Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
656/10.6TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
PENHOR
INDEMNIZAÇÃO
RESOLUÇÃO
BANCO DE PORTUGAL
DEVER DE DILIGÊNCIA
CRÉDITO PIGNORATÍCIO
PERDA OU DETERIORAÇÃO DA COISA
INCUMPRIMENTO
DANO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
LEGITIMIDADE
LEGITIMIDADE PASSIVA
HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE
CASO JULGADO
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - SITUAÇÃO JURÍDICA BANCÁRIA / RESPONSABILIDADE BANCÁRIA - ACTOS BANCÁRIOS EM ESPECIAL ( ATOS BANCÁRIOS EM ESPECIAL ) / LOCAÇÃO FINANCEIRA ( IMOBILIÁRIA ).
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / PENHOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS.
Doutrina:
- A. MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 1988, 590 a 603.
- CALVÃO DA SILVA, Banca, Bolsa e Seguros, 4.ª edição, 2013, 220.
- M. ALMEIDA COSTA, na Coletânea de Jurisprudência, Ano X, 1985, t. 2, 23.
- P. ROMANO MARTINEZ e P. FUZETA DA PONTE, Garantias de Cumprimento, 4.ª edição, 2003, 181 e ss..
- PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, “Código” Civil Anotado, I, 2.ª edição, 1979, 615.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - 666.º, 671.º, ALÍNEA A), 679.º, 683.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 269.º, N.º2, 615.º, N.º 1, ALÍNEA D), 666.º, N.º1.
REGIME JURÍDICO DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO, APROVADO PELO D.L. N.º 298/92, DE 31-12: - ARTIGOS 73.º, 74.º, 76.º.
Sumário :
I - Por força do caso julgado formado, não pode voltar a discutir-se a questão da substituição da parte passiva, para efeitos de legitimidade, decorrente da aplicação da medida de resolução do Banco de Portugal.

II - Face à obrigação de guarda e conservação dos bens empenhados, o credor pignoratício responde pelos danos resultantes da sua conduta, no caso dos bens perecerem ou se deteriorarem em consequência do incumprimento culposo de tal obrigação.

III - Podendo embora ser exigível o resgate, desde 28-11-2008, o incumprimento, ainda que traduzindo um ato ilícito, por violação do dever de diligência, não acarretou qualquer dano.

IV - Sem dano, no resgate tardio de aplicações financeiras, não há responsabilidade civil e, consequentemente, não se constitui qualquer obrigação de indemnizar.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I – RELATÓRIO


AA – Sociedade Gestora de Participações Sociais, Lda., (substituída, entretanto, pelos sócios BB e CC – fls. 438), instaurou, em 22 de março de 2010, na então 4.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, contra Banco DD, S.A., ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que o Réu fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 151 564,65, acrecida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que celebrou com o R. um contrato de locação financeira imobiliária e, paralelamente, um contrato de penhor de aplicações financeiras (unidades de participação em fundos de investimento mobiliário), estando, por via deste contrato, impedida de proceder à venda das aplicações; a A. solicitou autorização ao R. para realizar a venda, mas este, indiferente, protelou injustificadamente as negociações, tendo concedido autorização muito tardiamente, o que determinou, dada a desvalorização financeira entretanto ocorrida das aplicações dadas em penhor, prejuízos avultados, a indemnizar pelo comportamento omissivo e culposo do R.

Contestou o R., por impugnação, concluindo pela improcedência da ação.

Replicou ainda a A.

Prosseguindo o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 6 de fevereiro de 2014, sentença, julgando-se a ação totalmente improcedente.

Inconformada, a A. apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 3 de março de 2015, revogou a sentença e condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de € 40 604,46, acrescida de juros de mora, à taxa de 4 %, desde a citação até efetivo e integral pagamento.


