Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1518/14.3T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CUMPRIMENTO
CLÁUSULA CUM POTUERIT
CREDOR
ÓNUS DA PROVA
DEVEDOR
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
Estipulada uma cláusula cum potuerit, o credor tem o ónus da prova de que o devedor dispõe dos meios necessários para o cumprimento da obrigação.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recorrente: Baía do Tejo, S.A.

Recorrida: Terriminas, Sociedade Industrial de Carvões, Lda.

I. — RELATÓRIO

1. Terriminas, Sociedade Industrial de Carvões, Lda., intentou a presente acção declarativa, sob forma de processo comum, contra Baía do Tejo, S.A..

2. Pediu a condenação da Ré:

I. — no pagamento da quantia de 3.053.376,00 euros, dos quais:

a. — 1.647.866,94 euros de capital;

b. — 1.405.509,06 euros de juros de mora, calculados desde a data de 05 de Fevereiro de 2005;

II. — no pagamento de juros de mora à taxa legal calculados sobre o capital de € 1.647.866,94, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

3. A Ré Baía do Tejo, S.A. contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação.

4. Deduziu as excepção dilatórias de ineptidão da petição inicial, de incompetência do tribunal, de ilegitimidade da Autora, por preterição de litisconsórcio necessário, de litispendência e de abuso do direito de acção.

5. Deduziu as excepções peremptórias de autoridade de caso julgado e de prescrição.

6. A Autora Terriminas, Sociedade Industrial de Carvões, Lda., respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência.

7. Em 12 de Fevereiro de 2015 foi proferido despacho que julgou procedente a excepção da incompetência relativa, remetendo os autor para a ....ª Secção Cível da Instância Central da Comarca de ....

8. Em 5 de Maio de 2015, a Autora deduziu incidente de intervenção provocada da sociedade V..., SA.

9. Em 9 de Julho de 2015, foi admitida a intervenção requerida pela Autora.

10. Em 14 de Junho de 2016, a interveniente V..., SA, juntou aos autos requerimento em que faz seus os articulados da Autora.

11. Em 27 de Fevereiro de 2021 foi proferido despacho saneador em que, em relação à excepção de caso julgado deduzida pela Ré, se decidiu nos seguintes termos:

“[…] o caso julgado material formado sobre:

i) a decisão proferida na ação declarativa que correu termos sob o n° 4155/05, no Io Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca do ..., implica que se deva considerar provado:

a) que foram prestados os serviços titulados pelas faturas n°s 1 e 2 de 2005, bem como que a R. pagou os serviços de carregamento e transporte descritos na fatura n° 1;

b) que na data da emissão das faturas a R. não dispunha dos meios para proceder ao seu pagamento, nem os obteve até à data da Sentença proferida nesta ação;

ii) a decisão proferida na ação declarativa que correu termos sob o n° 7627/06, no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca do ..., implica que se deva considerar provado que os meios necessários para efetuar o pagamento das faturas não são os recursos financeiros da própria R., mas antes as verbas que a Direção-Geral do Tesouro lhe iria fomecer para o efeito.

No mais, o princípio da preclusão impede a apreciação, nesta ação, do alegado financiamento da R. ocorrido em 2005, portanto na pendência da ação n°4155/05, cuja Sentença data de 2010, mas não obsta à apreciação do alegado financiamento ocorrido em 2010”.

11. Em 16 de Março de 2021, a Ré apresentou reclamação relativa aos factos assentes e aos temas de prova, requerendo:

I. — que os pontos 8, 9 e 17 dos factos assentes fossem alterados, por conterem matéria que fora impugnada pela Ré,

II. — que o ponto 14 fosse corrigido, por não estar redigido de forma rigorosa;

III. — que fosse aditada aos factos assentes a matéria contida nos artigos 432 e 433 da contestação;

IV. — que o tema de prova apresentado fosse alterado ou eliminado, “considerando que apenas interessa apurar se a Ré dispõe de fundos para procederão pagamento da factura n.°l, na parte atinente à despesa com aterro, e da factura n.°2, por lhe terem sido disponibilizados tais fundos pelo Estado depois de 4 de junho de 2010”.

12. A Autora e a Interveniente responderam à reclamação apresentada pela Ré, pugnando pela sua improcedência, e requereram a inclusão nos temas de prova dos seguintes temas:

A - Apurar se a R. dispõe de fundos para proceder ao pagamento da fatura n° 1, na parte atinente à despesa com aterro, e da fatura n° 2, por lhe terem sido tais fundos disponibilizados pelo Estado (artigos 94° e 96° da petição inicial).

B - Apurar se a R. dispunha e obteve os meios para proceder ao pagamento da fatura n° 1, na parte atinente à despesa com aterro, e da fatura n°2, de Maio de 2005 e até à data da instauração da ação n°4155 em l9/05/2005.

C - Apurar se os meios necessários para efetuar o pagamento das faturas são os recursos financeiros da própria R., bem como as verbas que a Direção-Geral do Tesouro lhe iria fornecer ou forneceu para o efeito.

13. A Ré respondeu às reclamações da Autora e da Interveniente, pugnando pela sua improcedência.

14. Em 28 de Junho de 2021 o Tribunal proferiu despacho com o seguinte teor:

"Vieram as partes reclamar do despacho saneador nos seguintes termos:

a) Reclamação da A. Terriminas e da Interveniente V..., SA

i) Requerem as AA. a inserção, nos temas da prova, de três questões, a saber:

"A - Apurar se a R. dispõe de fundos para proceder ao pagamento da fatura n" 1, na parte atinente à despesa com aterro, e da fatura n" 2, por lhe terem sido tais fundos disponibilizados pelo Estado (artigos 94" e 96°da petição inicial).

B - Apurar se a R. dispunha e obteve os meios para proceder ao pagamento da fatura n° I, na parte atinente à despesa com aterro, e da fatura n" 2, de Maio de 2005 e até à data da instauração da ação n"4155 em 19 de Maio de 2005.

C - Apurar se os meios necessários para efetuar o pagamento das faturas são os recursos financeiros da própria R., bem como as verbas que a Direção-Geral do Tesouro lhe iria fornecer ou forneceu para o efeito. “

ii) Como os AA. referem, a exclusão desta matéria dos temas da prova foi expressamente fundamentada no despacho saneador, a propósito da matéria do caso julgado, pelo que essencialmente na reclamação os AA. expressam a sua discordância com tal fundamentação. Entendemos, porém, manter essa fundamentação nos seus exatos termos, acrescentando apenas que os factos supervenientes com relevo para a decisão da causa podem e devem ser objeto de articulado superveniente, pelo que não pode afirmar-se que sendo os factos posteriores à apresentação da petição inicial, a A. Terriminas não teve a faculdade de os submeter ajuízo, no que tange ao financiamento de 2005 e ao Processo n" 4155/05. Indefere-se, assim, a reclamação.

b) Reclamação da R. Baia do Tejo

i) pontos 8. e 9. dos factos assentes:

A justificação da consideração destes factos como assentes consta do despacho saneador, sob 2. b) i), mantendo-se essa justificação na íntegra.

ii) pontos 14. e 17. dos factos assentes:

Ordena-se a retificação dos pontos 14. e 17. dos factos assentes - sendo aquele em conformidade com a nota de rodapé do relatório proferido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo e este apenas no corpo do texto -, passando a ser a seguinte a sua redação:

14. A A. instaurou ação declarativa contra a sociedade U..., SA, que correu termos sob o n°'4155/05, no 1" Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca do ...,pedindo a condenação dessa R. a pagar-lhe o valor de € 1.647.886,94 (valor para o qual a autora deduziu, em sede de réplica e de audiência preliminar, o pedido inicialmente deduzido no valor de € 1.796.606,66), a título de remuneração correspondente a serviços prestados e não pagos por esta, titulados pelas faturas n°s 2, 3, 4, 6, 8, 9, 10 e 11 de 2001, 1, 2, 3, 4,5,6 e 7 de 2002, 2 e3de 2003, e 1 e 2 de 2005 (18°p.L).

17. Foi, por último, proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, a 10.01.2013, onde se decidiu revogar o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, designadamente, com a seguinte fundamentação: […]

iii) inserção nos factos assentes do teor dos artigos 432° e 433" da contestação:

Defere-se ao requerido, devendo esta matéria passar a constar sob os pontos 21. e 22..

iv) temas da prova:

Propõe a R. a eliminação dos temas da prova ou a sua alteração, de modo a que passe a ser a seguinte a sua formulação:

No caso em apreço importa apurar se a R. dispõe de fundos para proceder ao pagamento da /atura n° 1, na parte atinente à despesa com aterro, e da fatura n°2, por lhe terem sido tais fundos disponibilizados pelo Estado depois de 4 de junho de 2010 (artigos 94"e 96" da petição inicial).

Considerada a justificação apresentada no despacho saneador para a enunciação dos temas da prova e que mantemos, entendemos deferir à reclamação, sob a forma da alteração de redação proposta, uma vez que esta espelha, com rigor, a nossa fundamentação (…)”.

14. Em 30 e 31 de Agosto de 2021, a Autora e a Interveniente interpuseram recurso do despacho que desatendeu a sua reclamação.

15. Em 8 de Setembro de 2021, a Ré Baía do Rejo, SA, contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso.

16. O Tribunal de 1.º instância proferiu sentença, julgando a acção procedente.

17. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância é do seguinte teor:

"Em face do exposto e tudo ponderado, o Tribunal decide julgar a ação procedente e, em conformidade, condenar a R. Baia do Tejo, S.A., a pagar à A. Terriminas - Sociedade Industrial de Carvões, S.A., a quantia de€ 1.647.866,94, a título de capital, a que acrescem juros de mora, à taxa de juros comerciais, contados desde 28.12.2010 até efetivo e integral pagamento.

Mais decide o Tribunal absolver a R. do pedido de condenação por litigância de má fé formulado pela A.”.

18. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação.

19. A Autora e a Interveniente contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela Ré, e requereram a ampliação do objecto do recurso, requerendo que fosse deferida a sua reclamação relativa aos temas da prova.

20. A Ré respondeu à ampliação do objecto do recurso, pugnando pela sua inadmissibilidade.

21. Em 11 de Abril de 2023 a Ré requereu a junção aos autos de um documento, datado de 5 de Abril de 2023.

22. Em 21 de Abril de 2023, a Autora e a Interveniente responderam ao requerimento apresentado pela Ré, pugnando pelo seu indeferimento.

