Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1367/19.2T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: PROCESSO PENAL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
PRINCÍPIO DA ADESÃO
EXCEÇÕES
TRIBUNAL CÍVEL
TRIBUNAL COLECTIVO
EXTINÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 05/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Com o desaparecimento da figura do tribunal colectivo do panorama processual em matéria cível, a previsão da al. g) do n.º 1 do art. 72.º do CPP, perdeu aplicação prática, encontrando-se actualmente esvaziada de sentido útil e significado.
II - Inexiste justificação substantiva, face à lógica intrínseca do sistema processual português actual, para realizar a correspondência directa e imediata entre a antiga e ultrapassada figura do tribunal colectivo e a dos actuais juízos centrais cíveis, procurando-se conectar automaticamente a al. g) do n.º 1 do art. 72.º do CPP à orgânica judiciária vigente.
III - O extinto tribunal colectivo intervinha, de forma circunscrita, na fase do julgamento de facto, em termos de garantir uma apurada análise neste domínio (fulcral e decisivo para a sorte da lide), sendo certo que, nessa altura, as partes não dispunham de meios efectivos e eficazes para suscitarem com êxito, na instância superior, o inerente controlo material desse veredicto (apenas impugnável pela invocação de razões de índole puramente formal ou relacionadas com alguma eventual violação do direito probatório material), constituindo a única e essencial garantia de uma apreciação e valoração da prova de excelência, pela especial qualificação do conjunto de julgadores, o que não poderia assegurar-se quanto ao julgamento dos mesmo factos pelo juiz singular que presidiria à audiência na acção crime.
IV - As actuais possibilidades, plenas e eficazes, de reapreciação da prova produzida em 1.ª instância através dos tribunais da Relação são extensivas, nos mesmos termos, às acções cíveis e às acções de natureza criminal, fazendo perder, por completo, a razão de ser e a necessidade da situação antes acautelada através da al. g) do n.º 1 do art. 72.º do CPP, que não se justificava, em termos primordiais, em função da intervenção de um julgador - singular - mais credenciado ou prestigiado na elaboração da decisão de direito, a qual era sempre plenamente sindicável e modificável pela instância superior, atento o valor da causa.
Decisão Texto Integral:


Revista nº 1367/19.2T8SNT.E1.S1


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).


I - RELATÓRIO.
Os AA. instauraram, em 18 de Maio de 2019, acção de natureza cível contra a Ré DACSATLANTIC, S.A.
Alegaram essencialmente:
O seu filho foi vítima de acidente de trabalho, do qual resultou a sua morte, quando trabalhava sob as ordens da Ré, a qual violou os deveres especiais de vigilância e segurança que especialmente lhe incumbiam, causalmente determinantes do sinistro.
Concluem pelo pagamento de indemnização que quantificam em € 190.00,00 (cento e noventa mil euros), a título de danos morais, nos termos do artigo 496º, nº 1, do Código Civil.
No âmbito da audiência prévia, o tribunal de 1ª instância declarou a sua incompetência em razão da matéria para conhecer o pedido indemnizatório, uma vez que, nos termos dos artigos 71º e 72º, nº 1, alínea g), do Código de Processo Penal, o mesmo teria que ser obrigatoriamente deduzido no âmbito da acção de natureza penal, que correu os seus termos e que teve por objecto a responsabilidade da Ré assente nos factos invocados enquanto causa de pedir na acção cível.
Os AA. recorreram, apresentando as seguintes conclusões:
«1º O Tribunal, através do despacho proferido na audiência prévia (Refª:84337207) declarou-se incompetente em razão da matéria e absolveu os réus da instância, o que fez de forma errada.
2º No caso vertente, o tribunal fez uma errada interpretação e errada aplicação do artigo 72º, alínea g) do CPP, porque não teve em conta em conta o que se passou no termo do inquérito, tendo antes prestado atenção ao que depois se veio a seguir na fase de julgamento.
3º Os autores quando foram notificados da acusação ficaram a saber que a acusação iria fazer seguir o processo para julgamento perante Tribunal Singular, tendo nessa altura optado por fazer seguir o seu pedido em separado, tendo também em conta o valor do pedido que pretendiam formular, €190.000,00.
4º Aos lesados assiste assim, o direito de aguardar o termo do inquérito criminal, com o seu arquivamento ou dedução da acusação, para decidirem se fazem seguir o seu pedido na acção penal, ou se o fazem seguir em separado no caso de se encontrarem nalgumas das situações ressalvadas no artigo 72º do CPP, devendo o sentido desta norma retirar-se adaptadamente, dos artigos 44º, 117º, nº 1, al. a) e 130º, nº 1, al. a) da Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto.
5º O tribunal deveria ter julgado que o momento relevante a atender para a dedução do pedido em separado dentro dos condicionalismos previstos na alínea g) do nº 1, do artigo 72º do CPP, no qual aliás os autores se encontravam, era o do termo do inquérito e não o da fase de julgamento.
Nestes termos e fundamentos deverá ser revogado o douto despacho recorrido, julgando-se o tribunal recorrido competente em razão da matéria e assim será feita a acostumada JUSTIÇA».
A Apelada DACSAATLANTIC, S.A., apresentou contra-alegações nas quais pugnou pela improcedência da apelação.
O Tribunal da Relação de Évora, através do seu acórdão de 14 de Janeiro de 2021, julgou procedente a apelação, determinando o prosseguindo autos, face à competência material do tribunal a quo.
Apresentou a Ré DACSAATLANTIC, S.A., recurso de revista.
Concluiu nos seguintes termos:
1 - O presente recurso vem interposto do acórdão proferido, em catorze (14) de janeiro de 2021, pela 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora sob a referência eletrónica número 7065401, que, julgando procedente a apelação interposta pelos recorridos, revogou o despacho saneador(-sentença) recorrido – que, por seu turno, julgara procedente a exceção dilatória (de incompetência absoluta do tribunal) deduzida pelos réus, incluindo a recorrente, absolvera-os da instância e colocara termo ao processo – declarando, em consequência a competência (material) do Juízo Central Cível de Santarém, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém para a apreciação e o julgamento do pedido de indemnização formulado pelos recorridos.
2 - A decisão emanada do Tribunal da Relação de Évora sob recurso não confirma, antes infirma, a decisão do tribunal de 1.ª instância, não ocorrendo, pois, uma situação de dupla conforme.
3 - O recurso sob apreciação versa sobre questão de violação das regras de competência absoluta, em razão da matéria.