Inconformado, o Réu recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:


a) Por deliberação de 3 de agosto de 2013, o Banco de Portugal aplicou ao Banco DD uma medida de resolução, na modalidade de transferência parcial da sua atividade para um banco de transição, denominado Banco EE, S.A.

b) Esta transferência implicou a transmissão dos direitos e obrigações até então na esfera jurídica do Banco DD para o Banco EE, S.A.

c) A aplicação da medida de resolução ao Banco DD é facto público e notório.

d) Pelo que a aplicação da medida de resolução deveria ter sido considerada pelo Tribunal recorrido como provada.

e) Nesta medida, o Tribunal da Relação deveria ter aguardado pela resolução definitiva do incidente de habilitação, antes de proferir o acórdão.

f) Noutra opção, o Tribunal da Relação poderia ter decidido pela substituição processual, nos termos do art. 269.º, n.º 2, do CPC.

g) Não o tendo feito, o acórdão recorrido está, desde logo, ferido de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos arts. 615.º, n.º 1, alínea d), e 674.º, n.º 1, alínea c), do CPC.

h) A decisão de facto deverá ser ampliada, para a decisão de substituição processual do Banco DD pelo Banco EE, S.A.

i) Não se encontram verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil.

j) O âmbito de atuação da DDleasing estava balizado pelo contrato de penhor de aplicações financeiras.

k) A DDleasing, enquanto credor pignoratício, não estava obrigada a promover ou a aceitar a venda das unidades de participação.

l) A autorização da venda das participações financeiras, em face da sua desvalorização, não corresponde a um ato de conservação do direito empenhado.

m) As flutuações da cotação nunca podem representar a perda ou deterioração, correspondendo antes a uma evolução normal e expetável de qualquer investimento dessa natureza.

n) A DDleasing não incumpriu quaisquer deveres, porquanto não estava obrigada a promover ou a aceitar o resgate das unidades de participação.

o) O Tribunal da Relação interpretou e aplicou erradamente o disposto nos arts. 671.º, 674.º, 683.º, do CC, 73.º, 74.º e 75.º do RGISF.


Com a revista, o Recorrente pretende a declaração da nulidade do acórdão recorrido e a ampliação da matéria de facto ou, subsidiariamente, a revogação do acórdão recorrido, com a ação a ser julgada totalmente improcedente.


Contra-alegou a A., no sentido de ser mantida a decisão recorrida.


Entretanto, em 4 de fevereiro de 2015, o R. deduziu a habilitação de BANCO EE, S.A., para o prosseguimento da ação, face à medida de resolução, aplicada por deliberação do Banco de Portugal, de 3 de agosto de 2014, tendo os Requeridos sido absolvidos da instância, por decisão do relator, de 1 de fevereiro de 2016, a qual, notificada às partes, não foi impugnada (Apenso).


O Tribunal da Relação de Lisboa, ainda por acórdão, de 18 de março de 2016, declarou não haver qualquer nulidade a suprir.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Neste recurso, está essencialmente em discussão, para além da nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil contratual.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. Na ação, foram dados como provados os seguintes factos:


1. DDleasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S. A. (DDLF) foi incorporada, por fusão, no R., com efeitos a partir de 30/12/2008, o que determinou a transferência do património, direitos e obrigações, conforme decorre da comunicação enviada à A., em 22/12/2008.

2. Em 9/06/2006, a A. celebrou com a DDLF um contrato de locação financeira imobiliária, tendo por objeto a fração autónoma designada pela letra "K", do prédio urbano com entrada pelos n.º s 18 e 36 da …, freguesia de Aldoar, concelho do Porto, pelo montante de € 749 000,00.

3. As negociações tendentes à formalização desse contrato foram desenvolvidas, concertadamente, entre a DDLF e o R.

4. Tendo a A. (representada pelo seu sócio-gerente, Dr. BB) como interlocutores na DDLF, o Dr. FF (diretor regional) e no R., o Dr. GG (Centro Empresas Porto Oriental e que assegurava a gestão da conta da A.) e a Dra. HH (DD Private, que assegurava as contas pessoais do sócio-gerente da A.).

