Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
78/1998.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
TRANSMISSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
CONSENTIMENTO DO TRABALHADOR
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/24/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : 1. Estando demonstrado que a cessão da exploração de parte do estabelecimento — efectuada de acordo com a orientação que se vem verificando nas grandes e médias empresas de transferirem parte das suas competências e funções para empresas especializadas que conseguem obter um melhor aproveitamento dos recursos e meios técnicos utilizados (outsourcing) —, incidiu sobre uma entidade económica que constituía anteriormente uma actividade acessória da empresa cedente, designada por gabinete de contabilidade, mas que estava, e continuou a estar, organizada de modo estável, com capacidade para prestar autonomamente serviços e gerar recursos, é aplicável o disposto no artigo 37.º, n.os 1 e 4, da LCT.
2. O consentimento por parte do trabalhador não é, nem face ao artigo 37.º da LCT, nem face ao disposto na Directiva n.º 77/187/CEE, requisito de validade ou sequer de eficácia da transmissão, bastando a transmissão de estabelecimento ou de parte deste ou a cessão da sua exploração para que se verifique a transmissão da posição contratual de empregador do cedente para o cessionário.
3. Não ofende os artigos 2.º e 53.º da Constituição, a concepção acima explicitada quanto ao conceito de «estabelecimento», se aplicado a parte do estabelecimento, e de que para a transmissão da posição da entidade patronal do cedente para o cessionário não é necessário o consentimento do trabalhador
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I
1. Em 23 de Fevereiro de 1998, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, emergente de contrato individual de trabalho contra BB, S. A., que, entretanto, alterou a sua denominação para BB – COMÉRCIO DE COMBUSTÍVEIS E LUBRIFICANTES, S. A., e, igualmente, contra CC, S. A., que alterou a sua denominação para CC, S. A., pedindo: (a) a declaração de nulidade ou, pelo menos, a anulação da sua pretendida «transmissão» da primeira para a segunda ré, determinando-se para todos os efeitos, designadamente os da manutenção de todos os direitos e regalias que integravam o seu contrato de trabalho com a primeira ré, continuando esta a ser a sua entidade patronal, com a consequente reintegração nas respectivas categoria e funções; (b) subsidiariamente, a condenação das duas rés a reconhecerem e respeitarem todos os direitos e regalias que tinha imediatamente antes de 28 de Fevereiro de 1997; (c) a condenação das rés na sanção compulsória de 5.000$00 diários, sendo 2.500$00 para o Estado e 2.500$00 para o autor, por cada dia que passe sem que seja dado integral cumprimento ao constante na alínea a).
Alegou, para tanto e em resumo, que foi admitido ao serviço da primeira ré, em 20 de Maio de 1987, e que, em Fevereiro de 1997, tinha a categoria profissional de escriturário de 2.ª e auferia a remuneração mensal de 182.300$00; sucede que, em 27 de Fevereiro de 1997, a primeira ré comunicou-lhe que, por força da realização da cessão de exploração do estabelecimento de serviços em que se integrava, a segunda ré assumiria a posição da primeira ré no contrato de trabalho, sendo certo que, no dia seguinte, a segunda ré lhe endereçou uma comunicação de teor semelhante; em 28 de Fevereiro de 1997, o autor manifestou por escrito a ambas as rés a sua discordância em relação à pretendida transmissão do seu contrato de trabalho, bem como que considerava que a primeira ré continuava a ser a sua entidade empregadora.
Aditou que «não houve qualquer “estabelecimento” que fosse transmitido, tal como exige o art. 37.º da LCT, muito menos houve qualquer transmissão global, e nem sequer de uma “unidade produtiva autónoma” com “organização específica”», não se verificando «qualquer transmissão da titularidade das instalações onde o A. e seus colegas prestavam serviço, as quais continuaram a ser da titularidade da 1.ª ré, como também não houve a transmissão de qualquer unidade jurídico-económica».
A primeira ré contestou, invocando a sua ilegitimidade quanto ao pedido subsidiário e a ineptidão da petição inicial, por contradição daquele pedido com a causa de pedir; mais alegou que ambas as rés dialogaram com todos os trabalhadores antes da celebração do contrato de exploração, designadamente com o autor, que o processo de transferência dos serviços em causa ocorreu em vários países, permitindo à BB concentrar-se nas actividades de extracção, refinação e venda de produtos petrolíferos, que o contrato do autor foi transferido para uma grande empresa, que o contrato de cessão de exploração visava a prestação de serviços de contabilidade geral, tesouraria, processamento de salários, contas correntes de clientes e controlo de crédito, compras e contas correntes de fornecedores e que, nesse contrato, foram identificadas as unidades de prestação de serviços que integravam o estabelecimento cuja exploração era cedida, as instalações onde operavam, o pessoal abrangido, os bens e o equipamento integrantes do estabelecimento, sendo que o artigo 37.º da LCT deve ser interpretado como incluindo a transferência de parte de um estabelecimento.
Também a segunda ré contestou, tendo invocado, nessa sede, que a primeira ré, no dia 28 de Fevereiro de 1997, lhe cedeu a exploração do estabelecimento de prestação de serviços de contabilidade geral, tesouraria, processamento de salários, contas correntes de clientes e contratos de créditos, compras e contas correntes de fornecedores e relatórios financeiros, nele se integrando as instalações, bens, equipamentos e trabalhadores a ele afectos, cessão de exploração que foi efectuada pelo período de sete anos, prorrogável por acordo das partes, e que, em consequência da referida cessão, foi-lhe transmitida a posição que decorria para a BB dos contratos de trabalho, sendo que o autor em nada ficou afectado pela mudança da entidade empregadora, pois continuou a desempenhar o mesmo tipo de tarefas que já exercia, mantendo todas as regalias que usufruía.
No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial invocada pela primeira ré, tendo esta agravado do decidido (fls. 268), e, relativamente à excepção de ilegitimidade deduzida pela mesma ré, relegou-se o respectivo conhecimento para a sentença a proferir.
Realizado julgamento, em que as partes acordaram sobre a matéria de facto provada, foi proferida sentença que decidiu absolver as rés, quer do pedido principal, quer do pedido subsidiário.
2. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, que o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.
É contra esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que o autor agora se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo das conclusões seguintes:
«1.º O art. 37.º da L.G.T. consagra um princípio supra-legal ou, pelo menos, contém uma norma imperativa absoluta e tem por escopo principal a defesa dos trabalhadores e a manutenção dos seus vínculos laborais face às vicissitudes da titularidade da empresa.
2.º Está, porém, hoje — na época da “fragmentação” das cadeias produtivas e da multiplicação das “exteriorizações” — transformado no seu contrário, constituindo-se até num instrumento por excelência da precarização da situação jurídica e dos direitos dos mesmos trabalhadores.
3.º Assim, de forma a que o citado art. 37.º da L.G.T. se mostre conforme os princípios e preceitos constitucionais da confiança nas relações jurídicas e da segurança no emprego (art.s 2.º e 53.º da C.R.P.), há desde logo que interpretá-lo e aplicá-lo de modo a que o conceito de “estabelecimento”, se aplicado a “partes” de empresa ou de estabelecimento, tenha os mesmos requisitos de autonomia e identidade organizacionais do todo.
4.º Ora, no caso sub judice, as actividades “transferidas” são precisamente as que não dispunham de qualquer capacidade de gestão e de decisão próprias, não tendo quaisquer poderes de planificação, de gestão de pessoal, de organização de equipes ou de definição de objectivos nem formação específica. Assim,
5.º Face ao art. 37.º da L.G.T., correctamente interpretado e aplicado, quer face às Directivas Comunitárias (7[7]/187/CEE, 98/50/CE e até a actualmente vigente 2001/23/CE), e face à matéria aqui dada como provada, é forçoso concluir que o conjunto de elementos transitados não tinha aptidão para integrar o conceito de “estabelecimento” a transmitir e antes consubstanciou uma mera transmissão de elementos desagregados. Por outro lado,
6.º Tem igualmente de se entender, face aos supracitados normativos legais e comunitários, bem como aos já referenciados preceitos e princípios constitucionais (em particular os art.s 2.º e 53.º da C.R.P.), que não é possível operar-se a cessão da posição contratual da entidade patronal, em caso de transmissão de estabelecimento, sem o consentimento da contra-parte, o trabalhador,
7.º Visto que o Trabalho e, por maioria de razão, o trabalhador não é uma mercadoria e não pode ser transferido de um empregador para outro sem o seu consentimento,
8.º Consentimento esse que — como resulta da matéria de facto provada — manifestamente não existiu na questão sub judice, tendo-se o A. expressa e formalmente oposto ao acto de transmissão logo que da sua verificação tomou conhecimento,
9.º Nem se pode entender que resulta tacitamente demonstrado de qualquer comportamento do trabalhador por conta de outrem que dele depende para subsistir, decorrente da execução do seu contrato e/ou do pagamento da respectiva retribuição e do usufruto das respectivas regalias sociais (assistência na doença ou acidente). Ora,
10.º As RR. não lograram demonstrar a existência de tal consentimento, sendo que era a elas que, nos termos do art. 342.º do Cód. Civil — e até por força do art. 13.º da C.R.P. e do art. 6.º da C.E.D.H. — não era ao A. que incumbia fazer a prova do facto negativo e da inexistência do necessário consentimento,
11.º Como não era ao A. que incumbia fazer prova — aliás, virtual e praticamente impossível — do facto negativo da inexistência de uma verdadeira transmissão de um verdadeiro estabelecimento.
12.º O art. 342.º do C.C., se for interpretado e aplicado no sentido de impor que, mesmo quando a prova de um dado facto se revela muito difícil ou até impossível para quem o invoca, o respectivo ónus não recai sobre a outra parte, padece de inconstitucionalidade material por violação do princípio constitucional da igualdade substancial, consagrado no art. 13.º da C.R.P. e do art. 6.º da C.E.D.H.
13.º E pelos fundamentos que antecedem também não tem qualquer fundamento o entendimento de que, de qualquer modo e até por via do art. 7.º da L.G.T. (que aliás contém apenas uma presunção, ilidível por prova em contrário), se teria entretanto formado um qualquer novo contrato de trabalho com a 2.ª Ré.