4 – Concretamente, as questões objecto do presente recurso incidem sobre os erros incorridos pelo Tribunal da Relação de Évora: (i.) na interpretação e aplicação das regras da competência em razão da matéria, nomeadamente do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP, e, em consequência, (ii.) ao violar o princípio estruturante do sistema jurídico-penal da adesão obrigatória do processo civil ao processo penal consagrado no n.º 1 do artigo 71.º do CPP.
5 - A presente revista é admissível, em qualquer caso, em função do valor da causa (190.000,00 EUR) ou da sucumbência.
6 - Considerando o objeto do presente recurso, incidindo sobre questão da violação das regras de competência absoluta, deve admitir-se arevista, nos termos e ao abrigo da disposição conjugada do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 671.º, n.º 3, ambos constantes do CPC
7 - O caso dos autos encerra questão em que o recurso é sempre admissível, por fundado na violação das regras de competência em razão da matéria, implicando, pois, a admissibilidade de recurso de revista (dita ‘normal’ ou ‘especial’ ou ‘recurso-regra’) independentemente de estarmos ou não, como sucede in casu, perante uma situação de dupla conforme.
8 - A violação e errada interpretação e aplicação das normas dos artigos 71.º e 72.º, n.º 1, alínea g), do CPP é grave, gera a ilegalidade do acórdão recorrido e, ademais, coloca claramente em causa o direito à tutela jurisdicional efetiva das recorrentes consagrado no artigo 20.º da CRP, pelo que tem necessariamente de considerar-se o presente recurso admissível nos termos requeridos, admitindo-o, em consequência, nos termos ditos ‘normais’ ou ‘especiais’.
9 - O acórdão recorrido afirma uma competência que, em razão da matéria (absoluta), escapa ao Juízo Central Cível de Santarém - Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, pelo que é indubitável a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, seguindo, no limite e subsidiariamente, a via da revista excecional.
10 - Com efeito, estatui a alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado.
11 - Impõe-se, pois, julgar-se admissível a interposição do presente recurso de revista, senão pela via dita ‘normal’ ou ‘especial’, nos termos pugnados inicialmente, então, necessariamente a título de revista excecional.
12 - Em todo o caso, não se entendendo nos termos acabados de concluir, sempre será de admitir a revista, a título subsidiário, nos termos previstos na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC – por verificados os respetivos requisitos.
13 - O acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, está em absoluta contradição com outro (anterior e transitado em julgado) acórdão da 5.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 5 de novembro de 2018 no âmbito do processo com o n.º 1286/18.0T8VCT-A.G1, que constitui o ‘acórdão fundamento’ nos presentes autos de recurso.
14 - O tribunal interveio, também no caso do acórdão fundamento, para aferir sobre a verificação (ou não) de exceção dilatória de incompetência (absoluta) do tribunal cível em razão da matéria e da violação do princípio da adesão obrigatória do processo civil na ação penal.
15 - O Tribunal da Relação do Porto julgou, no caso objeto do acórdão fundamento, as questões jurídicas de saber (i.) se se verificava exceção ao princípio da adesão obrigatória consagrado no artigo 71.º do CPP, designadamente a prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP, decorrente do valor do pedido permitir a intervenção civil do tribunal coletivo, devendo o processo penal correr perante tribunal singular e (ii.) se a não dedução de pedido de indemnização civil decorrente da prática de ilícitos criminais previamente imputados no próprio processo penal constitui exceção dilatória [cfr. os artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, nºs 1 e 2, e 577.º, todos constantes do CPC] obstativa do conhecimento do mérito da causa e, aliás, conducente à absolvição da instância.
16 - Sobre as enunciadas questões, a 5.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, no processo n.º 2261/17.7T8PNF-A.P1, concluiu, por um lado, no último parágrafo da página 12, e, por outro, no último parágrafo da página 14 com continuação no primeiro parágrafo da página 15 (em qualquer dos casos) da certidão que constitui o documento anexo sob o n.º 1, da correspondente fundamentação do acórdão fundamento, nos termos seguidamente transcritos:
‘(…) Não é aplicável a al. g) posto que representa um anacronismo face à alteração do código de Processo Civil e à redação do atual art. 599.º CPC que prevê o julgamento apenas por juiz singular. O tribunal coletivo em processo civil foi eliminado pela reforma de 2003 do processo civil e a norma que a ele se refere no processo criminal constitui um puro e simples elemento de contradição sistemática do ordenamento que é inaproveitável face aos dados atuais do processo civil.
É, pois, infundado o recurso, sendo de manter a sentença (…).
(…) No caso que nos ocupa, o tribunal cível não poderia conhecer o pedido de indemnização cível formulado em violação do disposto no art. 71.º CPP, não porque o direito do lesado tivesse caducado ou estivesse precludido mas, como assinala a recorrida, porque o princípio da adesão comporta, afinal, uma regra de fixação de competência material em matéria de pedido de indemnização fundado em crime.
Aderimos, por isso, ao que se escreveu no ac. RC, de 2.3.2010, proc. 143/08.2TBOBR.C1: tal como decidido na decisão recorrida, não se verifica nenhuma excepção à regra consagrada no artigo 71.º do CPP, do que decorre que o pedido ora formulado deveria ter sido, obrigatoriamente, formulado no processo penal, carecendo o tribunal civil de competência para o seu conhecimento e decisão, verificando-se, pois, a alegada excepção de  incompetência material do presente Tribunal, para apreciar e decidir os presentes autos, com a consequente absolvição do réu da instância, em conformidade com o disposto nos artigos 493.º, n.ºs 1 e 2; 494.º, al. a) e 288.º, n.º 1, al. a), todos do CPC, em função do que tem o presente recurso de improceder.
Temos, assim, a falta de fundamento do recurso.
17 -A decisão contida no acórdão fundamento foi proferida sobre situação de facto idêntica à situação de facto objeto dos presentes autos, versando igualmente sobre a apreciação de eventual verificação de exceção ao princípio da adesão prevista no artigo 72.º do CPP, nomeadamente na alínea g) do respetivo n.º 1, no caso (igualmente) de uma ação sob a forma de processo comum, na qual se peticionava a condenação no pagamento de determinado montante, a título de indemnização, fundado na prática de um crime pelo qual o respetivo ‘autor’ fora julgado e condenado, por sentença judicial transitada em julgado, como autor material.
18- Em termos de enquadramento fáctico-processual sobre o qual assentou a decisão vertida no acórdão fundamento, relevante para a aferição da admissibilidade do presente recurso, o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão fundamento, teve por base o conhecimento de exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, em sede de despacho saneador(-sentença),
19 - tal como sucede no caso julgado pelo acórdão recorrido.