5. Estrutura que acompanhou, de igual modo, a execução do contrato.

6. A partir de abril de 2008, a A. passou a ter como interlocutor do R. também o Dr. II.

7. Na sequência das negociações efetuadas, previamente à celebração do contrato de locação financeira, ficou estabelecido que a operação decorreria em duas fases, a primeira consistindo na celebração do contrato de locação financeira, acompanhado da entrega de uma livrança avalizada pelos sócios-gerentes da A. e do pagamento da primeira prestação do contrato, no valor de € 79 000,00.

8. A segunda fase, a ter lugar se e quando a A. apresentasse à DDleasing uma proposta de reforço das garantias do contrato, até à data de vencimento da segunda prestação contratual, consistia na alteração do contrato inicial, designadamente, na substituição do aval prestado por um penhor de aplicações financeiras subscritas pela A., no valor de € 500 000,00, na alteração do spread contratado de 1% para 0,5% e na redução do valor das rendas mensais.

9. Com a assinatura do contrato de locação financeira, a A. entregou, ao R. (DDLF), uma livrança avalizada pelos seus sócios, BB e CC, e efetuou o pagamento da primeira prestação.

10.  Em finais de junho de 2006, a A. depositou a quantia de € 500 00,00 na conta do Banco R. n.º 41….

11. Esse depósito foi efetuado para compra das aplicações financeiras, que seriam dadas em penhor.

12. Para a implementação da segunda fase da operação, a A. adquiriu o produto financeiro “EG Premium 2007”, em 20/7/2006, e indicou-o como objeto do penhor, sendo que, porque esse produto não foi aceite pela DDleasing, optou então a A. por aguardar pelo vencimento daquele produto, que ocorreu em 11/1/2007, período em que A., R. e DDleasing negociaram os termos de reforço das garantias do contrato, após o que a A. se propôs avançar para a segunda fase.

13. Com vista à discussão do reforço de garantias do contrato de locação financeira e alteração deste, a A. pediu, ao R., a realização de uma reunião, a qual teve lugar em 4/2/2007.

14.   Nessa reunião, ficou acordado que a DDleasing aceitaria o reforço das garantias do contrato de leasing, mediante a constituição de um penhor sobre aplicações financeiras de € 500 000,00, aceitando uma diminuição do anterior valor, que era de € 650 000,00.

15. As partes definiram, por mútuo acordo, que essas aplicações financeiras deveriam incidir na compra das unidades de participação de diversos Fundos Espírito Santo.

16. A A. adquiriu, em fevereiro de 2007, unidades de participação dos fundos de investimento mobiliário E.S. Capitalização Dinâmica, E.S. Estratégia Ativa II, E.S. RendaTrimestra E.S. Mercados Emergentes, E.S. Ações Europa, E.S. Portugal Ações e E.S. Top Ranking, especificamente para servirem de garantia ao contrato de locação financeira.

17.   Tratando-se de uma carteira de fundos de investimento, está-lhe associado algum risco, sujeito às flutuações do mercado financeiro, requerendo, da parte do investidor, uma permanente atenção.

18. Em 1/3/2007, foi celebrado o aditamento ao contrato de locação financeira, constante de fls. 64 e 65.

19.   Em 26/03/2007, foi celebrado o contrato de penhor sobre as aplicações financeiras, constante de fls. 67 a 73.

20.   Pela natureza do penhor, a A. estava impedida de proceder à venda das aplicações financeiras afetas à conta do Banco R. n.º 41….

21. A A. celebrou com o R. o contrato de financiamento n.º FECOOI772/07, de fls. 181, 182 e 305 a 309, em 23/4/2007, com a finalidade de “apoio de tesouraria”, no valor de € 200 000,00, sendo que € 180 000,00 foram utilizados para a celebração do contrato de seguro referido no documento de fls. 143.

22. Suportando os encargos financeiros, no montante de € 21 261,44.

23. No período de 8/2/2007 a 6/2/2009, a carteira de fundos da A. teve a evolução descrita a fls. 240, que acompanhou e considerou inferior à rentabilidade que desejava.

24. Em reunião realizada em 3/9/2007, entre a A., GG e II, a A. apresentou um pedido de alteração do contrato, nos termos formalizados no e-mail de 4 de setembro de 2007, que enviou ao R.