23. O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu:

I. — Não admitir a junção aos autos do documento apresentado pela ré em 11 de abril de 2023 e, em consequência, ordenar o seu desentranhamento eletrónico e devolução à apresentante.

II. — Rejeitar o conhecimento do recurso interposto em 30 de agosto de 2021, pela interveniente principal V..., SA", por inadmissibilidade da sua apresentação.

IIi. — Julgar improcedente o recurso de apelação deduzido pela ré "Baia do Tejo, SA" e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

IV. — Não conhecer, por inútil da ampliação do objeto do recurso apresentada pela autora e pela interveniente.

24. Inconformada, a Ré Baía do Tejo, S.A., interpôs recurso de revista.

25. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1) No caso sub judice, estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista (v.g.: conteúdo da decisão recorrida, alçada, sucumbência, legitimidade da Recorrente e tempestividade do recurso), não ocorrendo dupla conforme;

2) Nem a sentença de 1ª instância nem o acórdão da Relação recorrido conheceram das questões jurídicas (existência, validade e eficácia) relativas à compensação supostamente ocorrida entre o Estado Português, a Parpública e a Baía do Tejo suscitadas pela aqui Recorrente na resposta ao Articulado Superveniente apresentada em 01.12.2021 e nos seus requerimentos de 11.06.2018 e 30.04.2019 bem como as relativas ao Despacho do Senhor Secretário de Estado do Tesouro de 02.07.2010;

3) Porém, a fundamentação para essas decisões de não as apreciar foi substancialmente diferente;

4) Ora, essas questões são essenciais para a boa apreciação da causa, não havendo, em relação às decisões de não as apreciar, dupla conforme;

5) A Relação não apenas não conheceu da existência, invalidade e ineficácia da compensação, como não se debruçou sequer, nesta parte, de todo, sobre a aplicação do direito aos factos. Com efeito, no ponto 5.3 do acórdão recorrido, a Relação considera prejudicada a análise das questões suscitadas nas conclusões de recurso da recorrente(pontos 57 e ss. das conclusões de recurso, com exceção do ponto 80);

6) Por isso, a Relação não ponderou se os factos provados consubstanciavam, de facto, uma compensação, e mesmo se, em caso positivo, esta era válida e eficaz e, ainda se, nessa hipótese, a aqui Recorrente, por essa via, se devia considerar abonada pela DGT dos fundos necessários para pagar as faturas aqui em causa nesta ação;

7) Assim, nesta parte, não ocorreram, de todo, “duas apreciações sucessivas da mesma questão de direito em que a última é confirmatória da primeira”, muito menos com a mesma fundamentação, pelo que não há dupla conforme, sendo admissível a revista normal;

8) Na sessão da audiência de julgamento de 14.03.2022, o tribunal de 1ª instância decidiu o seguinte: “Relativamente à questão da compensação, não temos a menor dúvida que ela está, essa sim, fora do âmbito de instrução da causa, está perfeitamente delimitado o âmbito da instrução da causa nos termos que acima referi e a compensação não a integra.”;

9) Sucede que, desrespeitando o seu próprio despacho, que já havia transitado em julgado, declarou-se o seguinte na sentença de 1ª instância: “Assim, pese embora num primeiro momento, no decurso da audiência de julgamento, tenhamos rejeitado que a matéria da compensação estivesse em discussão, o desenvolvimento da produção da prova tornou claro que esta matéria é indissociável da que foi integrada nos temas da prova. A instrução da causa acabou, deste modo, por versar também esta matéria, relativamente à qual a R. se pronunciou no exercício do contraditório sobre o articulado superveniente apresentado pela IP (…)”;

10) Na sequência disto, a sentença de 1ª instância acabou mesmo por considerar extintos, por compensação, os créditos do Estado e da Recorrente, na medida do suposto encontro de contas, pelo que entendeu que a aqui Recorrente devia considerar-se abonada na quantia necessária para satisfazer o montante em dívida nestes autos, razão pela qual considerou vencidas as faturas aqui em causa e, por isso, condenou a aqui Recorrente no pedido;

11) Em face do acima exposto, a aqui Recorrente considerou, no seu recurso de apelação, que, tendo em conta o princípio da extinção do poder jurisdicional, consagrado no art. 613º/3 do CPC, que foi violado, o tribunal de 1ª instância não podia ter mudado de posição sobre as suas próprias decisões, não podendo apreciar a compensação. A Relação, porém, discordou da aqui Recorrente, porque entendeu que a compensação foi suscitada pelas Recorridas como meio de prova e não como instituto jurídico, alheando-se do facto de não ter sido sequer esse o entendimento da 1ª instância;

12) A Recorrente não se conforma com essa decisão da Relação, que pretende impugnar por esta via. Assim, mesmo que se entendesse, no que não se concede, que se verificava uma situação de dupla conforme, seria sempre de admitir, nesta parte, o presente recurso de revista ao abrigo do disposto nos arts 629º, n.º 2, al a) e art. 671º, n.º 2, alínea a), ambos do CPC;

13) Em 11 de abril de 2023, a aqui Recorrente requereu a junção aos autos de um documento novo, datado de 06.04.2023 e, por isso, objetivamente superveniente. Nesse documento, a Direção Geral do Tesouro, representada pela respetiva subdiretora geral, comunica aos revisores oficiais de contas da aqui Recorrente que “Os saldos credores e devedor agora transmitidos não preveem a compensação autorizada pelo despacho n.º 664/10-SETF, de 2 de julho, atenta a comunicação da Parpública de não aceitação da assunção da dívida correspondente ao saldo apurado após a compensação, o que impossibilita a execução plena do referido despacho”;

14) Porém, no acórdão recorrido, a Relação de Lisboa considera que o documento é inadmissível, devendo ser desentranhado;

15) A Recorrente não se conforma com essa decisão, sendo que, estando em causa a violação de disposições processuais pela Relação de Lisboa, no exercício dos respetivos poderes de reapreciação da matéria de facto, é também por esta via, admissível a revista normal;

16) A Recorrente não podia ter junto com a contestação o referido documento, uma vez que este apenas foi emitido em 5 de abril de 2023;

17) A emissão do referido documento – que não se dirige sequer à Baía do Tejo – não foi, de todo, ao contrário do que presumiu a Relação de Lisboa – obtido na sequência de diligências específicas da aqui Recorrente;

18) A junção ao processo deste documento, que não estava sequer formado – não existia sequer - antes de 5 de abril de 2023, cabe no âmbito do artigo 425º do CPC, que foi violado no acórdão recorrido;

19) Acresce que, na sessão da audiência de julgamento de 14.03.2022, o tribunal de 1ª instância considerou que “a compensação estava “fora do âmbito de instrução da causa”. Assim, para além de, objetivamente, a apresentação do documento não ter sido possível até àquele momento, a sua apresentação pela Recorrente em momento anterior ao do recurso da sentença não teria qualquer justificação;

20) Apenas com a sentença, que, de modo surpreendente e ao arrepio do que havia sido referido pela 1ª instância, apreciou mesmo esse facto – a alegada compensação – é que a junção deste documento se tornou necessária. Por isso, a Relação devia ter admitido a junção aos autos deste documento e, na sequência disso, ter alterado a decisão proferida sobre a matéria de facto (facto número 23), devendo ter considerado que não foram disponibilizados à Recorrente os fundos necessários ao pagamento da fatura 1, na parte atinente ao aterro e da fatura 2;

21) Com efeito, é a própria DGT que neste documento superveniente, pondo definitivamente cobro a esta querela com a Parpública e a Baía do Tejo, vem assumir e esclarecer que afinal os referidos créditos não foram extintos por compensação;

22) Assim, deve ser revogada esta decisão da Relação de Lisboa, que deve ser substituída por outra que, desta vez respeitando o artigo 425º do CPC, admita a junção ao processo do referido documento e, na sequência desta decisão, mande baixar o processo a fim da Relação fazer a reforma da decisão anulada (cf: artigo 684º/2 do CPC), o que desde já se requer;

23) Por despacho de 28/06/2021, o Tribunal a quo veio a alterar a redação da enunciação dos temas da prova, que passou a ter a seguinte formulação: “No caso em apreço importa apurar se a R. dispõe de fundos para proceder ao pagamento da fatura nº1, na parte atinente à despesa com aterro, e da fatura nº2, por lhe terem sido tais fundos disponibilizados pelo Estado depois de 4 de junho de 2010 (artigos 94º e 96º da petição inicial)”;

24) Já após a audiência prévia, veio a Interveniente V..., SA, em 18.11.2021, apresentar um Articulado Superveniente;

25) O novo facto constitutivo da sua situação jurídica que a V..., SA pretendeu deduzir naquele Articulado Superveniente foi o seguinte: através do despacho n.º 664/10, de 2 de julho de 2010, o secretário de Estado das Finanças determinou que o crédito da Baía do Tejo sobre o Estado por custos ambientais no valor de € 11.999.417,00 fosse compensado, na parte correspondente, com um crédito do Estado sobre a Baía do Tejo no valor de € 13.902.786,24, assumido pela Parpública, pelo que, por esta via, esta última teria assumido a obrigação de pagar também a quantia remanescente que a Baía do Tejo devia ao Estado;

26) Por despacho de 10/02/2022, o Tribunal recorrido veio decidir o seguinte: “Os factos alegados pela IP V..., SA não são de ocorrência superveniente, nem são de conhecimento superveniente, pelo que não se mostra verificado o pressuposto que legitima a dedução de articulado superveniente, o qual, deste modo, se indefere”;

27) Estando em causa um facto essencial principal ou nuclear, que faria necessariamente parte da causa de pedir (a compensação), estava vedado ao tribunal conhecer, na sentença, desse tema;

28) O tribunal de 1ª instância, logo na segunda sessão audiência final, ocorrida a 14/03/2022, proferiu o seguinte despacho quanto a esta matéria, que se pode ler na respetiva ata dessa sessão da audiência de julgamento: “Relativamente à questão da compensação, não temos a menor dúvida que ela está, essa sim, fora do âmbito de instrução da causa, está perfeitamente delimitado o âmbito da instrução da causa nos termos que acima referi e a compensação não a integra.”;

29) Porém, o tribunal decidiu apreciar na sentença os factos provados números 23 a 34, apesar destes não serem instrumentais nem complemento ou concretização dos essenciais que as partes tivessem alegado e resultassem da instrução da causa. Esses factos descrevem, passo por passo, por referência aos documentos juntos aos autos, o iter seguido nas alegadas assunção de dívida e compensação, tal como descritas nos artigos10º a 20º e 51º a 57º do Articulado Superveniente que i) veio a ser indeferido e que ii) o tribunal de 1ª instância entendeu, para além de qualquer dúvida, que não faziam parte da instrução do processo;