20-Em causa está a consideração em fase de saneamento e para efeitos de decisão sobre a matéria de exceção dilatória, nos dois casos em confronto, da exceção ao princípio da adesão consagrada na alínea g) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP.
21-O Tribunal da Relação de Évora, no caso dos presentes autos, pronunciou-se em sentido diametralmente oposto ao julgado pelo Tribunal da Relação do Porto no acórdão fundamento, julgando que:
“In casu, sendo óbvio que o legislador afastou o julgamento colectivo em processo civil, tais dificuldades de interpretação do actual sentido útil do preceito são facilmente ultrapassadas, para o que basta que se entenda que a prevista excepção tem como escopo o valor do pedido e não a composição do tribunal. Assim, conferindo-lhe uma interpretação conforme à actual organização judiciária, adaptando-se as referências da alínea g) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP à mesma, e considerando, em face do disposto nos artigos 117.º, n.º 1, alínea a), e 130.º, n.º 1, alínea a), da LOSJ, entendemos que a mencionada alínea não ficou esvaziada de conteúdo e a excepção na mesma consagrada será actualmente aplicável quando o pedido formulado for superior a 50.000,00 €, devendo a menção ali efectuada ao tribunal colectivo entender-se feita ao juízo central cível, e a menção ao tribunal singular, ao juízo local criminal.
Revertendo este entendimento à concreta situação em presença urge concluir que admitindo o valor do pedido formulado pelos Autores a intervenção do juízo central cível, e tendo a acusação sido deduzida para julgamento perante juízo local criminal, fixando-se nessa ocasião o dies a quo para o exercício pelos Autores do seu direito no processo criminal, não o tendo feito então e, por isso, não sendo já possível o exercício do seu direito no processo penal quando foram notificados do despacho de pronúncia, com intervenção do tribunal colectivo, não existe qualquer obstáculo à dedução do seu pedido em separado perante o tribunal civil, funcionando de pleno a referida excepção ao princípio da adesão.’ – cfr. consta no início da página 13 do acórdão recorrido.
22- O tribunal a quo equivocou-se ao desenvolver uma interpretação adaptada do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP, sem qualquer suporte na letra da lei e, aliás, em manifesta oposição com o julgamento que dimana do acórdão do Tribunal da Relação do Porto constituindo o acórdão fundamento e do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 17 de dezembro de 2018, no processo n.º 1286/18.0T8VCT-A.G1 (António Sobrinho), nos termos dos quais se entendeu unanimemente que, em resultado da revisão operada ao CPC em 2013, pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a alínea g) do n.º 1 do artigo 72º do CPP perdeu o sentido útil ou foi esvaziada de conteúdo.
23-O acórdão recorrido encontra-se, assim, em contradição com o acórdão fundamento, na medida em que, pese embora assente sobre a essencialidade do mesmo enquadramento fáctico-normativo, quanto à possibilidade de deduzir pedido de indemnização cível em separado perante o tribunal cível quando, sendo possível, tal não foi feito no âmbito do processo crime, divergem na interpretação e aplicação dada às normas legais – consagradas no artigo 71.º e no artigo 72.º, n.º 1, alínea g), ambos do CPP – para o julgamento da matéria de exceção dilatória no despacho saneador(-sentença).
24- A questão de (direito) saber quais as efectivas exceções ao princípio da adesão, consagrado no artigo 71.º do CPP, reveste-se de particular importância, atenta a circunstância de se tratar de princípio assumido como estruturante do processo penal em geral.
25- O conflito entre decisões que levam a que situações idênticas sejam tratadas (injustamente) de forma diferenciada, julgando, por um lado, verificada a exceção dilatória, decorrente da violação do princípio da adesão obrigatória do processo civil ao processo penal, obstativa do conhecimento do mérito da causa e conducente à absolvição do réu da instância nos autos com o número de processo 2261/17.7T8PNF-A.P1 através da prolação do acórdão fundamento pela 5.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto e, por outro, inviabilizando tal solução – antes, e pelo contrário, declarando a competência do tribunal cível, no caso do Juízo Central Cível de Santarém-Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, para a apreciação e o julgamento de pedido cível formulado em idênticas circunstâncias e fundado na prática de um crime deduzido em separado – por via do acórdão recorrido, proferido nos presentes autos, pela 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em manifesta violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, justifica a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça.
26 -Tanto mais quando a jurisprudência emanada do acórdão proferido no processo n.º 2261/17.7T8PNF-A.P1 (acórdão fundamento), pela 5.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, é justamente a seguida pela jurisprudência que sobre a mesma matéria se debruçou posteriormente, nomeadamente a consagrada nos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 17 de dezembro de 2018, no processo n.º 1286/18.0T8VCT-A.G1 (António Sobrinho), e pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 19 de Novembro de 2020, no âmbito do processo n.º 8539/19.8T8LSB.L1 (Pedro Martins).
27-A contradição de decisões sobre situações fáctico-processuais idênticas como ocorre in casu, para além de afrontar o disposto no n.º3 do artigo 8.º do código civil, assume repercussões intensas sobre a segurança e a certeza jurídicas sobre uma mesma questão fundamental de direito. Aliás,
28- A admissão da presente revista, seja nos termos ‘ditos normais’, seja pela subsidiariamente clamada via excecional ao abrigo da alínea a) ou mesmo da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.ºdo CPC, não pode, em qualquer caso, deixar de ser entendida como um corolário da conjugação dos princípios da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, e da tutela jurisdicional efetiva, com assento no artigo 20.º da CRP, sob pena de se admitir a existência de um sistema que permite decisões contraditórias emanadas de tribunais superiores em situações substancialmente idênticas.
29-Esta revista revela-se, pois, essencial para a obtenção de uma interpretação e aplicação uniforme do direito.
30-Está, assim, demonstrada, também por esta via, a admissibilidade do presente recurso de revista, por verificados os requisitos consagrados no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC.
31- A admissibilidade da presente revista, nos termos ‘ditos normais’ ou, sequer, nos reivindicados a título subsidiário, não resulta prejudicada ou sequer ‘beliscada’ pelo (eventual) argumento assente na (pré-existente) jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que o acórdão emanado do Tribunal da Relação de Évora sindicado neste recurso não poderá nunca beneficiar da referida jurisprudência (uniformizada), porquanto a, mesma não existe, sendo certo que, no confronto com a demais existente sobre a matéria, se encontra, aliás, isolada e em manifesta oposição.
