Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B590
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: QUIRINO SOARES
Descritores: RECURSO
ALEGAÇÕES
NOTIFICAÇÃO
NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
Nº do Documento: SJ200407130005907
Data do Acordão: 07/13/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 1617/03
Data: 10/22/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : O art. 229º-A, nº. 1, CPC, é aplicável à notificação à contraparte das alegações e contra-alegações de recurso.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Tendo alegado no recurso de agravo em 1ª instância, o advogado da recorrente "A", não notificou o colega da parte contrária dessas alegações, e, tendo sido notificado para o fazer, sob invocação do disposto no art. 229º-A, nº. 1, CPC (1), agravou, em representação do seu cliente, desse despacho, com o fundamento de que as alegações de recurso não estão compreendidas na previsão daquele artigo.
A Relação negou-lhe provimento, do que vem, agora, o presente agravo, que foi admitido nos termos dos arts. 678º, 4, e 754º, 2, CPC.
Não houve alegações da parte contrária.

2. O problema da aplicabilidade do disposto no art. 229º-A, 1, CPC (notificação entre os mandatários das partes) às alegações e contra-alegações de recurso, que constitui o objecto do presente agravo, já foi resolvido por este Supremo Tribunal de duas diferentes maneiras.
O acórdão de 26.02.04, proferido no recurso de agravo 3134/03, da 2ª secção (2), orientou-se pela aplicabilidade.
Já nos acórdãos de 28.10.03, no recurso de revista 3018/03, da 6ª secção (3), e de 19.0204, no recurso de agravo 4201/03, da 6ª secção (4), a orientação foi a inversa, tendo-se optado, na esteira da opinião de Miguel Teixeira de Sousa e Lebre de Freitas (5), pela aplicação da regra geral do art. 229º, 2 (notificação pela secretaria).
Adiantamos, desde já, a nossa decidida preferência pela argumentação do acórdão de 26.02.04, que optou pela aplicabilidade do art. 229º-A.
Fazemos nossos o considerandos ali expendidos, que nos permitimos transcrever:
"O artigo 229º-A foi introduzido no Código do Processo Civil pelo DL 183/2000, de 10 de Agosto, diploma que integrava um conjunto de medidas da iniciativa do Ministério da Justiça destinadas a mitigar a morosidade processual, comprovadamente uma das causas dos problemas que afectam o sistema judiciário português.
Essas medidas passavam pela triagem da litigiosidade social por forma a que só chegassem aos tribunais as causas com verdadeira dignidade jurisdicional e ainda pelo alijamento das tarefas burocráticas que sobrecarregavam as secretarias judiciais, atribuindo-se algumas dessas tarefas aos mandatários das partes, como é o caso das notificações de alguns dos actos judiciais de sua execução.
Este último desiderato do legislador está claramente expresso no seguinte passo do preâmbulo do referido DL 183/2000:
«Pretende-se ainda desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pela partes, como acontece, por um lado, com a recepção e envio de articulados e requerimentos autónomos por estas apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, os quais passarão a ser notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional.».
E é assim que surge o artigo 229º-A, cujo nº. 1 prescreve o seguinte:
«Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do artigo 260º-A».
Por seu turno, este artigo 260º-A, nos seus números 1 e 2, estabelece que:
essas notificações «são realizadas por todos os meios legalmente admissíveis para a prática dos actos processuais, aplicando-se o disposto nos artigos 150º e 152º», isto é, são realizadas através ou do correio sob registo, ou da telecópia, ou do correio electrónico, e devem incluir as cópias dos documentos que, eventualmente, instruam as peças processuais a notificar;
- o mandatário judicial notificante deverá juntar aos autos documento comprovativo da data da notificação à contraparte.
Fica assim claro, face à proclamada intenção do legislador de aliviar o serviço das secretarias judiciais, que, após a apresentação da contestação, todos os articulados e todos os requerimentos autónomos -- isto é, todos os articulados e todos os requerimentos cuja admissibilidade não dependa da apreciação prévia do juiz - são objecto da notificação nos termos do artigo 229º-A.
Temos assim para nós que o termo «autónomos» qualifica também os articulados e não apenas os requerimentos, como geralmente tem sido entendido.
E isto porque há articulados posteriores à contestação - os articulados supervenientes - sujeitos a despacho liminar de admissão ou de rejeição, sendo o juiz quem ordena, na primeira hipótese, a notificação da parte contrária para responder em 10 dias (nº. 4 do artigo 506º).
Ora, não podemos esquecer o principio hermenêutico de que se presume que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº. 3 do artigo 9º do Código Civil).
Donde, assim como sabia da existência de articulados posteriores à contestação aos quais não se pode aplicar o regime de notificação previsto no artigo 229º-A, também não podia o legislador ignorar que nada impede, antes pelo contrário tudo inculca a que este mesmo regime se aplique às alegações e às contra-alegações de recurso, razão porque incluiu tais peças no conceito amplo de requerimento - e autónomo, pois que a sua admissibilidade não depende da intervenção prévia do juiz do processo, ou do relator do recurso.
Na expressão «requerimentos», ínsita no normativo em análise, cabem, assim, todas as peças processuais - que não sejam articulados (únicas peças com definição própria no artigo 151º) - emanadas dos escritórios das partes e cuja junção aos autos não dependa de prévio juízo de admissibilidade.
A não ser assim entendido, depararíamos com situações absurdas como, por exemplo, a de um requerimento autónomo stricto sensu ser notificado à parte contrária nos termos do artigo 229º-A e a correspondente resposta - porque não é um requerimento qua tale - já ter de ser notificada, ao apresentante do mesmo requerimento, através do tribunal."