30) Este conjunto de factos que, materialmente, constitui a “assunção de dívidas” e “compensação”, não pode ser considerado neste processo seja para que efeito for, uma vez que constitui um facto essencial não alegado – ou, pelo menos, não alegado tempestivamente - pela A. e pela Interveniente;

31) A questão coloca-se também para o facto provado descrito sob o número 23, uma vez que, segundo o tribunal, “por força do despacho de 02.07.2010 do secretário de Estado do Tesouro e Finanças, que considerou extintos, por compensação, os créditos do Estado e da Ré, na medida do encontro de contas, a R. deve considerar-se abonada na quantia necessária para satisfazer o montante em dívida nestes autos, sendo essa a razão pela qual foi considerado provado o facto descrito sob 23” – página 36 da sentença recorrida;

32) Por isso, em síntese, a sentença, nesta parte, é nula, uma vez que o tribunal de 1ª instância não podia tomar conhecimento destes factos essenciais não alegados (cf.: art. 615º/, alínea d), do CPC), a que se deu corpo nos factos provados números 23 a 34;

33) A Relação, porém, considerou, no essencial, que a compensação não é referida nos autos como facto extintivo da obrigação mas apenas como meio de prova para fundamentar o facto que constitui o tema da prova e que foi referida nas várias sessões da audiência de julgamento e sobre a mesma foram proferidos dois despachos com os quais a aqui Recorrente se conformou, não tendo recorrido deles nem arguido a sua nulidade. Por isso, segundo a Relação, não pode agora vir suscitar o tema do excesso de pronúncia;

34) Porém, a alegada extinção de uma dívida (do Estado Português para coma Baía do Tejo) por compensação não constitui, manifestamente, uma disponibilização de fundos, mas antes uma causa de extinção das obrigações distinta do pagamento. Acresce que se a primeira instância tivesse entendido que a compensação não era referida nos autos como facto extintivo da obrigação do Estado Português para com a Baía do Tejo mas apenas como meio de prova para fundamentar o facto que constitui o tema da prova não a teria considerado fora da instrução da causa;

35) O argumento de que a compensação foi referida nas várias sessões da audiência de julgamento e sobre a mesma foram proferidos dois despachos com os quais a aqui Recorrente se conformou, não tendo recorrido deles nem arguido a sua nulidade também não colhe, uma vez que, em ambos os despachos, de 14 de março de 2022 e de 16 de março de 2022, o tribunal de 1ª instância deixou bem claro que a alegada compensação estava fora dos temas da prova e mesmo da instrução da causa, pelo que não teria cabimento que a Recorrente deles recorresse ou que arguísse a sua nulidade;

36) Em face do exposto, a decisão da Relação em causa deve ser revogada e substituída por outra que considere que a decisão de 1ª instância, nesta parte, é nula, uma vez que o tribunal não podia tomar conhecimento deste facto essencial não alegado, as ditas “assunção de dívida” e “compensação” (cf.: art. 615º/, alínea d), do CPC), a que se deu corpo nos factos provados números 23 a 34;

37) Mas, mesmo que, por absurdo, assim não se entendesse, não há qualquer dúvida de que não foi esse o entendimento do tribunal de 1ª instância, uma vez que este considerou precisamente que aquele extravasava os temas da prova, não estando, por isso, sujeito a instrução;

38) Apesar disso, o tribunal de 1ª instância vem referir, a páginas 44 da sentença (a numeração foi manual e efetuada pelo subscritor das presentes alegações) que: “Assim, pese embora num primeiro momento, no decurso da audiência de julgamento, tenhamos rejeitado que a matéria da compensação estivesse em discussão, o desenvolvimento da produção da prova tornou claro que esta matéria é indissociável daquela que foi integrada nos temas da prova. A instrução da causa acabou, deste modo, por versar também esta matéria, relativamente à qual a Ré se pronunciou no exercício do contraditório sobre o articulado superveniente apresentado pela IP.”;

39) Porém, tendo em conta o princípio da extinção do poder jurisdicional, consagrado no art. 613º/3 do CPC, que foi aqui grosseiramente violado, o tribunal de 1ª instância não podia ter mudado de posição sobre as suas próprias decisões;

40) Por outro lado, ainda que, por absurdo, o tribunal de 1ª instância pudesse alterar a decisão que proferiu - no que não se concede - tinha, naturalmente, de avisar disso as partes, comunicando-lhes, de modo fundamentado, a sua nova posição sobre o tema, isto é, no caso em apreço, tinha de lhes comunicar que, tudo visto, considerava que, afinal, o tema da compensação fazia parte da instrução do processo; por fim, na sequência dessa decisão, tinha de lhes dar tempo para preparar o caso a essa nova luz, permitindo-lhes apresentar a prova que julgassem adequada para esclarecer esses novos factos, o que não aconteceu, em prejuízo da defesa da aqui Recorrente;

41) Assim, o Tribunal recorrido, para além de ter permitido a discussão sobre um tema que consubstancia um facto essencial não alegado e que extravasa o âmbito dos temas da prova (e, bem assim, da instrução da causa), ponderou e refletiu esse mesmo tema na decisão recorrida, assim violando grosseiramente as regras do processo civil e, entre outros, o adequado exercício do direito de defesa da Recorrente, mormente o direito ao contraditório, tendo sido proferida uma decisão-surpresa, uma vez que não foi dada à aqui Recorrente a oportunidade de se pronunciar e de produzir prova sobre a alegada compensação;

42) Foram assim violados o artigo 3º do CPC (sobre o princípio do contraditório), com assento constitucional no artigo 32º/5 da CRP e os artigos 195º e 4º (sobre a igualdade das partes) do CPC;

43) Acresce que o tribunal de 1ª instância vem ainda dizer, a páginas 43 da sentença recorrida – presume-se, embora o tribunal não o refira, que para efeitos do art. 5º/2, alínea b), do CPC – que “(…) a instrução da causa acabou, deste modo, por versar também esta matéria, relativamente à qual a Ré se pronunciou no exercício do contraditório sobre o articulado superveniente apresentado pela IP.”;

44) O que resulta deste segmento da sentença não parece aceitável: a Interveniente alega os factos aqui em causa no Articulado Superveniente; esse Articulado Superveniente é indeferido pelo tribunal de 1ª instância; o tribunal entende que, por isso, esses factos estão fora da instrução do processo, proferindo despacho a esclarecê-lo ainda no decurso da própria audiência de julgamento, isto é, dito de outra maneira, o tribunal entendeu que estavam em causa factos essenciais não alegados pela A. e pela Chamada;

45) Tudo isto foi alegado no recurso de apelação. Porém, o Tribunal da Relação discordou, mais uma vez, da aqui Recorrente. Com efeito, com uma fundamentação sumária, considerou que os aludidos vícios eram in procedendo e não in judicando. Com todo o respeito, entende-se que não tem razão;

46) O que está em causa é que, uma vez que o tribunal de 1ª instância i) indeferiu o Articulado Superveniente apresentado pela V..., SA e, depois, ii) decidiu que a compensação se encontrava fora do âmbito de instrução da causa, não podia, depois, na sentença, sem mais, surpreender as partes e passar a entender que, afinal,“o desenvolvimento da produção de prova tornou claro que esta matéria é indissociável daquela que foi integrada nos temas da prova.”;

47) Por isso, a nulidade da sentença (e não qualquer nulidade processual), pelo motivo acima exposto, apenas tinha de ser invocada, como sucedeu, no recurso de apelação dela interposto;

48) Assim, deve entender-se que, nessa parte, a sentença de 1ª instância é nula, por constituir decisão surpresa, com o que isso implica.

49) Requer-se assim, tudo visto, que, nesta hipótese, seja revogada, nesta parte, a decisão da Relação e declarada nula a sentença de 1ª instância, por preterição do contraditório e por constituir uma decisão surpresa;

50) A páginas 44 da sentença o tribunal de 1ª instância declara que “(…) a este propósito entendemos, antes de mais, que em virtude do despacho evidenciado não ter sido objeto de oportuna impugnação, quer por meios graciosos, quer por meios contenciosos, o mesmo se consolidou na ordem jurídica. Esta circunstância veda-nos a apreciação das questões suscitadas pela R. sobre o aludido despacho, com uma exceção, que se reporta à arguição da nulidade da compensação, com fundamento na violação do disposto no artigo 853º/1, alínea a) do CC”;

51) A Recorrente considerou, no recurso de apelação, este segmento da sentença como sendo totalmente nulo. Com efeito, em primeiro lugar, desconhece-se em absoluto porque é que o tribunal considera que o referido despacho do Senhor Secretário de Estado do Tesouro e Finanças 1) não foi objeto de impugnação tal como se desconhece, para o aqui interessa, como é que, mesmo nesse cenário, 2) isso vedaria ao tribunal a apreciação das questões suscitadas pela aqui Recorrente;

52) É que o tribunal de 1ª instância não fundamentou a decisão relativa àquele facto - está em causa um facto “considerado provado”, embora tratado num local sistematicamente inadequado da sentença recorrida – bem como, para o aqui releva, a conclusão jurídica subsequente;

53) Porém, uma vez que, com base nesse facto e nessa conclusão jurídica, pretendeu que lhe estivesse vedada a apreciação das questões jurídicas suscitadas pela aqui Recorrente, foi arguida a nulidade no recurso de apelação, por total falta de fundamentação, quer da decisão tomada quanto àquele facto – que consiste na suposta falta de impugnação, graciosa ou contenciosa, do despacho proferido pelo Senhor Secretário de Estado do Tesouro e Finanças em 17.02.2010 – quer quanto àquela conclusão jurídica (cf: artigo 205º da CRP e arts. 154º do e 615º/1, alínea b), do CPC, que assim foram violados);

54) Por outro lado, importa não obnubilar, o referido facto prende-se, única e exclusivamente, com a compensação – tendo sido, claro está, também alegado no artigo 20º do Articulado Superveniente – e, por isso mesmo, está fora dos temas da prova e, segundo o próprio tribunal de 1ª instância, fora da instrução do processo, pelo que não podia ter sido também apreciado na sentença, nulidade que também foi arguida no recurso de apelação;

55) Aliás, como também ali se arguiu, não foi sequer dada oportunidade à aqui Recorrente de fazer contraprova daquele facto (isto é, da suposta não impugnação daquele despacho do Senhor Secretário de Estado), uma vez que a compensação foi considerada fora da instrução do processo;

