Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
312-H/2002.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÂO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
EXEQUIBILIDADE
TRANSACÇÃO
TRANSAÇÃO
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CLÁUSULA PENAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS - PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA.
Doutrina:
- Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da Reforma, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Abril de 2004, p. 70; A Acção Executiva depois da reforma da reforma, Coimbra Editora, 5.ª Edição, 2009, pp. 32-33.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 270.º, 342.º, N.º1, 810.º, 811.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC) / 2007: - ARTIGOS 45.º, N.º1, 46.º, 264.º, N.º 2 E 3, 506.º, N.º 1 E 2, 659.º, N.º3, 713.º, N.º 2, 726.º, 729.º, 802.º, 804.º, 817.º, N.º 2, IN FINE, 820.º COM REFERÊNCIA AO 812.º-E, N.º 1, ALÍNEA A).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 5.º, N.º 2, ALÍNEAS A) E B), 10.º, N.º5, 607.º, N.º 4, 2.ª PARTE, 663.º, N.º 2, 674.º, N.º3, 679.º, 682.º, N.ºS 2 E 3, 703.º, N.º1, 704.º, N.º6, 713.º, 715.º, N.º1, 734.º E 726.º, N.º 2, ALÍNEA A).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º, N.ºS 1,4, 5.
Sumário :
1. O título executivo expressa a exequibilidade extrínseca da obrigação exequenda, assumindo a natureza dum pressuposto processual específico da ação executiva, através do qual se afere a idoneidade do objeto da respetiva pretensão.

2. Importa não confundir essa exequibilidade com os demais requisitos exigidos para a obrigação exequenda, nos termos do artigo 713.º do CPC, ressalvada a hipótese do n.º 6 do art.º 704.º, os quais, não interferindo com a exequibilidade do título, se dele não constarem, devem ser liminarmente preenchidos pelo exequente, através dos procedimentos previstos nos artigos 714.º a 716.º do CPC. 

3. Constando de transação homologada por sentença uma cláusula de indemnização devida pelo eventual não cumprimento definitivo das obrigações de prestação de facto ali assumidas, não se têm por compreendidas no âmbito da eficácia do caso julgado dessa sentença nem a situação de incumprimento definitivo verificada posteriormente nem a obrigação de indemnização que desta possa decorrer.  

4. Sendo tal situação de incumprimento um facto constitutivo essencial da obrigação de indemnização, cujo ónus de prova impende sobre o credor, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do CC, a não cobertura daquele facto pelo acordo homologado obsta a que se extraia da sentença homologatória uma condenação implícita do devedor na pretendida obrigação indemnizatória.

5. Em tal medida, essa sentença homologatória é manifestamente insuficiente para servir de título à execução da pretendida obrigação de indemnização, o que constitui vício insuprível determinativo da extinção da execução.

6. Nestas circunstâncias, ainda que as instâncias tenham equacionado a questão sob o prisma jurídico da inexigibilidade da obrigação exequenda, sempre estaria comprometida a improcedência da oposição à execução, não se mostrando, por isso, relevante ampliar a matéria de facto com vista a reapreciar o alegado incumprimento definitivo, não contemplado sequer no âmbito de exequibilidade do título apresentado.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



       I – Relatório


1. A sociedade Imobiliários AA, Lda, BB e CC deduziram oposição à execução para pagamento da quantia de € 350.000,00, fundada em transação homologada por sentença, contra aqueles instaurada, em 02/04/2011 (fls. 132) por DD e EE, alegando, em resumo, que: 

. Não existe, por parte dos executados, incumprimento do acordo de transação homologado pela sentença exequenda, existindo antes incumprimento desse acordo, mas imputável aos exequentes;

. Os exequentes encontram-se em exercício abusivo do direito invocado, ao pretenderem um benefício ilegítimo com a situação criada pelo seu próprio inadimplemento;

. Os exequentes alegaram o incumprimento do referido acordo de transação, por parte da executada, fundado em omissão de atos necessários à emissão de alvará da licença de construção, tendo os efeitos de “Pedido de Informação Prévia” (PIP) precludido em 3/3/2011, continuando, no entanto, a ser possível requerer tal emissão, não se verificando a caducidade do PIP e/ou do processo de obras, pelo que não ocorre o invocado incumprimento dos executados;

. Porém, mesmo que se verificasse a caducidade do PIP, sempre se poderia requerer a renovação dos seus efeitos.

Nessa base, concluíram os executados/oponentes pela inexistência e inexigibilidade da obrigação exequenda, pedindo que fosse julgada procedente a oposição deduzida.

2. Os exequentes apresentaram contestação, em que arguiram a extemporaneidade da oposição e impugnaram o ali alegado pelos oponentes, sustentando, no mais e em síntese, que:

. Pela transação e acordo anexo, a 1.ª executada se obrigou construir uma casa tipo T2 e a transferi-la para a propriedade dos exequentes, cabendo-lhe assegurar a execução da obra, obrigações que os 2.° e 3.° executados afiançaram;

. Os documentos que a 1.ª executada se absteve de entregar eram os necessários à emissão da licença de construção, posterior ao ato de licenciamento, que já há muito existia;

. A executada e os seus gerentes sabiam, desde 2007, que o processo de obras previa a construção da casa e do armazém industrial e nunca o referiram, nem mesmo após terem recebido uma notificação judicial avulsa para o efeito, pois se o tivessem feito os exequentes teriam procedido à alteração, indicando o faseamento da construção e alterando o pedido de licenciamento;

. A apresentação do projeto de obras apenas para a casa e anexo não defendia a posição dos executados nem ia no seu interesse;

. A menção da apresentação dos dois processos de obras referidos no ponto 2.11 do acordo anexo à transação, deveu-se a um equívoco, dado que a apresentação de dois projetos com base no mesmo PIP, um deles apresentado só após a construção da casa e obtida licença de ocupação, é inexequível;

. A invocação desse facto constitui abuso de direito por parte dos executados.

Concluíram assim pela improcedência da oposição.

3. Findos os articulados, foi proferido o despacho de fls. 36-37, datado de 18/11/2011, a julgar extemporânea a oposição quanto aos executados/oponentes “Imobiliários AA, Lda”, e BB, mas tempestiva quanto ao executado CC, tendo sido, subsequentemente, proferido despacho saneador tabelar e dispensada a seleção da matéria de facto.

4. Já depois de designada a data para a audiência final, entretanto desconvocada em virtude da decretação da suspensão da instância, vieram os exequentes, em 28/11/2012, requerer a fls. 66-69, a junção do documento reproduzido a fls. 68-69, consistente em escritura pública de compra e venda, outorgada em 29/03/2011, alegando que:

. Através daquele documento, a executada Imobiliários AA, Ld.ª, vendeu a FF o prédio descrito sob o n.º …/Santa Maria de Lamas na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira;

. Com o referido documento pretende-se fazer contraprova do alegado nos pontos 40 e 42 a 45 da petição inicial e provar a impossibilidade de ser requerido o alvará de licença de construção da casa tipo T2 que a 1.ª executada se comprometera a construir no referido prédio, já que este deixou de pertencer à esfera daquela, tornando assim impossível o cumprimento do acordo de transação em causa;

. A junção desse documento nesse momento, em caso de não se lograr o acordo das partes e a oposição prosseguir, permite ainda ao oponente pronunciar-se sobre ele em momento anterior à audiência final.