32- A 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora incorreu em erro de interpretação e de aplicação do artigo 72.º, n.º 1, alínea g), do CPP por referência ao disposto no artigo 71.º do mesmo compêndio normativo.
33-O despacho de acusação deduzido no âmbito dos autos com o número de processo 439/12.9GBCCH e o pedido de indemnização civil formulado nos presentes autos fundam-se, indubitavelmente, nos mesmos ilícitos criminais.
34-O pedido de indemnização civil decorrente da prática de um crime, como acontece com o que formulam os recorridos nos autos, tem necessariamente de ser deduzido no processo penal correspondente.
35-A eliminação da intervenção do tribunal coletivo no julgamento no âmbito do CPC, operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, esvaziou de conteúdo a alínea g) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP – ante o que dispõem os artigos 546.º, 548.º e 599.º, todos constantes do CPC –, aliás invocada pelos recorridos para fundar a situação de exceção que reclamam.
36-A exceção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP contempla a possibilidade de o pedido de indemnização civil poder ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando ‘(…) O valor do pedido permitir a intervenção civil do tribunal colectivo, devendo o processo penal correr perante tribunal singular.’.
37-O espírito da norma contida no artigo 72.º, n.º 1, g), do CPP visava o equilíbrio da composição ou da formação do tribunal interveniente no julgamento do(s) pedido(s) cível(is) [sempre que a intervenção do tribunal coletivo era imposta pelo valor do pedido] com a do tribunal interveniente na apreciação do processo penal [quando devesse ser julgado por um tribunal em formação singular].
38-O artigo 72.º, n.º 1, g), do CPP está fatalmente desfasado da atual realidade processual civil – como, aliás, se encontrava (já) à data da prolação do despacho de acusação – atenta a eliminação da intervenção do tribunal coletivo, operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o código de processo civil vigente desde então, e a consagração da competência do tribunal singular (‘juiz singular’) para o julgamento da audiência final em qualquer circunstância (cfr. o disposto no artigo 599.º do CPC).
39-O Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, levou a que, em resultado da obrigatoriedade da respetiva gravação (com assento no artigo 155.º do CPC), toda e qualquer audiência de discussão e julgamento passasse a decorrer perante tribunal singular, independentemente do valor da ação, ditando, em consequência, o final da intervenção do tribunal coletivo no âmbito do processo civil.
40-O legislador consagrou no diploma que aprovou o CPC aplicável ao caso dos autos a disposição conduzida ao n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, estatuindo que ‘nos processos de natureza civil não previstos no Código de Processo Civil, as referências feitas ao tribunal colectivo, que deva intervir nos termos previstos neste Código, consideram-se feitas ao juiz singular (…)’.
41-O legislador não pretendeu com o código de processo civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, alterar as regras que regulam a competência dos tribunais, designadamente em função do valor da causa.
42-Pretendesse o legislador acolher no texto da lei a solução interpretativa defendida no acórdão recorrido e ter-se-ia, certamente, assinalado que as referências [‘nos processos de natureza civil não previstos no Código de Processo Civil (…)’] ao ‘tribunal coletivo’ se deveriam considerar efetuadas às ‘varas cíveis’, o que manifestamente não ocorreu.
43-A legislação anterior à lei da organização do sistema judiciário, concretamente a Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, que aprovara a lei de organização e funcionamento dos tribunais judiciais, comportava (já) dois tipos de conceitos para distinguir a forma de funcionamento (em tribunal singular ou coletivo, entre outro), por um lado, do desdobramento (em juízos ou varas) dos tribunais judiciais de 1.ª instância.
44-As referências necessitadas de atualização por força da aprovação da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, respeitavam à forma de funcionamento dos tribunais, devendo considerar-se [‘nos processos de natureza civil não previstos no Código de Processo Civil (…)’] feitas ao juiz ou tribunal singular todas as referências ao ‘tribunal coletivo’, e não ao respetivo desdobramento (em juízos ou varas ou tampouco em juízos centrais ou juízos locais, atenta a posterior aprovação e consequente entrada em vigor da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto).
45-A actual lei da organização do sistema judiciário manteve intacta a dualidade de critérios/conceitos para distinguir as várias formas funcionamento (como tribunal singular ou coletivo, entre outro) e o desdobramento (neste caso, alterando, porém, a terminologia constante que constava da lei de organização e funcionamento dos tribunais judiciais) dos tribunais judiciais de 1.ª instância.
46- A anterior legislação processual civil viabilizava a intervenção do tribunal colectivo em processos declarativos em processos com valor superior à alçada do tribunal da relação(>30.000,00EUR).
47- A interpretação adaptada do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP que suporta a decisão (em crise) consagrada no acórdão recorrido, propondo a ‘substituição’ por reporte ao valor da ação da referência ao ‘tribunal coletivo’ por alusão ao ‘juízo central cível’ (decorrente da respetiva competência para a preparação e o julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a 50.000,00 EUR), é manifestamente desconforme ao sistema jurídico como um todo.
48-A reforma do CPC ou mesmo do sistema judiciário que a sucedeu não alterou as alçadas dos tribunais, mantendo, inclusivamente, a fixada para o tribunal da relação [referencial quantitativo previsto no artigo 97.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro].
49-A interpretação perfilhada na decisão recorrida para o disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP, nos termos da qual é proposta a substituição da menção que ali consta ao ‘tribunal coletivo’ por outra, concretamente visando os ‘juízos centrais cíveis’, é incompatível com a letra e o espírito do legislador subjacentes à norma em apreço, que viabilizava a intervenção do tribunal coletivo (varas cíveis) nos processos declarativos com pedidos superiores à alçada do tribunal da relação.
50- A decisão recorrida enferma, pois, de erro na interpretação (adaptada) do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo72.º do CPP,porquanto o atual enquadramento processual civil além de lhe retirar qualquer sentido útil não permite, conforme acabado de expor, qualquer interpretação atualista ou adaptada.
51 -A excepção ao princípio da adesão obrigatória do processo civil ao processo penal em apreciação totalmente desfasada do actual enquadramento processual, não pode ter um escopo arbitrário, escolhendo sem mais, o valor do pedido detrimento da composição do tribunal e muito menos remetendo para valores (de referência para o pedido) sem qualquer correspondência com os que emanavam do anterior regime.
52-O pedido de indemnização civil formulado pelos recorridos nunca seria julgado, em sede de processo civil, por um tribunal em formação coletiva, pelo que, ainda que ocorresse a intervenção do tribunal singular no processo penal, não se verificava qualquer diferença de competência funcional.
