde deste modo a uma mera excepção dilatória (artigo 288 n. 1 alínea c) do Código de Processo Civil) que poderá ser superada com a dedução tardia desse pedido, enquanto isso for possível, face aos mecanismos processuais que regulam a interrupção e deserção, da instância.
Porém, a inércia do Réu em deduzir esse pedido, nos casos em que lhe compete formulá-lo, - que poderia conduzir à definitiva paralização da acção, com nefastas consequências para o Autor - poderá ser removida com recurso, por via analógica, à lição do artigo 33 do Código de Processo Civil; o juiz conceder-lhe-á um prazo certo para deduzir esse pedido, ficando sem efeito a defesa, se o não fizer, dentro desse mesmo prazo.
No caso sub judice, este problema não chegou a pôr-se, pois o Réu, por sua iniciativa, veio deduzir validamente tal pedido, depois da contestação, mas antes do juiz ter tomado uma posição sobre a omissão verificada.
O Acórdão recorrido não merece enquanto à solução adoptada, a menor censura.
Deve, por isso, ser confirmado.
B - Quanto ao segundo agravo:
A questão da ilegitimidade dos executados B e C entronca no facto destes, por escritura de 9 de Novembro de 1992, terem transmitido o seu direito de propriedade sobre o prédio hipotecado, à executada D.
O Meritíssimo Juiz, na 1. instância, embora admitindo expressamente no saneador que a legitimidade dos embargantes B e C derivaria sempre da impugnação da venda do prédio hipotecado, não conheceu, todavia, dessa questão, por, dada a falta do pedido de cancelamento do registo atinente à transmissão ocorrida, e o tratamento jurídico que tal omissão lhe mereceu, ter considerado a impugnação deduzida desprovida, nesse contexto, de qualquer relevância jurídica. E, daí, o ter concluído pela ilegitimidade daqueles embargantes.
O Acórdão recorrido, porém, ao validar o pedido de cancelamento do registo, repôs, obviamente, como "Thema decidendum", a questão da impugnação da venda referida, suscitada pela Ré/embargada, na contestação.
E foi nesta perspectiva que solucionou a questão em análise concluindo pela legitimidade dos executados/embargantes, como não podia deixar de ser.
Efectivamente, se o problema da impugnação da venda voltou de novo à luz da ribalta, por já não funcionar como entrave à sua apreciação, a tardia dedução do pedido de cancelamento do registo, então a questão da legitimidade das partes terá que ser resolvida com toda a amplitude, sem deixar de fora a impugnação pauliana oposta pela embargada.
Pois bem: como se sabe, em casos como o sub judice, em que é posta em causa a eficácia do negócio jurídico - ou a sua validade - exige-se a intervenção de todos os instrumentos por ela afectados, nos termos do n. 2 do artigo 28 do Código de Processo Civil, para que a decisão possa produzir o "seu efeito útil normal", (litisconsórcio necessário).
Doutro modo, a decisão não definiria "de modo inalterável a relação jurídica versada" (Manuel de Andrade), ficando abertas as partes, às partes excluídas mercê de pretença ilegitimidade, para poderem suscitar novamente a questão, com os mesmos fundamentos (cfr. Prof. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, II, páginas 203 e seguintes; Prof. Manuel de Andrade, Scientia Jurídica, VII, n. 34, página 186).
Bem decidiu, pois, a Relação ao considerar os recorrentes como partes legítimas.
Nestes termos, nega-se provimento ao recurso confirmando-se o Acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 28 de Novembro de 1995.
Machado Soares,
Fernando Fabião,
Miguel Montenegro.