5. O oponente CC respondeu, dizendo que:

. Conforme o exposto na petição inicial, são os exequentes que se encontram em incumprimento da transação ajuizada;

. Por tal razão, a executada não estava obrigada a manter o referido prédio na sua esfera jurídica de forma a concluir o processo de licenciamento e a entregá-lo aos exequentes;

. Não obstante isso, sempre está salvaguardada a necessidade de a executada reaver o prédio de modo a não só completar o processo de licenciamento como também a cumprir o acordo de transação, uma vez que a ora proprietária do mesmo, filha do executado CC o disponibilizará à primeira solicitação;    

. Atenta a situação económica da executada, e embora não tenha sido esta a intenção das partes outorgantes, o prédio em questão está salvo de eventuais ações dos credores, mantendo-se disponível para eventual entrega aos exequentes.

6. Realizado a audiência final e decidida a matéria de facto controvertida conforme despacho de fls. 82 a 88, foi proferida a sentença de fls. 89 a 104, em 24/07/2013, a julgar a oposição totalmente procedente e a declarar extinta a execução relativamente a todos os executados, considerando, em especial, que, em relação aos 1.º e 2.º executados, embora não sendo já partes na oposição, não se mostram verificados os requisitos geradores da obrigação de indemnizar nos termos do acordo celebrado.  

7. Inconformados com tal decisão, os exequentes/contra-oponentes apelaram dela para o Tribunal da Relação do Porto, em que suscitaram as seguintes questões:

a) – a nulidade da sentença recorrida com fundamento em omissão de pronúncia por não consideração da escritura de 29/ 03/2011, junta a fls. 68-69;

b) – o incumprimento definitivo, por parte da 1.ª executada, das obrigações emergentes da sentença homologatória exequenda.

8. No âmbito desse recurso, o Tribunal da Relação do Porto proferiu o acórdão de fls. 196-208, datado de 11/11/2014, concluindo que não se verificava a invocada omissão de pronúncia nem procedia o alegado incumprimento definitivo imputado à 1.ª executada, com base em enquadramento jurídico diverso do convocado pela 1.ª instância, confirmando assim a decisão recorrida ainda que com “fundamentos não inteiramente coincidentes”.       

9. Mais uma vez inconformados, os exequentes vieram recorrer de revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª – Consta dos autos uma escritura de compra e venda datada de 29/03/2011, pela qual a executada “Imobiliários AA, Ld.ª”, vendeu a um terceiro o prédio no qual, em consequência do acordo homologado por sentença, estava previsto ser edificada uma construção em benefício dos exequentes;

2.ª - Relativamente à essa escritura de compra e venda, não foi deduzida qualquer falsidade do documento, apenas referindo os executados que a venda se deu por razões económicas e financeiras e que está salvaguardada a necessidade de a executada/recorrida Imobiliários reaver o imóvel, uma vez que a atual proprietária do terreno é filha do executado/ recorrido CC;

3.ª - Uma escritura pública, como título de compra e venda, constitui um documento autêntico (art.º 369.º e 370.º do CC), sendo que um documento autêntico, com os sinais externos exigidos no art.º 370.º do CC, faz prova da sua genuinidade, decorrendo da presunção estabelecida de que estes documentos fazem prova plena dos factos nele incorporados pela entidade competente;

4.ª - Tal prova é somente ilidível com base na sua falsidade e/ou com base em prova em contrário, nomeadamente com prova testemunhal quanto ao teor das declarações que constam do próprio documento, de acordo com o disposto nos artigos 371.º e 372.º do CC, prova esta a ser feita pela parte que pretenda e tenha necessidade de afastar a presunção legal, in casu, os executados/recorridos, prova que não foi feita;

5.ª - Verifica-se, assim, que o prédio que constitui objeto necessário à concretização do acordo celebrado entre os exequentes e executados homologado por sentença, desde 29/03/2011, é pertença de um terceiro, o qual não teve qualquer intervenção nos autos, nem deles consta qualquer declaração de disponibilidade do terceiro para largar mão do prédio que adquiriu em 29/03/2011, por forma a que os executados pudessem cumprir o acordo/sentença que subjaz à presente execução;

6.ª - A atual proprietária não teve nem tem qualquer obrigação contratual de ceder e entregar o terreno aos aqui recorrentes;

7.ª - Com a celebração do contrato de compra e venda, verificou-se o facto gerador de incumprimento da transação por parte dos executados, sendo que foi o incumprimento da transação que originou a interposição judicial da execução nos termos em que esta foi proposta;

8.ª - Com a junção da escritura pública aos autos e a não arguição de falsidade, o Tribunal não podia ignorar a existência deste documento e da sua força probatória;

9.ª - Face ao disposto no n.º 2 do art.º 5.º do CPC, não pode o tribunal ignorar, na decisão que profere, esta prova, seu teor e seus efeitos legais, por provir de documento autêntico, cuja falsidade não foi arguida (art.º 413.º do CPC);

10.ª – Embora ao STJ esteja vedada a apreciação da prova, não lhe está vedada a intervenção na apreciação e observância das normas materiais do direito probatório, retirando dessa apreciação as devidas consequências, designadamente mandando ampliar a decisão sobre a matéria de facto;

11.ª - No caso sub judice, a escritura pública tem manifesto interesse para o desfecho da causa, não só porque, por si só, é revelador do incumprimento do acordo/transação, como igualmente é contra-resposta ou resposta aos quesitos 40.º, 42.º a 45.º da oposição à execução e prova da impossibilidade de ser requerido o alvará de licença de construção, sendo uma prova instrumental e/ou complementar a observar nos termos do art.º 413.º do CPC;

12.ª - A apreciação do “Título de Compra e Venda” como documento autêntico quanto ao seu teor e efeitos, constitui matéria de prova vinculada, tendo-se verificado uma desconsideração do valor legal das provas, desrespeitando-se, designadamente as normas contidas nos art.º 369.º, 370.º, 371.º e 372.º do C.C. e art.º 5.º, n.º 2, e 413.º do CPC;

13.ª - A existência daquele documento autêntico e dos factos nele contido, assim como a falta de prova da contrariedade do mesmo, alteram como alteraram a “situação existente no momento do encerramento da discussão”, visto que não existindo terreno, nem podia existir a conclusão do processo de licenciamento nem o cumprimento da transacção efetuada, pelo que, nos termos do art.º 611.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, o tribunal deveria tê-lo considerado e feita a respetiva apreciação, designadamente quanto ao seu teor, valor probatório e efeitos daí decorrentes, o que também se impõe por decorrência do princípio da economia processual por que se deve reger a aplicação da justiça e o direito consagra;

14.ª - Havendo violação de normas substantivas da prova, face ao disposto no n.º 3 do art.º 674.º do CPC, tem este tribunal competência para apreciar e decidir sobre o presente recurso e, mostrando-se violadas normas materiais ou substantivas de direito probatório, deverá o processo baixar ao Tribunal da Relação para que este proceda à ampliação da matéria de facto e correspondente harmonização das respostas;

15.ª - No acórdão recorrido, foram violados os art.º 369.º, 370.º, 371.º e 372.º do CC e art.º 5.º, n.º 2, 413.º e 611.º, nºs 1 e 2, do CPC.

Pedem os recorrentes, em suma, que seja ordenada a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para ampliação da matéria de facto e correspondente harmonização das respostas dadas.