53-O julgamento dos autos de processo crime com o número de processo 439/12.9GBCCH decorreu, perante tribunal coletivo, pelo Juízo Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém.
54-Os recorridos optaram deliberadamente por não deduzir pedido de indemnização civil no processo penal respetivo.
55- A interpretação do disposto no artigo 72.º, n.º 1, alínea g), do CPP acolhida no acórdão recorrido é manifestamente contra legem.
56-As exceções ao princípio da adesão taxativamente consagradas no artigo 72.º do CPP oneram a parte que delas quer tirar proveito com a alegação e a prova dos pertinentes factos.
57-A ausência de alegação e prova dos factos que consubstanciam a alegada exceção ao princípio da adesão da ação cível à ação penal ou a insubsistência daquelas conduzem necessariamente também à improcedência do pedido.
58-A presente ação cível intentada pelos recorridos, em manifesto desrespeito do princípio da adesão, padece de vício de instância no pressuposto de incompetência em razão da matéria.
59-A decisão recorrida, não podendo manter-se na ordem jurídica, deve ser revogada por este Supremo Tribunal de Justiça.
60-O tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 71.º e 72.º, n.º 1, alínea d), do CPP.
61-A propositura desta ação violou o princípio da adesão obrigatória que vigora em processo penal, porquanto se encontra fora do âmbito de exceções que afastam essa regra.
62-A 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora errou ao determinar (a) a revogação do despacho saneador(-sentença) recorrido e (b) a competência material do Juízo Central Cível de Santarém-Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém para a apreciação e o julgamento do pedido de indemnização civil formulado em separado.

 
II – FACTOS PROVADOS.
Foi considerado provado:
1- Na petição inicial, entrada em juízo em 18 de Maio de 2019, os Autores referem como “questão prévia”:
«Pelos mesmos factos do presente processo foram os réus julgados e condenados enquanto arguidos, no processo comum colectivo 439/12.9GBCCH-J2 dos Juízos Centrais Criminais da Comarca de Santarém, estando o mesmo a aguardar decisão de recursos no Tribunal da Relação de Évora».
2 - Os Autores peticionaram a condenação da empresa R. a pagar-lhes a quantia de € 190.000,00 a título de indemnização por danos morais sofridos na sequência da morte do seu filho, vitimado por acidente de trabalho ocorrido enquanto trabalhava para aquela, atentos «os poderes e as funções desempenhadas pelos vários réus representantes da 1ª R., os deveres de vigilância, controle, supervisão e autoridade conferiam-lhes especial obrigação de agir de modo a evitar os eventos danosos no âmbito dos sectores das suas competências».
3 - O referido processo iniciou-se em 26 de Julho de 2012, tendo em primeira instância, a empresa, ora Ré, sido condenada pela prática de crime de violação de regras de segurança.
4 - No âmbito dos autos de inquérito com o número de processo 439/12.9GBCCH, foi proferido despacho de acusação, para julgamento por Tribunal Singular, do qual os ora Autores e o seu Ilustre Mandatário foram notificados no dia 9 de Dezembro de 2015, nas qualidades de ofendido e de assistente para requerer abertura de instrução e deduzir pedido de indemnização civil.
5 - A notificação do despacho de acusação ao co-autor, na qualidade de assistente, foi efectuada nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 113.º, n.º 3, do CPP, considerando-se realizada no quinto dia posterior à data do depósito na caixa de correio postal do destinatário constante do sobrescrito, ou seja, em 16 de Dezembro de 2015, terminando o prazo ali indicado para deduzir o pedido de indemnização civil (20 dias contados a partir da notificação do despacho de acusação), no dia 18 de Janeiro de 2016.
6 - A notificação do despacho de acusação à co-autora Célia Maria de Oliveira, na qualidade de ofendida, foi efectuada nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 113.º, n.º 2, do CPP, considerando-se realizada no terceiro dia útil posterior ao do registo correio postal, ou seja, em 14 de Dezembro de 2015, terminando o prazo ali indicado para deduzir pedido de indemnização civil (20 dias contados a partir da notificação do despacho de acusação), no dia 18 de Janeiro de 2016 (já que o último dia do prazo, foi sábado).
7 - Os Autores não deduziram pedido de indemnização cível no identificado processo.
8 - Requerida a instrução no identificado processo crime, em 14 de Novembro de 2016, foi proferido despacho de pronúncia, para julgamento dos arguidos em processo comum e perante Tribunal Colectivo, do qual os ora Autores foram notificados.


III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.
Princípio da adesão obrigatória consagrado no artigo 71º do Código de Processo Penal. Instauração de acção civil em separado da acção penal, estando em causa os mesmos factos ilícitos que lhe servem de causa de pedir. Interpretação da alínea g), do nº 1, do artigo 72º do Código de Processo Civil. Do seu esvaziamento prático pelo desaparecimento da figura do tribunal colectivo, a partir da entrada em vigor da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou a última revisão ao Código de Processo Civil.
Passemos à sua análise:
Dispõe o artigo 71º do Código de Processo Penal: “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”.
O preceito legal, consagrando o princípio da adesão obrigatória, impõe ao lesado a dedução no âmbito da acção penal do seu pedido indemnizatório cível (que tem por causa de pedir os mesmos factos que preenchem o tipo criminal), não o podendo fazer separadamente.
Este princípio jurídico essencial e estruturante do sistema prossegue e salvaguarda as finalidades de:
-promover a economia de meios e a celeridade processual, definindo juridicamente no mesmo processo, de forma concentrada e expedita, todas as questões (de natureza cível e criminal) relacionadas com a prática dos factos criminosos pelo lesante, sujeito passivo da obrigação de indemnizar os lesados, privilegiando-se assim a análise global e unitária da matéria em discussão, que será feita perante o mesmo órgão jurisdicional e num único julgamento que congregará ambas as vertentes.
-evitar a eventualidade de uma contradição de julgados (entre as decisões proferidas nas instâncias penal e cível) relativamente aos mesmos factos e sujeitos, o que, a acontecer, constituiria factor de perturbação e instabilidade para a ordem e segurança jurídicas, bem como motivo de desprestígio na administração da Justiça.
(sobre a natureza e finalidades do princípio da adesão obrigatória, vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 2019 (relator Ilídio Sacarrão Martins), proferido no processo nº 9918/18.5T8LRS.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2019 (relator Raúl Borges), proferido no processo nº 73/15.1PTBRG.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2019 (relator Olindo Geraldes), proferido no processo nº 1286/18.0T8VCT-A. G1.S1, publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 2018 (relator Alexandre Reis), proferido no processo nº 2565/16.6T8PTM.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2015 (relator Santos Cabral), proferido no processo nº 28/07.0TAPRD.P2.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2009 (relator Armindo Monteiro), proferido no processo nº 81/04.8PBBGC.S1).