25. Formalizava um pedido de revisão das condições contratuais da locação financeira, em duas vertentes: autorização para proceder semestralmente, em março e de setembro de cada ano, ao resgate parcial das unidades de participação dadas em penhor, garantindo que o produto ficasse em gestão, constituindo o valor da garantia acessória do contrato de locação financeira e alteração do valor das prestações a pagar, de acordo com o esquema proposto para os anos de 2007 a 2012, nos termos de fls. 130 e 131.

26. Em 24/9/2007, o R., por intermédio do Dr. GG, comunicou à A., as instruções que lhe haviam sido transmitidas pela DDLF, nos termos de fls. 57, nomeadamente que “dado que os valores dados em penhor têm risco de capital e dado que o coeficiente atual de valorização é reduzido (valor de mercado atual da carteira é de aproximadamente € 505 000,00) não é oportuno prever resgates parciais das aplicações financeiras. Esta situação poderá ser revista caso opte por uma aplicação de capital garantido (depósito a prazo) com crédito de juros na conta da empresa”.

27.   A A. só respondeu a essa sugestão alternativa em e-mail de fls. 84 a 87, enviado ao Dr. EE, em 9/1/2008.

28. Em 14/11/2007, o R. enviou à A. a comunicação de fls. 58, nomeadamente: “não consegui até ao momento obter decisão sobre a operação. Espero até ao final de semana resolver o assunto. Apelo um pouco mais para a sua paciência, apesar de saber que começa a ser difícil”.

29. Em 9/1/2008, a A. enviou, ao R., o e-mail de fls. 133/134, no qual se refere: “no ponto 1 do seu email de 24 de setembro de 2007 (…) foi-me referida a possibilidade de a verba de 500.000 - e cuja aplicação constituiu o penhor do contrato em referência - de substituir o atual investimento, optando por uma aplicação de capital garantido (depósito a prazo), com crédito de juros na conta à ordem da empresa. Gostaria, pois, de ponderar essa opção, pelo que agradeço me indique qual a melhor taxa que pode conceder para a referida aplicação de capital garantido, para resolver este assunto”.

30.   A 27/2/2008, o R. enviou à A. uma minuta de contrato, que teria de ser assinado para alteração do penhor das aplicações financeiras pelo penhor de depósito a prazo, nos termos de fls. 74 a 82.

31.   A A. nada fez para que se passasse dessa minuta à celebração da alteração do contrato de locação financeira e à celebração daquele contrato de penhor, porque hesitava se a melhor solução financeira para os seus interesses seria trocar as unidades de participação dos Fundos em que tinha investido para um depósito a prazo.

32. Em 17/4/2008, teve lugar reunião entre a A., nas instalações do DD Private, no Porto, na presença do Dr. II, em representação do R., e do Dr. FF, em representação da DDLF.

33.  Nessa reunião, as partes acordaram que iriam, em conjunto, acompanhar/monitorizar a evolução dos mercados.

34. Monitorização que serviria para que a A., logo que o pretendesse, pudesse proceder ao resgate imediato das unidades de participação dos Fundos.

35.  Procedendo-se à sua substituição por outra aplicação alternativa, logo que o considerasse oportuno.

36. Antes das férias do verão de 2008, a A. transmitiu ao R. que, em face da evolução negativa dos mercados financeiros e na perspetiva da sua melhoria, havia decidido deixar para depois das férias uma decisão sobre a troca ou não da carteira de unidades de participação dos Fundos DD por outra aplicação financeira.

37. Foi a hesitação da A. quanto à decisão final relativa ao destino a dar às unidades de participação que protelou no tempo a venda das mesmas.

38. Entre 24/9/2007 e 23/9/2008, a A. foi o acompanhando a evolução dos mercados financeiros.

39.   Decidiu a A. esperar pela recuperação dos mercados.

40. Passadas as férias, a A. solicitou uma reunião urgente ao R., a qual ocorreu em 22/9/2008.

41.   Nessa reunião, constatando-se um agudizar da situação negativa dos mercados financeiros, a A. decidiu proceder ao imediato resgate das unidades de participação dos Fundos.