10. Por seu turno, os recorridos apresentaram contra-alegações, a pugnar pela confirmação do julgado, rematando com a seguinte síntese conclusiva:

1.ª - O prédio onde seria construída a casa tipo T2 que a executada se obrigou a construir e a transmitir a propriedade aos exequentes foi vendido no dia 29/03/2011 por escritura na 1.ª CRP de Santa Maria da Feira, através do Casa Pronta, pelo que o registo foi efetuado de imediato e portanto, tornado público na referida data;

2.ª - Quando os recorrentes apresentaram em juízo a execução, já o facto se havia produzido e tornado público, não sendo um facto que se tenha produzido posteriormente à propositura da execução;

3.ª - “( ... ) a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da ação ( ... )", artigo 611.º do NCPC (antigo 663.º);

4.ª - A sentença não tinha que se pronunciar sobre a venda do prédio, pois tal foi um facto que se produziu antes da apresentação do requerimento executivo;

5.ª - Os recorrentes não só não alegaram a venda do prédio no requerimento executivo, como também não o fizeram na contestação apresentada na oposição à execução em 11 de julho de 2011;

6.ª - Os recorrentes não deduziram tal facto em articulado superveniente, (n.º 1 do artigo 588.º do NCPC) nem provaram ou sequer alegaram a superveniência do mesmo, nos ter-mos do n.º 2 do mesmo normativo;

7.ª - Nunca esta questão alguma vez colocou qualquer entrave no processo de licenciamento, não foi comunicada à executada pelos recorrentes como um incumprimento, apesar de cedo ter sido tornada pública e cedo ter sido do conhecimento destes;

8.ª - Os recorrentes apenas alegaram a venda do prédio em 28/11/2012, juntando aos autos certidão da escritura de compra e venda, datada de 10/10/2011;

9.ª - Sendo a causa de pedir invocada integrada pelo acordo e a caducidade do processo de licenciamento, não seria legítimo ao tribunal “a quo” convolar tais factos para uma outra hipótese de incumprimento, decidindo com fundamento em causa de pedir diferente daquela que foi invocada pelos exequentes;

10.ª - O que equivaleria a dizer que conheceria de uma questão não submetida a apreciação do tribunal “a quo”, em violação do n.º 1 do art.º 661.º do CPC (n.º 1 do artigo 609.º do NCPC), incorrendo a sentença, se o houvesse feito, no vício da nulidade previsto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do NCPC);

11.ª - Não existiu qualquer omissão do Tribunal “a quo” que resultasse num eventual incorreto julgamento da matéria de facto e que pudesse justificar a respetiva ampliação;

12.ª - A Mm.ª Juíza analisou a pretensão formulada pelos executados, em confronto com os fundamentos da resposta dos exequentes e tomou posição sobre os mesmos, pelo que a sentença não padece de nulidade.

13.ª - A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” não tinha que se pronunciar sobre a venda do prédio, não estando ferida do vício de nulidade, nem existindo qualquer violação de normas substantivas;

14.ª - O processo baixar ao Tribunal da Relação para ampliação da matéria de facto e correspondente harmonização de respostas enferma de manifesta falta de fundamento e respaldo legal;

15.ª - A apreciação e decisão do presente recurso estão fora das competências do STJ, mostrando-se a invocação do disposto no n.º 3 do artigo 674.º do CPC manifestamente forçada, pois inaplicável;

16.ª - Os recorrentes não referem, em algum momento das suas alegações, que escritura de compra e venda do prédio em questão é anterior à propositura da execução da oposição à execução, parecendo querer passar ao lado de uma questão essencial e que coloca em crise toda a sua fundamentação e disposição legal invocada;

17.ª - O acórdão recorrido não violou qualquer das disposições alegadas pelos recorrentes, pelo que não merece qualquer reparo.


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                  

II – Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, no que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, e 639.º, n.º 1, do CPC.

   Dentro de tais parâmetros a única questão suscitada na presente revista consiste em saber se ocorre fundamento legal para, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 682.º do CPC, ordenar a ampliação da matéria de facto no que respeita ao contrato de compra e venda constante da escritura pública reproduzida a fls. 68-69, com vista à apreciação do alegado incumprimento do acordo de transação aqui dado à execução.


III - Fundamentação   


1. Factualidade dada como provada pela Relação:


Vem dada como provada pelas instâncias a seguinte factualidade:

1.1. Nos termos do acordo anexo à transação, a 1.ª executada ficou obrigada a emitir e/ou assinar a documentação que seja necessária para a apresentação dos projetos (Ponto 2.6 do Acordo) – artigo 5.º da oposição;

1.2. Os documentos necessários à apresentação dos projetos foram todos entregues aos exequentes e estes apresentaram o processo de obras, sendo, inclusive, entregue procuração irrevogável da executada a favor dos exequentes para estes em seu nome apresentar e conduzir o processo de obras na Câmara Municipal - artigo 7.º da oposição;

1.3. Nos termos do Ponto 2.11 do Acordo, os exequentes obrigaram-se a apresentar 2 (dois) processos de obras, um primeiro com vista ao licenciamento de casa e anexos, um segundo e ulterior com vista à aprovação e licenciamento de um armazém industrial para transformação de cortiça - artigo 8.º da oposição;

1.4. Tal circunstância foi exigência da executada e expressamente fez-se constar no Ponto 2.11 do texto do referido acordo – artigo 9.º da oposição;

1.5. Os exequentes apresentaram um único processo de obras para licenciamento da casa, e anexos, e do armazém industrial – artigo 10.º da oposição;

1.6. A 1.ª executada apenas tinha obrigação de construir a casa e anexos -  parte do artigo 13.º da oposição;

1.7. Não podiam os exequentes exigir à executada apólice de seguro, termos de responsabilidade do técnico e as demais exigências legais invocadas na notificação judicial avulsa, para cobrir uma obra que não é da responsabilidade desta - artigo 20.º da oposição;

1.8. Os exequentes propuseram à executada assumir o encargo da contratação e construção da casa e anexos, recebendo o valor do custo da obra - artigo 23.º da oposição;

1.9. A proposta dos exequentes anuiu a executada, propondo o pagamento de quantia que considerou necessária à construção da casa e anexo - artigos 25.º e 26.º da oposição;

1.10. A Câmara Municipal de Santa Maria da Feira estipulou o prazo de 23/03/2011 para ser requerida a emissão do alvará de licença de construção, tornando-se necessário para o efeito instruir o processo com o alvará de industrial de construção civil, termo de responsabilidade do técnico, livro de obra, plano de segurança e saúde subscrito pelo seu autor, declaração de tapumes subscrito pelo dono da obra e auto de implantação - artigos 35.º e 36.º da oposição;

1.11. Apesar de tal data se encontrar ultrapassada, continua a ser possível requerer a emissão do alvará de licença de construção, não tendo até ao momento existido caducidade do processo de licenciamento - artigo 37.º da oposição;

1.12. Os exequentes não respeitaram o prazo de 6 meses estipulado no Ponto 2.24, apresentando o processo de licenciamento de obras no dia 21/05/2007, ou seja, 7 meses após a notificação de aprovação do PIP pela Câmara Municipal, sendo que o ofício de notificação está datado de 20/10/2006 - artigo 47.º da oposição;

1.13. A executada “Imobiliários AA, Lda”, obrigou-se, pela transação e acordo em anexo, a construir uma casa tipo T2 e a transferi-la para a propriedade dos exequentes - artigo 15.º da oposição;

1.14. Para tanto e para além das obrigações expressamente indicadas no ponto 2.6 do acordo anexo à transação exequenda, cabia-lhe assegurar a execução da obra - artigo 16.º da contestação à oposição;

1.15. A executada “Imobiliários AA, Lda”, absteve-se de entregar o alvará que o empreiteiro necessita – parte do artigo 19.º da contestação à oposição;

1.16. A executada “Imobiliários AA, Lda”, e os seus gerentes já sabiam, desde 2007, que o processo de obras previa a construção da casa e do armazém industrial - artigo 23.º da contestação à oposição;