Acrescenta, ainda, o citado acórdão, e, nisso, continuamos a concordar, que não constitui argumento válido para sustentar a tese da inaplicabilidade do regime do artigo 229º-A, 1, às alegações de recurso, o dos efeitos preclusivos da apresentação de tais peças no exercício do contraditório, efeitos esses que teriam "determinado o legislador a manter a sua notificação através do tribunal, evitando, assim, que a incerteza da validade do acto e data da sua prática pairasse sobre o exercício do poder jurisdicional".
Objecta, a propósito, o acórdão que, "a ser válida (tal razão), sê-lo-ia não só para a fase recursiva, mas ainda para todas a situações congéneres - então também a réplica nunca poderia ser notificada nos termos do artigo 229º-A, atento o efeito cominatório estabelecido no artigo 505º para a falta da tréplica (obviamente nos casos em que é admitida) ou para a falta de impugnação, nela, dos novos factos articulados na réplica.
E, como também é óbvio, não é pelo facto de a intervenção judicial só ocorrer no final do respectivo processado que os legais efeitos preclusivos ou cominatórios deixarão de ser salvaguardados e aplicados".
Resta acrescentar que a interpretação adoptada está de acordo com as regras gerais de interpretação da lei, aplicáveis ao direito processual civil, não obstante o carácter específico desta área do direito.
E chamar a atenção para que já não é de agora (cfr. redacção do nº. 1, do art. 150º, CPC, anterior à reforma introduzida pelo DL 183/00, de 10/08, continuada no vigente nº. 2) a imprecisão da letra da lei acerca da arrumação da alegações de recurso dentro das diversas categorias dos actos das partes.

3. Por todo o exposto, negam provimento ao agravo.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 13 de Julho de 2004
Quirino Soares
Neves Ribeiro
Araújo Barros
__________
(1) Código de Processo Civil.
(2) 03B3134, da base de dados do ITIJ (Instituto das Tecnologias da Informação na Justiça).
(3) 03A3018, ITIJ.
(4) 03A4201, ITIJ.
(5) Revista da Ordem dos Advogados, 2001, I, pág. 95, e 2000, I, pág. 754, respectivamente.