14.º Acresce que, conforme referido, o A. logo manifestou a sua oposição à pretendida transmissão de posição de Entidade Patronal (da 1.ª para a 2.ª R), assim que tomou conhecimento do acto formal de transmissão da titularidade do estabelecimento, e é esse o momento juridicamente relevante para o fazer (e não outro anterior, e perante a mera potencialidade da verificação do dito facto),
15.º Como é também evidente, e resulta quer do art. 37.º da LGT quer da Directiva Comunitária 71/187/CEE, a transmissão de estabelecimento apenas poderá fazer transmitir, do cedente para o adquirente, a posição integral de entidade empregadora nos contratos de trabalho dos trabalhadores ao serviço,
16.º Não podendo a situação jurídico-laboral destes, seja constituída há 30 décadas seja há 3 dias, ser minimamente afectada por tal transmissão,
17.º Os direitos e regalias relativos a pequeno-almoço gratuito, ao adiantamento por inteiro da retribuição em caso de baixa por doença e à disposição de um Posto Médico, de pleno acesso, no local de trabalho resultam de estipulações contratuais resultantes de proposta patronal e da sua aceitação expressa ou tácita por parte dos trabalhadores,
18.º Rigorosamente à mesma conclusão se chegando acaso se considerasse resultarem tais situações jurídicas activas de verdadeiros costumes, ou até de simples usos laborais resultantes de uma prática patronal universal e uniforme,
19.º Não podendo, por isso, de todo ser unilateralmente alteradas, reduzidas ou até extintas por parte do (novo) empregador,
20.º Assim sendo, manifesto que torna que o Acórdão ora recorrido mal decidiu ao julgar, como julgou, improcedentes os pedidos (principal e acessório) formulados pelo A. contra as duas RR.
21.º O art. 37.º da L.G.T., da forma como foi interpretado e aplicado no mesmo aresto recorrido, é violador não só das Directivas Comunitárias (71/187/CEE e 98/50/CE, e até da própria, actualmente vigente, 2001/23/CE) que, por força do art. 8.º da C.R.P., vigoram na Ordem Jurídica interna e prevalecem sobre todo o direito ordinário interno,
22.º E o art. 342.º do C.C., se interpretado e aplicado como o foi no Acórdão recorrido (ou seja, no sentido de que à parte económica e socialmente mais fraca caberá sempre fazer uma prova que para ela é praticamente impossível enquanto à contraparte, mais forte, seria bem mais fácil fazer a prova contrária), padece de óbvia inconstitucionalidade material, por violação agora dos art.s 13.º e 20.º da C.R.P. e do art. 6.º da C.E.D.H.»
Termina concluindo que «deve o presente recurso de revista ser julgado procedente, revogando-se em conformidade o Acórdão recorrido e decretando a procedência dos pedidos principal e acessório contra as RR».
Só a primeira ré contra-alegou, aduzindo, em síntese conclusiva, o seguinte:
«(A) Da doutrina e jurisprudência nacional e comunitária resulta o juízo de consistir o estabelecimento numa unidade produtiva autónoma, entendida como organização específica de meios materiais e humanos para o exercício de uma actividade, principal ou acessória.
(B) Por escritura pública celebrada a 28 de Fevereiro de 1997, a ora Recorrida cedeu à 2.ª Ré a prestação de serviços de contabilidade geral, tesouraria, processamento de salários, contas correntes de clientes e controlo de créditos, compras e contas correntes de fornecedores e relatórios financeiros.
(C) Dedicando-se a ora Recorrida à actividade de exploração e refinação de petróleo bruto e de comercialização de combustíveis, é notório que as unidades transferidas consistem numa unidade de negócio distinta.
(D) Ficou provado que as unidades de negócio cedidas respondiam perante chefias próprias, tendo todas elas uma chefia comum; que cada uma dessas unidades tinha funcionários especificamente afectados; e que cada uma dessas unidades dispunha de instalações, bens, equipamento e hardware próprios.
(E) Pressuposto, ainda, da noção de estabelecimento, é que este não perca a sua identidade económica pelo facto de ter sido transmitido; sendo certo que o estabelecimento conserva a sua identidade quando, não obstante ter sido transmitido, a respectiva actividade continua ininterruptamente.
(F) Da matéria de facto provada resulta que: as actividades exercidas pelas unidades de prestação de serviços objecto do acordo de cessão de exploração eram as mesmas antes e depois da celebração do acordo; após a data da transmissão, essas unidades continuaram a prestar os mesmos serviços, sem interrupção, com o pessoal transferido, os bens, equipamento e hardware objecto da cessão; o seu destaque não afectou a actividade da ora Recorrida; a 2.ª Ré presta à ora Recorrida, ininterruptamente desde a data da cessão de exploração, exactamente os mesmos serviços, cobrando-os; e que a autonomia produtiva da actividade em causa permitiu a venda da 2.ª Ré à ….
(G) Por assim ser, e sem margem para dúvida, as unidades de negócio transmitidas eram dotadas das seguintes características: especificidade funcional; autonomia produtiva; cindibilidade; transmissibilidade.
(H) E por assim ser, as unidades de negócio objecto da cessão de exploração constituíam um verdadeiro e próprio estabelecimento.
(I) Esse estabelecimento foi transmitido, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 37.º da LCT, em particular do disposto nos seus n.os 1 e 4.
(J) A ratio do preceito é, a um tempo, conferir estabilidade e segurança ao emprego dos que prestavam a sua actividade laboral no estabelecimento objecto de transmissão, garantindo a continuidade dos contratos de trabalho; e atender aos interesses empresariais corporizados no estabelecimento, assegurando a continuidade da actividade exercida.
(K) O alcance que se pode retirar da interpretação que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem vindo a fazer, a este propósito, é de que não são contrárias, ao espírito e ao texto da Directiva comunitária, legislações nacionais que concedam ao trabalhador o direito de recusar a transferência; sendo certo que a Directiva não consagra, e muito menos impõe, a possibilidade de oposição.
(L) A norma do artigo 37.º da LCT configura a transmissão de entidade empregadora, nos contratos de trabalho, ope legis por efeito da transmissão do estabelecimento, sem necessidade de qualquer acordo ou consentimento do trabalhador.
(M) O consentimento não é nem face à LCT (artigo 37.º), nem face ao disposto na Directiva n.º 77/187/CEE requisito de validade ou sequer de eficácia da transmissão, bastando a transmissão de estabelecimento ou de parte deste ou a cessão da sua exploração para que se verifique a transmissão da posição contratual de empregador do cedente para o cessionário, conforme entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência.
(N) De igual forma, em face do art. 37.º da LCT (como subsequentemente em face do artigo 318.º do Código do Trabalho de 2003 e, actualmente, do artigo 285.º do Código do Trabalho de 2009) dos trabalhadores cujo estabelecimento é transmitido não se requer consentimento, nem aos mesmos assiste o direito de recusa da transmissão.
(O) O alcance da interpretação que o TJCE tem vindo a fazer, a este propósito, é tão só o de que não são contrários ao espírito e ao texto da Directiva legislações nacionais que, não obstante a imperatividade de transmissão dos contratos de trabalho concomitante (com a transmissão do estabelecimento), concedam ao trabalhador o direito de recusar a transferência (o que não é o caso da legislação portuguesa).
(P) Na interpretação e aplicação do disposto no artigo 37.º da LCT (como subsequentemente em face do artigo 318.º do Código do Trabalho de 2003 e, actualmente, do artigo 285.º do Código do Trabalho de 2009) deverá considerar a presença de uma dupla tutela de interesses: por um lado, os interesses dos trabalhadores e por outro os interesses de gestão do empregador.
(Q) E isso será particularmente assim, com relevância para o caso dos autos, na ausência de qualquer circunstância ou fundamento atendível para essa recusa ou oposição que pudesse justificar o eventual sacrifício dos interesses empresariais que justificam a transmissão operada.
(R) Resulta da matéria de facto provada que o Recorrente, operada a transmissão, prosseguiu, sem interrupções, o exercício das respectivas funções; assinou uma declaração de vínculo à 2.ª Ré para efeitos da segurança social e a informação bancária necessária ao processamento, por esta, do seu salário.
(S) Acrescendo ainda — mesmo que se perfilhasse entendimento diverso quanto à relevância de uma eventual oposição fundamentada, no que não se concede — que a mesma, para permitir impedir o efeito de transmissão da posição de empregador que resultou do contrato de cessão de exploração dos autos, celebrado por escritura de 28 de Fevereiro de 1997, sempre teria de ter sido comunicada em momento anterior pelo Recorrente, o que não resulta da factualidade provada in casu.
(T) Da factualidade provada não resulta qualquer oposição do Recorrente à mesma, apesar das RR. terem fornecido informações com antecedência e detalhe que sempre imporiam que o tivesse feito antes de efectuada a escritura de cessão de exploração.
(U) Face ao n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, a prova (do facto positivo) de que teria havido comunicação de oposição antes da escritura de 28 de Fevereiro de 1997 — enquanto facto pretensamente impeditivo da transmissão — cabia ao Recorrente.
(V) Em qualquer caso, consistindo as unidades de negócio objecto da cessão de exploração num verdadeiro e próprio estabelecimento, cuja transmissão se deve ter por legal, em face do disposto na Constituição, no art. 37.º da LCT e na Directiva comunitária na matéria, como claramente resulta do douto Acórdão recorrido e como bem havia já sustentado a douta sentença de 1.ª instância, é válida a transmissão, para a 2.ª Ré, do contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e a ora Recorrida.
(W) A pretensa inconstitucionalidade material do art. 342.º do C.C. por alegada violação do disposto no art. 13.º da C.R.P. e no art. 6.º da C.E.D.H., não tem qualquer enquadramento no caso uma vez que a decisão foi proferida com base em factualidade efectivamente provada nos autos e, portanto, sem que tivesse sido necessário recorrer às regras de distribuição do onus probandi contidas no artigo 342.º do Código Civil.
(X) No caso da ora Recorrida, sempre seriam de improceder os pedidos subsidiários do A. ora Recorrente, face ao disposto no próprio artigo 37.º da LCT e aos princípios gerais das obrigações, dado que os pretensos direitos e regalias reclamados pelo mesmo referem-se a um momento posterior à cessão de exploração.»