1.17. Apesar de o exequente marido ter procuração para gerir os processos camarários, as notificações que a Câmara expedia, salvo raríssimas exceções, eram enviadas à executada “Imobiliários AA, Lda” - artigo 29.º da contestação à oposição;

1.18. Apresentado que foi o pedido de licenciamento, a Câmara expediu à Imobiliários, que as recebeu, as seguintes notificações:

- datada de 24/05/2007, onde consta da descrição da obra “construção de moradia unifamiliar, anexo e muros e pavilhão industrial”;

- datada de 20/08/2007, onde consta da descrição da obra “construção de moradia unifamiliar, anexo e muros e pavilhão industrial” e em que a notificação se refere expressamente e apenas a questões que têm a ver com o estabelecimento industrial a construir;

- datada de 19/12/2007, onde consta da descrição da obra “construção de moradia unifamiliar, anexo e muros e pavilhão industrial”

- artigo 30.º da contestação à oposição;

1.19. Os executados, nem após terem recebido notificação judicial avulsa, invocaram o facto que agora invocam - artigo 35.º da contestação à oposição;

1.20. O pedido de informação prévia (PIP) abrangia a casa, anexos e pavilhão – parte do artigo 39.º da contestação à oposição;

1.21. Apesar da procuração junta na Câmara, a Câmara de Santa Maria da Feira expediu a notificação de deferimento do PIP para a “Imobiliários AA, Lda” - artigo 76.º da contestação à oposição;

1.22. O ofício da Câmara foi elaborado em 20/10/2006, está datado de 25/10/2006 – parte do artigo 77.º da contestação à oposi-ção.


2. Outros factos adquiridos para os autos em desenvolvimento dos acima descritos

Em desenvolvimento da factualidade acima descrita, constam ainda dos autos com relevo contextual para a apreciação do objeto da presente revista, atendíveis ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aqui aplicável por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC, os seguintes factos:

2.1. O requerimento executivo reproduzido a fls. 172, apresentado em juízo em 02/04/2011, conforme o consignado a fls. 132, contém a seguinte fundamentação:

«Por douta sentença de 25/01/2006, transitada em julgado, foi homologada transacção segundo a qual a Executada Imobiliários AA se obrigou a edificar, no prédio descrito na CRP de Sta Maria da Feira sob o n.º …/Santa Maria de Lamas, uma casa de tipologia T2 e a transferir a sua propriedade para os Exequentes, nos termos descriminados em acordo anexo à transacção. Nos termos da transacção, caso não se concretizassem as condições ínsitas na cláusula 1 da transacção e as demais condições ínsitas no acordo referido na cláusula 2 da transacção, cabia aos Exequentes a prerrogativa de receberem da Executada Imobiliários AA indemnização no valor de € 350.000,00, nos termos melhor definidos no acordo referido na cláusula 2 da transacção.

No cumprimento do acordado, foi apresentado e tramitado, na Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, pedido de informação prévia (PIP), que foi aprovado.

Nos termos do acordo cabia à Executada Imobiliários AA construir a edificação e praticar todos os actos necessários à execução do acordado, nomeadamente assinando ou emitindo toda a documentação necessária à aprovação dos Projectos.

Na sequência da aprovação do PIP era necessário, para emissão do alvará de licença de obras de edificação, apresentar os elementos mencionados no Ponto 3 da Portaria 1105/2001 (apólices de seguro, termo de responsabilidade assinado pelo técnico da obra, declaração de titularidade do certificado de classificação do industrial de construção civil ou título de registo na actividade, livro de obra com menção do termo de abertura, plano de segurança e saúde, declaração do empreiteiro, declaração de tapumes) e proceder à prévia marcação do auto de implantação, tudo o que cabia fazer à Executada Imobiliários AA e que esta não fez no prazo de um ano subsequente à aprovação do PIP, e que é o prazo em que este é constitutivo de direitos.

Na iminência da preclusão dos direitos decorrentes do PIP, os Exequentes requereram à Câmara a prorrogação por 90 dias do prazo para apresentar os elementos do ponto 3 da sobredita Portaria e tentaram por duas vezes notificar, nos termos definidos no acordo anexo à transacção, a Executada Imobiliários AA do novo prazo-limite, o que não foi conseguido pois as cartas enviadas para o efeito vieram devolvidas.

Tendo a Câmara prorrogado esse prazo por um ano, os Exequentes procederam, entretanto, à notificação judicial avulsa da Executada Imobiliários AA da prorrogação - única e última que podia ocorrer - do prazo para apresentar os elementos mencionados no ponto 3 da sobredita Portaria, instando-a à prática dos actos necessários à emissão do alvará de licença de construção, desde logo anunciando que se esses actos não fossem praticados no prazo de 30 dias contados do cumprimento da notificação judicial avulsa (que ocorreu em 12/08/2010) optava, nos termos da transacção e acordo anexo, por receber da Executada Imobiliários AA uma indemnização de € 350.000,00.

A Executada Imobiliários AA não praticou os actos necessários à emissão do alvará de licença de construção, nem nos 30 dias subsequentes ao cumprimento da notificação judicial avulsa nem até à data, sendo certo que em 3/03/2011 precludiram os efeitos do PIP, deixando de poder ser requerida a emissão do alvará de licença de construção. Esse facto era do conhecimento da Executada Imobiliários AA, pois constava da notificação judicial avulsa sobredita.

Os Executados BB e CC avalizaram a obrigação de indemnização que, nos termos da transacção e acordo anexo, impende sobre a Executada Imobiliários AA, sendo que esta não dispõe de património livre e suficiente para solver a quantia exequenda.

2.2. Do acordo de transação dado à execução, reproduzido a fls. 135-136, assinado pelas partes na ação declarativa n.º 312/2002 a que a presente execução se encontra apensa, consta o seguinte:

«AA e RR acordam em pôr termo à presente demanda nos seguintes termos:

1. Os AA, na condição do cumprimento pontual e integral dos termos da presente transacção e do acordo celebrado por via dela e infra indicado - incluindo a obtenção de licença de utilização para habitação e indústria das edificações a construir nos termos da cláusula seguinte, reconhecem o direito de propriedade da Ré Imobiliários AA, Lda sobre os prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob os n°s … e …, ambos de Santa Maria de Lamas, prédios que englobam a parcela de terreno identificada na alínea A da Matéria de Facto Assente, que se acha inscrita na matriz urbana da referida freguesia sob o artigo 1898.

2. A Ré Imobiliários AA, Lda fica obrigada a adquirir, ao(s) seu(s) titulares inscrito(s), o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º …/Santa Maria de Lamas (sobre o qual celebrará, no prazo máximo de dez dias, contrato-promessa de compra e venda cuja cópia fará chegar ao ilustre mandatário dos AA), inscrito na matriz rústica da mesma freguesia sob o artigo 1893; a edificar nesse prédio uma casa térrea com a tipologia T2, anexos e garagem e a transmitir a propriedade desse prédio para os AA, nos termos descriminados em acordo nesta data celebrado e que se anexa à presente transacção.

3. Os AA, no dia imediatamente subsequente à data de homologação do presente acordo e com vista à conclusão das garagens e seu acesso, restituem à Imobiliária AA, Lda, uma parte (ou porção de terreno) da parcela de terreno dita em 1 supra, correspondente à horta existente entre o edifício em construção implantado no prédio e o logradouro em cimento da casa inscrita na matriz urbana de Santa Maria de Lamas sob o n° 1898, isto é, entre a empena traseira do edifício em construção e uma linha paralela coincidente com a traçada em planta anexa a declaração firmada por GG em 7/08/2001 e junta aos autos.