56) De todo o modo, quanto a esta última conclusão jurídica, entende a Recorrente que, se, como aqui sucedeu, um despacho administrativo partir de um pressuposto errado (neste caso, que a Parpública assumiu uma determina dívida), não é preciso impugnar esse despacho para pôr em causa esse pressuposto de base. É que, no que concerne a essa premissa, o despacho não introduziu qualquer alteração na ordem jurídica;

57) De resto, o Despacho em causa não constitui um ato administrativo, uma vez que não foi produzido ao abrigo de normas de direito público que visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta;

58) No caso do Despacho de 2010 do SET, aqui em causa, não existe manifestamente nenhuma norma de direito público que regule a relação entre o Estado e a BdT de forma tal que o Estado fique investido de um poder de autoridade na sua definição, sendo a declaração de compensação contida no Despacho proferida ao abrigo de regras de direito civil;

59) Não sendo ato administrativo, o Despacho não podia ser “impugnado”, porque só são impugnáveis os atos administrativos, não os atos praticados ao abrigo do direito civil por entidades públicas, incluindo o Estado e, portanto, não se consolidou o Despacho na ordem jurídica por mero decurso do tempo, como se fosse um ato administrativo sujeito aos prazos de impugnação prescritos no CPTA;

60) Foi assim violado, na sentença, o artigo 148.º do CPA2015;

61) Por outro lado, nos termos do art.º 481.º, n.º 1 do CSC, nem o art.º 491.º, nem o art.º 503.º do CSC eram aplicáveis, em 2010, às relações entre o acionista Estado e a BdT (ou entre o Estado e a Parpública);

62) Também por essa via, portanto, o Despacho não tem sequer a virtualidade de constituir um dever de obediência da BdT que esta tivesse de “impugnar”, nos restritos termos do art.º 503.º do CSC, sendo por isso, em súmula, errada a tese da sentença de que o Despacho se consolidou na ordem jurídica;

63) O Tribunal da Relação discordou também da Recorrente sobre esta matéria, tendo considerado que i) não pode a Recorrente, após um documento ter sido junto por si, e ter provado a matéria que não lhe é favorável, vir arguir a nulidade do segmento da sentença que a mesmo respeita, 2) a compensação foi suscitada pelas Recorridas como meio de prova e não como instituto jurídico, pelo que as questões jurídicas (invalidade e ineficácia) suscitadas pela aqui Recorrente quanto à compensação são irrelevantes, tendo, ademais, sido suscitadas em resposta ao Articulado Superveniente, que não foi admitido;

64) Acrescentou que não há nulidade por falta de fundamentação dos factos porque se verifica que a sentença não omite totalmente os factos ou o direito em que assenta a decisão e que, em face disto, fica prejudicada a análise da matéria de direito constante dos pontos 57 e ss das conclusões de recurso da Recorrente;

65) Ora, não consta do processo qualquer documento – ou qualquer outra prova -que demonstre que o despacho em causa não foi impugnado, que é o que está aqui em causa, sendo que não é admissível que o tribunal aceite tomar conhecimento da compensação, que é alegada no Articulado Superveniente não admitido, mas não aceite tomar conhecimento da sua invalidade e ineficácia, que foi alegada na respetiva resposta (e em vários outros requerimentos prévios, como se referiu supra), com base no argumento de que o Articulado Superveniente não foi admitido;

66) Há, insiste-se, nulidade da decisão quanto a este ponto da matéria de facto – e não de toda a sentença, como agora refere a Relação de Lisboa – uma vez que se verifica efetivamente uma total omissão dos fundamentos em que assentou a decisão de considerar provado que não foi impugnado o referido despacho do Senhor Secretário de Estado do Tesouro;

67) Acresce que quer a decisão da 1ª instância quer a da Relação omitem por completo a fundamentação da suposta consequência jurídica dessa não impugnação;

68) Efetivamente, sobre esta matéria, a Relação, mal, pelo menos da perspetiva da Recorrente, declarou que inexistia qualquer nulidade, mas não se abalançou, como lhe cumpria, a apreciar se o facto foi ou não corretamente julgado; Há aqui, assim, omissão de pronúncia por banda da Relação;

69) Por outro lado, a Relação limitou-se a considerar prejudicadas as questões de direito constantes das conclusões 57 e ss de recurso da recorrente, isto é, não apreciou se, mesmo tendo sido aquele facto corretamente julgado, a conclusão jurídica retirada pela primeira instância era a adequada em face da lei aplicável ou se, bem vistas as coisas, nunca estaria vedado ao tribunal julgar as questões suscitadas pela R. sobre o aludido despacho;

70) Assim, nesta parte, há omissão de pronúncia por banda do tribunal da Relação sobre a questão substantiva suscitada pela Recorrente, uma vez que esta defendeu que, em qualquer cenário, em face da lei substantiva aplicável, nunca estaria vedado ao tribunal conhecer das questões suscitadas pela R. sobre o aludido despacho (conclusões 59 a 64 das alegações de apelação);

71) Importa assim revogar esta decisão da Relação, que deve ser substituída por outra que aprecie se o facto em causa foi ou não corretamente julgado e que, se for caso disso, aprecie também se, mesmo tendo sido corretamente julgado, a conclusão jurídica retirada pela primeira instância era a adequada em face da lei aplicável ou se nunca estaria vedado ao tribunal julgar as questões suscitadas pela R. sobre o aludido despacho;

72) Neste último caso, deve igualmente conhecer-se das questões suscitadas pela Ré sobre o aludido despacho. Com efeito, entende-se, de modo subsidiário, que, se se considerar que o tribunal podia ter apreciado o tema da compensação, no que não se concede, então teria também de ter considerado provado os seguintes factos, com relevância para a boa decisão da causa: a) O crédito invocado pelo Estado Português sobre a Baía do Tejo, no valor total de € 13.902.786,24, resulta da soma dos preços da cessão de créditos de 29.11.1996 e da compra e venda de prédio urbano outorgada em 26.02.1998 e 20.03.1998 e b) Esses preços apenas terão de ser pagos quando e na medida em que a Baía do Tejo os possa pagar;

73) Sobre esta matéria, o tribunal da Relação, mais uma vez, considerou apenas que a compensação foi suscitada pelas Recorridas como meio de prova e não como instituto jurídico, pelo que as questões jurídicas (existência, invalidade e ineficácia) suscitadas pela aqui Recorrente quanto à compensação são irrelevantes, tendo, ademais, sido suscitadas em resposta ao Articulado Superveniente, que não foi admitido;

74) A Recorrente não se conforma com essa decisão, entendendo que se o tribunal aceita apreciar a compensação, tem obrigação de verificar se, como sustenta a Recorrente, esta, a existir, seria inválida ou, pelo menos, ineficaz, isto é, tem de apreciar as exceções oportunamente deduzidas pela aqui Recorrente;

75) De outro modo, ocorrerá, como aqui sucede, uma omissão de pronúncia, com violação do art. 615º/1, alínea d), do CPC;

76) Assim, na hipótese de se entender que o tribunal pode apreciar o tema da compensação, então a decisão tomada pela Relação sobre esta matéria deve ser substituída por outra que determine à 1ª instância a apreciação dos referidos factos;

77) Quanto ao direito, assinala-se apenas que, como resulta da sentença recorrida (factos provados 14 a 18) as obrigações aqui em causa só seriam exigíveis se, e quando, a U..., SA e, atualmente, a aqui Recorrente, se encontrassem em condições de cumprir, isto é, se e quando o Estado Português lhes disponibilizasse os meios financeiros necessários ao pagamento destas faturas;

78) Como se referiu supra, o tema da putativa assunção da dívida da Baía do Tejo ao Estado Português pela Parpública e da suposta compensação não pode ser considerado, para efeito nenhum, nesta ação;

79) Porém, mesmo que assim não se entendesse, a verdade é que, como se demonstrou supra, não ocorreu qualquer assunção de dívida nem qualquer compensação;

80) Mas, ainda que assim também não se entendesse, a compensação em causa nunca poderia ter operado;

81) Com efeito, foi contratualmente estabelecido entre as partes nos respetivos contratos que deram origem aos créditos do Estado sobre a Baía do Tejo que estes apenas seriam pagos quando e na medida em que as devedoras tivessem capacidade para o efeito;

82) Trata-se de cláusulas “cum potuerit”, isto é, o pagamento daqueles créditos ficou dependente da possibilidade das devedoras (vide: artigo 778º/1 do Código Civil) - e, por isso, após a fusão, das possibilidades da Baía do Tejo;

83) Assim, a obrigação só seria exigível se, e quando, a Baía do Tejo se encontrasse em condições de cumprir;

84) Em conformidade com as regras gerais, o ónus da prova de que a Ré se encontra, nos termos e condições ajustados, em condições de cumprir, cabe ao Compensante;

85) Dito de outra maneira, o Estado Português nunca poderia, sem antes ter garantido que as condições económicas da Baía do Tejo o permitiam, ter-se livrado da sua obrigação por meio de compensação com esta obrigação “cum potuerit”;

86) Ou seja, nunca estiverem reunidos os requisitos para o Estado Português compensar aqueles créditos;

87) Assim, mesmo se, por absurdo, fosse válida – no que não se concede – aquela compensação sempre seria ineficaz, o que, subsidiariamente, requer-se que seja declarado;

88) Tendo tudo isto em conta, requer-se que se mande baixar o processo, a fim de ser fazer a reforma da decisão anulada, uma vez que, aplicando-se corretamente o direito aplicável, substantivo e adjetivo, verificar-se-á que não se demonstrou que o Estado Português disponibilizou à Baía do Tejo, até hoje, os meios financeiros necessários para pagar as faturas aqui em causa;

89) Por isso, estas faturas não estão sequer vencidas, razão pela qual a aqui Recorrente deve, após a reforma da decisão final, ser absolvida do pedido.

NESTES TERMOS

Deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra em conformidade com as conclusões supra. […]

26. A Autora Terriminas, Sociedade Industrial de Carvões, Lda., contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso e requerendo a condenação da Autora como litigante de má fé.

27. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

1. A sentença de 1ª instância está perfeitamente fundamentada e não é, in casu, objecto de recurso de revista.

2. A compensação foi convocada como meio de prova e não como facto constitutivo do direito da A.

3. A fundamentação da sentença e do acórdão recorrido é essencialmente a mesma.

4. Verifica-se uma situação de dupla conforme, que impede a admissão de recurso de revista normal.

5. Não há qualquer razão para ser recebida a revista como excepcional.

6. Inexistem quaisquer nulidades do acórdão impugnado, razão pela qual também não é admissível recurso de revista normal.