Termos em que sustenta a confirmação do julgado no acórdão recorrido.
Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que a revista devia ser negada, parecer que, notificado às partes, suscitou resposta do autor para discordar daquela posição.
3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar:
Se a norma do artigo 342.º do Código Civil, tal como, alegadamente, o aresto recorrido a interpretou e aplicou, padece de inconstitucionalidade material (conclusões 10.ª, na parte atinente, 11.ª, 12.ª e 22.ª da alegação do recurso de revista);
– Se, no caso, ocorreu uma transmissão da exploração de estabelecimento relevante para efeitos de aplicação do artigo 37.º do regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, doravante LCT (conclusões 1.ª a 5.ª, 20.ª e 21.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista);
Se a transferência da posição contratual de empregador depende, em caso de transmissão da exploração do estabelecimento, do consentimento do trabalhador (conclusões 6.ª a 10.ª, na parte atinente, 14.ª, 20.ª e 21.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista);
Se, mesmo por via do previsto no artigo 7.º da LCT, não se teria formado um novo contrato de trabalho com a segunda ré (conclusão 13.ª da alegação do recurso de revista);
Se no âmbito da relação contratual transmitida se incluíram todos os direitos auferidos pelo autor ao serviço da primeira ré (conclusões 15.ª a 19.ª e 20.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista).
Estando em causa a transmissão da exploração de um estabelecimento que ocorreu em 1 de Março de 1997, portanto, em data anterior à vigência do Código do Trabalho, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), e atendendo ao disposto nos artigos 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT), bem como o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT).
Corridos os «vistos», cumpre decidir.
II
1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:
1) O A. entrou ao serviço da 1.ª R. em 20/5/87, desde então tendo trabalhado sob as suas ordens, direcção e fiscalização;
2) Em Fevereiro de 1997, tinha a categoria profissional de Escriturário de 2.ª;
3) E auferia a remuneração de Esc. 182.300$00 mensais;
4) No dia 27/2/97, foi entregue pela 1.ª R. ao A. uma comunicação do respectivo Administrador, nos termos da qual este comunicava que, por força da realização de uma escritura pública de cessão de exploração do estabelecimento de serviços em que aquele se integrava, a 2.ª R. assumiria a posição da 1.ª R. no contrato de trabalho;
5) Em 97.2.28, a 2.ª R. enviou ao A. a comunicação constante do escrito de fls. 16. Em 97.2.28, o A. remeteu à R. BB e à R. CC os escritos de fls. 17 e 18;
6) A partir de 97.3.1, a R. CC assumiu a qualidade de entidade patronal do A., passou a pagar-lhe as retribuições e enquanto tal passou a efectuar os descontos devidos à Segurança Social;
7) Em 97.3.14, a R. CC remeteu ao A. o escrito de fls. 32;
8) Toda esta cessão da posição contratual da entidade patronal foi efectuada por ambas as RR. sem o consentimento e contra a vontade do A.;
9) Não foi afixado qualquer aviso nos locais de trabalho no qual se desse conhecimento aos trabalhadores que deveriam reclamar os seus créditos;
10) Após ter, durante um curto período de tempo, continuado a prestar actividade no seu local habitual de trabalho (na Praça …, na sede na … R.), em 13 de Maio de 1997, foi pela 2.ª R. ordenado que o A. passasse a exercer actividade nas instalações da 2.ª R. sitas nas …, … – ….º piso;
11) No negócio celebrado entre as RR. ficou estabelecido um prazo de duração inicial de 7 anos;
12) Já em 1/12/96 se verificou a consumação da “joint-venture” com a DD, a qual a própria 1.ª R. qualificou de “uma complexa arquitectura jurídica na qual se inclui a cessão de exploração do estabelecimento de lubrificantes da BB à DD e a cessão de exploração dos estabelecimentos de combustíveis e de serviços da DD à BB”;
13) Para dar sequência ao acordo entre si estipulado, a BB Portuguesa, S.A., e a CC, S.A., celebraram, por escritura de 97.02.28, o contrato de fls. 122 a 133 dos autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido;
14) O A. exercia a sua actividade no serviço de apoio à facturação da R. BB Portuguesa, S.A., à data da celebração da escritura em 97.02.28;
15) A R. CC Processos, S.A., remeteu ao A. o escrito de fls. 86 e 87;
16) O vencimento mensal do A., que era, em Março de 1997, de Esc. 182.300$00 passou, a partir de Setembro desse ano, a ser de Esc. 193.800$00. A este vencimento acresce o subsídio de alimentação de Esc. 1.500$00 diários, o que em média perfaz mais Esc. 30.000$00 mensais;
17) Ao A. e aos restantes trabalhadores abrangidos pela cessão foi dado conhecimento dos objectivos da mesma e, bem assim, os serviços incluídos, os empregados abrangidos e, mais próximo da transferência, o carácter temporário da cessão;
18) Antes da transferência, a R. BB disponibilizou-se através do administrador com o pelouro de pessoal e do director de pessoal para realizar reuniões individuais com cada um dos empregados abrangidos pela transferência, tendo realizado entrevistas individuais com todos os empregados que quiseram corresponder [à]quela disponibilidade;
19) A CC Processos é uma sociedade totalmente detida pela CC Consulting (Portugal), S.A., empresa integrada na CC Consulting;
20) A CC Consulting é uma das maiores empresas de consultadoria e prestação de serviços do mundo;
21) A CC Consulting exerce a sua actividade em Portugal através da CC Processos;
22) As unidades de prestação de serviços de tesouraria, contas correntes de clientes e controlo de créditos, compras e contas correntes de fornecedores e relatórios financeiros respondiam perante uma chefia directa própria;
23) As unidades de serviços de contabilidade e de processamento de salários respondiam perante outra chefia directa própria;
24) Cada uma das unidades de prestação de serviços tinha funcionários especificamente afectados;
25) Dispunham tais unidades de “hardware” próprio;
26) Dispunham de instalações próprias e de instrumentos de trabalho próprios, nos termos da lista que constitui o anexo 2 da escritura da cessão de exploração junta a fls. 122 a 13[3];
27) O estabelecimento cedido foi destacado da BB Portuguesa sem que tal afectasse a actividade da empresa no seu todo;
28) A R. CC Processos paga à R. BB Portuguesa uma retribuição pela cessão de exploração do estabelecimento;
29) Em contrapartida, presta à BB Portuguesa os serviços de contabilidade, tesouraria, processamento de salários, contas correntes de clientes e controlo de créditos, compras e contas correntes de fornecedores e elaboração de relatórios financeiros;
30) Cobrando à BB Portuguesa esses serviços, no quadro do contrato de prestação de serviços celebrado entre ambas as empresas;
31) A BB Portuguesa é hoje cliente do estabelecimento de prestação de serviços da CC Processos;
32) Após a celebração do negócio de 97.02.28, o qual produziu efeitos a partir de 97.03.01, o estabelecimento prosseguiu a sua actividade sem interrupção;
33) Prestando, como antes, os serviços em causa à Ré BB Portuguesa;
34) Os bens e equipamento que integravam o estabelecimento, descritos na listagem anexa à escritura pública de cessão de exploração, passaram a ser explorados pela Ré CC Processos, a partir de 1 de Março de 1997;
35) Em 1 de Março de 1997, o estabelecimento continuou a exercer a sua actividade nas mesmas instalações em que exercia anteriormente;
36) Posteriormente, a Ré BB Portuguesa vendeu o imóvel onde estava instalada a sua sede, na Praça …, em Lisboa;
37) Todos os seus serviços mudaram de instalações;
38) O estabelecimento cedido à CC Processos teve também de mudar de instalações;
39) Os serviços prestados nas novas instalações continuaram a ser os mesmos;
40) As pessoas afectas a esses serviços, incluindo o Autor, também continuaram a ser as mesmas;
41) Os bens e equipamentos que haviam sido transferidos para a Ré CC Processos com o contrato de 97.02.28 continuaram a ser explorados pela referida Ré;
42) A parceria ou associação de empresas entre a DD e a BB teve lugar em todos os países da Europa e na Turquia;
43) A BB decidiu deixar de explorar, em todos estes países, parte das actividades administrativas de apoio à gestão, vulgarmente designadas por gabinete de contabilidade, nomeadamente as de contabilidade, tesouraria, processamento de salários, manutenção de contas correntes de clientes e controlo de créditos, compras gerais e actualização de contas correntes de fornecedores;
44) Em Portugal, Países nórdicos, Reino Unido, França, Espanha, Grécia e Turquia, a BB decidiu que estes serviços seriam prestados às suas subsidiárias em cada país pela CC Consulting ou suas subsidiárias;
45) Este valor do subsídio de alimentação corresponde ao que é pago na BB Portuguesa, S.A., quando os trabalhadores não dispõem de cantina no local de trabalho;
46) A 2.ª Ré manteve a atribuição do mesmo seguro de saúde …, que já abrangia os trabalhadores transferidos;
47) A CC Processos, S.A., nunca recusou ao Autor, nem a qualquer outro seu empregado, a possibilidade de se deslocar a tal posto médico e a utilizar os serviços ali prestados;
48) Em relação ao direito à utilização de refeitório, foi substituído pela atribuição do subsídio de almoço de Esc. 1.500$00 diários, montante igual ao pago pela BB;
49) A cessão de exploração, conforme consta do documento anexo à respectiva escritura notarial, abrangeu 19 trabalhadores, dos quais nove efectivos e dez com contratos de trabalho a termo;
50) No dia 28 FEV 97, as 1.ª e 2.ª RR celebraram o acordo constante da escritura pública de fls. 112 a 122 [deve ler-se «fls. 122 a 133»], denominado “cessão de exploração”, nos termos do qual, designadamente a 1.ª R. cedeu à 2.ª R., a exploração do estabelecimento de prestação de serviços de contabilidade geral, tesouraria, processamento de salários, contas correntes de clientes, e controlo de créditos, compras e contas correntes de fornecedores e relatórios financeiros;
51) O destaque das actividades exercidas pelas unidades de serviço objecto de cessão de exploração não afectou a actividade da BB;
52) As RR comunicaram aos trabalhadores que o objectivo da decisão referida na resposta ao artigo 35.º correspondente ao facto provado 27) era o de que cada actividade específica passasse a ser desempenhada por empresas especializadas e melhor preparadas para essas funções;
53) As RR. deram conhecimento aos trabalhadores da decisão numa primeira reunião realizada em Dezembro de 1996, tendo havido, no início de 1997, uma outra reunião conjunta entre representantes das duas RR. e os trabalhadores;