42. Com o que o R. concordou.

43.  Nessa reunião, foi ventilada a hipótese da DDleasing aceitar a alteração do penhor de unidades de participação dos Fundos para penhor de um depósito a prazo de € 400 000,00.

44. Em 23 de setembro de 2008, nos termos de fls. 83, a A. fez chegar ao R. o pedido: “venho pela presente solicitar que, com a maior urgência possível, V Exa. providencie a confirmação da DD LEASING relativamente à aceitação dum acordo de reformulação do penhor financeiro em questão, cuja constituição passaria a ser a seguinte, em conformidade com o que foi hoje acordado, na reunião com o Dr. II. 1. Uma aplicação financeira de capital e taxa garantidos, no valor de cerca de Euros: 400.000,00, a qual seria obtida a partir da venda de parte das participações actuais, em conformidade com as seguintes opções (…). 2. O valor remanescente, no valor de cerca de Euros: 58.591,86; seria garantido através da manutenção de parte das participações da actual carteira de fundos, de acordo com a seguinte constituição (…)”.

45. Em 29/9/2008, o R. comunicou telefonicamente, à A., que a DDleasing aceitava que o contrato de penhor passasse a ter como objeto um depósito a prazo, de € 400 000,00, e que, quanto às unidades de participação não necessárias para realizar aquele valor, a A. poderia fazer delas o que entendesse, sendo libertado o penhor.

46.   Mais lhe foi transmitido que a DDleasing lhe iria enviar a minuta para alteração do contrato de locação financeira, bem como a minuta para celebração do contrato de penhor de depósito bancário.

47. A A. mostrou-se agradada com a decisão da DDleasing.

48.   Em 11/11/2008, a A. enviou, à DDleasing e ao R., a mensagem de correio eletrónico de fls. 84 a 86.

49.  As minutas foram enviadas dias depois à A., em data anterior a 28/11/2008.

50.   Mas só em 28/1l/2008, numa reunião com um funcionário do R., o Dr. II, é que o sócio-gerente da A. entregou as minutas aprovadas e assinadas pela A.

51. Aquele funcionário deu de imediato andamento ao assunto junto da DDleasing.

52. Em 20/1/2009, a DDleasing enviou ao DD, então sociedades autónomas, o documento por ela assinado, autorizando a venda das unidades de participação dos Fundos DD.

53. O R., no mesmo dia, deu conhecimento dessa situação à A.

54.   Apenas em 20/1/2009, o R. comunicou à A. que aceitava celebrar o aditamento ao contrato de locação financeira imobiliária e substituir o penhor sobre as aplicações financeiras por penhor sobre depósito a prazo.

55. Venda que se concretizou em 6/2/2009, pelo valor de € 421 696,79.

56.   Em 2/2/2009, a A. enviou, ao R., instruções para proceder à venda imediata das unidades de participação e solicitando que, com o produto, fosse constituído um depósito a prazo de € 400 000,00, com o restante ser creditado na conta à ordem da A.

57.   Em 9/1/2008, o valor da carteira de fundos era de € 500 078,62.

58. Em 27/2/2008, o valor da carteira era de € 489 035,14.

59. Em 29/9/2008, o valor da carteira era de € 455 591,86.

60. Em 24/11/2008, o valor da carteira era de € 418 378,78.

61. Em 29/12/2008, o valor da carteira era de € 422 365,25.

62. No período de junho de 2006 a fevereiro de 2009, e para um depósito a prazo de € 500 000,00, o R. praticava taxas remuneratórias negociadas caso a caso com os clientes.

63. A A. enviou ao R. os escritos de fls. 92 a 95 e 99, de 3 de março e de 23 de outubro de 2009, a que o R. respondeu pelos escritos de fls. 96, 97 e 98 e 100, 13 de maio, 7 de julho e 12 de novembro de 2009.

64.  A A. procedeu ao pagamento de todas as rendas emergentes do contrato de locação financeira, vencidas nos anos de 2006 a 2009.