7. As nulidades da sentença de 1ª instância só podem ser decididas pela Relação não havendo possibilidade de serem apreciadas no STJ, pois estamos perante uma decisão que só cabe à Relação (cfr. artigo 673.º, corpore).

8. E quanto às nulidades do acórdão recorrido, de acordo com a mais recente jurisprudência do Supremo, as mesmas estão arredadas do conhecimento do recurso de revista.

9. Os factos que constituem a causa petendi ficaram totalmente provados, o que obriga à procedência da acção.

10. Está verificada, pois, a condição que impedia o pagamento da dívida d[a] Ré à Autora.

11. A Ré requereu a prestação de caução, e procedeu ao depósito da quantia respectiva à ordem do Tribunal o que prova as possibilidades de solvência da Recorrente.

12. A Recorrente agiu nitidamente de má-fé, devendo ser condenada como litigante de má fé, fé, em multa e indemnização nunca inferior a 50.000 €.

Nestes termos e nos mais de Direito:

Não deve ser admitido o recurso de revista, devendo a R./recorrente ser condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização nunca inferior a 50.000 €.

28. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código do Processo Civil), as questão a decidir, in casu, consistem em determinar:

I. — se o Tribunal da Relação violou a lei de processo, ao não admitir a junção do documento com a data de 6 de Abril de 2023 (conclusões 13-22 do recurso de revista);

II. — se o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação incorreram em ofensa do caso julgado formado sobre a decisão de excluir a compensação do âmbito de instrução da causa (conclusões 8-12 e 37-39);

III. —se o Tribunal de 1.ª instância ofendeu o princípio dispositivo, ao dar como provados factos essenciais não alegados pela Autora, agora Recorrida (conclusões 23-36);

IV. — se o Tribunal de 1.ª instância ofendeu o princípio do contraditório, ao dar como provada a compensação depois da afirmação de que estava excluída do âmbito da instrução da causa (conclusões 40-49);

V. — se as instâncias podiam dar como provado o facto n.º 23 sem se pronunciarem sobre a validade e a eficácia da compensação (conclusões 72-89);

VI. — se as instâncias podiam dar como provado o facto n.º 23 pressupondo, sem darem como provado, que o despacho Senhor Secretário de Estado do Tesouro e Finanças não tivesse sido impugnado (conclusões 50-71 do recurso de revista).

OS FACTOS

29. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes::

1. A R. tem por objeto o desenvolvimento e gestão de parques empresariais, promoção da implantação nesses parques de atividades industriais, comerciais e de serviços, e bem assim o fornecimento aos mesmos dos apoios necessários (Io p.i.).

2. Está inscrito, pela Menção Dep. 957/2009-02-04, "Projecto de Fusão", na modalidade de transferência global de património, figurando como sociedades incorporadas U..., SA e S..., SA, e como sociedade incorporante Q..., SA (2o e 3o p.i.).

3. Em contrato celebrado em 22.05.2001,com a sociedade U..., SA, o consórcio formado pela A. e pela sociedade comercial V..., SA., comprometeu-se a "retirar, transportare depositar no local aprovado e nas condições aprovadas, os resíduos de pós de despoeiramento do forno elétrico, acumulados na Fábrica da ... da Siderurgia Nacional -E..., SA, e correspondentes ao período anterior à reprivatização desta empresa, resíduos estes cuja responsabilidade de remoção foi assumida pelo Estado e está atualmente cometida à U..., SA" (6o p.i.).

4. Foi acordado que o destino do material a remover seria o previsto no projeto de recuperação ambiental e paisagística da escombreira das antigas minas de ..., no concelho de ... (7o p.i.).

5. As partes convencionaram que os trabalhos seriam pagos ao Consórcio, e que "Com base nas situações periódicas (quinzenais) das quantidades de material removido serão emitidas as faturas relativas aos trabalhos realizados, as quais, após verificação das situações, serão pagas, sempre que possível, dentro do prazo de 30 dias" (8o p.i.).

6. O prazo previsto para a execução dos trabalhos contratados foi de cerca de seis meses, com início em 01.06.2001 (9o p.i.).

7. As partes contratantes convencionaram ainda que "É mantida a reserva de o programa se poder distribuir por mais de um período, podendo os trabalhos ser interrompidos em qualquer altura pela U..., SA, tendo em conta a possibilidade de não estar concretizada a disponibilização dos meios financeiros necessários à realização desta operação, que constitui responsabilidade do Estado português" (10° p.i.).

8. Em execução do contrato celebrado, a A., no período temporal decorrido entre 01.01.2002 e 31.01.2002, retirou, transportou e depositou em aterro os pós de despoeiramento do fomo elétrico acumulados na Fábrica da ... da Siderurgia Nacional, correspondentes ao período temporal anterior à reprivatização da empresa (ll°p.i.).

9. Esses trabalhos mostram-se titulados por autos de medição elaborados em 15.01.2002 e 31.01.2002, respetivamente (does. 3 e 4), e nas faturas n°s 1 e2 de 2005 (does. 5 e6)(12°e 13° p.i.).

10. A fatura n° 1 de 2005 está datada de 05.01.2005, tem aposto o valor de € 780.199,68 e respeita aos seguintes serviços: "aterro - situação 15", "carregamento - situação 15" e "transporte- situação 15" (13°p.i.).

11. A fatura n°2 de 2005 está datada de 05.01.2005, tem aposto o valor de € 1.012.561,48 e respeita aos seguintes serviços: "aterro - situação 16", "carregamento - situação 16" e "transporte - situação 16" (13o p.i.).

12. Os serviços de carregamento e transporte descritos na fatura n° 1 de 2005 haviam sido inscritos na fatura R-N° 2, datada de 13.05.2003, com o valor de € 144.894,22, a qual foi paga pela R. (284° cont.).

13. Nos termos da fatura n° 1 de 2005 o valor correspondente aos serviços de aterro, com IVA, é de €635.305,46 (285° cont.).

14. A A. instaurou ação declarativa contra a sociedade U..., SA, que correu termos sob o n° 4155/05, no Io Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca do ..., pedindo a condenação dessa R. a pagar-lhe o valor de € 1.647.886,94, a título de remuneração correspondente a serviços prestados e não pagos por esta, titulados pelas faturas n°s 2, 3,4, 6, 8, 9, 10 e 11 de 2001,1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 de 2002, 2 e 3 de 2003, e 1 e 2 de 2005 (18° p.i.).

15. Na sobredita ação foi proferida Sentença, a 04.06.2010, que, julgando a ação procedente, condenou a R. a pagará A. a quantia de € 1.665.866,94 (19°p.i.).

16. Foi depois proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a 05.06.2012, onde se decidiu julgar a apelação parcialmente procedente, e em consequência alterar a decisão sobre a matéria de facto, e corrigir o lapso temporal cometido, condenando a R. a pagará A. o montante global de € 1.647.866,94 (19°p.i.).

17. Foi, por último proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, a 10.01.2013, onde se decidiu revogar o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, designadamente com a seguinte fundamentação:

"Para a recorrente, do ponto 37'." dos factos provados não se pode concluir que os serviços indicados naquelas faturas foram totalmente efetuados, de uma perspetiva qualitativa e quantitativa.

Não acompanhamos a recorrente nesta sua afirmação que faz.

Deste texto, que resultou da resposta ao quesito 8." e integra o facto assente n.° 37 - «as facturas n."s 1 e 2 referem-se a trabalhos de remoção, carregamento, transporte e colocação em aterro, dos resíduos denominados de pós de despoeiramento acumulados no depósito das instalações da fábrica da ..., sob instruções da Ré, e colocados em aterro no local aprovado e em estrito cumprimento do contrato celebrado entre as partes em 22/05/2001» - flui naturalmente ao atento intérprete que, segundo o que foi pactuado entre as partes e conforme solicitação da ré, a autora fez trabalhos de remoção, carregamento, transporte e colocação em aterro dos resíduos de pós de despoeiramento acumulados no depósito das instalações da fábrica da ...; e que as facturas ai discriminadas materializam esses serviços concretizados^…)

Estando ajustado o prazo de trinta dias para o pagamento das faturas — mas apenas se isso for possível - este período de tempo poderá ser alongado se, como ficou acordado, a credora comprovar que a devedora não estava inibida de cumprira sua obrigação naqueles primeiros trinta dias.

Divergindo do entendimento da Relação, dizemos nós que esta disposição pode caracterizar-se também, alargadamente ("lato sensu"), como uma cláusula "cum potuerit" (cláusula segundo a qual o devedor cumpre a obrigação quando puder) porquanto, decorridos aqueles trinta dias para o seu cumprimento, a obrigação terá de ser diferida no tempo, nos termos epelo modo como for demonstrado que o devedor pode realizar a prestação.

Quer isto dizer que, não estando demonstrado que a devedora/recorrente pôde realizar a sua prestação no prazo de trinta dias, nem estando comprovado o momento a partir do qual ela se tornou possível, está a autora/recorrida impedida de exigir da ré/recorrente o pagamento das facturas relativas aos trabalhos realizados, que roga na presente acção." (19”p.i.).

18. A A. instaurou ação declarativa contra a sociedade U..., SA, que correu termos sob o n° 7627/06.5..., no 2o Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca do ..., na qual peticionou a condenação da R. no pagamento de € 1.606.521,07, a título de juros de mora relativos às faturas n°s 2, 3, 4, 6, 8,9, 10 e 11 de 2001, 1,2,3,4,5, 6 e 7 de 2002, e 2 e 3 de 2003(72°p.i.).

19. A ação foi julgada improcedente por Sentença proferida a 22.08.2011, tendo esta decisão sido confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.12.2012 e por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.06.2013 (74°p.i.)

20. Escreveu-se o seguinte na fundamentação do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça:

«O que está em causa nos autos é a questão de saber se a recorrida deve indemnizar a A. pela mora no pagamento das facturas por esta emitidas.

Tudo tem a ver com a interpretação da expressão incluída na cláusula 5" do contrato "sempre que possível”.

Ficou, assim, provado que a R pagaria as facturas emitidas pela A no prazo de 30 dias a contar da respectiva emissão, sempre que possível.