54) O A. assinou os doc.s de fls. 24 e 26, denominados “declaração de vínculo à entidade patronal e informação bancária”;
55) Em anexo à carta enviada pela 2.ª R. ao A., em 14 de Março de 1997, a 2.ª R. enviou ao A. o documento denominado termos e condições, junto aos autos a fls. 86 e 87;
56) O A. confirmou a exactidão dos dados constantes do quesito anterior;
57) Depois de 1 de Março de 1997, o A. e os restantes trabalhadores incluídos no acordo referido na resposta ao artigo 97.º (correspondente ao facto provado 34), continuaram a prestar serviço no mesmo local em que anteriormente o faziam;
58) A ocupação dessas instalações pela 2.ª R. foi feita a título precário, conforme consta do documento anexo ao acordo referido em 97.º (correspondente ao facto provado 34);
59) O vencimento do A. passou a ser, em Setembro de 1997, de Esc. 193.800$00, acrescido de 1.500$00 diários de subsídio de almoço;
60) A BB e a DD, são empresas que a nível mundial exercem a actividade de exploração e refinação de petróleo bruto e comercialização de combustíveis e lubrificantes, sendo a sua actividade exercida em Portugal através de duas sociedades portuguesas, a BB Portugal, S.A., e a DD Portuguesa, S.A.;
61) A 2.ª R. foi constituída em 1996, pela então CC Consulting, S.A., e tem como objecto, designadamente, a gestão de processos de negócio;
62) Sem prejuízo do referido nas respostas aos artigos 7.º, 8.º e 114.º (correspondentes, respectivamente, aos factos provados 3, 4 e 51), as dimensões económicas e empresariais da BB e da CC Processos, eram muito diferentes sendo a da R. BB muito superior;
63) Após o acordo referido na resposta a artigo 97.º (correspondente ao facto provado 34), a 1.ª R. concedeu aos seus empregados em situação equivalente ao A., uma comparticipação de 8.250$00 mensais para estacionamento e um bónus extraordinário de 200.000$00, o que não sucedeu na 2.ª R.;
64) As unidades de prestações de serviço referidas na resposta aos artigos 12.º e 13.º (correspondentes, respectivamente, aos factos provados 6 e 7) respondiam, no âmbito da 1.ª R., perante uma chefia comum;
65) O destaque das actividades exercidas pelas unidades de serviço objecto do acordo de cessão processou-se sem que tivesse ocorrido qualquer interrupção na prestação da actividade [por lapso manifesto, a sequência dos factos provados passa de 65) para 67)];
67) As unidades de serviço referidas na resposta ao artigo 97.º (correspondente ao facto provado 34) respondem, no âmbito da 2.ª Ré, perante uma chefia única e própria;
68) Em Setembro de 2000, a CC Consulting vendeu a totalidade das acções de que era titular no capital da 2.ª Ré, correspondente à totalidade do mesmo, à sociedade …, a qual é, também, uma das maiores empresas de consultadoria e de prestação de serviços do mundo;
69) A 2.ª Ré tem hoje mais de cem trabalhadores ao seu serviço, e alguns trabalhadores que se encontravam com contratos a termo certo na BB, ou com contratos com empresas de trabalho temporário, vieram a celebrar contratos sem termo com a 2.ª Ré;
70) Naquela data de Setembro de 2000, e actualmente, a 1.ª Ré, continua a ser cliente da 2.ª Ré, continuando esta a prestar-lhe os mesmos serviços;
71) Após a celebração do contrato celebrado em 28.FEV.97, a 2.ª Ré não manteve a prática anteriormente seguida pela 1.ª Ré de, em caso de baixa por doença por parte de um empregado, continuar a proceder ao pagamento do vencimento por inteiro, sendo posteriormente reembolsada dos valores que viessem a serem pagos pela Segurança Social, mas, quando isso lhe foi solicitado, disponibilizou-se para, de imediato, proceder ao adiantamento das quantias respectivas, o que fez em alguns casos [por lapso manifesto, na sequência dos factos provados repete-se o n.º 71];
71-[A]) A partir da mesma data, os referidos trabalhadores deixaram de dispor do posto médico de medicina no trabalho existente nos edifícios da BB e da DD, mas a 2.ª Ré, não se opôs a que os trabalhadores se deslocassem a esses postos médicos;
72) Quando um funcionário em situação igual à d[o] A. pretendeu deslocar--se ao posto médico, contactou com a responsável do serviço de pessoal da 2.ª Ré, tendo esta falado com o director de pessoal da BB, Dr. …, o qual informou poder fazer essa deslocação a título excepcional, e que iria ser elaborado um protocolo de acesso aos postos médicos;
73) Nas novas instalações da 2.ª ré, existem máquinas de distribuição gratuita de chá, café e águas e outras para venda de sanduíches e bolos. Na BB, passou a haver pequeno-almoço gratuito a partir de 1 de Dezembro de 1996, sendo que o lanche era a preço de custo;
74) Nas 1.ª e 2.ª RR. são diferentes as orientações internas de divulgação de politicas salariais, de atribuição de bónus e de comunicação de objectivos.
O recorrente alega que as rés não lograram provar que ele tivesse consentido na transmissão do seu contrato de trabalho, «sendo que era a elas que, nos termos do art. 342.º do Cód. Civil — e até por força do art. 13.º da C.R.P. e do art. 6.º da C.E.D.H. — não era ao A. que incumbia fazer a prova do facto negativo e da inexistência do necessário consentimento», «[c]omo não era ao A. que incumbia fazer prova — aliás, virtual e praticamente impossível — do facto negativo da inexistência de uma verdadeira transmissão de um verdadeiro estabelecimento», sendo que «o art. 342.º do C.C., se interpretado e aplicado como o foi no Acórdão recorrido (ou seja, no sentido de que à parte económica e socialmente mais fraca caberá sempre fazer uma prova que para ela é praticamente impossível enquanto à contra parte, mais forte, seria bem mais fácil fazer a prova contrária), padece de óbvia inconstitucionalidade material, por violação agora dos art.s 13.º e 20.º da C.R.P. e do art. 6.º da C.E.D.H.».
Portanto, o recorrente não questiona a conformidade constitucional daquele artigo 342.º em si mesmo, mas apenas numa sua específica dimensão normativa.
A dimensão impugnada do sobredito artigo cinge-se àquela segundo a qual, «mesmo quando a prova de um dado facto se revela muito difícil ou até impossível para quem o invoca, o respectivo ónus não recai sobre a outra parte» ou, numa outra formulação também adoptada, «no sentido de que à parte económica e socialmente mais fraca caberá sempre fazer uma prova que para ela é praticamente impossível enquanto à contraparte, mais forte, seria bem mais fácil fazer a prova contrária».
O citado artigo 342.º, sob a epígrafe «Ónus da prova», dispõe que «[à]quele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (n.º 1), competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado «àquele contra quem a invocação é feita» (n.º 2), e, em caso de dúvida, «os factos devem ser considerados como constitutivos do direito» (n.º 3).
E os invocados artigos 13.º e 20.º da Constituição estabelecem:
«Artigo 13.º
(Princípio da igualdade)
1 – Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2 – Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação social.
«Artigo 20.º
(Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva)
1 – A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2 – Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3 – A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
4 – Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5 – Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.»
Enfim, o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no que ora importa, preceitua:
«Artigo 6.º
(Direito a um processo equitativo)
1 – Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
2 – …………………………………………………………………………..
3 – ………………………………………………………………………….»
No caso, pedindo o recorrente a declaração de nulidade ou, pelo menos, a anulação da transmissão do estabelecimento da primeira para a segunda ré e que fosse determinado para todos os devidos e legais efeitos, designadamente os da manutenção de todos os direitos e regalias que integravam o seu contrato de trabalho com a primeira ré, que esta continuava a ser a sua entidade patronal, com a consequente reintegração nas respectivas categoria e funções, incumbia-lhe a alegação e prova dos factos constitutivos dessas suas pretensões.
É que aquele que invoca determinado direito tem de provar os factos que o integram, cabendo à parte contrária provar os factos que excluem ou impedem o direito invocado, sendo que, em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito (artigo 342, n.os 1 a 3, do Código Civil).
Tais regras densificam o núcleo essencial da repartição do ónus da prova, e nenhuma inconstitucionalidade se divisa, em abstracto, nas normas do aludido artigo, independentemente da sua particularização quanto a determinado direito.
A questão está, pois, em saber se a interpretação e aplicação das normas do artigo 342.º do Código Civil, alegadamente operadas no aresto recorrido, apontam no sentido de que, «mesmo quando a prova de um dado facto se revela muito difícil ou até impossível para quem o invoca, o respectivo ónus não recai sobre a outra parte».
É este o sentido normativo cuja constitucionalidade vem impugnada.
O certo, porém, é que a decisão recorrida, não teve por base, nem explícita, nem implicitamente, a aplicação das normas do referido artigo 342.º com o sentido normativo que o recorrente considera ofensivo daqueles sobreditos princípios, sendo que, tal como se afirma no acórdão recorrido, um tal sentido «não se enquadra no caso, dado que a sentença recorrida foi proferida com base na factualidade provada (que o foi por acordo das partes), sem que tivesse sido necessário recorrer às regras de distribuição do ónus de prova».
Improcedem, nesta conformidade, as conclusões 10.ª, na parte atinente, 11.ª, 12.ª e 22.ª da alegação do recurso de revista.
Será, pois, com base no acervo factual anteriormente enunciado que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.
2. O recorrente defende que, no caso vertente, «as actividades “transferidas” são precisamente as que não dispunham de qualquer capacidade de gestão e de decisão próprias, não tendo quaisquer poderes de planificação, de gestão de pessoal, de organização de equipes ou de definição de objectivos nem formação específica. Assim, face ao art. 37.º da L.G.T., correctamente interpretado e aplicado, quer face às Directivas Comunitárias (77/187/CEE, 98/50/CE e até a actualmente vigente 2001/23/CE), e face à matéria aqui dada como provada, é forçoso concluir que o conjunto de elementos transitados não tinha aptidão para integrar o conceito de “estabelecimento” a transmitir e antes consubstanciou uma mera transmissão de elementos desagregados.»