De todo o modo, o pedido de indemnização cível poderá ser instaurado em separado, a título excepcional, nas situações previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 72º do Código de Processo Penal.
Prevê-se na respectiva alínea g):
“O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante tribunal civil, quando (...) “O valor do pedido permitir a intervenção civil do tribunal colectivo, devendo o processo penal correr perante tribunal singular”.
Nos termos do artigo 77º, nº 2, do Código de Processo Penal:
“O lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do nº 2 do artigo 75º, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de dez dias”
Acrescenta o nº 3 da mesma disposição legal:
“Se não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização ou se não tiver sido notificado nos termos do número anterior, o lesado pode deduzir o pedido até 20 dias depois de o arguido ser notificado do despacho de acusação ou, se o não houver, do despacho de pronúncia”.
Se o lesado instaurar pedido de indemnização civil em separado sem que se verifique qualquer das situações consignadas no artigo 72º, nº 1, do Código de Processo Penal, a acção civil não poderá prosseguir por ausência de um requisito de validade com reflexo na competência do tribunal, que será nestas circunstâncias materialmente incompetente, com a consequente absolvição do réu da instância (artigo 278º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil).
(sobre esta matéria, vide Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal I. Noções Gerais, Elementos do Processo Penal”, Verbo, 2010, 6ª edição, a páginas 143 a 145).
Na situação sub judice, no âmbito do inquérito crime que teve o número 439/12.9GBCCH, foi proferido despacho de acusação para julgamento perante Tribunal Singular, do qual os ora Autores e o seu Ilustre Mandatário foram notificados no dia 9 de Dezembro de 2015, nas qualidades de ofendido e de assistente, para requererem abertura de instrução e deduzirem o pedido de indemnização civil que entendessem justificado.
Tal notificação data de 16 de Dezembro de 2015, terminando o prazo ali indicado para deduzir o pedido de indemnização civil (20 dias contados a partir da notificação do despacho de acusação), no dia 18 de Janeiro de 2016.
Os lesados entenderam não deduzir pedido de indemnização no processo criminal, abstendo-se de o fazer.
Contudo, vieram a exercer esse mesmo direito através de acção de natureza civil, instaurada autonomamente em relação ao processo criminal, em 18 de Maio de 2019 – quando o acórdão no processo crime já fora proferido por tribunal colectivo em 13 de Julho de 2018.
Sucede ainda que no período temporal em que poderia ter sido deduzido pedido de indemnização no identificado processo penal já vigorava a revisão operada na Código de Processo Civil pela lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que aboliu a figura do tribunal colectivo em matéria cível (vide artigo 599º, com revogação do anterior artigo 646º, onde se previa que: “A discussão e julgamento são feitos com intervenção de tribunal colectivo, se ambas as partes o tiverem requerido”).
Dispõe, a este propósito, o artigo 2º, nº 2, da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, “Nos processos de natureza civil não previstos no Código de Processo Civil, as referências feitas ao tribunal colectivo, que deva intervir nos termos previstos neste Código, consideram-se feitas ao juiz singular, com a necessárias adaptações, sem prejuízo do disposto no nº 5 do artigo 5º (onde se refere: “Nas acções pendentes em que, na data da entrada em vigor da presente lei, já tenha sido admitida a intervenção de tribunal colectivo, o julgamento é realizado por este tribunal, nos termos previstos na data dessa admissão)”.
Coloca-se no presente recurso de revista a questão de saber se, com a alteração da orgânica judiciária que levou à extinção do tribunal colectivo no âmbito das acções de natureza cível, ocorreu, em termos práticos, o esvaziamento da previsão do artigo 72º, nº 1, alínea g), do Código de Processo Penal que, assim, deixou de ter aplicação prática.
(Adoptando este entendimento, vide acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17 de Dezembro de 2018 (relator António Sobrinho), proferida no processo nº 1286/18.VCT-A.G1, publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29 de Junho de 2017 (relator Amílcar Andrade) proferida no processo nº 2299/16.1T8BRG.G1, publicado in www.dgsi.pt, onde se enfatiza que “este norma encontra-se desfasada da realidade processual civil que já existia à data da prolação da acusação” (sendo certo que na respectiva decisão de 1ª instância se havia admitido a hipótese de “quando muito, entender-se, adaptadamente, tendo em atenção o disposto nos artigos 44º, 117º, nº 1, alínea a) e 130º, nº 1, alínea a), da Lei nº 63/2013, já em vigor à data dos factos, que a mencionada alínea será aplicável quando o pedido for superior a € 50.000,00, caso em que seria da competência das instâncias centrais o julgamento da respectiva acção declarativa cível”); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Novembro de 2018 (relatora Fernanda Almeida), proferido no processo nº 2261/17.7T8PNF-A.P1, publicado in www.dgsi.pt, onde se refere “Não é aplicável a alínea g) posto que representa um anacronismo face à alteração do Código de Processo Civil e à redacção do actual artigo 559º do CPC que prevê o julgamento apenas por juiz singular. O tribunal colectivo em processo civil doi eliminado pela reforma de 2013 do processo civil e a norma que a ele se refere no processo criminal constitui um simples elemento de contradição sistemática do ordenamento que é inaproveitável face aos dados actuais do processo civil”; o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Novembro de 2020 (relator Pedro Martins), publicado no blogue “Outros acórdãos”, onde se conclui que “como já não existe a intervenção de tribunal colectivo no julgamento no Código de Processo Civil, depois da reforma de 2013 (artigos 546º, 548º e 599º), esvaziou-se de sentido a previsão do artigo 72º, nº 1, alínea g), do Código de Processo Penal”).
O acórdão recorrido, contrariando a jurisprudência indicada, considerou legalmente admissível a instauração da acção cível em separado da acção penal, entendendo verificar-se a excepção à regra geral da adesão obrigatória, com fundamento na alínea g) do nº 1, do artigo 72º do Código de Processo Penal.
Para o efeito, fundou-se na seguinte argumentação essencial:
1º - A acusação foi deduzida para julgamento em processo singular e a intervenção do tribunal colectivo apenas foi suscitada com a prolação do despacho de pronúncia;
2º - Nos termos definidos no artigo 77º, nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal, o prazo para a dedução do pedido civil, em processo penal, tem o seu termo inicial com a notificação do despacho de acusação, apenas se contando desde a notificação do despacho de pronúncia quando o despacho de acusação não tenha sido proferido.