***



2.2. Delimitada a matéria de facto, corrigida de erros materiais e expurgada de redundâncias, importa então conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente da nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, e da falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade civil.

Começando pela nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, entende o Recorrente que, para o efeito previsto no art. 269.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), deve ser considerado provado que “por deliberação de 3 de agosto de 2014 (20 h), o Banco de Portugal aplicou ao Banco DD, uma medida de resolução, na modalidade de transferência parcial da sua atividade para um banco de transição, denominado Banco EE, S.A.”.

Na verdade, no âmbito dos seus poderes de cognição, a Relação estava obrigada a conhecer de todas as questões objeto da apelação, delimitadas pelas conclusões, sem prejuízo das questões impostas pelo conhecimento oficioso.

A omissão do conhecimento de tais questões pela Relação é causa de nulidade do acórdão, atento o disposto nos arts. 666.º, n.º 1, 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

A questão da legitimidade passiva, por um lado, não constituía objeto da apelação.

Por outro lado, sendo embora a questão de conhecimento oficioso, também não se justificava qualquer pronúncia.

Com efeito, antes do acórdão recorrido, foi proferida decisão, no incidente de habilitação deduzido pelo Recorrente, tendo por fundamento a mencionada medida de resolução do Banco de Portugal aplicada ao Recorrente, e nos termos da qual se declarou a respetiva absolvição da instância.

Esta decisão, porque não impugnada, transitou em julgado.

Assim, por força do caso julgado formado, não podia voltar a discutir-se a questão da substituição da parte passiva, para efeitos de legitimidade, decorrente da alegada aplicação da medida de resolução do Banco de Portugal.

Não estando a Relação obrigada a pronunciar-se sobre a questão, não se surpreende qualquer omissão de pronúncia e, consequentemente, o acórdão recorrido não padece da arguida nulidade, prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

 Nestes termos, improcede a nulidade do acórdão.


2.3. O acórdão recorrido, divergindo da sentença, condenou o Recorrente a pagar à Recorrida, a título de indemnização, a quantia de € 40 604,46, pelo prejuízo resultante da desvalorização de aplicações financeiras, causado pela conduta omissiva do Recorrente, no exercício da atividade bancária.

O Recorrente insurge-se contra a condenação, alegando, fundamentalmente, que, enquanto credor pignoratício, não estava obrigado a promover ou a aceitar o resgate das aplicações financeiras, além de referir que o risco se mantinha por conta do dador da garantia. Entende, por isso, não se encontrarem preenchidos, cumulativamente, os pressupostos da responsabilidade civil, como os da ilicitude e da culpa.

Da matéria de facto resulta, de mais relevante, que, entre a Recorrida e a DDleasing, que viria a fundir-se no Recorrente, foi celebrado, em 9 de junho de 2006, um contrato de locação financeiro imobiliário, pelo valor de € 749 000,00. Para reforço da garantia desse contrato, em 26 de março de 2007, foi celebrado um contrato de penhor sobre aplicações financeiras, no valor de € 500 000,00, o qual fora depositado, em finais de junho de 2006, no Banco Recorrente. Com a possibilidade, no início de 2008, de substituir o penhor por um penhor de depósito a prazo, a Recorrida e o Recorrente, com o consentimento da DDleasing, em setembro de 2008, acordaram no imediato resgate das aplicações financeiras, tendo a Recorrida entregue, em 28 de novembro de 2008, as minutas assinadas para a alteração do contrato de locação financeira e a celebração do contrato de penhor de depósito bancário. A venda das aplicações financeiras foi concretizada no dia 6 de fevereiro de 2009, pelo valor de € 421 696,79, quando antes o valor da carteira de aplicações financeiras correspondia a € 455 591,86, em setembro de 2008, € 418 378,78, em novembro de 2008, e € 422 365,25, em dezembro de 2008.

No âmbito da presente controvérsia ganha particular importância a questão da conservação e administração do bem dado em penhor.