Esta questão é idêntica à que foi decidida por este Supremo Tribunal no acórdão de 27 de Maio de 2004 (Processo n.º 2467/03, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, com o n.º de documento SJ200405270024674), cuja orientação foi, entretanto, reafirmada pelos acórdãos deste Supremo Tribunal de 22 de Setembro de 2004 (Processo n.º 615/04, da 4.ª Secção), de 19 de Outubro de 2004 (Processo n.º 1788/03, da 4.ª Secção) e de 29 de Junho de 2005 (Processo n.º 164/05, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, com o n.º de documento SJ200506290001644), e que, relativamente à cessão, formalizada por escritura pública outorgada em 28 de Fevereiro de 1997 (vide fls. 122 a 133), pela primeira ré à segunda ré, da «exploração do estabelecimento de prestação de serviços de contabilidade geral, tesouraria, processamento de salários, contas correntes de clientes e controlo de créditos, compras e contas correntes de fornecedores e relatórios financeiros, instalado no segundo andar direito e sétimo andar direito, o primeiro pertencente à cedente e o segundo à DD Oil Portuguesa, L.da, respectivamente, dos prédios urbanos sitos em Lisboa, na Praça …, n.º .., […], e Rua …, n.os … a …», concluiu que tinha ocorrido uma transmissão de estabelecimento para efeitos do disposto no artigo 37.º, n.os 1 e 4, da LCT, com o fundamento de que o conjunto de bens e serviços cedido em exploração, pela primeira ré à segunda ré, constituía uma unidade produtiva autónoma, com organização específica, que, depois da cessão, manteve a sua identidade.
Escreveu-se no sobredito acórdão de 27 de Maio de 2004:
«[…], verifiquemos então se ocorreu no caso sub judice uma transmissão da exploração do estabelecimento, nos termos e para os efeitos previstos no art. 37.º do D.L. n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, visto este preceito à luz do direito comunitário.
No âmbito do direito nacional, o art. 37.º não refere o que deve entender-se por “transmissão”.
Todavia, os termos que usa para a ela aludir, explicitando que a transmissão se pode operar “por qualquer título” (n.º 1) e que o seu regime se aplica a “quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da exploração do estabelecimento” (n.º 4), demonstram que se pretendeu consagrar um conceito amplo de transmissão do estabelecimento nele se englobando todas as situações em que se verifique a passagem do complexo jurídico-económico em que o trabalho está empregado para outrem, seja a que título for(-).Nesta sequência, tem a jurisprudência entendido que se abarcam até os casos de transmissão ou cessão da exploração inválidos, na medida em que a destruição do negócio pelo qual o estabelecimento foi transmitido, ou passou a ser explorado por outrem a qualquer título, não obsta à eficácia dos contratos de trabalho com o transmissário relativamente ao tempo em que os mesmos foram executados(-).
De acordo com a jurisprudência do TJCE, o critério fundamental para a aplicação da directiva comunitária n.º 77/187 é o de saber se há uma entidade que desenvolve uma actividade económica de modo estável e se essa entidade, depois de mudar de titular (ainda que sem vínculo negocial entre o transmitente e o transmissário), manteve a sua identidade(-).
Determinar se a entidade económica subsiste, é tarefa que, como refere Júlio Vieira Gomes(-), “exige a ponderação, no caso concreto, de uma série de factores, entre os quais se contam o tipo de estabelecimento, a transmissão ou não de elementos do activo, tais como edifícios e bens corpóreos, mas também o valor dos elementos imateriais no momento da transmissão, a continuidade da clientela, a manutenção do pessoal (ou do essencial deste), o grau de semelhança entre a actividade exercida antes e depois e a duração de uma eventual interrupção da actividade”.
Há que apreciar, em concreto, o conjunto de circunstâncias de facto presentes no caso em análise e ponderar o peso relativo de cada uma delas, tendo em conta o tipo de actividade desenvolvido.
Deve salientar-se que os critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça mostram uma crescente independência face a critérios próprios do direito comercial, bem como a superação de uma perspectiva predominantemente material do estabelecimento (que atribui grande importância, por [exemplo], à transmissão de elementos do activo, designadamente bens patrimoniais que constituem o suporte do exercício de uma actividade) e que corresponde a uma visão clássica da empresa(-).
Vem-se contudo exigindo que a transferência deve ter por objecto uma entidade económica organizada de modo “estável”, ou seja, deve haver um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das actividades da empresa cedente.
Por outro lado, a simples transmissão parcial de um estabelecimento é relevante para efeitos de se afirmar a manutenção dos contratos de trabalho dos trabalhadores que laboravam na parte do estabelecimento cedida à data da transmissão.
Com efeito, embora o art. 37.º o não refira expressamente, temos no ordenamento jurídico nacional o art. 9.º do D.L. n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, que regula temporalmente a obrigação da entidade patronal cessionária observar o instrumento de regulamentação colectiva que vincula a entidade patronal cedente “em caso de cessão, total ou parcial, de uma empresa ou estabelecimento”.
Também já ensinava o Prof. Orlando de Carvalho(-) que por força do disposto no art. 37.º do D.L. n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, os trabalhadores de um estabelecimento como que “inerem” ou “aderem” a esse estabelecimento, entendido este como “organização afectada ao exercício de um comércio ou indústria” que pode até “compreender mais do que uma unidade técnica”.
Igualmente as directivas comunitárias, desde a directiva n.º 77/187/CEE, se reportam especificamente à manutenção dos direitos dos trabalhadores “em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos”.
Por isso no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2000.09.27 [Revista n.º 89/00, da 4.ª Secção] se decidiu — invocando-se já o critério amplo que a jurisprudência e a doutrina têm vindo a defender na sequência do entendimento do TJ face à directiva n.º 77/187/CEE para determinação de uma situação de transmissão de empresa —, que é necessário para tanto que se mantenha a identidade económica da empresa e a prossecução da respectiva actividade, mesmo que se verifique só a cessão de parte do estabelecimento.
No também já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 99.06.30 [in CJ, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Tomo I, p. 282] decidiu-se que uma parte da empresa com orçamento próprio, com um espaço próprio e utilização de equipamentos próprios e materiais apenas a ele afectos, tem de se considerar que tem um acentuado grau de autonomia, devendo entender-se como constituindo um estabelecimento próprio.
Por seu turno, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2002.10.30(-), considerou que por estabelecimento se deve entender “quer a organização afectada ao exercício de um comércio ou indústria, quer os “conjuntos subalternos”, que correspondem a uma unidade técnica de venda, de produção de bens, ou de fornecimento de serviços, desde que a unidade destacada do estabelecimento global seja dotada de uma autonomia técnico-organizativa própria, constituindo uma unidade produtiva autónoma, com organização específica”.
Finalmente, deve salientar-se que a directiva n.º 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março de 2001 (de publicação posterior à factualidade em análise nestes autos, mas que espelha a orientação anterior do TJ perante a directiva n.º 77/187), se refere expressamente, no seu art. 1.º, al. b)(-), que é considerada “transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória”.
Também no Código do Trabalho actualmente em vigor no nosso País, o art. 318.º prevê a transmissão da posição jurídica de empregador para o adquirente “em caso de transmissão por qualquer título, da titularidade da empresa ou estabelecimento, ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica (...)”.
Assentes os critérios que resultam do direito nacional e comunitário (e perante a interpretação que a jurisprudência deles vem fazendo) quanto à integração do conceito de estabelecimento, à noção da sua transmissão e quanto à possibilidade da sua transmissão parcial, entendemos coexistirem no caso sub judice vários indícios de que, após a escritura de “cessão de exploração” referida no ponto 5., há uma entidade económica que, embora tenha mudado de titular e constituísse anteriormente uma actividade acessória de um outro estabelecimento, manteve a sua identidade.
Com efeito, ficou provado que as RR. celebraram em 28 de Fevereiro de 1997 a escritura pública documentada a fls. 116 a 126 (ponto 5.) [na presente acção inserta a fls. 122-133].
Através desta, a primeira R. cedeu à segunda a exploração do estabelecimento de prestação de serviços de contabilidade geral, tesouraria, processamento de salários, contas correntes de clientes e controlo de créditos, compras e contas correntes de fornecedores e relatórios financeiros instalado nos 2.º e 7.º andares direitos do[s] prédio[s] sito[s] em Lisboa, na Praça …, n.º …[e Rua …, n.os …a …-E], nele se integrando as instalações, bens, equipamentos e trabalhadores a ele afectos, pelo período de 1 de Março de 1997 a 28 de Fevereiro de 2004, prorrogável.
Logo, em face do que foi convencionado entre as RR., não há dúvida de que a cessão de exploração incidiu sobre uma entidade económica organizada de modo estável e com valor de mercado.
Esta cessão inscreve-se na orientação que se vem verificando nas grandes e médias empresas de transferirem parte das suas competências e funções para empresas especializadas que, por serem especializadas e prestarem serviços a diversos clientes, conseguem obter um melhor aproveitamento dos recursos e meios técnicos utilizados — “outsourcing” — como se retira do facto de a [BB] ter decidido deixar de explorar em toda a Europa e na Turquia parte das actividades administrativas de apoio à gestão, que vulgarmente se designa por gabinete de contabilidade e que, em Portugal, Espanha, França, Grécia, Turquia, Reino Unido e Países Nórdicos, esses serviços seriam prestados às suas subsidiárias pela [CC Consulting] e suas subsidiárias em cada país (pontos 54 e 55), sendo que o objectivo desta decisão era o de obter um melhor aproveitamento de recursos e meio técnicos (ponto 56).