3º - O facto de o julgamento ter decorrido perante o tribunal colectivo não constitui, na situação sub judice, obstáculo à dedução em separado do pedido de indemnização cível, uma vez que no momento em que os lesados foram notificados do despacho de pronúncia, já havia decorrido há muito o prazo para a dedução de pedido de indemnização cível.
4º - O que se encontra subjacente à excepção prevista na alínea g) do nº 1, do artigo 72º do Código de Processo Penal não é apenas a perspectiva da composição do tribunal, singular ou colectivo, mas especialmente a competência em razão do valor da causa, enquanto factor de concessão de maiores garantias na administração da justiça.
5º - Assim, a mencionada alínea não ficou esvaziada de conteúdo, sendo aplicável quando o pedido formulado for superior a € 50.000,00, devendo a menção ali efectuada a “tribunal colectivo” entender-se feita a “juízo local cível”, e a menção a “tribunal singular” a “juízo local criminal”.
Apreciando:
O artigo 72º, nº 1, alínea g), foi introduzido na versão originária do Código de Processo Penal, aprovado pela Lei 78/87, de 17 de Fevereiro.
A sua razão de ser está intrinsecamente associada à estrutura da orgânica judiciária vigente na altura, onde avultava, no âmbito do processo civil, a distinção fundamental entre a figura do tribunal singular e do tribunal colectivo, sendo este último perspectivado pelo legislador como elemento essencialmente garantístico na tarefa da apreciação e julgamento da prova em processos de maior valor económico e de relevante interesse social.
Concretamente, a figura do tribunal colectivo, que fora criado no âmbito do Código de Processo Civil de 1939 (transportando em si a modernidade de um modelo de processo declarativo estruturado em três fases fundamentais que se desenvolviam perante juiz da causa, sozinho ou integrado em colectivo que apreciava a prova), consubstanciava uma atestado de segurança e fiabilidade da administração da Justiça, destinando-se a operar, em termos circunscritos, no âmbito do julgamento de facto nas causas de maior valor económico ou relevo social (acções que seguissem a forma ordinária com valor superior à alçada do Tribunal da Relação – vide o artigo 462º do Código de Processo Civil, na versão da época -, ou acções que seguissem a forma de processo sumário, mas em que uma das partes requeresse a intervenção do colectivo – artigo 791º, nº 1, na versão correspondente).
(sobre esta matéria, vide Manuel de Andrade in “Noções Elementares do Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, página 289 a 280; José Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, 1984, página 525).
Na lógica do sistema vigente à época, em que não era proporcionada às partes a salvaguarda de um verdadeiro e efectivo controlo da decisão de facto proferida em 1ª instância, quer na área cível, quer na área penal, a figura do tribunal colectivo traduzia-se assim numa importante garantia de que a prova produzida em audiência seria directamente apreciada e valorada, em termos de imediação, por parte de um conjunto qualificado de julgadores, composto por três juízes (o colectivo) de experiência comprovada e de qualidade técnica atestada pelo próprio sistema.
A parte poderia, nestas circunstâncias (quando o requerimento de acusação em processo criminal fosse deduzido com vista ao julgamento perante tribunal singular, e o valor da causa, determinada pelo montante do seu pedido, permitisse a intervenção, no âmbito da apreciação da prova, de um tribunal colectivo), instaurar acção cível em separado, independentemente da acção penal.
Note-se, a este propósito, que apenas com a vigência do Decreto-lei nº 39/95, de 25 de Fevereiro, é finalmente regulamentada a documentação do registo das audiências finais e da prova neles produzida, elemento fundamental e decisivo com vista à consagração da efectividade da garantia da dupla jurisdição em matéria de facto, que foi consolidada definitivamente através do Decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, o qual acabou por só entrar em vigor em 1 de Janeiro de 1997 (adiamento resultante da Lei nº 6/96, de 29 de Fevereiro e da Lei nº 28/96, de 2 de Agosto, que lhe sucedeu).
A partir deste momento, a importância da figura do tribunal colectivo no julgamento cível – reservada a garantir uma mais apurada e segura apreciação da prova - esbate-se, passando grande parte das audiências a ser realizadas (sistematicamente) perante juiz singular, desde que objecto de gravação com registo dos depoimentos prestados em audiência, e abrindo-se as portas à possibilidade de impugnação da decisão de facto, uma vez respeitadas as exigências consignadas nos artigos 690º-A e 712º do Código de Processo Civil, na versão correspondente.
Dispunha, com efeito, o artigo 646º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil (na versão introduzida pelo Decreto-lei nº 39/95, de 25 de Fevereiro), “não tem lugar a intervenção do colectivo (...) nas acções em que algumas das partes haja requerido, nos termos do artigo 522º-B, a gravação da audiência final”.
Mais tarde, através do Decreto-lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, a intervenção do tribunal colectivo passa a acontecer somente nos casos (de frequência muito rara), em que fosse requerido por ambas as partes (redacção do artigo 645º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Conforme se refere no respectivo preâmbulo: “Na sequência da última intervenção legislativa em sede de intervenção do juiz singular na fase de julgamento, esta passa a ser a regra geral, condicionando-se a intervenção do tribunal colectivo ao acordo das partes”.
Ou seja, após ter passado a revestir carácter excepcional ou meramente residual, a figura do tribunal colectivo é definitivamente arredada do panorama processual português na área cível, por força da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou uma nova revisão do Código de Processo Civil, passando o artigo 599º do Código de Processo Civil, na versão agora aprovada, ao prever: “A audiência final decorre perante juiz singular, determinado de acordo com as leis de organização judiciária”.
Ora, conforme se deixou salientado, a intervenção do tribunal colectivo apenas se desenvolvia no âmbito da produção da prova e da sua apreciação, não sendo extensiva ao julgamento de mérito que competiria sempre a um juiz singular, conforme resulta do artigo 658º, nº 2, do Código de Processo Civil (na versão aplicável), ainda que necessariamente portador de classificações de excelência quanto ao seu mérito e com a antiguidade definidas pelo sistema de organização judiciária.
(sobre este ponto, vide Antunes Varela in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1984, 2ª edição, a páginas 650 e 663 a 664).
Daí que a previsão da alínea g) do nº 1 do artigo 72º do Código de Processo Penal (que estranhamente – quiçá por inércia ou imponderável esquecimento do legislador – nunca foi modificada ou suprimida até aos dias de hoje), tenha perdido completamente o seu campo de aplicação, esvaziando-se de sentido e objecto.