4. A Ré Imobiliários AA, Ld.ª dá de comodato não oneroso, com efeitos a partir da data de restituição referida no número antecedente, o remanescente da parcela indicada em A) dos Factos Assentes (correspondente a prédio urbano para habitação e indústria com uma superfície coberta de 130 m2, superfície industrial de 60 m2 e logradouro de 110 m2), que será vedada, no acto da restituição dita no número antecedente, pela Imobiliários AA, Lda, em boas condições de segurança, com aproveitamento do portão e rede existentes no local e usando os demais materiais necessários, nos termos melhor discriminados no acordo anexo.

5. O comodato vigorará, nos termos específicos de contrato que se anexa à presente transacção, até 60 (sessenta) dias depois da obtenção de licença de ocupação do armazém a construir nos termos do acordo anexo a esta transacção ou até à data em que os AA recebam a indemnização prevista no acordo anexo, e na sua pendência ficará assegurado o direito de passagem a pessoas e veículos pelo acesso às traseiras do edifício em construção, e será mantido e em funcionamento um portão para acesso ao comodado, com largura equivalente àquele que presentemente se encontra no local, isto é, não menos de quatro metros.

6. Caso não se concretizem as condições ínsitas na cláusula 1 supra e as demais condições ínsitas no acordo referido na cláusula 2 e que acarretem essa consequência, os AA podem optar por receber da Ré Imobiliários AA, Lda, indemnização no valor de 350.000,00 € (trezentos e cinquenta mil euros) nos termos melhor definidos no acordo de vontades dito na cláusula 2 supra.

7. Os AA ficam também obrigados a pagamento de indemnização no valor de 350.000,00 € (trezentos e cinquenta mil euros) em caso de incumprimento da obrigação ínsita na cláusula 3 supra ou nas hipóteses previstas no acordo referido na cláusula 2 e que acarretem essa consequência.

8. A Ré Imobiliários AA, Lda, desiste do pedido formulado sob a alínea e) da sua Reconvenção.

Caso a Ré Imobiliários AA, Lda, no prazo de 60 (sessenta) dias, não adquira a propriedade do prédio dito em 2 supra, a presente transacção fica sem efeito e a Ré Imobiliários AA, Lda fica obrigada a restituir aos AA a parcela dita em 3 supra no prazo máximo de oito dias.

Os AA e ambos os RR declaram reciprocamente que não são credores de quaisquer débitos ou créditos, que não os resultantes da presente transacção e do acordo celebrado por via dela e que vai anexo.

Custas em dívida a Juízo em partes iguais, prescindindo reciprocamente de procuradoria, na parte disponível.

2.3. Do acordo anexo à referida transação exequenda, reproduzido a fls. fls. 137 a 154, no qual figuram como primeiros outorgantes DD e mulher EE, ora exequentes, como segundos outorgantes BB e CC, na qualidade de gerentes da sociedade “Imobiliários AA, Lda”, aqui 1.ª executada, como terceiro outorgante BB, ora 2.º executado, e como quarto outorgante CC, 3.º executado, no que mais pode relevar, consta o seguinte:

   Ponto 1.

  «Sob condição do cumprimento pontual e integral dos termos da transacção que vão celebrar no Proc. 312/2002 e do estatuído no presente acordo, os Primeiros Outorgantes reconhecem o direito de propriedade da representada dos Segundos sobre os prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob os n °s … e … ambos de Santa Maria de Lamas, prédios que englobam a parcela de terreno identificada na alínea A da Matéria de Facto Assente no referido Proc. 312/2002, que se acha inscrita na matriz urbana da referida freguesia sob o artigo 1898.»

   Ponto 2:

   «A representada dos Segundos Outorgantes fica obrigada a adquirir, ao(s) seu(s) titulares inscrito(s) o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º …/Santa Maria de Lamas (sobre o qual celebrará, no prazo máximo de dez dias, contrato-promessa de compra e venda cuja cópia fará chegar ao ilustre mandatário dos Primeiros Outorgantes), inscrito na matriz urbana da mesma freguesia sob o artigo 1893; a edificar nesse prédio uma casa térrea com a tipologia T2, anexos e garagem e respectivas infra-estruturas, (nos termos melhor definidos infra) e a transmitir a propriedade desse prédio para os Primeiros Outorgantes.

  2.1. A casa tipo T2 - dotada de abastecimento de água, gás, saneamento e ligação à rede eléctrica - a construir no prédio dito no corpo desta cláusula será térrea, à cota de nível da estrada que a serve, será construída de acordo com as melhores regras da boa arte, com materiais iguais ou equivalentes (em preço/qualidade) àqueles existentes na casa onde os Primeiros Outorgantes presentemente habitam e indicada como seu endereço, dotada de fogão de sala com recuperador e aquecimento central idêntico ao existente na residência dos Primeiros Outorgantes, guarda-fatos embutidos nos quartos, cozinha mobilada e equipada (excepto de electrodomésticos) e com louças e móveis dos quartos de banho. Todos os materiais de revestimento, interior e exterior, de portas, janelas, paredes e solos, ferragens, material eléctrico, mobiliário e louças serão previamente submetidos a escolha e decisão escrita dos Primeiros Outorgantes, materiais esses que, como sobredito, são iguais ou equivalentes (em preço/qualidade) àqueles existentes na casa onde os Primeiros Outorgantes presentemente habitam e indicada como seu endereço. Para efeito da sua determinação e com a apresentação do projecto da obra, será elaborado caderno de encargos que permita aferir a equivalência dos materiais a utilizar, nomeadamente contendo documentação fotográfica dos materiais existentes.

 2.2. Para além da casa T2, a representada dos Segundos Outorgantes construirá ainda anexos/garagem, com uma parte para garagem de dois carros dotada de portão eléctrico, e o remanescente, para arrecadação, wc de serviço e lavandaria, dotados de portas de alumínio e vidro.          

 2.3. As edificações ditas em 2.1 e 2.2 supra, bem como de um armazém a edificar pelos Primeiros Outorgantes no mesmo prédio, têm as áreas e implantações (com a ressalva efectuada infra) constantes de Pedido de Informação Prévia elaborado pelos Primeiros Outorgantes (que se destina a ser apresentado na Câmara Municipal de Santa Maria da Feira) ou as que vierem a resultar de alterações ao PIP efectuadas por indicação ou intervenção da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira.

 2.4. Os Primeiros Outorgantes edificarão, a suas expensas e no mesmo prédio, um armazém de um só piso destinado à indústria de transformação de cortiça do tipo IV, ficando a representada dos Segundos Outorgantes obrigada a facultar o acesso ao prédio para o efeito, nomeadamente para colocação de estaleiro e materiais e para a execução da obra.

 2.5. Os projectos e cadernos de encargos das edificações ditas em 2.1, 2.2 e 2.4 supra serão elaborados a mando e por conta dos Primeiros Outorgantes e a fiscalização da obra, para além de ser efectuada pelo dono da obra (a representada dos Segundos Outorgantes) será efectuada também a mando e por conta dos Primeiros Outorgantes, ficando a representada dos Segundos obrigada a facultar acesso permanente à obra aos Primeiros ou a quem estes indicarem, desde que acompanhados ou na presença do empreiteiro ou encarregado da obra

  2.6. A representada dos Segundos Outorgantes emitirá e/ou assinará a documentação que seja necessária para a apresentação dos projectos junto da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira. Obterá também, desde já e na pendência da realização da escritura de compra e venda do prédio, autorização do actual titular inscrito do prédio dito em 2 supra para apresentar Pedido de Informação Prévia (PIP) junto da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, com a possibilidade de substabelecer.