Por outro lado, esta entidade económica tem uma identidade própria, pois que as actividades exercidas pelas unidades de serviços objecto do acordo eram as mesmas antes e depois da celebração do acordo (ponto 83), no organograma da [BB] cada uma dessas actividades encontrava-se identificada e autonomizada (ponto 53), o seu destaque não afectou a actividade da [BB] e processou-se sem que tivesse ocorrido qualquer interrupção na prestação das actividades (ponto 83) e em ambas as RR. as unidades de prestação de serviços de tesouraria, contas correntes de clientes e controle de créditos, compras e contas correntes de fornecedores e relatórios financeiros e as unidades de contabilidade e de processamento de salários têm uma chefia única (vide os pontos 38, 39, 91, e 92), sendo que na 1.ª ré havia duas chefias que se reportavam a uma chefia comum (ponto 91) e na 2.ª ré há uma chefia única e própria (ponto 92).
Há ainda que salientar que a parte do estabelecimento que foi objecto da cessão de exploração tinha funcionários afectados, os quais dispunham de hardware e instrumentos de trabalho próprios, nos termos da lista de bens e equipamentos que figura em anexo à escritura de cessão de exploração junta (pontos 40 e 41), que depois de 1 de Março de 1997 o A, e os restantes trabalhadores incluídos no documento complementar anexo à escritura, continuaram a utilizar os bens e equipamento objecto da cessão e algum do “software” da primeira R. (pontos 45 e 76) e a prestar os mesmos serviços, no mesmo local em que anteriormente o faziam (pontos 33 e 50).
A este propósito cabe notar, como o faz o Prof. Júlio Vieira Gomes(-), que a manutenção de um conjunto de trabalhadores que executa de maneira duradoura uma actividade é um indício que tem um peso relativamente grande nas actividades e sectores económicos — designadamente na área dos serviços —, em que o que sobretudo importa é a mão de obra.
Nestes casos, é, em grande medida, esse complexo humano organizado que confere individualidade à empresa e a nova entidade patronal adquire, com efeito, um conjunto organizado de elementos que lhe permitem a prossecução, de modo estável, das actividades ou de partes das actividades da empresa cedente.
A importância deste indício varia em função do ramo de actividade e pode bastar-se com a continuidade de trabalhadores que ocupam postos chave em determinado estabelecimento ou parte de estabelecimento.
Isto não significa, como refere o citado Professor, que se reduza a actividade económica à mera actividade.
A sua identidade pode resultar de outros elementos (enquadramento dos trabalhadores, organização do trabalho, métodos, ou, sendo caso disso, os meios de exploração à sua disposição).
Não deixa contudo este critério de ter particular relevo nos casos em que os recursos humanos são mais importantes para a organização da actividade e, designadamente nos casos em que os operadores económicos não formalizam a transmissão da exploração. Nestas circunstâncias, a readmissão do essencial do pessoal pode ser suficiente para determinar a identidade da unidade económica. Com esta readmissão, o cessionário aproveita da organização montada pelo cedente, mantendo o estabelecimento a sua identidade, ainda que laborando em local diverso e com meios distintos dos primitivos.
Não tem assim qualquer relevância [a] alteração do local de trabalho do A., ocorrida quando, em 13 de Maio de 1997, a segunda R. instalou o pessoal e os bens e equipamento afectos a estes serviços nas instalações da sua sede na Torre … das .… (ponto …), atendendo a que a ocupação daquelas instalações pela 2.ª Ré foi feita a título precário conforme consta do documento anexo ao acordo referido no ponto 5. (ponto 34), a que em 1 de Março de 1997, o Autor continuou a exercer as suas funções nas mesmas instalações em que o fazia anteriormente, a que a própria [BB] veio a vender o imóvel onde estava instalada a sua sede na Praça …, em Lisboa, mudando de instalações todos os seus serviços, o que também aconteceu com as instalações cedidas à 2.ª Ré, tendo o Autor continuado a prestar à 2.ª Ré os mesmos serviços que anteriormente prestava (pontos 46 a 50), sendo certo que quando, em 13 de Maio de 1997, a 2.ª Ré ordenou ao Autor que passasse a exercer funções nas suas instalações na Torre .. das …, fê-lo igualmente em relação a todos os restantes colegas abrangidos pelo acordo referido no ponto 5 (ponto 81).
Finalmente, é inquestionável o valor económico desta entidade cuja exploração foi cedida e a manutenção, com estabilidade, das actividades pela mesma desenvolvidas, pois que a primeira R. é cliente da segunda R., prestando-lhe esta os serviços de contabilidade, tesouraria, processamento de salários, contas correntes de clientes e controlo de créditos, compras e contas correntes de fornecedores e elaboração de relatórios financeiros, cobrando à primeira R. esses serviços (ponto 33), sendo certo que a primeira R. continuou e continua a ser cliente da segunda R., continuando esta a prestar-lhe os mesmos serviços e a cobrá-los (pontos 5., 44., 54., 55. e 89.).
Daqui resulta a autonomia produtiva das unidades de prestação de serviços objecto do contrato de cessão de exploração, sendo evidente como assinala a recorrida, a capacidade da organização destacada de prestar serviços e de gerar recursos, sem dependência da empresa de que foi destacada.
Em conclusão, pode afirmar-se que ao serviço da primeira R. o A, desenvolvia as suas funções numa unidade do estabelecimento daquela com autonomia, identidade própria e valor económico, que houve transmissão da exploração e a concomitante manutenção da identidade económica relativamente ao que pode qualificar-se como estabelecimento de prestação de serviços de contabilidade geral, tesouraria, processamento de salários, contas correntes de clientes e controlo de créditos, compras e contas correntes de fornecedores e relatórios financeiros, estabelecimento este em que o A. exerceu as suas funções até 28 de Fevereiro de 1997 ao serviço da primeira R., e onde continuou a exercer as suas funções a partir de 1 de Março de 1997 ao serviço da segunda R., nada indiciando que, como alegou o A, as RR. tenham forjado uma pretensa cessão de exploração para fazerem uma cessão da posição contratual da entidade patronal sem o consentimento do trabalhador e em fraude à lei.
A segunda R. passou a explorar o complexo económico em que o A exercia a sua actividade, o qual se destacou como parte da empresa explorada pela primeira R., e o A continuou ao serviço da segunda R. em execução do contrato anteriormente celebrado, o que é suficiente para, em face do art. 37.º da L.C.T. e das regras comunitária[s], afirmar que aquele contrato subsistiu e que a segunda R. sucedeu na posição que a primeira ocupava no mesmo contrato.»
Sufragam-se, no essencial, as considerações transcritas, que têm perfeito cabimento no caso em apreciação, pelo que, perante a matéria de facto provada, não pode deixar de se concluir que se verificou a transmissão da exploração de parte do estabelecimento da primeira ré para a segunda ré, subsumível ao disposto no artigo 37.º, n.os 1 e 4, da LCT, pelo que a posição contratual que a primeira ré ocupava no contrato de trabalho do autor transmitiu-se ex lege para a segunda ré, na sequência do contrato de cessão da exploração da parte do estabelecimento em causa.
O recorrente sustenta, ainda, neste conspecto, que o artigo 37.º da LCT deve ser interpretado e aplicado «de modo a que o conceito de “estabelecimento”, se aplicado a “partes” de empresa ou de estabelecimento, tenha os mesmos requisitos de autonomia e identidade organizacionais do todo», para que se mostre conforme aos princípios e preceitos constitucionais da confiança nas relações jurídicas e da segurança no emprego (artigos 2.º e 53.º da Constituição).
Ora, tal como se decidiu no citado acórdão de 27 de Maio de 2004:
«[…] as actividades transferidas no caso sub judice dispunham de autonomia, identidade organizacional e valor económico, inferindo-se da factualidade apurada a sua aptidão para integrar o conceito de estabelecimento face ao disposto no art. 37.º da LCT e às directivas comunitárias, sendo certo que, quer aquele preceito, quer estas directivas têm como escopo essencial salvaguardar o direito à segurança no emprego inscrito nos direitos, liberdades e garantias do trabalhador e vertido no art. 53.º da CRP.
Este direito ficaria seriamente comprometido se, em caso de transmissão do estabelecimento ou cessão da sua exploração, o destino das relações de trabalho a ele respeitantes ficasse totalmente da vontade dos empresários e da livre iniciativa económica que se traduz num direito à criação de empresas e à sua gestão com total autonomia.
Por isso, logo a par da consagração da liberdade da iniciativa económica privada, o texto constitucional precisa que a mesma se exerce “nos quadros definidos pela Constituição e pela lei”, tendo aqui evidente destaque as exigências constitucionais em matéria de direitos dos trabalhadores e a norma legal imperativa constante do art. 37.º da LCT que visa salvaguardar das vicissitudes da titularidade da empresa os contratos de trabalho dos trabalhadores que nela laboram.
Interpretada esta norma nos termos em que o foi no presente aresto no que diz respeito à integração do conceito de “estabelecimento” — exigindo-se em concreto que o conjunto de elementos transitados constituísse uma entidade produtiva autónoma, com organização, gestão e direcção específicas e com aptidão para o exercício de uma actividade económica (e nele se incluindo, ao invés do alegado pelo recorrente, os meios informáticos e v.g. o software da [BB]) —, não vemos em que medida é afectado o direito à segurança no emprego previsto no art. 53.º da CRP e o próprio princípio da confiança nas relações jurídicas que se enquadra no princípio geral do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2.º da Lei Fundamental.»
Nesta conformidade, improcedem as conclusões 1.ª a 5.ª, 20.ª e 21.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista.
3. O recorrente alega, também, que, face ao disposto no artigo 37.º da LCT, «correctamente interpretado e aplicado, quer face às Directivas Comunitárias (77/187/CEE, 98/50/CE e até a actualmente vigente 2001/23/CE)», e, ainda, «aos já referenciados preceitos e princípios constitucionais (em particular os art.s 2.º e 53.º da C.R.P.), que não é possível operar-se a cessão da posição contratual da entidade patronal, em caso de transmissão de estabelecimento, sem o consentimento da contraparte, o trabalhador, visto que o trabalho e, por maioria de razão, o trabalhador não é uma mercadoria e não pode ser transferido de um empregador para outro sem o seu consentimento, consentimento esse que — como resulta da matéria de facto provada — manifestamente não existiu na questão sub judice, tendo-se o A. expressa e formalmente oposto ao acto de transmissão logo que da sua verificação tomou conhecimento, nem se pode entender que resulta tacitamente demonstrado de qualquer comportamento do trabalhador por conta de outrem que dele depende para subsistir, decorrente da execução do seu contrato e/ou do pagamento da respectiva retribuição e do usufruto das respectivas regalias sociais (assistência na doença ou acidente)», sendo certo que «[a]s RR. não lograram demonstrar a existência de tal consentimento», o que lhes competia, nos termos do artigo 342.º do Código Civil.