A formulação da condição pela positiva "sempre que possível", em lugar de pela negativa "a não ser que lhe não seja possível", aproxima-a da cláusula “cum potuerit", lançando sobre a A. o ónus de provar a disponibilidade financeira da R para pagar nos prazos fixados.

No entanto, há mais factos provados relevantes para a decisão:

"57 - Entre a A e a R foi ajustada a cláusula quinta do acordo referido em A) com vista a prevenir a não disponibilização dos encargos financeiros por parte da DirecçãoGeral do Tesouro.

58. - E era do conhecimento da A que a R apenas celebraria o acordo referido em A com a menção dessa cláusula.

59. - A Direcção-Geral do Tesouro, após o início dos trabalhos, apenas disponibilizou as verbas necessárias para que a R efectuasse o pagamento dos trabalhos prestados pela A no ano de 2005.

60 - A R informou a autora que não poderia assumir os pagamentos com recurso a disponibilidades financeiras próprias.

61 - Por via disso, a A resolveu ceder os seus créditos com vista a que os trabalhos referidos em A) prosseguissem.”

Resulta inequivocamente destes factos que as partes, ao incluírem na cláusula 5" do acordo a expressão "sempre que possível" pretenderam prevenir a possibilidade de a Direcção -Geral do Tesouro não disponibilizar em tempo as verbas necessárias ao pagamento pontual das facturas.

O pagamento pontual das facturas ficou condicionado à libertação das verbas necessárias pela Direcção-Geral do Tesouro e não às disponibilidades financeiras da própria R.

Fica, assim, claramente prejudicada a impugnação que a recorrente faz do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na medida em que a sua pretensão era que o tribunal considerasse provado que a R dispunha de meios financeiros para pagar pontualmente as facturas por si emitidas.

Está por outro lado provado que a Direcção-Geral do Tesouro só disponibilizou as verbas necessárias ao pagamento das facturas no ano de 2005.

Não houve violação do acordo por parte da R., não existe ilícito contratual e não há lugar à indemnização pela mora nos pagamentos, pedida pela A.»

21. Nas contra-a legações que apresentou no Processo n° 7627/06.5..., a R. impugnou, a título subsidiário, o facto aí julgado provado de que a Direção-Geral teria disponibilizado as verbas necessárias ao pagamento das faturas no ano de 2005.

22. Mas porque a Sentença do Tribunal de Ia Instância e o Acórdão do Tribunal da Relação foram favoráveis à R., foi considerado prejudicado o conhecimento da impugnação acima referida.

23. Depois de 04.06.2010 foram disponibilizadas à R., pela Direção-Geral do Tesouro, os fundos necessários para proceder ao pagamento da fatura n° 1, na parte atinente à despesa com o aterro, e da fatura n° 2 (94° e 96° p.i.).

Mais se provou que:

24. O Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Dr. AA, assinou, em 02.10.2008, o Despacho n° 814/2008-SETF, cuja parte decisória tem o seguinte teor:

"Determino, ouvido o Conselho de Administração da Parpública, o seguinte:

1. O reconhecimento das responsabilidades do Estado perante a U..., SA no âmbito do Acordo de "Responsabilidades pelos Custos Ambientais" nos exactos termos que foram delimitados pelo acórdão do Tribunal Arbitral a concretizar mediante o referido Acordo de Transacção e, nessa medida, que:

i. Seja realizado o pagamento das importâncias devidas nessa conformidade pelos trabalhos de remoção já efectuados pelo consórcio Terriminas/V..., SA;

ii. Sejam adoptados procedimentos de contratualização dos trabalhos de remoção a realizar em execução do Acórdão, devendo ser definido um prazo de conclusão e eventuais mecanismos sancionatórios para o caso de atraso;

2. A constituição de uma comissão de acompanhamento a quem caberá a definição do procedimento de validação das importâncias a pagar na sequência das remoções ainda a levara cabo para dar cumprimento ao acórdão do Tribunal Arbitral (…)”.

25. A Parpública dirigiu uma carta à Direção-Geral do Tesouro, datada de 23.03.2009, da qual consta, designadamente, o seguinte:

"No quadro da reprivatização da Siderurgia Nacional o Estado, através do Acordo de Responsabilidade por Custos Ambientais celebrado em 25 de Julho de 1995, assumiu o compromisso de proceder à limpeza ambiental dos terrenos que integravam o património da sociedade reprivatizada, passivo ambiental que decorria da actividade siderúrgica prosseguida até àquela data.

Tendo em vista o cumprimento daquela responsabilidade a U..., SA foi encarregue de proceder aos trabalhos de limpeza ambiental previstos naquele Acordo. Em execução desta missão até Outubro\2008 a U..., SA havia suportado custos no montante global de 11.072.718,22 €, dos quais o Estado já reembolsou 5.408.597,74 €,pelo que permanece ainda em dívida o montante de 5.664.120,48 € cujo reembolso ficou suspenso da certificação da prestação efectiva dos serviços pagos pela U..., SA, o que veio a verificar-se através do Despacho n°814/2008-SETF proferido pelo senhor Secretário de Estado do Tesouro e Finanças em 2 de Outubro último.

Entretanto, por razões diversas, não foi possível concluir o processo de limpeza ambiental situação que deu origem a um contencioso movido pela E..., SA. No âmbito deste contencioso foi constituído um Tribunal Arbitral cuja decisão final, adoptada em 28 de Setembro de 2007, não só confirma a efectiva realização dos serviços já facturados (incluindo aqueles cujo reembolso não tinha sido solicitado pela U..., SA dado que o seu pagamento está ainda dependente de acções judiciais em curso) como afirma que, para honrar a responsabilidade assumida, o Estado deverá proceder-se a trabalhos adicionais (designadamente de remoção e substituição de solos) sendo ainda devida à E..., SA uma indemnização.

No entanto, também aquela decisão foi objecto de recurso tendo o referido contencioso subsistido até à data da conclusão do processo de reprivatização. De acordo com as orientações do Estado foi possível, no contexto daquela transacção, estabelecer uma base de entendimento que permitiu finalmente ultrapassar o contencioso existente e que se reflectiu no próprio contrato de compra e venda das acções. Com efeito o referido contrato estabelece na sua cláusula 3a um "Compromisso Adicional" nos termos do qual

"1. A Parpública, directamente e através da sua participada U..., SA, obriga-se, também em benefício da E..., SA, à resolução dos aspectos remanescentes de responsabilidade por custos ambientais assumidos por entidades públicas no âmbito das anteriores fases do processo de reprivatização.

2. Para efeitos do estabelecido no número anterior, consideram-se como obrigações decorrentes da responsabilidade por custos ambientais por entidades públicas no âmbito de anteriores fases do processo de reprivatização e ainda não cumpridas, as mencionadas na decisão proferida pelo Tribunal Arbitral em 28 de Setembro de 2007, que aqui se dá por integralmente reproduzida

A minuta deste contrato foi, como de início se refere, aprovada pelo Despacho n° 1178/2008-SETF assinado pelo senhor Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças em 18 de Dezembro.(…)

Orçamento dos Encargos ainda a suportar pelo Estado decorrentes das responsabilidades assumidas no âmbito de reprivatização da SN - Longos

Encargos por Serviços já Prestados — 9.470.616,88 €

(confirmados nos termos da decisão do Tribunal Arbitral)

Valor em dívida relativo a serviços já pagos pela U..., SA 5.664.120,26 € cuja responsabilidade do Estado foi reconhecida pelo Desp 814/2008-SETF, de 2 de Outubro

Valor pago em Dezembro/2008 na sequência da decisão sobre acção judicial intentada pelo Totta Crédito Especializado - 505.882,08 €

Valor das Acções Judiciais intentadas pela Terriminas e ainda pendentes de decisão (...)-3.300.614,54 €

Assim, sendo aprovado este orçamento para os encargos com a limpeza ambiental ainda não pagos pelo Estado, a receita líquida gerada pela reprivatização de 10% do capital da E..., SA situa-se em 20.000.583 €.

A dedução daquelas despesas à receita bruta obtida pela Parpública, permite a regularização integral da dívida do Estado decorrentes dos compromissos assumidos no quadro do processo de reprivatização da E..., SA, iniciado em 1995 e concluído com o presente transacção.”

26. Foi elaborada uma Informação, na Direção-GeraIdo Tesouro e Finanças, pela Dra. BB, em 30.12.2009, a qual foi submetida a despacho a 19.01.2010, tendo o Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Dr. AA, exarado o despacho “Visto".

Consta, designadamente, o seguinte, da referida Informação:

"Em face do exposto, conclui-se que:

a) O valor de €11.999.471,31 não pode ser admitido como encargo especificamente resultante desta 3a fase do processo de reprivatização da SN - Longos, tal como propõe a Parpública, uma vez que decorre das responsabilidades por custos ambientais reconhecidas pelo Estado perante a U..., SA, nos exactos termos do Acórdão Arbitral, e não um encargo gerado, em termos estritos, pela reprivatização.(…)

b) O cumprimento da obrigação assumida pelo Estado perante a U..., SA no processo vertente pode ser concretizado através da introdução de previsão específica no projecto de Orçamento do Estado para 2010, no âmbito da regularização de responsabilidades, de modo a dar cumprimento às responsabilidades assumidas pelo Estado perante a U..., SA em sede do Acordo de "Responsabilidade pelos Custos Ambientais", nos exactos termos que foram delineados pelo acórdão arbitral e atendendo ao acordo de transacção;

c) Para efeito de determinação do valor respectivo a inserir no Orçamento do Estado para 2010, deverá ser solicitada à Comissão de Acompanhamento a validação dos montantes em causa, tal como prevê o ponto 2. do Despacho n.° 814/2008-SETF, de 2 de Outubro.”

27. Consta ainda deste ofício um parecer da Diretora CC, no qual se expressa a concordância com o entendimento vertido na Informação e se declarar juntar ao expediente um projeto de despacho que procede à afetação à Parpública de parte da receita (cerca de 20 M€) gerada com a 3a fase de reprivatização da E..., SA para aplicação no financiamento parcial do montante que realizou em numerário no âmbito da constituição de P..., SA.

28. Na sequência do Despacho de 19.01.2010,0 Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Dr. AA, assinou, em 17.02.2010, o Despacho n° 147/10-SETF, no qual se determina que a receita de 32 milhões de euros, decorrente da terceira e última fase de reprivatização da Siderurgia Nacional - E..., SA, seja aplicada nos seguintes termos: 20% em novas aplicações de capital no setor produtivo, designadamente no financiamento parcial do montante realizado em numerário no âmbito da constituição da P..., SA; o remanescente, para amortização da dívida pública.