Para garantia do cumprimento do contrato de locação financeira, celebrado em 9 de junho de 2006, no valor de € 749 000,00, a locatária constituiu mais tarde, em 26 de março de 2007, um penhor sobre aplicações financeiras, nos termos descritos de fls. 67 a 73, no valor correspondente a € 500 000,00.

Com tal penhor, constituiu-se uma garantia especial da obrigação da locatária (garantia financeira), na modalidade de penhor de direitos – arts. 666.º e 679.º, ambos do Código Civil (CC) (CALVÃO DA SILVA, Banca, Bolsa e Seguros, 4.ª edição, 2013, 220, P. ROMANO MARTINEZ e P. FUZETA DA PONTE, Garantias de Cumprimento, 4.ª edição, 2003, pág. 181 e segs., e A. MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 1988, pág. 590 a 603).

Com as necessárias adaptações, são extensivas ao penhor de direitos as disposições sobre o penhor de coisas, em tudo o que não seja contrariado pela natureza especial desse penhor ou pelo preceituado nos artigos subsequentes.

Assim, prevê-se que o credor pignoratício está obrigado a praticar, designadamente, os atos indispensáveis à conservação do direito empenhado – art. 683.º do CC. Esta norma corresponde à afirmação da consequência do princípio expresso no art. 671.º, alínea a), do CC, segundo o qual o credor pignoratício está obrigado a guardar e administrar como um proprietário diligente a coisa empenhada, respondendo pela sua existência e conservação.

A lei, ao aludir a “um proprietário diligente” ou proprietário prudente, adotou um claro critério objetivo (PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, 2.ª edição, 1979, pág. 615).

Face à obrigação de guarda e conservação dos bens empenhados, o credor pignoratício responde pelos danos resultantes da sua conduta, no caso dos bens perecerem ou se deteriorarem em consequência do incumprimento culposo de tal obrigação (M. ALMEIDA COSTA, Coletânea de Jurisprudência, Ano X, 1985, t. 2, pág. 23).

A obrigação, de guarda e conservação dos bens empenhados, destina-se, principalmente, a permitir que, cumprida a obrigação garantida, os bens empenhados possam ser restituídos, em conformidade com a obrigação estabelecida no


Para se afirmar a ilicitude do comportamento do credor pignoratício não basta, porém, o simples perecimento da coisa ou a sua desvalorização, ainda que, objetivamente, possa corresponder à impossibilidade total ou parcial de cumprimento da obrigação de restituição.

A ilicitude consubstancia-se, antes, na circunstância do credor pignoratício não ter agido na guarda do bem empenhado como um proprietário diligente.

Entendeu-se no acórdão recorrido que o atraso do Recorrente, na concessão da autorização para a venda das aplicações financeiras, a partir de 22 de setembro de 2008, consubstanciou a violação dos deveres consagrados nos arts. 73.º a 75.º do Regime Jurídico das Instituições de Crédito, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de dezembro, designadamente do dever de diligência, e, por isso, considerou-se o Recorrente com a obrigação de indemnizar os danos causados.

Na verdade, as instituições de crédito devem assegurar aos clientes elevados níveis de competência técnica, realizando a sua prestação em condições apropriadas de qualidade e eficiência, como resulta das regras de conduta fixadas no DL n.º 298/92, de 31 de dezembro (art. 73.º). Ainda no âmbito das relações com os clientes, as instituições de crédito devem proceder, designadamente, com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados (art. 74.º), devendo a diligência aferir-se como a de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, tendo em conta o interesse, nomeadamente, dos investidores (art. 76.º).

Assentando a atividade financeira no valor da confiança, tornou-se essencial a consagração de tais regras de conduta e a sua observância escrupulosa, de modo a garantir, eficazmente, a sua função social e económica, garantindo, designadamente os depósitos.

Como se viu, já depois da celebração do contrato de locação financeira, foi permitido, à Recorrida, o penhor de certas aplicações financeiras, no valor de € 500 000,00.