3.1. A este respeito, demonstrou-se que, «[n]o dia 27/2/97, foi entregue pela 1.ª R. ao A. uma comunicação do respectivo Administrador, nos termos da qual este comunicava que, por força da realização de uma escritura pública de cessão de exploração do estabelecimento de serviços em que aquele se integrava, a 2.ª R. assumiria a posição da 1.ª R. no contrato de trabalho», que «[e]m 97.2.28, a 2.ª R. enviou ao A. a comunicação constante do escrito de fls. 16», com semelhante teor e que, «[e]m 97.2.28, o A. remeteu à R. BB e à R. CC os escritos de fls. 17 e 18», em que afirmou não se encontrarem reunidos os pressupostos legais para essa pretendida mudança de posição patronal, relativamente à qual não dava consentimento, expresso ou tácito, considerando em consequência que a sua entidade patronal continuava a ser a primeira ré [factos provados 4) e 5)].
Refira-se, ainda, que «[a]o A. e aos restantes trabalhadores abrangidos pela cessão foi dado conhecimento dos objectivos da mesma e, bem assim, os serviços incluídos, os empregados abrangidos e, mais próximo da transferência, o carácter temporário da cessão», que «[a]ntes da transferência, a R. BB disponibilizou-se através do administrador com o pelouro de pessoal e do director de pessoal para realizar reuniões individuais com cada um dos empregados abrangidos pela transferência, tendo realizado entrevistas individuais com todos os empregados que quiseram corresponder [à]quela disponibilidade», que «[a]s RR comunicaram aos trabalhadores que o objectivo da decisão referida na resposta ao artigo 35.º correspondente ao facto provado 27) era o de que cada actividade específica passasse a ser desempenhada por empresas especializadas e melhor preparadas para essas funções» e que «[a]s RR. deram conhecimento aos trabalhadores da decisão numa primeira reunião realizada em Dezembro de 1996, tendo havido, no início de 1997, uma outra reunião conjunta entre representantes das duas RR. e os trabalhadores» [factos provados 17), 18), 52) e 53)].
Mais se provou que, «[p]ara dar sequência ao acordo entre si estipulado, a BB Portuguesa, S.A., e a CC, S.A., celebraram, por escritura de 97.02.28, o contrato de fls. 122 a 133 dos autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido», que «[a] partir de 97.3.1, a R. CC assumiu a qualidade de entidade patronal do A., passou a pagar-lhe as retribuições e enquanto tal passou a efectuar os descontos devidos à Segurança Social» e que «[t]oda esta cessão da posição contratual da entidade patronal foi efectuada por ambas as RR. sem o consentimento e contra a vontade do A.» [factos provados 6), 8), 13), 34) e 50)].
3.2. O artigo 37.º da LCT, fora dos casos onde se verificasse uma verdadeira cessão da posição contratual, que importasse a modificação subjectiva na titularidade da relação jurídica com o assentimento do trabalhador, nos termos dos artigos 424.º a 427.º do Código Civil, previa que, existindo uma transmissão do estabelecimento, ocorria uma sub-rogação ex lege (cf. MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Atlântida Editora, Coimbra, 1970, p. 90) ou, por outras palavras, uma «transferência da posição contratual [laboral] ope legis» (cf. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 1.ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, p. 682), que prescindia da aquiescência do trabalhador, e operava a transferência da relação jurídica emergente do seu contrato de trabalho para a esfera jurídica de uma nova entidade patronal, distinta daquela com quem o trabalhador iniciou a sua relação laboral.
Na verdade, o artigo 37.º da LCT dispunha:
«Artigo 37.º
(Transmissão do estabelecimento)
1. A posição que dos contratos de trabalho decorre para a entidade patronal transmite-se ao adquirente, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a sua actividade, salvo se, antes da transmissão, o contrato de trabalho houver deixado de vigorar nos termos legais, ou se tiver havido acordo entre o transmitente e o adquirente, no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele noutro estabelecimento sem prejuízo do disposto no artigo 24.º
2. O adquirente do estabelecimento é solidariamente responsável pelas obrigações do transmitente vencidas nos seis meses anteriores à transmissão, ainda que respeitem a trabalhadores cujos contratos hajam cessado, desde que reclamadas pelos interessados até o momento de transmissão.
3. Para efeito do n.º 2 deverá o adquirente, durante os quinze dias anteriores à transacção, fazer afixar um aviso nos locais de trabalho no qual se dê conhecimento aos trabalhadores que devem reclamar os seus créditos.
4. O disposto no presente artigo é aplicável, com as necessárias adaptações, a quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da exploração do estabelecimento.»
Portanto, no domínio de aplicação do artigo 37.º da LCT (e, no caso, assim sucede), a possibilidade de manutenção da relação laboral com o anterior empregador apenas se podia configurar se tivesse «havido acordo entre o transmitente e o adquirente, no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele noutro estabelecimento, sem prejuízo do disposto no artigo 24.º», o que, no caso vertente, não se demonstrou ter existido.
Tal como sublinha o acórdão sob recurso, «a legislação ordinária não prevê as consequências que decorrem para os trabalhadores que não queiram prosseguir a sua actividade na empresa adquirente; ou seja, a possibilidade de os trabalhadores poderem escolher permanecer ao serviço do transmitente não está contemplada na nossa lei que, por isso, não o permite. A transmissão automática do contrato de trabalho para o adquirente do estabelecimento defende a ligação do trabalhador ao seu posto de trabalho no âmbito da organização produtiva que já conhece e onde contínua a ser necessário, e defende a operacionalidade e a valorização das empresas independentemente da respectiva transmissão.»
E, doutro passo, conforme refere o citado acórdão de 27 de Maio de 2004:
«O art. 37.º da LCT, ao invés do que sucede com o aludido art. 424.º do CC, não exige uma manifestação positiva de vontade (consentimento) para a vinculação contratual, quer do cessionário do estabelecimento, quer do trabalhador, para que opere a sub-rogação legal no contrato de trabalho(-).
Basta o facto da cessão para que, ope legis, se verifique a transmissão da posição patronal no contrato de trabalho.
É também esta a solução que decorre da Directiva n.º 77/187/CEE [vigente à data].
Esta tem como objectivo geral acautelar as consequências sociais negativas que, numa lógica puramente económica, decorrem normalmente das reestruturações das empresas para os trabalhadores envolvidos.
Assim, consagra a manutenção perante o empregador das relações e condições de trabalho fixadas com o cedente nos casos de transmissão (entendida esta em sentido amplo, como resulta do art. 1.º, n.º 1) do estabelecimento onde os trabalhadores laboram.
De acordo com o art. 7.º da directiva, ela reveste-se de uma imperatividade relativa ou mínima, pois não prejudica a liberdade de o legislador nacional introduzir disposições mais favoráveis para o trabalhador.
Estabelece o art. 3.º, n.º 1 da directiva em análise que: “[o]s direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existente à data da transferência na acepção do n.º 1 do art. 1.º são, por esse facto, transferidos para o cessionário”.
Deste modo, sempre que o estabelecimento ou empresa em que os trabalhadores exerciam a sua actividade foi objecto, no todo ou em parte, de transmissão, fica assegurada a continuidade dos direitos e obrigações do contrato de trabalho em que eram parte aqueles trabalhadores(-).
Este efeito automático opera independentemente da manifestação de vontade nesse sentido dos sujeitos das relações contratuais em causa, já que, como decorre da própria letra da norma, constitui simples consequência do “facto” da transferência.
Prescinde-se assim do consentimento para a cessão, quer do cedente (primitiva entidade patronal), quer do cessionário (nova entidade patronal), quer do cedido (trabalhador).»
Portanto, a aludida Directiva não obriga os Estados-membros a assegurarem que o contrato seja mantido com o cedente e, doutra parte, embora a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tenha vindo a afirmar o direito de oposição do trabalhador à transferência do seu contrato de trabalho, deixa a cargo do legislador nacional definir as consequências do exercício desse direito de oposição.
3.3. E não se diga que ofende os princípios constitucionais da confiança nas relações jurídicas e da segurança no emprego, contemplados nos artigos 2.º e 53.º da Constituição, a concepção adoptada no acórdão recorrido de que para a transmissão da posição da entidade patronal da primeira ré para a segunda ré não é necessário o consentimento do trabalhador.
Aquele artigo 2.º, com o título «Estado de direito democrático», proclama que «[a] República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa».
Ora, não se vislumbra que o complexo normativo aplicado ofenda aquele preceito constitucional, na medida em que, como é sabido, o instituto da transmissão do estabelecimento visa uma dupla tutela de interesses: não só conferir estabilidade e segurança ao emprego dos que prestavam a sua actividade laboral no estabelecimento transmitido, garantindo a continuidade dos seus contratos de trabalho, mas também atender aos interesses empresariais corporizados no estabelecimento, assegurando a continuidade da actividade exercida.
Doutro passo, a Constituição, no artigo 53.º, garante aos trabalhadores «a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos».
Não se configurando, no caso, qualquer despedimento, não se pode, por esta via, concluir pela existência de ofensa a este preceito constitucional.
Quanto à segurança no emprego, considerando que a solução legalmente consagrada é a da transmissão automática do contrato de trabalho para o adquirente do estabelecimento, garantindo a ligação do trabalhador ao seu posto de trabalho no âmbito da organização produtiva que já conhece e onde continua a ser necessário, deve concluir-se que, neste contexto, a concepção adoptada no acórdão recorrido de que para a transmissão da posição da entidade patronal da primeira ré para a segunda ré não é necessário o consentimento do trabalhador não afronta a segurança no emprego, na medida em que ainda é compatível com essa garantia constitucional, havendo, além disso, fundamento material para a adopção de um tal regime jurídico.