29. A Parpública remeteu uma carta à Direção-Geral do Tesouro, datada de 12.02.2010, da qual consta, designadamente, o seguinte:

“(...) Tendo em vista a regularização desta dívida a Parpública dirigiu, em 23 de Março de 2009, ao senhor Secretário de Estado do Tesouro e Finanças uma proposta no sentido do correspondente valor ser considerado como despesa de reprivatização e portanto abatido à receita a entregar ao Estado na sequência da concretização da última fase de reprivatização da E..., SA. Até ao momento desconhecemos que tenha sido proferida decisão sobre aquela proposta, mantendo-se ainda como dívida do Estado o referido valor de 11.999.417 €.

Em face do que precede admite-se oportuno sugerir a possibilidade de considerar a regularização dos créditos acima referidos mediante a sua compensação directa, o que permitiria regularizar as relações financeiras entre o Estado e a sociedade Baía do Tejo, SA através do pagamento ao Estado do valor de 1.903.370 € correspondente ao diferencial entre a dívida e o crédito do Estado.

Não sendo considerada esta possibilidade da compensação e havendo todo o interesse em regularizar a situação da dívida ao Estado apesar da coexistência do já referido crédito, julga-se oportuno apresentar ainda uma proposta alternativa.

Assim, atendendo a que, por um lado a Baía do Tejo SA integra o Grupo Parpública, e por outro lado a Parpública detém um crédito sobre o Estado no montante de 532.156.938,37 € referente à entrega de receita de reprivatização da EDP ainda não objecto de compensação, considera-se de propor a regularização da dívida da Baía do Tejo ao Tesouro, no montante de 13.902.786,24 6 por contrapartida na dívida do Tesouro à Parpública.

A ser aceite esta forma de regularização, a Parpública constituir-se-á credora da Baía do Tejo, SA no referido montante de 13,9 milhões 6, extinguindo-se a dívida da sociedade para com o Tesouro, enquanto a dívida do Estado à Parpública, decorrente da entrega de receitas de reprivatização, passará a corresponder a 518.254.152,12 € (a que acresce ainda o valor de 9.396.008,56 € relativo a saldos por regularizar no âmbito da liquidação do IPE).

Caso seja aceite a possibilidade de compensação directa entre a dívida e o crédito do Estado, a regularização do valor coirespondente ao diferencial aqueles montantes poderá igualmente ser efectuada por abatimento ao crédito da Parpública sobre o Tesouro.”

30. Foi elaborada uma informação, na Direção-Geral do Tesouro e Finanças, datada de 17.05.2010, sobre a qual o Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Dr. AA, exarou o despacho "Visto com o meu acordo ao proposto no ponto 8”.

Consta, designadamente, o seguinte, da referida Informação:

"1. Foi remetida a esta Direcção-Geral uma carta da Parpública - Participações Públicas (SGPS), SA na qual esta entidade propõe a regularização de créditos do Estado sobre as sociedades em epígrafe [S..., SA e U..., SA] no montante de cerca de 13,9 M€. A proposta envolve também uma dívida do Estado à Parpública de perto de 12,0M€ e um crédito detido pela Parpública sobre o Estado no valor de 532,2 M€, este relativo à entrega da receita de privatizações da EDP, ainda não objecto de compensação pelo Estado.

2. Por força da extinção da E..., SA foi transmitido para o acionista único, o Estado, através desta Direcção-Geral, o respectivo património residual activo e passivo, em que constavam:

a) um crédito no valor de € 2.850.839,48 sobre a U..., SA, decorrente da venda de imóvel cuja escritura de compra e venda foi realizada em 26/FEV/98;

b) um crédito no valor de € 11.051.946,76 sobre a Siderurgia Nacional — E..., SA, ulterior S..., SA, decorrente de contrato de cessão de créditos celebrado em 29/NOV/96.

3. Estes valores foram expressamente reconhecidos por ambas as empresas encontrando-se evidenciados nas suas contas. Os contratos mencionados estabeleceram que o valor das dívidas seria pago quando e na medida em que as devedoras tivessem capacidade financeira para o efeito, sendo omissos quanto à exigibilidade de juros.

4. Entretanto, teve lugar o processo de fusão destas sociedades (U..., SA e S..., SA) por incorporação noutra sociedade, a Q..., SA, a qual passou a designar-se Baia do Tejo, SA e que é integralmente detida pela C........., sub-holding da Parpública para as empresas objecto de nacionalização e às quais se aplica a Lei n" 11/90 de 05/ABR. A Parpública pretende assumir junto do Estado o total dos créditos referidos no ponto 2 (13,9 M€).

5. A proposta de regularização de créditos da Parpública envolve também cerca de 12 M€ não pagos pelo Estado à U..., SA e decorrentes de responsabilidades estatais assumidas no contexto da reprivatização da ex - Siderurgia Nacional, relativas à limpeza e descontaminação de terrenos, identificadas em decisão de 28/SET/07 de um Tribunal Arbitral e acolhidas no Despacho n" 814/08-SETF, de 02/OUT do Senhor Secretário de Estado do Tesouro e Finanças. A Parpública propõe que esta responsabilidade do Estado para com a ex-U..., SA, actual Baia do Tejo, seja regularizada por compensação directa dos créditos referidos no ponto 2, procedendo à entrega ao Estado da diferença (1,9 M€).

7. Relativamente à natureza dos créditos em causa e à consistência das propostas apresentadas, importa referir o seguinte:

a) Quanto aos créditos do Estado sobre as ex-U..., SA e ex-S..., SA, actual Baía do Tejo, os mesmos têm sido reclamados pelo Tesouro. De acordo com o artigo 70"da Lei n" 3-B/2010, de 28/ABR (OE 2010), no âmbito dos processos de dissolução, liquidação e extinção de empresas públicas e participadas que envolvam transferência de patrimónios para o Estado, pode proceder-se à extinção de obrigações por compensação e por confusão, pelo que a solução proposta pela Parpública parece possível.

b) Já quanto às responsabilidades do Estado emergentes de custos ambientais, reconhecidas no Despacho n" 814/2008-SETF, de 02/OUT, o seu pagamento tem sido precedido da validação das respectivas importâncias por parte de uma comissão de acompanhamento, desconhecendo - se neste momento se a importância global reclamada (cerca de 12 M€) se encontra totalmente certificada (Ver ponto II E) 4 da informação da DGTF n" 42/010 de 19/JAN/10, em anexo).

Contudo, no capítulo 60"do OE 2010 está inscrita uma verba para regularizações, podendo ser afectos às responsabilidades emergentes de custos ambientais cerca de 9,6M€.

c) Relativamente à possibilidade da dívida do Tesouro à Parpública resultante de compensações por entregas de receitas de reprivatização ainda não satisfeitas, poder ser reduzida pela extinção dos créditos do Estado referidos na alínea a), nada parece existir no DL n " 209/2000, de 02/SET, que o impeça, desde que as regras orçamentais do Estado o permitam, o que parece ser o caso.

8. Propõe-se assim que os créditos reclamados pelo Tesouro no montante de € 13 902 786,24 e assumidos pela Parpública, sejam compensados com a quantia de € 11 999 417,00 relativas às responsabilidades do Estado por custos ambientais, validadas pela comissão de acompanhamento referida no ponto 7 b), nos termos do artigo 70" da Lei n." 3-B/2010, de 28/ABR, entregando a Parpública o remanescente ao Estado.

9. Em alternativa, o Estado poderá liquidar o montante em dívida à Baía do Tejo dentro das suas disponibilidades orçamentais em 2010 (cerca de 9,6 M€) e regularizar o remanescente no próximo ano, enquanto o crédito do Estado (cerca de 13,9 M€) sobre a empresa poderá ser deduzido nas compensações a atribuir à Parpública em contrapartida da entrega de receitas de reprivatização (532,2 M€), sendo necessário, para tanto, um Despacho do Senhor Ministro de Estado e das Finanças, nos termos do DL n." 209/2000, de 02/SET.”

31. Nesta sequência, a 28.12.2010, o Diretor-Geral do Tesouro, Dr. DD, dirigiu uma carta à R., com conhecimento à Parpública, onde concluiu como segue:

"Face ao que antecede, notifica-se V. Ex." que através do despacho do Senhor Secretário de Estado do Tesouro e Finanças n." 664/10-SETF, de 2 de Julho, foi determinada, ao abrigo do artigo 70." da Lei n." 3-B/2010, de 29 de Abril, a compensação dos referidos créditos, no valor global de Eur 13.902.786,24, assumidos pela Parpública, Participações Públicas (SGPS) SA, com a responsabilidade da ex-Siderurgia Nacional, actualmente do Estado, por custos ambientais reconhecida em Eur 11.999.417,00, assegurando a Parpública a obrigação pela regularização da quantia remanescente do crédito referente à dívida da U..., SA, no valor de Eur 1.903.369,24. “

32. A Diretora-Geral do Tesouro, Dra. EE, remeteu uma carta à Parpública, a 07.04.2014, com o seguinte teor:

"De acordo com o n/ofício n" 9874, de 28-12-2010 sobre o assunto acima mencionado [Créditos do Estado sobre as sociedades S..., SA e U..., SA, cuja cópia se junta, foi notificado a essa empresa o Despacho do Senhor Secretário de Estado do Tesouro e Finanças n" 664/2010-SETF, de 2 de julho, estabelecendo os termos da regularização da dívida em assunto, no âmbito do qual a Parpública ficou obrigada a proceder à regularização da quantia remanescente da operação de compensação, no valor de Eur 1.903.369,24.

Face ao lapso de tempo, entretanto, decorrido, sem que tal quantia se mostre regularizada, solicita-se a V. Ex." a apresentação de uma proposta com aquela finalidade.”

33. A Parpública respondeu à Direcção Geral do Tesouro, por carta enviada a 2.10.2014, com o seguinte teor:

"Reportamo-nos à carta de V. Ex.", de 7 de abril último, respeitante ao assunto em epígrafe, sobre a qual temos a informar que a Parpública não possui qualquer enquadramento legal ou mandato para se substituir à Baía do Tejo no pagamento de dívida assumida por esta - mais propriamente encargos assumidos pela U..., SA por conta do Estado no âmbito das ações de descontaminação dos terrenos da ex-Siderurgia Nacional -, ao que acresce ter sido superiormente determinado que os encargos decorrentes do Acordo de Responsabilidades pelos Custos Ambientais não poderiam ser abatidos à respetiva receita líquida a entregar ao Estado decorrente da última fase de reprivatização da ex-SN.