(Perfilhando exactamente esta interpretação do preceito – a que perfilha o desaparecimento prático da dita alínea g), por falta de campo de aplicação -, vide Henriques Gaspar in outros, in “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina 2016, 2ª edição, a página 240; António Gama e outros in “Comentário Judiciário ao Código de Processo Penal”, Tomo I, Almedina 2019, a página 845).
Com efeito, a figura do “tribunal colectivo” (em matéria cível), que foi relevante exclusivamente no campo restrito da apreciação e valoração da prova – que não na apreciação da matéria de direito (sempre sindicável, em termos gerais, pelos tribunais superiores, uma vez reunidos os requisitos gerais de recorribilidade) –, desapareceu dos textos legais e da prática judiciária, tendo por isso perdido todo o seu significado, contexto e alcance prático.
A apreciação e valoração dos meios de prova produzidos perante o órgão jurisdicional encontra-se actualmente rodeada de um conjunto consolidado de garantias de reavaliação e sindicância pela instância superior que tornaram totalmente dispensável a dita necessidade de intervenção de um colectivo qualificado de juízes no desempenho dessa mesma tarefa processual.
Não tem, portanto, nos dias de hoje, justificação substantiva, face à lógica intrínseca do sistema processual vigente, a pretensa equiparação a que se procedeu no acórdão recorrido quando se estabelece uma directa e imediata correspondência entre os actuais juízos centrais cíveis e os anteriores (e extintos) tribunais colectivos na área cível, bem como entre os requerimentos acusatórios para julgamento perante tribunal singular e a competência dos juízos locais na área criminal.
O argumento aí utilizado de que o legislador nunca revogou tal alínea g) é reversível: o mesmo, seguramente sabedor (como terá que presumir-se) das profundas e sucessivas alterações havidas na orgânica judiciária, nunca sentiu necessidade de modificar a designação de cariz técnico utilizada no preceito, aludindo, designadamente, aos juízos centrais cíveis (por confronto com os juízos criminais locais).
De resto, os juízos centrais cíveis têm a sua competência definida tanto no campo da apreciação e valoração da prova produzida, como na prolação da decisão jurídica de mérito, uma vez definido o quadro factual aplicável.
A sua decisão, tanto no plano da apreciação e valoração dos factos como na aplicação do direito que lhes corresponda, é plenamente sindicável pelos Tribunais da Relação (no recurso de facto e de direito) e, em determinadas situações, pelo Supremo Tribunal de Justiça (no recurso de direito, apenas).
Ao invés, o antigo tribunal colectivo na área cível intervinha, de forma circunscrita, na fase do julgamento de facto, em termos de garantir uma apurada análise neste domínio (fulcral e decisivo para a sorte da lide), sendo certo que, nessa altura, as partes não dispunham de meios efectivos e eficazes para suscitarem com êxito, na instância superior, o inerente controlo material desse veredicto (apenas impugnável pela invocação de razões de índole puramente formal ou relacionadas com alguma eventual violação do direito probatório material).
No fundo, o tribunal colectivo constituía a única e essencial garantia de uma apreciação e valoração da prova de excelência, pela especial qualificação do conjunto de julgadores, o que não poderia assegurar-se quanto ao julgamento dos mesmos factos pelo juiz singular que presidiria à audiência no processo de natureza criminal.
As actuais possibilidades de plena e eficaz reapreciação da prova produzida através dos Tribunais da Relação são extensivas, nos mesmos termos, às acções cíveis e às acções de natureza criminal (cfr. artigo 364º do Código de Processo Penal), fazendo perder, por completo, razão de ser à situação antes acautelada através da alínea g) do nº 1 do artigo 72º do Código de Processo Penal.
A anterior necessidade de assegurar o julgamento cível perante um colectivo de juízes (que não se prendia, em termos primordiais, com a intervenção de um julgador – singular - mais credenciado ou prestigiado na elaboração da decisão de direito, que era sempre plenamente sindicável e modificável pela instância superior, atento o valor da causa) desapareceu naturalmente.
Acrescente-se ainda que uma interpretação que permitisse, nos moldes propugnados pelo acórdão recorrido, a instauração da acção cível autonomamente em relação à acção criminal, tendo por referência apenas competência dos actuais juízos centrais cíveis – nas acções cujo valor fosse superior a € 50.000,00 – em confronto com a dos juízos locais crime para a realização do julgamento, conduziria, no fundo, face à patente e gritante desactualização dos valores das alçadas (que datam ainda da reforma operada pelo Decreto-lei 303/2007, de 24 de Agosto), ao esvaziamento, no fundo e na prática, do próprio princípio da adesão obrigatória consagrado no artigo 71º do Código de Processo Penal, com grave prejuízo para as finalidades essenciais que o mesmo avisadamente prossegue e que seriam dessa forma totalmente aniquiladas.
Bastaria à parte interessada apresentar, para este efeito e com este desígnio, de forma totalmente discricionária, um pedido no montante por si estimado e quiçá exacerbado (superior a € 50.000,00, que é perfeitamente corrente tendo em conta os valores indemnizatórios habitualmente pedidos e frequentemente inflacionados, a título de danos morais, nos termos do artigo 496º, nº 1, do Código Civil), o que poderia fazer a todo o tempo, ilimitadamente, ainda que tivesse porventura perdido a oportunidade de o apresentar na acção própria, isto é, no âmbito da acção de natureza penal respeitante aos mesmos factos, desde que fosse requerido o julgamento crime perante tribunal singular.
E tal aconteceria mesmo que o interessado, devidamente advertido no momento temporal próprio para a obrigatoriedade de dedução da indemnização cível na acção penal, negligenciasse culposamente o respectivo exercício, pressupondo-se, nessa circunstância, o efeito preclusivo que se lhe encontraria lógica e legalmente associado.
Esta possibilidade (que transmutaria nestes casos a previsão assumidamente excepcional em regra) não pode ser considerada curial e coerente com a lógica do sistema jurídico considerado unitariamente e na sua globalidade.
Procede, por estes motivos, a presente revista.


IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em conceder provimento à presente revista, revogando o acórdão recorrido e subsistindo a decisão proferida em 1ª instância.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 26 de Maio de 2021

Luís Espírito Santo (Relator).

Ana Paula Boularot.

Pinto de Almeida.

(Tem o voto de conformidade dos Exmºs Adjuntos Conselheiros Ana Paula Boularot e Fernando Pinto de Almeida, que compõem este colectivo, nos termos do artigo 15º A, aditado ao Decreto-lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, pelo Decreto-lei nº 20/2020, de 14 de Março).

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.