Dada, porém, a instabilidade do mercado financeiro, em particular no ano da deflagração da grande crise financeira mundial, ambas as partes foram acompanhando a evolução dos mercados, de modo a salvaguardar o valor das aplicações financeiras e, eventualmente, a substituí-las por outra aplicação alternativa, mantendo a garantia. Até que, em 22 de setembro de 2008, a Recorrida, com a agudização da situação negativa dos mercados financeiros, decidiu pedir o imediato resgate das aplicações financeiras, com o que o Recorrente concordou, e que aquela formalizou através do documento de fls. 83, com a data de 23 de setembro de 2008.

No entanto, isso implicava, reconhecidamente, a alteração do penhor, tanto no seu objeto como no seu valor, aceite pelos interessados, tendo a Recorrida entregue as minutas aprovadas e assinadas em 28 de novembro de 2008.

Só depois desta data, acordadas formalmente as alterações ao penhor, o Recorrente, satisfazendo as exigências da boa fé, decorrentes da aceitação do resgate das aplicações financeiras, estava obrigado a proceder ao resgate e a impedir a desvalorização, que se vinha verificando, intensamente, desde há algum tempo.

Nestas circunstâncias, é irrelevante que o pedido de resgate tivesse sido anterior a 28 de novembro de 2008.

Decorre da materialidade dos autos que o Recorrente procedeu apenas ao resgate das aplicações financeiras no dia 6 de fevereiro de 2009, pelo valor de € 421 696,79.

Podendo embora o resgate ser exigível desde 28 de novembro de 2008, porém, o incumprimento dessa pretensão, ainda que traduzindo um ato ilícito, por violação do dever de diligência, não acarretou qualquer dano.

Com efeito, na data mais próxima de 28 de novembro de 2008, isto é, em 24 de novembro de 2008, o valor das aplicações financeiras era de € 418 378,78, enquanto na data do resgate era de € 421 696,79.

Assim, entre a data em que se devia ter procedido ao resgate e a data da sua concretização, as aplicações financeiras valorizaram € 3 318,79.

A desvalorização, ocorrida entre 22 de setembro de 2008, em que as aplicações financeiras, na data mais próxima (29 de setembro), tinham o valor de € 455 591,86, e 28 de novembro de 2008, sendo significativa, não releva, como se afirmou, uma vez que só a partir daquela última data, o Recorrente estava obrigado a resgatar as aplicações financeiras e a constituir um depósito a prazo, no valor de € 400 000,00, em substituição do penhor anterior.

Nestas condições, não se verificando qualquer dano na esfera jurídica da Recorrida, imputável ao Recorrente, pelo resgate tardio das aplicações financeiras, não existe responsabilidade civil e, consequentemente, não se constituiu a obrigação de indemnizar.

Sem dano, não há, pois, responsabilidade civil, porquanto os seus requisitos são de verificação cumulativa.


Nesta conformidade, justifica-se conceder a revista e absolver o Recorrente do pedido formulado na ação, represtinando a decisão da sentença.

  

2.4. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. Por força do caso julgado formado, não pode voltar a discutir-se a questão da substituição da parte passiva, para efeitos de legitimidade, decorrente da aplicação da medida de resolução do Banco de Portugal.

II. Face à obrigação de guarda e conservação dos bens empenhados, o credor pignoratício responde pelos danos resultantes da sua conduta, no caso dos bens perecerem ou se deteriorarem em consequência do incumprimento culposo de tal obrigação.

III. Podendo embora ser exigível o resgate, desde 28 de novembro de 2008, o incumprimento, ainda que traduzindo um ato ilícito, por violação do dever de diligência, não acarretou qualquer dano.

IV. Sem dano, no resgate tardio de aplicações financeiras, não há responsabilidade civil e, consequentemente, não se constitui qualquer obrigação de indemnizar.


2.5. A Recorrida, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Conceder a revista, revogando o acórdão recorrido, e, em consequência, absolver o Réu do pedido formulado na ação.


2) Condenar a Recorrida no pagamento das custas.


Lisboa, 9 de junho de 2016


Olindo Geraldes (Relator)

Pires da Rosa

Maria dos Prazeres Beleza