 2.7. A representada dos Segundos Outorgantes celebrará escritura de compra do prédio ao actual proprietário no prazo máximo de sessenta dias e regularizará a situação registral e matricial do prédio no prazo máximo de um mês após a sua aquisição.

 2.11. No interesse e por solicitação da representada dos Segundos Outorgantes e de forma a que a propriedade do prédio dita em 2 supra seja transferida para os Primeiros Outorgantes imediatamente após a obtenção da licença de ocupação da casa e anexos, serão apresentados dois Processos de obras: um primeiro com vista ao licenciamento da casa e anexos ditos em 2.1 e 2.2 supra; um segundo e ulterior com vista à aprovação e licenciamento do armazém dito em 2.4 supra. Os dois Processos de Obras (peças desenhadas) contendo as infraestruturas serão elaborados e dados a conhecer à representada dos Segundos outorgantes contemporaneamente:

   § primeiro. O projecto para a construção da casa e anexos preverá a construção futura do armazém, as infraestruturas construídas pela representada dos Segundos Outorgantes (ou a seu mando) serão levadas a cabo de modo adequado a estarem aptas à efectivação da ligação ao armazém e serão dimensionadas para o efeito.

   § segundo. A partir do momento em que seja emitida licença de construção, o prazo para construção da casa e anexos/obtenção de licença de ocupação será de 20 meses.

   § terceiro. O risco de eventual caducidade do PIP decorrente de as edificações previstas em 2.1, 2.2 e 2.4 supra serem representadas por dois Projectos de Obras distintos e subsequentes, corre por conta da representada dos Segundos Outorgantes. Caso se verifique essa caducidade e a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira não renove os efeitos constitutivos do PIP, o presente acordo considera-se incumprido por responsabilidade da representada dos Segundos Outorgantes, que fica constituída na obrigação de indemnização aos Primeiros Outorgantes nos termos e montante designados em 2.16 infra, obrigação que é avalizável pelos Terceiro e Quarto Outorgantes.

  2.12. O prédio será transmitido, por compra e venda, por doação ou por outro modo de transmissão em que acordem os Primeiros e a representada dos Segundos Outorgantes, no prazo de 60 (sessenta) dias após a emissão da licença de ocupação da casa e anexos, podendo cada um dos Outorgantes proceder à marcação da escritura (…..)

  2.15. O risco de o(s) actual(ais) proprietário(s) do prédio dito em 2 supra não procederem à venda desse prédio à representada dos Segundos Outorgantes corre por conta da representada dos Segundos Outorgantes. Independentemente do motivo subjacente à não concretização da venda do prédio à representada dos Segundos Outorgantes, caso não se concretize esse negócio considera-se incumprido o presente acordo por facto imputável à representada dos Segundos Outorgantes.

 2.16. Respeitado que seja o PIP aprovado e o subsequente projecto, no caso de não emissão, no prazo de seis meses subsequentes ao seu pedido e pela Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, das licenças de habitação da casa e anexos a construir e da licença de ocupação do armazém a construir para o fim industrial previsto, cabe aos Primeiros Outorgantes a possibilidade de resolver o presente acordo, ficando a representada dos Segundos Outorgantes constituída na obrigação de indemnizar os Primeiros Outorgantes em 350.000,00 é (trezentos e cinquenta mil euros), que se vencem 30 (trinta) dias após o exercício do direito de resolução. Esta obrigação fica avalizada pelos Terceiro e Quarto Outorgantes.

2.4. Do acordo de transação e anexo foram objeto de homologação pela sentença reproduzida a fls. 183, transitada em julgado em 25/01/2006 (fls. 134).


3. Do mérito do recurso


3.1. Enquadramento preliminar

Estamos no âmbito de um procedimento declarativo de oposição a uma execução para pagamento de quantia certa, instaurada em 02/04/2011, tendo com título executivo a sentença homologatória do acordo de transação descrito em 2.2.

Dos referido acordo conjugado com o acordo anexo referido em 2.3 consta a obrigação de a sociedade “Imobiliários AA, Lda”, 1.ª executada, adquirir o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º …/ Santa Maria de Lamas, edificar nele uma casa térrea com a tipologia T2, anexos e garagem e respetivas infra-estruturas, bem como a transmitir a propriedade desse prédio para os ora exequentes DD e EE.

Com vista a tal transmissão, a executada Imobiliários AA, Ld.ª, assumiu ainda a obrigação de emitir e/ou assinar a documentação que fosse necessária para a apresentação dos projetos junto da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira e de obter também, desde logo na pendência da realização da escritura de compra e venda do prédio, autorização do então titular inscrito do prédio para apresentar Pedido de Informação Prévia (PIP) junto da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira.

Ficou também acordado que, em caso de incumprimento de tais obrigações, por parte daquela executada, os exequentes ficavam com a opção de lhe exigir uma indemnização no valor de € 350.000,00.

Foi nessa base que os exequentes instauraram a execução em referência, alegando, complementarmente, o que consta da fundamentação do requerimento executivo, conforme o que se deixou consignado no ponto 2.1.

Por sua vez, na oposição à execução, que prosseguiu apenas relativamente ao 2.º executado CC, foi impugnado o alegado incumprimento e ainda invocado o abuso de direito por parte dos exequentes.

Porém, já após a marcação da audiência final, em 28/11/ 2012, vieram os exequentes juntar a escritura pública reproduzida a fls. 68-69, outorgada em 29/03/2011, da qual consta que a 1.ª executada vendeu o indicado prédio a terceiro, pretendendo com isso comprovar o incumprimento definitivo por parte da 1.ª executada.

 

Todavia, como já acima ficou relatado, o tribunal da 1.ª instância, debruçando-se apenas sobre os fundamentos da petição de oposição e da respetiva contestação, julgou totalmente procedente a oposição deduzida pelo 3.º executado, CC, declarando extinta a execução não só em relação àquele oponente mas também em relação aos demais executados, por considerar que não se verificavam os requisitos geradores da obrigação de indemnizar nos termos do acordo celebrado.

Para tanto, em primeira linha, foi ali considerado que, face ao teor da cláusula 2.11 do acordo anexo à transação exequenda, ocorria incumprimento desse acordo imputável à executada “Imobiliários AA, Ld.ª”, que ficara, por isso, constituída na obrigação de indemnizar os exequentes no valor € 350.000,00, obrigação esta “avalizada” pelos restantes executados.

Em segundo plano, foi equacionada a questão do abuso de direito, reciprocamente suscitada por ambas as partes, tendo-se concluído pela existência desse exercício abusivo apenas por parte do oponente, na modalidade de venire contra factum proprium, improcedendo assim o fundamento por este invocado. 

Não obstante isso, já em sede de análise da questão sobre o “incumprimento não justificado”, a 1.ª instância acabou por considerar que, não se mostrando verificado o requisito da caducidade do PIP e do processo de obras nem que a Câmara Municipal não renovasse os seus efeitos, demonstrada estava a inexigibilidade da obrigação exequenda, quer à data da instauração da execução, quer mesmo à data da sentença, o que levava forçosamente à procedência da oposição e à consequente extinção da execução não só em relação ao oponente CC, mas também em relação aos restantes executados

 

Interposto recurso de apelação pelos exequentes, com fundamento em omissão de pronúncia, por não consideração da escritura de 29/03/2011, junta a fls. 68-69, e em erro de julgamento quanto ao incumprimento definitivo imputado 1.ª executada, o Tribunal da Relação confirmou a decisão recorrida.

Para tal, considerou-se que a sentença recorrida se ateve aos fundamentos da oposição e da contestação, não lhe cumprindo ocupar-se do alegado no requerimento de fls. 66, relativamente à escritura de compra e venda outorgada em 29/03/2001, por não se verificarem os requisitos de admissibilidade daquele articulado, quer quanto à superveniência objetiva, quer quanto à superveniência subjetiva nem tão pouco alegada.

E, em sede de apreciação de mérito, no tocante ao alegado incumprimento definitivo imputado pelos exequentes à 1.ª executada, considerou-se que competia àqueles, antes de mais, requerer a fixação de prazo judicial para constituir a executada em mora, não bastando a simples notificação avulsa, para depois converter essa mora em incumprimento definitivo mediante interpelação admonitória, nos termos do art.º 808.º, n.º 1, do CC, nada disso tendo sido feito. Por outro lado, considerou-se que o silêncio da 1.ª executada, face à notificação avulsa, não releva como “atitude de absoluta rejeição dos deveres principais e acessórios emergentes da transação”, não podendo valer como recusa inequívoca e concludente de cumprir, por parte daquela executada, as obrigações que ora lhe são exigidas.         

Nessa base, concluiu-se pela impossibilidade de “haver por definitivamente incumpridas as obrigações assumidas pela executada nos termos das cláusulas 1 e 2 da transação e, correspondentemente por vencida a obrigação exequenda de pagamento da indemnização reclamada de € 350.000,00”, confirmando-se a sentença recorrida, “ainda que com fundamentos não inteiramente coincidentes” com os aí expendidos.  

Aqui chegados, a questão que se coloca, na presente revista, como já acima ficou dito, é a saber se, para a resolução do presente caso, importa ampliar a matéria de facto no tocante ao contrato de compra e venda do prédio em causa celebrada entre a 1.ª executada e terceiro no sentido de comprovar o alegado incumprimento daquela executada.


3.2. Quanto à questão da pretendida ampliação da materia de facto

Conforme o acima enunciado, os recorrentes pretendem que se determine a ampliação da matéria de facto sobre o alegado no requerimento de fls. 66, relativamente à escritura de compra e venda de fls. 67-68, outorgada em 29/03/2001, segundo a qual a 1.ª executada vendeu a terceiro o prédio que aquela se obrigou a transmitir-lhes.

Com tal facto visam, alegadamente, fazer a contraprova da matéria constante dos pontos 40 e 42 a 45 da petição inicial e provar a impossibilidade de ser requerido o alvará de licença de construção da casa tipo T2 que a 1.ª executada se comprometera a construir no referido prédio, já que este deixou de pertencer à esfera daquela, tornando assim impossível o cumprimento do acordo de transação em causa.

Sucede que tal facto não foi minimamente considerado pelas instâncias pelas razões acima expostas, conforme se colhe do despacho de fls. 131 e 132 e do acórdão recorrido.    


Ora, segundo o disposto no artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, correspondente ao anterior artigo 659.º, n.º 3, do CPC, aplicável aos acórdãos proferidos em sede de recurso por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º, correspondentes aos anteriores artigos 713.º, n.º 2, e 726.º do mesmo Código, devem ser tomados em consideração, nomeadamente, os factos provados por documentos, desde que pertinentes para a decisão da causa.  


E, no que aqui releva, o artigo 682.º correspondente ao anterior art.º 729.º do CPC, sob a epígrafe Termos em que julga o tribunal de revista, prescreve que:

2 – A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do art.º 674.º.

3 – O processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.


    Por seu lado, o n.º 3 do art.º 674.º dispõe que:

   O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos    materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista,

Salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. 


Em face deste quadro normativo, importa ajuizar se o facto que se pretende ampliar é suscetível de influir, de forma relevante, para a solução de direito.

Para tanto, em primeira linha, convém ter presentes as questões controvertidas da oposição à execução no quadro do objeto mais alargado da própria pretensão executiva por essa via impugnada.     

Segundo o n.º 5 do artigo 10.º correspondente ao anterior art.º 45.º, n.º 1, do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da ação executiva.

Como é sabido, a realização efetiva do direito violado supõe, em princípio, a sua prévia definição em sede de ação declarativa contraditória, de modo a se obter uma sentença condenatória na prestação devida que sirva de título à respetiva execução. Este princípio é postulado pelas garantias da tutela efetiva e do processo equitativo proclamadas no artigo 20.º, n.º 1, 4 e 5, da Constituição da República.

De entre as várias espécies de título executivo taxativamente previstas no n.º 1 do artigo 703.º correspondente ao anterior art.º 46.º do CPC, figura, logo à cabeça (alínea a), a sentença condenatória, em que se incluem as sentenças homologatórias que contenham, explícita ou implicitamente, a condenação do devedor numa determinada prestação patrimonial, como ocorre nos casos de sentença homologatória de uma transação. Normalmente nestes casos, a definição da prestação objeto de condenação tem de ser feita em função do teor do acordo homologado. 

No entanto, importa, desde já, não confundir a exequibilidade do título, como requisito de certeza para efeitos de acesso direto à ação executiva, com a validade e eficácia probatória do documento em causa quanto aos factos constitutivos da obrigação nele espelhada. Na verdade, a exequibilidade do título respeita apenas ao chamado “acertamento” do direito exequendo em termos de dispensar a prévia ação declarativa, mas não altera, por si só, as regras do ónus da prova quanto aos factos constitutivos da obrigação, que terão de ser equacionadas nos termos gerais, incluindo a força probatória atribuída à espécie de documento em causa.

Nas palavras do Professor Lebre de Freitas “a função executiva do documento, embora pressupondo sempre a sua força probatória, não se confunde com ela e o documento constitui base da acção executiva, com autonomia relativamente à actual existência da obrigação …”. Segundo o mesmo Autor “a exequibilidade distingue-se não só da validade e da eficácia (efeitos) do acto titulado, mas também da validade e da eficácia (força probatória), do próprio documento”[1].  

Em suma, o título executivo expressa a exequibilidade extrínseca da obrigação, sendo através da verificação dos seus requisitos que se afere a idoneidade do objeto da pretensão executiva. Por isso mesmo, o título executivo, assume a natureza de um pressuposto processual específico da ação executiva, constituindo um dos requisitos de admissibilidade da mesma[2].

Por outro lado, há que distinguir essa exequibilidade extrínseca de outros requisitos exigidos para a obrigação exequenda, nos termos do artigo 713.º correspondente ao anterior artigo 802.º do CPC, como são a certeza, a exigibilidade e a liquidez dessa obrigação, genericamente designados por requisitos de exequibilidade intrínseca, ressalvada a hipótese do n.º 6 do art.º 704.º do mesmo Código, os quais, não interferindo com a exequibilidade do título, se dele não constarem, devem ser liminarmente preenchidos pelo exequente através dos procedimentos previstos nos artigos 714.º a 716.º do CPC. 


No caso vertente, o título dado à execução consiste numa sentença homologatória de um acordo de transação do qual, como já ficou acima dito, conjugado com o acordo anexo referido em 2.3 dos factos acima consignados, consta a obrigação de a sociedade “Imobiliários AA, Ld.ª”, 1.ª executada, adquirir o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º …/Santa Maria de Lamas, edificar nele uma casa térrea com a tipologia T2, anexos e garagem e respetivas infra-estruturas, bem como a transmitir a propriedade desse prédio para os ora exequentes.

Com vista a tal transmissão, aquela executada assumiu ainda a obrigação de emitir e/ou assinar a documentação que fosse necessária para a apresentação dos projetos junto da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira e de obter também, desde logo na pendência da realização da escritura de compra e venda do prédio, autorização do então titular inscrito do prédio para apresentar Pedido de Informação Prévia (PIP) junto da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira.  

Ficou também acordado que, em caso de incumprimento de tais obrigações, por parte daquela executada, os exequentes ficavam com a opção de lhe exigir uma indemnização no valor de € 350.000,00.

Nessa conformidade, do acordo de transação exequendo emergem:

a) - em primeiro plano, obrigações principais de prestação de facto positivo, como são as de a 1.ª executada adquirir o prédio em referência, edificar nele uma casa térrea com a tipologia T2, anexos e garagem e respetivas infra-estruturas, bem como a de transmitir a propriedade desse prédio para os ora exequentes;

b) – em segundo plano, obrigações, também de prestação de facto positivo, mas secundárias, instrumentais ou acessórias daquelas prestações principais, como são as de a 1.ª executada emitir e/ou assinar a documentação que fosse necessária para a apresentação dos projetos junto da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira e de obter, desde logo na pendência da realização da escritura de compra e venda do prédio, autorização do então titular inscrito do prédio para apresentar Pedido de Informação Prévia (PIP) junto da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira.         

        A par disso, ficou estipulado, para o caso de incumprimento de qualquer dessas obrigações, o dever de a 1.ª executada indemnizar os exequentes, caso optassem por tal, no valor de € 350.000,00, o que se configura como uma cláusula penal compensatória, nos termos previstos nos artigos 810.º e 811.º, n.º 1, do CC.   

      Ora, o que os exequentes pretendem com a pressente execução é precisamente efetivar essa obrigação de indemnização, o mesmo é dizer, acionar a referida cláusula penal.   

    Sucede que tal obrigação de indemnização tem como factos constitutivos não só o acordo celebrado, mas, nuclearmente, a pretensa situação de incumprimento definitivo das obrigações de prestação de facto ali assumidas, sendo que este incumprimento se consubstanciaria em factos ocorridos já na fase de execução do acordo homologado e, portanto, ulteriores à formação do próprio título, recaindo sobre o credor o ónus de provar tal incumprimento, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do CC.

   Em tais circunstâncias, a alegada situação de incumprimento, enquanto fundamento da obrigação de indemnização peticionada, que, de resto, constitui o epicentro do presente litígio, não se encontra coberta pelo caso julgado da sentença homologatória aqui dada à execução, o que, por sua vez, obsta a que se possa extrair desta sentença uma condenação implícita dos ali devedores e ora executados naquela obrigação. 

    Não se tendo, pois, por certificada a obrigação exequenda no título dado à execução, não restaria senão concluir pela sua inexequibilidade ou manifesta insuficiência, vício este insuprível e determinativo da extinção da execução nos termos do artigo 820.º com referência ao artigos 812.º-E, n.º 1, alínea a), correspondentes, respetivamente, aos atuais artigos 734.º e 726.º, n.º 2, alínea a), do CPC.   


   Todavia, a questão foi introduzida pelas partes e equacionada pelas instâncias sob o prisma da inexigibilidade da obrigação exequenda. 

   Ora, como foi dito não se deve confundir a exequibilidade do título com a exigibilidade da obrigação exequenda.

Com efeito, nos termos do artigo 715.º, n.º 1, correspondente ao anterior artigo 804.º do CPC, se a obrigação exequenda não se mostrar exigível face ao título executivo, incumbe ao exequente requerer, logo no requerimento executivo, as diligências necessárias a torná-la exigível, o que terá lugar nos casos previstos no n.º 1 do indicado artigo 715.º, segundo o procedimento preliminar delineado nos demais números daquele normativo. 

Uma das situações previstas no referido normativo é a de a obrigação exequenda depender de uma condição suspensiva, a qual consiste, à luz do disposto no artigo 270.º do CC, num acontecimento futuro e incerto a que fica subordinada a produção dos efeitos do negócio jurídico. No entendimento da doutrina e da jurisrudência, a condição reconduz-se a uma cláusula acessória do negócio jurídico tendo por objeto tal evento futuro e incerto.

Nesta conformidade, o incumprimento definitivo de um contrato, como pressuposto essencial que é da obrigação de indemnizar, não se reduz a uma simples condição suspensiva, assumindo antes a natureza de um facto constitutivo gerador da existência, em concreto, da própria obrigação.


Mas em que medida é que esta análise entronca na questão que aqui nos ocupa?

Vimos que as instâncias, ainda que por vias diversas, concluíram pela inexistência do alegado incumprimento definitivo, daí inferindo que não se verificavam os requisitos geradores da obrigação de indemnizar nos termos do acordo celebrado, embora o fizessem sob o prisma jurídico da inexigibilidade da obrigação, solução que estenderam a todos os executados.

Nessa óptica, tem de se reconhecer que a alegação superveniente, deduzida por parte dos exequentes em 28/11/2012, do contrato de compra e venda constante da escritura pública reproduzida a fls. 67/68, datada de 29/03/2011, não é admissível como novo fundamento de incumprimento da obrigação exequenda, já que se trata, por um lado, de facto objetivamente ocorrido antes da instauração da execução, em 02/04/2011, não tendo os ora recorrentes alegado sequer a sua superveniência subjetiva, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 506.º, n.º 1 e 2, aplicável por via do art.º 817.º, n.º 2, in fine, do CPC na versão então em vigor.

O que se poderia discutir era se aquele facto poderia ainda assim ser atendido como mero facto instrumental indiciador ou até complementar ou concretizador de uma vontade inequívoca, por parte da 1.ª executada, de não cumprir as obrigações de prestação de facto em referência com relevo no plano do incumprimento definitivo alegado no requerimento executivo, sabido como é que tanto os factos instrumentais como os próprios factos complementares ou concretizadores de outros já oportunamente alegados são atendíveis, desde que resultem da instrução da causa, nos termos do artigo 264.º, n.º 2 e 3, do CPC então em vigor, correspondente ao atual artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b).


Seja como for, não obstante o enquadramento jurídico convocado pelas instâncias, considerando, como acima considerámos, que o que estaria em causa era o próprio facto constitutivo da obrigação exequenda consistente na situação do incumprimento definitivo do acordo de transação, o certo é que tanto esta situação de incumprimento como a própria obrigação que dela decorreria não encontram sequer suporte no âmbito de exequibilidade do título apresentado, tornando-o manifestamente insuficiente para a execução, conforme o acima exposto.

Neste conspecto, não se afigura que a compra e venda a terceiro constante da escritura reproduzida a fls. 67/68, ainda que tida por instrumental, complementar ou concretizadora do alegado no requerimento executivo, possa determinar, de algum modo, a improcedência da oposição e consequentemente o prosseguimento da execução, como pretendem os exequentes.

Em suma, mostram-se insubsistentes as razões dos recorrentes para a pretendida ampliação da matéria de facto, quer ao abrigo do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º, quer a coberto do artigo 682.º, n.º 2 e 3, todos do CPC.  


IV – Decisão


Pelo exposto, nega-se a revista.

Custas a cargo dos recorrentes, sem prejuízo da dispensa do seu pagamento em virtude do apoio judiciário de que beneficiam.


Lisboa, 30 de Abril de 2015


Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria 

João Luís Marques Bernardo

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[1] A Acção Executiva depois da Reforma, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Abril de 2004, pag. 70.
[2] A este propósito, vide Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da reforma da reforma, Coimbra Editora, 5.ª Edição, 2009, pag. 32-33.