Ocorre ainda referir que desde que foi gizada a operação de compensação entre débitos e créditosda Baía do Tejo e do Estado - início de 2010 -, a Baía do Tejo identificou a ocorrência de vários factos cuja consideração merece ser ponderada, dados os impactos deles decorrentes para os interesses da sociedade e do próprio Estado. Por estes motivos, a carta de V. Exa.foi remetida à Baía do Tejo com a orientação de ser produzido um memorando sobre as principais questões que atualmente se colocam sobre o assunto, de modo a que, conjuntamente com o Tesouro, sejam identificadas as ações a empreender para a regularização da situação.”

34. Consta do Relatório e Contas da R. de 2014, com respeito ao item "22. Outras contas a pagar", que "em resultado da do Despacho do Senhor Secretário de Estado do Tesouro e Finanças n" 664/10-SETF, de 2 de Julho, foi determinada a compensação dos créditos no montante de 13.902.786 euros, com as responsabilidades decorrentes dos custos ambientais. A regularização da dívida remanescente será assegurada pela Parpública, S.A.”.

35. A A. interpôs contra a R. ação declarativa, que correu termos sob o n° 935/10.2..., na 2a Instância Central Cível da Comarca de ..., J2, onde peticionou a condenação da R. no pagamento dos juros de mora relativos às faturas n°s 1 e 2.

36. Nessa ação, a sociedade V..., SA., requereu a sua intervenção principal, a 08.09.2012, a qual foi admitida.

37. A ação veio ser julgada deserta, por Sentença proferida a 18.11.2014.

O DIREITO

30. A Ré, agora Recorrente, começa por alegar a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia sobre a validade e a eficácia da compensação.

31. Ora, a compensação era tão-só um meio de prova da possibilidade de cumprir— logo, a validade ou a eficácia da compensação não era uma questão que o acórdão devesse apreciar 1.

32. Esclarecida a questão da nulidade do acórdão recorrido, dir-se-á o seguinte:

33. O contrato descrito nos factos dados como provados sob os n.ºs 3 a 7 contém uma cláusula cum potuerit. Estipulou-se que a U..., SA só teria de cumprir as suas obrigações para com a Terriminas desde que lhe tivessem sido facultados pelo Estado os meios financeiros necessários 2. O artigo 778.º do Código Civil, sob a epígrafe Prazo dependente da possibilidade ou do arbítrio do devedor, determina que, “[s]e tiver sido estipulado que o devedor cumprirá quando puder, a prestação só é exigível tendo este a possibilidade de cumprir […]”. Estipulando-se, como se estipulou, que a U..., SA só teria de cumprir as suas obrigações para com a Terriminas desde que lhe tivessem sido facultados pelo Estado os meios financeiros necessários, o prazo para o pagamento das facturas dependia da possibilidade do devedor — as facturas seriam pagas, sempre que possível, no prazo de 30 dias 3.

34. A questão fundamental na presente acção consiste em averiguar se a Baía do Tejo, SA, como sucessora da U..., SA, tinha a possibilidade de cumprir as suas obrigações para com a Terriminas, Sociedade Industrial de Carvões, Lda..

35. Ora, para responder à questão fundamental, o problema era sobretudo de prova.

36. O Tribunal de 1.ª instância deu como provado que “[d]epois de 04.06.2010 foram disponibilizadas à Ré, pela Direção-Geral do Tesouro, os fundos necessários para proceder ao pagamento da fatura n° 1, na parte atinente à despesa com o aterro, e da fatura n° 2” 4; a Ré impugnou a decisão de o dar como provado; o Tribunal da Relação julgou improcedente a impugnação — e o artigo 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil determina que “[o] erro […] na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

37. Independentemente de haver ou não dupla conforme, o Supremo Tribunal de Justiça não poderia pronunciar-se sobre o alegado erro das instâncias na fixação dos factos materiais da causa.

38. Em todo o caso, a Ré, agora Recorrente, alega que a prova de que a Baía do Tejo, SA, como sucessora da U..., SA, tinha a possibilidade de cumprir as suas obrigações para com a Terriminas, Sociedade Industrial de Carvões, Lda., resulta da prova de que os créditos recíprocos do Estado e da Baía do Tejo, SA, se extinguiram, por compensação e que, em consequência,

I. — o Tribunal da Relação violou a lei de processo, ao não admitir a junção do documento com a data de 6 de Abril de 2023 (conclusões 13-22 do recurso de revista);

II. — ainda que o Tribunal da Relação não tivesse violado a lei de processo, sempre o Tribunal de 1.ª instância teria ofendido o caso julgado formado sobre a decisão de excluir a compensação do âmbito de instrução da causa (conclusões 8-12 e 37-39);

III. —ainda que não tivesse ofendido caso julgado, sempre o Tribunal de 1.ª instância teria ofendido o princípio dispositivo, ao dar como provados factos essenciais não alegados pela Autora, agora Recorrida (conclusões 23-36);

IV. — ainda que não tivesse ofendido o princípio dispositivo, sempre o Tribunal de 1.ª instância teria ofendido o princípio do contraditório (conclusões 40-49).

39. Os argumentos deduzidos pela Ré, agora Recorrente, são am absoluto improcedentes.

40. A afirmação do Tribunal de 1.ª instância de que a compensação estava fora do âmbito da instrução da causa não correspondia a nenhuma decisão, sobre a qual se formasse caso julgado, e não correspondia sequer a nenhum facto essencial para a decisão — em lugar de uma decisão sobre a qual se formasse caso julgado, ou de um facto essencial para a decisão da causa, a compensação era tão-só um meio de prova da possibilidade de cumprir.

41. Embora tivesse feito a afirmação de que a compensação estava fora do âmbito da instrução da causa, o Tribunal de 1.ª instância reavaliou a sua afirmação, atendendo à prova produzida e, em particular, atendendo a que da prova produzida resultava que a possibilidade de a Ré Baía do Tejo, SA, cumprir as suas obrigações para com a Terriminas, Sociedade Industrial de Carvões, Lda., estava relacionada com a prova da compensação.

42. A Ré, agora Recorrente, alega que a prova da possibilidade de cumprir por causa da compensação ofendeu o princípio do contraditório, representando uma decisão-surpresa.

43. Ora o acórdão recorrido dá conta de uma dupla circunstância:

Em primeiro lugar, de que a compensação foi considerada em diversas sessões da audiência de julgamento e de que sobre a compensação foram proferidos dois despachos, em 14 e em 16 de Março de 2022 e, em segundo lugar, de que o documento de que decorre a prova da compensação resultou da actividade processual da Ré, agora Recorrente 5.

44. Em consequência, a Ré, agora Recorrente, não pode alegar, em termos minimamente plausíveis, que a decisão sobre a sua possibilidade de cumprir ofendeu o princípio do contraditório, representando-se como uma decisão surpresa.

45. O facto de a Ré, agora Recorrente, não poder alegar, em termos minimamente plausíveis, que a decisão sobre a sua possibilidade de cumprir ofendeu o princípio do contraditório explica por que é que não estão preenchidos os pressupostos para a apresentação de documentos em momento posterior aos articulados.

46. O acórdão recorrido chama a atenção para que o documento em causa poderia e deveria ter sido apresentado no prazo previsto no artigo 423.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e que, ainda que não pudesse ter sido apresentado no prazo previsto no artigo 423.º, n.º 2, nunca seriam documentos cuja relevância resultasse da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

47. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão recorrido, dir-se-á que não há nenhuma razão para admitir a junção do documento de 5 de Abril de 2023.

48. Em primeiro lugar, o documento poderia e deveria ter sido apresentado no prazo previsto no artigo 423.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, porque estava em causa a prova da possibilidade ou da impossibilidade de cumprir e, em segundo lugar, ainda que não pudesse ter sido apresentado no prazo previsto no artigo 423.º, n.º 2, nunca seria um documento cuja relevância resultasse da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

49. A questão fundamental da presente acção era e sempre foi a questão da possibilidade de cumprir — e, se. Ré, agora Recorrente, considerava que não tinha a possibilidade de cumprir, por não se ter concretizado a compensação, podia e devia ter juntado todos os documentos que o indiciavam.

50. Excluída a alegada violação da lei de processo, os argumentos deduzidos nas conclusões 50-71 e 72-89 relacionam-se com a apreciação das provas — e, em particular, com o juízo sobre se devia dar-se como provado o facto n.º 23 ainda que o o despacho Senhor Secretário de Estado do Tesouro e Finanças pudesse ter sido impugnado 6, ou ainda que a compensação pudesse não ser válida, ou ainda que a compensação pudesse não ser eficaz 7.

51. Ora, o artigo 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil exclui a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciar sobre o alegado erro na apreciação das provas — logo, exclui a possibilidade de o Supremo se pronunciar sobre os dois argumentos deduzidos.

53. Finalmente, dir-se-á que não se encontra nenhuma razão para a condenação da Ré, agora Recorrente, como litigante de má fé no sentido do artigo 542.º do Código de Processo Civil.

54. Em especial, não se encontra nenhuma razão para sustentar que a Ré, agora Recorrente, tenha deduzido pretensão cuja falta de fundamento não ignorava ou não devia ignorar, tenha alterando conscientemente a verdade dos factos ou tenha omitido, confundido ou deturpado factos essenciais 8.

55. A Autora, agora Recorrida, alega uma contradição no comportamento processual da Ré, agora Recorrente, concretizado em depositar a quantia necessária e em impugnar a possibilidade de cumprir as suas obrigações para com a Autora, agora Recorrida.

56. Ora. não há aí nenhuma contradição — o cumprimento do dever de depositar a quantia necessária não impedia a Ré, agora Recorrida, de discutir se lhe tinham ou não sido facultados os meios necessários.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente Baía do Tejo, S.A.

Lisboa, 14 de Março de 2024

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Sousa Lameira

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1. Cf. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), primeira parte, do Código de Processo Civil:.

2. Cf. facto dado como provado sob o n.º 7.

3. Cf. facto dado como provado sob o n.º 5.

4. Cf. facto dado como provado sob o n.º 23.

5. Em termos tais o acórdão recorrido conclui que “não pode a recorrente, após um documento ter sido junto por si, e ter provado matéria que não lhe é favorável, vir arguir a nulidade do segmento da sentença que ao mesmo respeita”.

6. Cf. conclusões 50-71 do recurso de revista.

7. Cf. conclusões 72-89 do recurso de revista.

8. Cf. artigo 542.º do Código de Processo Civil.