Acresce que, tal como é sublinhado no acórdão recorrido, «se o trabalhador não quiser prestar serviço à nova entidade empregadora (o transmissário), entidade que não escolheu, poderá resolver o seu contrato com justa causa, com base na “alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes da entidade empregadora” — art. 35.º, n.º 2, al. b), do DL n.º 64-A/89, de 27.02/ e art. 441.º, n.º 3, al. b), do CT —, salvaguardando-se desta forma a sua liberdade contratual, no que respeita à escolha do seu parceiro negocial (conforme defende a Prof. Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho – Parte II, pág. 677, e Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 683. Até porque existem situações em que materialmente não é possível ao trabalhador escolher permanecer ao serviço da entidade transmitente do estabelecimento porque ela deixou de existir enquanto entidade autónoma (por ex. o caso de fusão por incorporação).»
Tudo para concluir que o consentimento por parte do trabalhador «não é, nem face à LCT (artigo 37.º), nem face ao disposto na Directiva n.º 77/187/CEE, requisito de validade ou sequer de eficácia da transmissão, bastando a transmissão de estabelecimento ou de parte deste ou a cessão da sua exploração para que se verifique a transmissão da posição contratual de empregador do cedente para o cessionário», tal como é propugnado pela primeira ré, na respectiva contra-alegação.
Improcedem, pois, as conclusões 6.ª a 10.ª, na parte atinente, 14.ª, 20.ª e 21.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista.
4. O recorrente sustenta, por outro lado, que «não tem qualquer fundamento o entendimento de que, de qualquer modo e até por via do art. 7.º da L.G.T. (que aliás contém apenas uma presunção, ilidível por prova em contrário), se teria entretanto formado um qualquer novo contrato de trabalho com a 2.ª Ré».
O n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 713.º, n.º 2, e 726.º do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Ora, tendo-se concluído que o artigo 37.º da LCT estabelece a «transferência da posição contratual ope legis», a qual prescinde do consentimento do trabalhador e opera a transferência da relação jurídica emergente do seu contrato de trabalho para a esfera jurídica da nova entidade empregadora, distinta daquela com quem iniciou a sua relação laboral, fica prejudicada a apreciação da questão suscitada na conclusão 13.ª da alegação do recurso de revista.
5. Resta enfrentar a invocada procedência do pedido subsidiário deduzido.
Segundo o recorrente, é evidente «e resulta quer do art. 37.º da LGT quer da Directiva Comunitária 71/187/CEE, [que] a transmissão de estabelecimento apenas poderá fazer transmitir, do cedente para o adquirente, a posição integral de entidade empregadora nos contratos de trabalho dos trabalhadores ao serviço, não podendo a situação jurídico-laboral destes, seja constituída há 30 décadas seja há 3 dias, ser minimamente afectada por tal transmissão», sendo certo que «[o]s direitos e regalias relativos a pequeno-almoço gratuito, ao adiantamento por inteiro da retribuição em caso de baixa por doença e à disposição de um Posto Médico, de pleno acesso, no local de trabalho resultam de estipulações contratuais resultantes de proposta patronal e da sua aceitação expressa ou tácita por parte dos trabalhadores», «à mesma conclusão se chegando acaso se considerasse resultarem tais situações jurídicas activas de verdadeiros costumes, ou até de simples usos laborais resultantes de uma prática patronal universal e uniforme, não podendo, por isso, de todo ser unilateralmente alteradas, reduzidas ou até extintas por parte do (novo) empregador».
A este propósito, o acórdão recorrido acolheu a seguinte fundamentação:
« Relativamente ao pequeno-almoço provou-se efectivamente que nas novas instalações da 2.ª ré, existem máquinas de distribuição gratuita de chá, café e águas e outras para venda de sanduíches e bolos. Na BB passou a haver pequeno-almoço gratuito a partir de 1 de Dezembro de 1996, sendo que o lanche era a preço de custo ( facto n.º 73).
Assim, apenas a partir de 1 de Dezembro de 1996, a ré BB passou a disponibilizar o pequeno almoço aos seus trabalhadores, tendo o autor deixado de usufruir de tal benefício na 2.ª R, que apenas lhe confere o direito a bebidas gratuitas — chá, café e águas.
Mas, tal como foi entendido na sentença recorrida, afigura-se-nos que a sua implementação na 1.ª ré, o foi num tão curto espaço de tempo para que se possa considerar que esse benefício resultava de um uso laboral a favor dos trabalhadores, e como tal o fazer ingressar na esfera dos direitos adquiridos.
Assim não [se] configurando uso laboral, e não estando inserido em alguma cláusula contratual, não estava a 2.ª ré obrigada a garantir tal benefício.
Relativamente à prática que vinha sendo seguida pela ré BB de pagar o vencimento por inteiro aos trabalhadores que se encontravam de baixa por doença, sendo posteriormente reembolsada dos valores pagos pela Seg. Social (prática que não foi posteriormente seguida pela ré CC), provou-se apenas que, após a celebração do contrato celebrado em 28.2.97, a 2.ª ré não manteve a prática anteriormente seguida de em caso de baixa por doença por parte de um empregado continuar a proceder ao pagamento do vencimento por inteiro, sendo posteriormente reembolsada dos valores que viessem a ser pagos pela Segurança Social, mas, quando isso lhe foi solicitado, disponibilizou-se para, de imediato, proceder ao adiantamento das quantias respectivas, o que fez em alguns casos (facto n.º 71).
Não se provou, porém, há quanto tempo durava essa prática, elemento essencial para se aferir se se tratava de um uso laboral, cuja alegação e prova cabia ao autor enquanto elemento constitutivo do respectivo direito, que não logrou produzir.
Provou-se ainda que o autor deixou de dispor do posto médico de medicina de trabalho existente nos edifícios da R. BB e da DD, sem prejuízo da 2.ª R. não se opor a que os seus trabalhadores se deslocassem a esses postos médicos.
Tal como foi referido na sentença recorrida a existência de um posto médico de medicina de trabalho no edifício da entidade empregadora não pode ser enquadrado como um direito do trabalhador no sentido de que aquela fique sempre obrigada a manter esse posto médico.
O direito do trabalhador é o que resulta do disposto nos art.s 3.º e 4.º do DL n.º 26/94, de 01.02, o qual impõe à entidade empregadora a obrigação de organização e funcionamento de serviços médicos, sendo que esta poderá adoptar uma de três modalidades — serviços internos, serviços interempresas, ou serviços externo. O modo concreto de organização dos serviços em causa, verificados os pressupostos legais, está na disponibilidade da entidade empregadora, a qual poderá posteriormente optar por outra modalidade de organização de tais serviços. Não existe pois qualquer direito, por parte do trabalhador, a uma modalidade específica de serviços de higiene e segurança no trabalho. E não está a ré CC obrigada a disponibilizar ao autor a existência de posto médico no próprio edifício pois a sua actividade não é considerada como actividade de risco elevado (cf. art. 5.º do citado DL n.º 26/94).
Deste modo, também não podem proceder os fundamentos do recurso na parte relativa ao pedido subsidiário pois que não se provou qualquer supressão de direitos concretos adquiridos na esfera jurídica do autor ao serviço da 1.ª ré que a 2.ª ré não tivesse respeitado.»
Tudo ponderado, sufragam-se, no essencial, as considerações transcritas e confirma-se o julgado, neste preciso segmento decisório.
Na verdade, como refere a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, «a matéria de facto apurada não permite afirmar que os direitos adquiridos pelo Autor ao serviço da 1.ª Ré não foram respeitados pela 2.ª Ré e, consequentemente, o pedido subsidiário formulado pelo Autor não pode proceder».
Justifica-se, ainda, uma breve nota sobre os alegados costumes e «simples usos laborais resultantes de uma prática patronal universal e uniforme».
O artigo 3.º do Código Civil considera juridicamente atendíveis os usos não contrários aos princípios da boa fé, quando a lei o determine (n.º 1), colocando os usos em posição subordinada às normas corporativas (n.º 2), «que, em leitura actualizada, correspondem às convenções colectivas de trabalho» (MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, p. 114).
Nesta configuração legal, «os usos aparecem como fonte mediata de direito, isto é, «a solução de casos concretos com base neles depende de expressa remissão legal» (Idem, ibidem).
Sucede que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 12.º da LCT, os contratos de trabalho estavam sujeitos, em especial, e por ordem de precedência, às normas legais de regulamentação do trabalho, às normas emitidas pelo Ministro do Trabalho dentro da competência que por lei lhe está atribuída e às convenções colectivas de trabalho, acrescentando o n.º 2, que, desde que não contrariem essas disposições expressas e não sejam contrárias aos princípios da boa fé, «serão atendíveis os usos da profissão do trabalhador e das empresas, salvo se outra coisa for convencionado por escrito».
Segundo MONTEIRO FERNANDES, aquelas normas reportam-se às «práticas usuais ou tradicionais» deste ou daquele sector do mundo laboral que não se revestem de características de norma jurídica, «antes se apresentam como mero elemento de interpretação e integração das estipulações individuais (ou seja: destinado a preencher condições a que as partes não se referiram, ou a fixar o sentido de estipulações menos claras, de harmonia com aquilo que elas presumivelmente estariam dispostas a aceitar)», pelo que os usos laborais poderão ter a seguinte função: «não havendo, sobre certo aspecto da relação de trabalho, disposição imperativa ou supletiva da lei ou de regulamentação colectiva, nem manifestação expressa da vontade das partes, entende-se que estas quiseram, ou teriam querido, adoptar a conduta usual no que respeita a esse ponto» (Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 113-115).
Em suma, os usos da empresa constituem uma fonte de direito, que, em determinado condicionalismo, poderá ser aplicada na resolução dos litígios referentes à contratação individual, e que, como tal, se encontra ressalvada pelo artigo 3.º do Código Civil, que reconhece relevância jurídica aos usos sempre que a lei especialmente o determine.
O certo é que o recorrente não alegou nos articulados, nem provou, como lhe competia, enquanto facto constitutivo do direito invocado, actos conducentes à existência de qualquer uso ou prática da empresa no sentido propugnado, pelo que carece de fundamento a invocação dos sobreditos usos e costumes para efeitos do disposto nos artigos 3.º do Código Civil e 12.º, n.º 2, da LCT.
Improcedem, pois, as conclusões 15.ª a 19.ª e 20.ª, esta na parte atinente, da alegação do recurso de revista.
III
Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2010

Pinto Hespanhol (Relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra