Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
149/22.9YUSTR.L1-B.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
COVID-19
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
OPOSIÇÃO EXPRESSA
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - Questão em debate: prazo de suspensão prescricional contraordenacional- legislação Covid; “Determinação da regra de fixação do número de dias que deve acrescer ao prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional, por efeito da legislação COVID- [- Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril.]
II - O Código de Processo Penal admite, nos n.ºs 1 e 2 do seu artigo 437.º, a interposição de recurso para fixação de jurisprudência «[quando, no domínio da mesma legislação, (…) «um tribunal da relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação (…) e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça».
III - Por aplicação subsidiária das normas do processo penal ao processo de contraordenação, determinada pelo art. 41.º, n.º 1, do RGCO (DL n.º 433/82, de 27-10), aplicável aos processos por infração ao disposto nos arts. 9.º, 11.º e 12.º do novo regime jurídico da concorrência aprovado pela Lei n.º 19/2012, de 08-05, é admissível a fixação de jurisprudência em matéria de contraordenações pelo STJ para resolução de conflitos entre acórdãos dos Tribunais da Relação, os quais, atento o disposto no art. 75.º, n.º 1, do mesmo diploma, não admitem recurso ordinário.
IV - A oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento – “oposição de julgados” –resultará de ambos os acórdãos se terem pronunciado e terem resolvido a mesma questão de direito controvertida, no domínio da mesma legislação, adotando soluções opostas na interpretação e aplicação das mesmas normas, decidindo em termos contraditórios em idênticas situações de facto.
V - Requisito essencial para o prosseguimento do recurso de X será verificar e reconhecer se, afinal, ambas as decisões do Tribunais Superiores se reportaram com identidade normativa à mesma questão de direito.
VI - A questão em oposição ateve-se à “ fixação do número de dias que deve acrescer ao prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional, por efeito da legislação COVID, ou seja, por efeito da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril”, ou seja, em causa estava o debate sobre se a aplicação fora em sentido oposto, no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, dos arts. 6.º da Lei n.º 16/2020 e 5.ª da Lei n.º 13/B/2021 quanto ao alargamento/duplicação dos prazos de suspensão.
VII - Inexiste oposição de julgados quando, sendo embora a situação fáctico-processual coincidente no que que se ateve à contagem do prazo de suspensão da prescrição, tenho em conta as leis Covid mas considerando-se (só aparentemente) o contrário do que se decidiu, estabelecendo-se no Acórdão-fundamento uma menor limitação de prazos de suspensão sem o alargamento previsto nos arts. 6.º da Lei n.º 16/2020 e 5.º da Lei n.º 13-B/ 2021, tais leis apenas foram referidas genericamente sem qualquer alusão aos arts. 6.º e 5.º respectivos, sem discussão clara sobre a razão da sua não aplicação no acórdão fundamento.
VIII - Quanto à problemática de saber se os artigos 6.º da Lei 16/2020 e artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021 que previram que os prazos de prescrição cuja suspensão cessa por força desse diploma legal são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão, o acórdão recorrido entendeu expressamente, aludindo explícita e claramente aos arts. 6º. e 5.º citados, que esse regime de suspensão prescricional era aplicável e, por isso, calculou cada um dos períodos em causa esticando-os para o dobro
IX - Já o Acórdão fundamento nunca invocou nem aplicou expressamente qualquer entendimento claro, inequívoco e preciso sobre o disposto no art. 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29-05, bem como no estabelecido no art. 5.º da Lei n.º 4B/2021, de 01-02, ou seja, não considerou interpretativamente os períodos em que vigoraram as suspensões que, por força desses mesmos diplomas, cessaram nem a sua eventual extensão por períodos equivalentes, ignorando-se a razão da não aplicação nem nele se explica porque o não fez, se por lapso, desatenção ou mesmo intencionalmente, não se pronunciando clara e expressamente sobre o disposto nessas duas normas, aplicando-as ou não e dizendo porquê, a fim de se perceber a razão da divergência, bem ao contrário do que inequivocamente fez o Ac. recorrido.
X - Só haveria oposição se o Acórdão Fundamento, expressamente (ou mesmo de modo implícito, o tivesse feito com clareza jurídica e sem que se suscitassem dúvidas hermenêuticas sobre o sentido em que o tivesse feito) ou tivesse referido essas normas e também, dada a sua importância e relevo (e não por referência genérica ao ordenamento jurídico onde se incluíam) explicado a razão de não as aplicar ou de as ter ( mesmo que implicitamente) afastado, quanto à extensão do prazo de suspensão da prescrição como, expressamente fez (sem controvérsia, diga-se) o Acórdão recorrido.”
Decisão Texto Integral:




Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I-Relatório

1. CTT CORREIOS DE PORTUGAL S.A., (“CTT”), Recorrente nos autos acima referenciados, tendo sido notificada do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (doravante “TRL”) em 13.07.2023, que julgou totalmente improcedente o requerimento apresentado pelos CTT, em 23.05.2023 (ref.ª citius 636540), a invocar a prescrição de nove das contraordenações que lhe foram imputadas, decisão entretanto transitada em julgado a 27.08.2023 (“Acórdão Recorrido”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 437.º n.ºs 2 a 5 e 438.º do Código de Processo Penal (“CPP”), ex vi artigo 41.º n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (“RGCO”), dele interpor Recurso Extraordinário para FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (RFJ) , a 28.08.2023 dizendo:


[ (…)

1. No âmbito do processo de contraordenação n.º 149/22.9YUSTR.L1, os CTT foram condenados, por Acórdão proferido pelo TRL, em 08.02.2023 (“Acórdão de 08.02.2023”), numa coima única de EUR 57.000,00, pela alegada prática, entre o mais, de 9 contraordenações pela não publicitação nos estabelecimentos postais da informação sobre os indicadores de qualidade de serviço (“IQS”) realizados em 2013, como disposto no artigo 11.º n.º 2 da Lei n.º 17/2012, de 26 de abril (“Lei Postal).

1. Em 23.05.2023, e após terem apresentado requerimento a arguir a nulidade por omissãode pron úncia em 24.02.2023 e interposto recurso para o Tribunal Constitucional, com base em motivações distintas, em 24.02.2023 e em 27.03.2023, os CTT apresentara um requerimento junto do TRL, no qual invocaram a prescrição do procedimento contraordenacional relativamente às 9 (nove) das contraordenações que lhe foram imputadas noAcórdão de08.02.2023, por entenderem que o prazo máximo de prescrição aplicável ao procedimento contraordenacional já se havia esgotado, mesmo acrescido de 158 dias (85 dias + 73 dias) correspondente ao período de suspensão do prazo de prescrição decorrente da aplicação da Lei n.º 1-A/2020 de 19 de março e da Lei n.º 4-B/2020 de 6 de abril.

2. O presente recurso de fixação de jurisprudência vem interposto do Acórdão do TRL proferido nesse seguimento, em 13.07.2023, o qual julgou totalmente improcedente a prescrição invocada pelos CTT, por entender que o prazo de prescrição das 9 (nove) contraordenações ainda não havia decorrido.

3. Assim, decidiu o Acórdão Recorrido que, em processo de contraordenação referente a factos anteriores à entrada em vigor da Legislação Covid (Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril), ao prazo máximo de 8 anos de prescrição (decorrente do RGCO), acresce um período de 320 dias, decorrente da “suspensão Covid”, correspondente à duplicação dos períodos de suspensão (de 86 dias e de 74 dias) previstos nas referidas leis.

O Acórdão Fundamento (acórdão de 18 de abril de 2023 do Tribunal da Relação de Évora proferido no processo n.° 1186/19.6T8TMR. ) decidiu, por sua vez, que, em processo de contraordenação referente a factos anteriores à entrada em vigor da Legislação Covid, ao prazo máximo de 8 anos de prescrição do procedimento deve acrescer um período - decorrente da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril - de 157 dias (84 dias + 73 dias), declarando, assim, prescrito o procedimento contraordenacional em causa.

4. O Acórdão Recorrido não admite recurso ordinário, por força do disposto no artigo 75.º do RGCO. Quer o Acórdão Recorrido quer o Acórdão Fundamento foram proferidos no domínio da mesma legislação, dado que em ambos se discute o âmbito de aplicação das normas processuais de suspensão dos prazos de prescrição em processo contraordenacional por efeito da denominada legislação Covid.

5. Em particular, está em causa a eventual prescrição do procedimento contraordenacional, por aplicação do prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional (8 anos) acrescido de um período de suspensão, decorrente da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril.

6. São precisamente essas as leis que são referidas quer no Acórdão Recorrido quer no Acórdão Fundamento, em particular, e aqui com maior ou menor exaustividade, os artigos 7.º n.ºs 3 e 4 e 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, o artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, os artigos 6.º, 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, o artigo 6.º-B n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 1-A/2020, na versão da Lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e o artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021 de 5 de abril.

7. Quer o Acórdão Recorrido quer o Acórdão Fundamento conhecem da mesma questão de direito: a fixação do número de dias que deve acrescer ao prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional, por efeito da legislação COVID, ou seja, por efeito da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril.

8. Os acórdãos encontram-se em manifesta oposição e contradição, quanto à referida questão, tendo sido confrontados com situações de facto similares. Efetivamente, as situações de facto nos casos em apreço no Acórdão Recorrido e no Acórdão Fundamento são absolutamente coincidentes, porquanto, em ambas as situações:

i. estamos no âmbito de processos de contraordenação;

ii. os Recorrentes apresentaram, junto do Tribunal da Relação territorialmente competente, requerimento ad-hoc a invocar a prescrição de contraordenações que lhe vinham imputadas;

(iii) os factos em causa nos autos ocorreram há mais de 8 anos face à data da apresentação dos requerimentos;

(iv) o prazo máximo de prescrição do procedimento aplicável às infrações em causa, decorrente dos artigos 27.º-A e 28.º do RGCO, era de 8 anos;

(v) a decisão sobre a ocorrência da prescrição do procedimento dependera do número de dias a acrescer ao prazo máximo de prescrição, decorrentes da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, da Lei nº 16/2020, de 29 de maio, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril; e

(vi) num e noutro caso o Tribunal da Relação pronunciou-se sobre esses mesmos requerimentos e conheceu da prescrição invocada.

11. Assim, perante a mesma factualidade e quanto à questão da determinação dos dias que devem acrescer ao prazo máximo de prescrição, em processo contraordenacional, por efeito da legislação Covid:

(i) no Acórdão Recorrido, o TRL decidiu julgar totalmente improcedente o requerimento apresentado pela Recorrente por considerar que o período, a acrescer ao prazo máximo de prescrição, decorrente da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, seria de 320 dias, não se encontrando, assim, prescrito o procedimento contraordenacional.

(ii) no Acórdão Fundamento, o TRL decidiu julgar totalmente procedente o requerimento apresentado pela Recorrente por considerar que o período, a acrescer ao prazo máximo de prescrição, decorrente da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, seria de 157 dias, pelo que declarou prescrito o procedimento contraordenacional.

12. O presente recurso está em tempo, uma vez que deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar e a Recorrente foi notificada do Acórdão Recorrido no dia 17.07.2023, tendo o Acórdão transitado em julgado no dia 28.07.2023.

13. Pelo exposto, verifica-se que que estão cumpridos os requisitos impostos pelo artigo 437.º do CPP para que o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência seja admitido, devendo a Recorrente ser notificada para apresentar as suas alegações, com fundamentação do sentido em que entende que deve ser fixada jurisprudência.

14. Termos em que deve ser admitido e dado provimento ao presente recurso extraordinário de fixação jurisprudência, por estarem verificados os pressupostos dos quais o mesmo depende, nos termos do artigo 437.º, n. 2, 3 e 4 do CPP, devendo ser fixada jurisprudência no sentido que, oportunamente, se avançará em sede de alegações.” (…) ]

1.2 - Notificados os sujeitos processuais interessados nos termos do artº 439º do CPP veio o MPº junto do Tribunal da Relação de Lisboa responder, alegando em síntese:

1. Em face das situações consideradas nos acórdãos recorrido e fundamento, afigura-se que, no âmbito do mesmo quadro legislativo (ambos os acórdãos assentam no complexo de leis que adotaram medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 e das que lhe puseram termo) e perante circunstancialismos idênticos (em ambos os acórdãos se equaciona a eventual prescrição do procedimento contraordenacional e o período de suspensão do decurso de tal prazo no âmbito daquele complexo legislativo), foram proferidas decisões com sentidos ou soluções dissonantes e conflituantes entre si.

2. Pois que, enquanto no acórdão recorrido se considerou aplicável às contraordenações, para além da suspensão extraordinária do prazo de prescrição decorrente dos artigos 7.º, n.ºs 3 e 4, e 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, e 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio (pelo período de 86 dias), e da suspensão extraordinária do prazo de prescrição decorrente do artigo 6.º-B, n.º 1 e 3, da Lei n.º 1-A/2020, na versão da Lei n.º 4-B/2021 (pelo período de 74 dias), um alargamento pelo período correspondente à vigência de tal suspensão, ou seja, mais 86 dias por força do artigo 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, e mais 74 dias por força do artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, num período total de320 dias, jáno acórdão fundamento seentendeu quetais suspensões extraordinárias do prazo de prescrição devem ser contabilizadas em singelo (os períodos, respetivamente, de 84 dias e de 73 dias, num período total de 157 dias).

3. Donde, as decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Tribunal da Relação de Évora, perante a mesma questão de direito – o concreto período de suspensão extraordinária do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional – e no domínio da mesma legislação – o complexo de leis que adotou medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 e das que lhe puseram termo – perfilham entendimentos distintos e adotam decisões dissonantes.

4. Por conseguinte, sou de parecer que deve ser verificada a oposição de julgados e o recurso prosseguir para fixação de jurisprudência.”


1.3 -Efectuadas as legais certificações narrativas atinentes ao recurso e à decisão recorrida, foram os autos remetidos ao STJ, tendo o MPº emitido parecer final nos seguintes termos, por ocasião da vista a que se refere o art. 440.º/1 CPP:

“(…)

Como atrás se referiu, o primeiro requisito para o prosseguimento dos presentes autos consiste em reconhecer que ambas as decisões do Tribunais Superiores se reportarem à mesma QUESTÃO DE DIREITO.

No entendimento do Recorrente essa questão reporta-se à “fixação do número de dias que deve acrescer ao prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional, por efeito da legislação COVID, ou seja, por efeito da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril.”

Se bem entendemos, a principal preocupação do Recorrente tem a ver com a duplicação dos prazos de suspensão que foi considerada no acórdão recorrido e não foi tida em conta no acórdão fundamento.

Contudo, antes disso, importa referir que também na contagem dos prazos são detetáveis ligeiras diferenças.

Com efeito, o acórdão recorrido reporta-se a 86 (oitenta e seis) e a 74 (setenta e quatro) dias, enquanto no acórdão fundamento se alude a 84 (oitenta e quatro) e a 73 (setenta e três) dias.

Contudo e salvo o devido respeito, porque o dies a quo e o dies ad quem dos prazos de suspensão estabelecidos na denominada “legislação COVID” estão perfeitamente definidos nesses diplomas, não se vê qual é a questão DE DIREITO que se possa suscitar.

Com efeito, nos aludidos diplomas legais refere-se, com clareza, quando se iniciam e terminam os aludidos prazos de suspensão, pelo que, caso se chegue a um número de dias diverso, estaremos perante um mero problema de contabilização desses dias e não perante uma questão jurídica.

Ou seja, existindo um mero erro de cálculo, o meio estabelecido para o retificar é a correção da sentença/acórdão, nos termos do disposto nos artigos 380º e 425º, nº 4 do Código de Processo Penal ou, porventura, o recurso ordinário, jamais se podendo lançar mão para esse efeito do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência

Por outro lado, constata-se que o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora (acórdão fundamento) ignorou o disposto nos artigos 6º da lei 16/2020, de 29 de maio, bem como o estabelecido no artigo 5º da Lei 4B/2021, de 1 de fevereiro. E terá sido por isso que não considerou novamente os períodos em que vigoraram as suspensões que, por força desses mesmos diplomas, cessaram.

E, embora nos pareça ter sido uma mera desatenção, não podemos afirmar por que o fez, sendo, contudo, certo que não se pronunciou sobre o disposto nessas normas. Ora, não se tendo pronunciado sobre tal matéria, não podemos afirmar que defende uma posição oposta à consagrada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (acórdão recorrido).

Em suma, o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência não é, seguramente, o meio adequado para dar resposta a este tipo de erros por vezes cometidos pelos tribunais, existindo para esse efeito os recursos ordinários (que, in casu, não era admissível…)

Aliás e embora não seja obrigado a fazê-lo neste momento, é curioso que o Recorrente não tenha apresentado proposta de fixação de jurisprudência a este Supremo Tribunal de Justiça, cujo conteúdo não vislumbramos.

Concluindo, não estão assim, cumpridos todos os pressupostos para que se possa admitir o recurso de fixação de jurisprudência, dado que falham os requisitos substanciais do recurso extraordinário.

Pelo exposto, pronunciamo-nos pela rejeição do presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, por inexistência dos respetivos pressupostos substanciais - artigos 440.º, n.ºs 3 e 4 e 441°, n° 1, do CPP.

(…)”

1.4 - A recorrente , por sua vez, veio dizer, em resposta, não ter razão o MP pois as regras de contagem do dies a quo e dies ad quem não suscitariam correcções algumas de sentença e o tribunal que proferiu o Ac. Fundamento assumiu implicitamente a não aplicação das normas em discussão atinentes à extensão dos prazos de suspensão.


1.5- Recebido o recurso, por despacho proferido a 29.12.2023 pelo ora relator, foi determinado:

“(…)

1.

O presente recurso extraordinário foi interposto a 28.08.2023 , distribuído neste STJ a 28/09/23 e aberta conclusão ao relator para exame preliminar a 02/11/23.

2.

Ao preparar o processo para análise e elaboração de projecto, verificamos que no Acórdão recorrido, de 13.07.23, transitado a 27/08/23, a contagem do prazo de prescrição das 9 contraordenações ali em causa pode ter já ocorrido entretanto, mesmo tendo em atenção o entendimento ali tido com a aplicação de prazo adicional de 320 dias de suspensão (ex vi a legislação Covid- prazo esse duplicado que a recorrente contesta), prescrição essa que, à data da sua prolação, a 13.7.23, ainda não acontecera, na perspectiva do referido acórdão recorrido.

3.

Na verdade, foi ali mencionado no ponto 16 o seguinte:

“(…)

o Quanto às contraordenações relativas à não publicitação dos IQS realizados em 2013 nos PC de AA, de Avenida, de ... e de ..., praticadas em 28.10.2014, o procedimento prescreve, pelo decurso do prazo máximo de oito anos acrescido da suspensão Covid, de 320 dias, ou seja, em 15.09.2023;

o Quanto às demais contraordenações, praticadas em 30.10.2014, 01.11.2014, 29.11.2014 e 4.12.2014, o procedimento prescreve, pelo decurso do prazo máximo de oito anos acrescido da suspensão Covid, de 320 dias, em data necessariamente posterior à aludida no ponto anterior que se refere às contraordenações praticadas em data mais antiga.

(…)”

4.

Ora, dado o exposto, todas as contraordenações (procedimento contraordenacional) aludidas estarão já prescritas desde 15.5.2023 ( 1ºgrupo relativo à ocorrência a 28.10.2014- não publicitação dos IQS) e desde 22 de Outubro de 2023, tendo em conta a data mais recente da sua comissão-4.12.2014, quanto às restantes do 2º grupo enunciado.

5.

A prescrição do procedimento contraordenacional dependerá sobretudo de o acórdão condenatório de 8.2.23 não ter transitado em julgado antes de qualquer uma das aludidas datas (15.09 e 22/10/23) caso em que, a ter acontecido, já não se poderia estar perante prescrição do procedimento contraordenacional mas, antes, de prescrição de coimas.

6.

Seja como for, é importante saber junto do tribunal recorrido (TRL- SPICRS), caso tenha ocorrido, a data de trânsito em julgado do acórdão condenatório de 8.2.23 e se, afinal, aquela prescrição a 15/09/23 e 22/10/23 ocorreu ou não e, tendo-o, se foi entretanto declarada.

Esta informação é fundamental para aferir da utilidade do prosseguimento do recurso extraordinário e da manutenção ou não do interesse no mesmo por parte da recorrente.

Solicite informação do TRL ( SPICRS) no prazo de 10 dias.

(…)”

Em resposta, por despacho do Exmº Relator no TRL. de 8.1.2024 foi explicado e referido:

“(…)

Em resposta ao solicitado pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, cumpre informar que na data 13/7/2023, data de publicação do Acórdão objeto do presente recurso, já se mostrava transitado o Acórdão de 8/2/2023.

Salvo melhor entendimento, afigura-se que, de acordo com o que resulta dos autos, o trânsito do Acórdão de 8/2/2023 ocorreu no dia 19/5/2023, data em que foi proferido o Acórdão do Tribunal Constitucional desatendendo de forma definitiva a reclamação da recorrente, relativamente ao recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação que julgou não verificadas as nulidades suscitadas relativamente ao Acórdão de 8/2/2023.

Que, por esse motivo, a prescrição aludida no despacho do Venerando Tribunal, respeitante a 15/9/2023 e 22/10/2023 não ocorreu, nem foi declarada nesta instância, porquanto o trânsito do Acórdão de 8/2/2023 ocorreu em data anterior.”

Nesta sequência o ora relator no STJ proferiu o seguinte despacho a 8.1.2024:

“(…)

1.Tendo em atenção a informação prestada no despacho de 8.1.24, e considerando a necessidade de segurança jurídica quanto aos efeitos úteis de uma decisão de fixação de jurisprudência caso venha a ser alcançada, a data do trânsito do Acórdão do Tribunal Constitucional deve estar devidamente assinalado pelo próprio Tribunal Constitucional.

2. Peça cópia do acórdão e certificação desse mesmo trânsito e da data em que o mesmo ocorreu, certificada pelo próprio Tribunal Constitucional.”

Em resposta foi então certificado pelo TRL:

“O acórdão com a referência ......44, de 08-02-2023, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa sobre o qual recaíram:

A decisão sumária n.º 177/2023, de 14-03-2023, do Tribunal Constitucional, após recurso interposto pela Recorrente;

O acórdão n.º 226/2023, de 21-04-2023, do Tribunal Constitucional, após reclamação para a conferência daquela decisão sumária;

O acórdão com a referência ......22, de 10-03-2023 (e não 10-30.2023 como por lapso consta indicado na certidão), proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, face à arguição de nulidade do acórdão de 08-02-2023 sobre o qual recaíam:

o a decisão sumária n.º 222/2023, de 04-04-2023, do Tribunal Constitucional, após recurso interposto pela Recorrente;

O acórdão n.º 265/2023, de 19-05-2023, do Tribunal Constitucional, após reclamação para a conferência da decisão sumária n.º 222/2023, foi notificado a todos os intervenientes a 22-05-2023;

Que o Tribunal Constitucional, em 12-06-2023, deu o acórdão n.º 265/2023 como transitado em julgado, conforme cópia da certidão de trânsito que e anexou à informação/resposta”.

1.7 - Face ao exposto, ficou assim esclarecida a confirmação da utilidade e interesse do recurso caso se decida pela sua procedência na pressuposição de o prazo de prescrição ter afinal ocorrido antes do trânsito em julgado do acórdão condenatório de 8.2.23 (certificado pelo TRL ocorrido a 19 de Maio) como a recorrente pretende, não se contando o prazo total de suspensão (da prescrição) determinado pela aplicação das leis Covid (digamos assim, contado em duplicado até 320 dias) mas apenas metade dele (160 dias), decisão que, caso aponte nesse sentido, obviamente terá interesse para a recorrente.


Assim já não seria se o trânsito em julgado do acórdão condenatório de 8.2.2023 só tivesse ocorrido após o decurso daqueles 320 dias, caso em que, fosse qual fosse a decisão no presente recurso, o procedimento criminal estaria sempre prescrito.


1.8 – Após vistos, realizou-se conferência, cumprindo explicitar de seguida a deliberação tomada.


Esta atém-se à fase preliminar do recurso, porquanto se circunscreve à avaliação da sua admissibilidade (art. 441.º, CPP) e à determinação da oposição de julgados.


II. Os pressupostos do recurso para fixação de jurisprudência


2.1- O recurso de fixação de jurisprudência encontra-se previsto no Capítulo I, do Título II, do Livro XIX do CPP, e os arts 437.º (Fundamento do recurso) e 438.º (Interposição e efeito) disciplinam os requisitos de natureza formal e substancial para a admissibilidade deste recurso extraordinário.


O Código de Processo Penal admite, nos n.ºs 1 e 2 do seu artigo 437.º, a interposição de recurso para fixação de jurisprudência «[quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas», sendo também admissível esse recurso «quando um tribunal da relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça».


De acordo com o n.º 3 deste mesmo preceito legal, «[o]s acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida».
O recurso, que deve ser interposto «no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar» (artigo 438.º, n.º 1), deve indicar, como fundamento, um acórdão anterior transitado em julgado (artigo 437.º, n.º 4), devendo o recorrente justificar a oposição que origina o conflito de jurisprudência (artigo 438.º, n.º 2).



O Ministério Público, o arguido, o assistente e as partes civis têm legitimidade para a interposição deste recurso (artigo 437.º, n.º 5), exigindo-se ainda que estes três últimos tenham interesse em agir (artigos 448.º e 401.º, n.º 2), o que se traduz «na possibilidade de a decisão que resolver o conflito ter uma repercussão favorável ao recorrente no processo em que o recurso foi interposto, por força do disposto no artigo 445.º, n.º 1».


A estes requisitos legais, o Supremo Tribunal de Justiça, de forma pacífica, aditou a incontornável necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito- ( cfr Acórdãos do STJ de 10 de Janeiro de 2007, relativo ao processo 06P4042, e de 31 de Outubro de 2012, proferido no processo n.º 224/06.7TACBC.G2-A.S1) entendida esta, contudo, «não como uma identidade absoluta entre dois acontecimentos históricos mas que eles se equivalham para efeitos de subsunção jurídica a ponto de se poder dizer que, pese embora a solução jurídica encontrada num dos processos assente numa factualidade que não coincide exactamente com a do outro processo, esta solução jurídica continuaria a impor-se para o subscritor mesmo que a factualidade fosse a do outro processo» (Acórdão do STJ de 26 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 1714/11.5GACSC.L1.S2).


Por aplicação subsidiária das normas do processo penal ao processo de contraordenação, determinada pelo art. 41.º, n.º 1, do RGCO (DL n.º 433/82, de 27-10), aplicável aos processos por infração ao disposto nos arts. 9.º, 11.º e 12.º do novo regime jurídico da concorrência aprovado pela Lei n.º 19/2012, de 08-05, é admissível a fixação de jurisprudência em matéria de contraordenações pelo STJ para resolução de conflitos entre acórdãos dos Tribunais da Relação, os quais, atento o disposto no art. 75.º, n.º 1, do mesmo diploma, não admitem recurso ordinário. (cfr entre outros, o Ac STJ de 06-12-2023 no Proc. n.º 29000/18.2T8LSB.L1-A.S1 - 3.ª Secção Criminal),irrecorribilidade que, como requisito específico relativo aos acórdãos da Relação, é imposta, como se vê, pelo artigo 437.º, n.º 2, do CPP.


Com efeito, na linha, aliás, do decidido nos acórdãos do STJ nº 102/15.9YUSTR.LI-A.S1 (Carlos Almeida) de 08-03-2018 (1) e de 08.11.2023, Proc. 204/22.5YUSTR-L1.A-S1, (ainda que em contrário aos acórdãos de 28.01.2015, Proc. 44/14.5TBORQ.E1-A.S1, de 28-05-2015 e de 08.03.2018, Proc. 41/12.5YUSTR.L1-D.S1 de 2018-03-08- rel. Manuel Braz),in https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/41-2018-116181949 e não havendo norma que constitua obstáculo ao recurso, justifica-se que, ao dispor que não cabe recurso das decisões da 2.ª instância, o artigo 75.º, n.º 1, do RGCO se limita aos recursos ordinários, a isso não se opondo o artigo 73.º, n.º 2, com âmbito de previsão diverso, admitindo o recurso para a relação «para melhoria da aplicação do direito» ou «promoção da uniformidade de jurisprudência» (neste sentido, entre outros, o acórdão de 08.03.2018, Proc. 102/15.9YUSTR.L1-A.S1, LEONES DANTAS, Direito Processual das Contraordenações, Almedina, 2022, p. 283-284, e DAMIÃO DA CUNHA, “Fixação de Jurisprudência e Ilícito de Mera Ordenação Social”, Revista do Ministério Público, n.º 146, pp. 179ss., notando-se que são vários os acórdãos em que o Supremo Tribunal de Justiça assumiu esta competência (podendo referir-se os acórdãos 1/2001, 11/2005, 1/2009, 4/2011, 5/2013 e 2/2014).


A oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento – oposição de julgados – é a que resultará de ambos os acórdãos se terem pronunciado e terem resolvido a mesma questão de direito controvertida, no domínio da mesma legislação, adotando soluções opostas na interpretação e aplicação das mesmas normas, decidindo em termos contraditórios em idênticas situações de facto.


Os referidos arts. 437.º/1/2/3 e 438.º/1/2, do CPP, assim como a jurisprudência pacífica deste STJ (para o efeito, vd, por todos, pereira madeira, Código de Processo Penal, Comentado, 2016, p. ,1469) fazem, pois, depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência dos seguintes pressupostos (i)formais e ii) substanciais):


A) Formais:


AA)- A legitimidade e interesse em agir do recorrente; Os acórdãos em conflito serem de tribunais superiores, ambos do Supremo Tribunal de Justiça, ambos de Tribunal da Relação, ou um - o acórdão recorrido - de Tribunal da Relação, mas de que não seja admissível recurso ordinário, e o outro - o acórdão-fundamento - do Supremo - artigo 437º nºs 1 e 2 do Código Processo Penal; O trânsito em julgado dos dois acórdãos - artigos 437º n.º 4 e 438º n º 1 do Código Processo Penal; A interposição do recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido) - artigo 438º n.º 1 do Código Processo Penal; A identificação do aresto com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (acórdão-fundamento) - artigo 438º n.º 2 do Código Processo Penal; A indicação, caso se encontre publicado, do lugar de publicação do acórdão-fundamento - artigo 438º n.º 2 do Código Processo Penal; A indicação de apenas um acórdão-fundamento - artigos 437º nºs 1, 2 e 3 e 438º n.º 2 do Código Processo Penal;


AB) Assim, verificando o caso dos autos:


A recorrente, no processo contraordenacional em que foi proferido o acórdão recorrido, teve a qualidade de arguida, pelo que se mostra preenchido o pressuposto da legitimidade.


Ambos os acórdãos foram proferidos por Tribunais da Relação e foram devidamente certificados. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (acórdão recorrido), está datado e transitou em julgado.


O acórdão-fundamento transitou em julgado.


A tempestividade da interposição do presente recurso é também incontornável pois ocorreu no dia seguinte ao trânsito em julgado do Acórdão recorrido, portanto dentro do prazo de 30 dias após esse trânsito em julgado..


Por outro lado, verificamos que a Recorrente identificou o acórdão-fundamento.


Finalmente, a Recorrente indicou, e bem, um único Acórdão-fundamento: o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do processo já assinalado, tendo sido observada a menção do lugar da publicação, tal como apresentou o argumentário afirmador da alegada oposição entre os acórdãos que motiva o presente pedido de resolução de conflito de jurisprudência.


Da leitura da motivação do recurso apresentado pode facilmente compreender-se que a recorrente equaciona com clareza , ainda que na sua perspectiva, a substância do conflito e os parâmetros argumentativos que considera fundarem aquela aludida oposição de soluções.


Em conclusão, estes enunciados pressupostos formais estão verificados.


B) – Substanciais:


- Que os acórdãos assentem em soluções opostas a partir de idêntica situação de facto,


- Que as decisões em oposição sejam expressas.


- Que respeitem à mesma questão de direito


- Que sejam proferidos no domínio da mesma legislação.


- Finalmente, inexistir ainda uniformização de jurisprudência sobre a questão de direito em discussão fixada no sentido decidido pelo acórdão recorrido (pressuposto negativo).


Na verdade, neste referido segmento, desde já se adianta que ainda não foi produzida uniformização de jurisprudência pelo STJ sobre a matéria na orientação acolhida pelo acórdão recorrido.


Relativamente ao pressuposto substancial da oposição entre soluções de direito, o Supremo tribunal de Justiça consolidou jurisprudência no sentido de que essa oposição tem de definir-se a partir de uma identidade de facto, de uma homologia encontrada nas situações de facto apreciadas em cada um dos dois acórdãos em confronto.


Nomeadamente, veja-se o acórdão do STJ de 28/10/2020 (Rel. Augusto Matos) onde se reflecte sobre este requisito e explicita que:


“(…) a oposição relevante de acórdãos ocorrerá quando existam nas decisões em confronto soluções de direito antagónicas e, não apenas, contraposição de fundamentos ou de afirmações, soluções de direito expressas e não implícitas, soluções jurídicas tomadas a título principal e não secundário” e, “ao mesmo tempo, as soluções de direito devem reportar-se a uma mesma questão fundamental de direito”.


Também se reiterou designadamente no acórdão do STJ de 21.04.2021 (Rel. Nuno Gonçalves), mantendo a jurisprudência do Supremo há muito uniforme, que “o pressuposto material da identidade da questão de direito exige que:


a. as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham consagrado soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito;


b. as decisões em oposição sejam expressas;


c. as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as decisões.


Não pode haver oposição ou contradição entre dois acórdãos, relativamente à mesma questão fundamental de direito, quando são diversos os pressupostos de facto em que assentaram as respetivas decisões.”


Ora, um requisito essencial para o prosseguimento do presente recurso de F.Jª consiste, entre o mais, em verificar e reconhecer se, afinal, ambas as decisões do Tribunais Superiores se reportaram com identidade normativa à mesma questão de direito.


Na perspectiva da Recorrente, se bem a compreendemos, essa questão atém-se à “ fixação do número de dias que deve acrescer ao prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional, por efeito da legislação COVID, ou seja, por efeito da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril.”


Em causa estará a aplicação, em sentido oposto (e é o que veremos), dos artºs 6º da Lei 16/2020 e 5ª da Lei 13/B/2021 quanto ao alargamento/ duplicação dos prazos de suspensão. Este é o núcleo fundamental do tema.


Cumprirá pois, saber se ocorre uma efectiva oposição de soluções sobre a mesma questão de direito, ou seja, se existe oposição de decisões sobre a concreta questão problematizada no recurso e acima formulada.


2.2- Analisando ambos os acórdãos comparativamente.


2.2.1-O Acórdão recorrido


Na hipótese versada no acórdão recorrido, foi considerado, ao que agora importa atermo-nos, acerca da contagem dos prazos de prescrição:

“(…)

Apreciação da questão

7 Atento o montante máximo da coima aplicável, o prazo de prescrição aplicável às contraordenações em análise é de 5 anos, conforme decorre do artigo 27.º, al. a), do Regime Geral das Contraordenações.

8 A este prazo é aplicável a causa de suspensão prevista no artigo 27.º-A, n.º 1, al. c) e 3, do Regime Geral das Contraordenações. Atentas as datas de notificação do despacho preliminar do recurso e da decisão final, impõe-se a aplicação do limite legal de suspensão de 6 meses.

9. Além disso, a prescrição interrompeu-se com cada uma das comunicações à recorrente das decisões proferidas, recomeçando a contagem, até ao limite máximo previsto no artigo 28.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações – que no caso é de dois anos e seis meses, atento o prazo máximo de prescrição em causa.

10 Desta forma, importa considerar que o prazo de prescrição para as infrações em análise é de oito anos (5 anos mais 6 meses mais 2 anos e 6 meses).

11 Importa ainda ter em consideração as suspensões decorrentes da legislação Covid. (negrito nosso)

12 Sendo assim, é aplicável às contraordenações em análise a suspensão extraordinária do prazo de prescrição pelo período de 86 dias, entre 9.3.2020 e 2.6.2020, conforme decorre dos artigos 7.º, n.ºs 3 e 4 e 10.º da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, 5.º da Lei 4-A/2020, de 6 de Abril e 8.º e 10.º da Lei 16/2020 de 29 de Maio, que entrou em vigor em 3 de Junho de 2020. Ao revogar este regime extraordinário de suspensão dos prazos de prescrição, o legislador previu, no artigo 6.º da Lei 16/2020 de 29 de maio, que os prazos de prescrição cuja suspensão cessa por força desse diploma legal, são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão, ou seja, por mais 86 dias. ( Itálico nosso)

13 Além disso, é ainda aplicável às contraordenações em crise a suspensão extraordinária do prazo de prescrição pelo período de 74 dias, entre 22.1.2021 e 5.4.2021, por força do artigo 6.º - B n.ºs 1 e 3 da Lei 1-A/2020, na versão da Lei 4-B/2021, cujo artigo 4.º prevê que artigo 6.º - B n.ºs 1 e 3 da Lei 1-A/2020 produz efeitos a 22.1.2021. Ao revogar este regime extraordinário, o legislador, mais uma vez, no artigo 5.º da Lei 13-B/2021 de 5 de Abril, previu que os prazos de prescrição cuja suspensão cessa por força desse diploma legal, são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão, ou seja, por mais 74 dias. (itálico, negrito e sublinhado nossos)

14 Nota-se que a aplicação do artigo 6.º, da Lei 16/2020, de 29/5 e do artigo 5.º, da Lei 13-B/2021, de 5/4 decorre da circunstância de que os prazos de prescrição em causa já estavam em curso na data em que entraram em vigor os regimes excecionais decorrentes das leis Covid – iniciaram-se, aliás, muito antes.

15 Desta forma, a acrescer aos 8 anos acima, devem somar-se, 86+86+74+74 dias, num total de 320 dias, o que perfaz o prazo total de 8 anos e 320 dias.

16 Aplicando o referido prazo às contraordenações em análise verifica-se que:

- Quanto às contraordenações relativas à não publicitação dos IQS realizados em 2013 nos PC de AA, de Avenida, de ... e de ..., praticadas em 28.10.2014, o procedimento prescreve, pelo decurso do prazo máximo de oito anos acrescido da suspensão Covid, de 320 dias, ou seja, em 15.09.2023;

- Quanto às demais contraordenações, praticadas em 30.10.2014, 01.11.2014, 29.11.2014 e 4.12.2014, o procedimento prescreve, pelo decurso do prazo máximo de oito anos acrescido da suspensão Covid, de 320 dias, em data necessariamente posterior à aludida no ponto anterior que se refere às contraordenações praticadas em data mais antiga.

17 Em conclusão, tendo o trânsito da decisão que condenou a recorrente já ocorrido, portanto em data anterior ao citado prazo de 8 anos mais 320 dias, não se verifica a prescrição, pelo que não deve ser declarado extinto o procedimento criminal relativamente às infrações em causa.”

2.2.2- O acórdão fundamento.


Neste, o Tribunal da Relação de Évora , de 18.4.23: (relator João Carrola), decidiu (sendo que o tema inicial do recurso não era a prescrição, matéria que apenas foi suscitada no decurso do mesmo por requerimento :

[“(…)

Já neste tribunal, veio o recorrente apresentar requerimento em que suscita a prescrição do procedimento contraordenacional, devendo o ora Recorrente ser absolvido do pedido, pois a prescrição do procedimento contraordenacional encontra-se verificada (vd. artigos 40°, n.° 1 da Lei n.° 50/2006, de 29 de Agosto, 28°, n.° 3 do RGCO e artigo n.° 121° n.° 3 do Código Penal).

(…)

Para além das questões acima elencadas, por requerimento com entrada a 8-04-2022, já os autos se encontravam a ser processados nesta instância de recurso, veio o recorrente requerer declaração de prescrição do procedimento contraordenacional porquanto, na sua perspectiva, o presente procedimento por contraordenação prescreveu a 11.03.2022.

Tal requerimento mereceu resposta do Exmo. PGA no sentido de que essa prescrição não ocorreu.

A apreciação dessa questão foi relegada para esta decisão final, constatando-se que a mesma mais não é que a reedição de idêntica alegação que se mostra apreciada por despacho proferido em audiência de julgamento - acta de 28 de Junho de 2021 - que se manifestou no sentido de a prescrição do procedimento não se ter verificado e de um requerimento posterior, com a mesma finalidade, apresentado nos autos a 28.0.2021 cujos termos se mostram inteiramente coincidentes com o actual, embora o mesmo não tenha sido apreciado

Naquela acta foi decidido o seguinte:

"O recorrente invocou a prescrição do procedimento contra-ordenacional.

O Ministério Público pugnou pela não verificação de tal prescrição.

Vejamos.

Tratando-se de contraordenação ambiental grave, nos termos do disposto no artigo 40. °, n.° 1 da Lei n. ° 50/2006, de 29 de agosto, o procedimento contra-ordenacional extingue-se, por efeito de prescrição, logo que, sobre a sua prática, tenham decorrido cinco anos, sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção previstas na lei geral.

A contra-ordenação em causa foi praticada em 11.03.2014, data em que se iniciou o prazo prescricional. O arguido foi notificado a 18.01.2018 (fls. 14) para apresentação de defesa, o que interrompeu o prazo prescricional (artigo 28. °, n. ° 1, ais. a) e c) do RGCO). Nessa sequência, apresentou declarações a 12.02.2018. Estas declarações interromperam, de novo, o prazo prescrional, nos termos do artigo 28. °, n. ° 1, ai. c) do RGCO, após o que começou a decorrer novo prazo de 5 anos, o qual se encontrava ainda a decorrer quando, em 15.07.2019, foi proferida decisão administrativa que aplicou a coima (facto que interrompeu, uma vez mais, o prazo de prescrição, nos termos do artigo 28. °, n. ° 1, ai. d) do RGCO).

Não decorreu ainda o prazo máximo de prescrição - prazo normal de prescrição crescido de metade (7 anos e meio) previsto no n.° 3 do citado artigo 28° -, pelo que se conclui que ainda não ocorreu a prescrição do procedimento contra-ordenacional, o que se decide.

Quanto à coima (cuja prescrição o recorrente também invoca) não há que apreciar a mesma, pois que o respectivo prazo prescricional apenas se conta a partir do carácter definitivo ou do trânsito em julgado da decisão condenatória (artigo 29.°, n.° 2 do RGCO), o que ainda não ocorreu."

Passando a apreciar esta concreta questão, actualizada pelo requerimento entrado a 8.04.2022, diremos:

O recorrente invocou a prescrição do procedimento contra-ordenacional.

O Ministério Público na sua resposta apresentada pelo Exmo. PGA pugnou pela não verificação de tal prescrição.

Vejamos.

Tratando-se de contraordenação ambiental grave, nos termos do disposto no artigo 40.°, n.° 1 da Lei n.° 50/2006, de 29 de agosto, o procedimento contraordenacional extingue-se, por efeito de prescrição, logo que, sobre a sua prática, tenham decorrido cinco anos, sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção previstas na lei geral.

Tal como consta na sentença proferida em l.a Instância que "A contra-ordenação em causa foi praticada em 11.03.2014, data em que se iniciou o prazo prescricional.

O arguido foi notificado a 18.01.2018 (fls. 14) para apresentação de defesa, o que interrompeu o prazo prescricional (artigo 28.°, n.° 1, ais. a) e c) do RGCO). Nessa sequência, apresentou declarações a 12.02.2018.

Estas declarações interromperam, de novo, o prazo prescricional, nos termos do artigo 28.°, n.° 1, ai. c) do RGCO, após o que começou a decorrer novo prazo de 5 anos, o qual se encontrava ainda a decorrer quando, em 15.07.2019, foi proferida decisão administrativa que aplicou a coima (facto que interrompeu, uma vez mais, o prazo de prescrição, nos termos do artigo 28.°, n.° 1, ai. d) do RGCO).

Considerou-se, portanto, que a prescrição se iniciou na data em que se tomou conhecimento da infracção (11-03-2014) pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

O Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, é omisso quanto à determinação do início da contagem do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.

Na sua resposta ao requerimento ora em apreciação, o Exmo, PGA manifesta o entendimento de que, a propósito do início do prazo de prescrição nos ilícitos permanentes, como é o caso, pronunciou-se a Relação de Coimbra através do Acórdão proferido a 1-6-2011, proc. n.° 894/09.4TBCBR.C1, sito em www.dgsi.pt, cujo sumário refere: «O Decreto-Lei n.°433/82, de 27 de Outubro, é omisso quanto à determinação do início da contagem do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional.

Por isso, nos termos do art." 32°, daquele Diploma Legal, aplica-se, no que a tal respeita, o disposto no art." 119° do C. Penal, nomeadamente, o que este estabelece no caso dos ilícitos permanentes.»

Ainda do mesmo Acórdão pode ler-se: «Nos ilícitos permanentes o estado antijurídico é mantido pelo agente e a sua permanência gera a realização ininterrupta do tipo, renovada por acção da vontade do agente, o que distingue estes ilícitos das infracções instantâneas, mas de efeitos duradouros ou permanentes, em que o agente se liberta da acção inicial sucedendo-se os efeitos mas à margem de qualquer resolução criminosa.»

Mais continua essa resposta invocando o Ac. da Relação de Lisboa de 24-7-2014, processo n.° 141/09.9POLSB-BE.L1-5 - neste caso a propósito dos crimes permanentes -também no sitio www.dgsi.pt, cujo sumário (que se transcreve em parte), «II- Os crimes cuja eficácia se estende ao longo de um determinado espaço de tempo, constituem crimes permanentes ou crimes de estado.

III - Nos crimes permanentes, não só a consumação, como a execução, permanecem enquanto se mantiver o estado de compressão do interesse objecto jurídico do crime.»

Adianta ainda que segundo a sentença recorrida, dos factos provados decorre o seguinte: "o recorrente levava a cabo obras de construção de um edifício em cimento, destinado à guarda de utensílios de jardinagem, sem ter qualquer licença para o efeito, em local cuja construção não é permitida. Mais se provou que o recorrente não agiu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz."

Ora, constituindo então os factos a ''''construção de edificação em zona de uso florestal na zona de protecção da Barragem de Castelo de Bode" (conforme consta ainda da sentença recorrida), parece-nos que, nos termos do artigo 119.° n.° 2 a) do Código Penal, conclui aquela resposta que o prazo de prescrição só corre desde o dia em que for demolida tal construção (uma vez que o licenciamento não é possível), por estarmos perante um ilícito permanente. Subsistindo a obra - em local cuja construção não é permitida -, mantém-se a infracção e consequentemente a prescrição não se inicia.

Com o devido respeito pelo entendimento manifestado na resposta ao requerimento ora em apreço, não perfilhamos que o ilícito contraordenacional com que somos confrontados nos autos tenha natureza permanente.

(…)

Assim, seguindo o entendimento acabado de enunciar, consideramos que o ilícito em questão não tem a natureza de permanente e, daí, poder-se-ia discutir a consequência, como foi seguido no acórdão acabado de citar, a tirar do facto de, na decisão ora sob recurso, não constar a indicação da data da conclusão das obras de construção não licenciadas - no que ali foi considerada como sendo uma insuficiência da matéria de facto para decisão.

No caso de que nos ocupamos, porém, não se mostra feita qualquer referência nos factos provados de que as edificações foram concluídas em momento anterior ao da constatação da infracção e dos factos pela entidade fiscalizadora - antes se considerando essa alegação como vertida nos factos não provados -, pelo que teremos de aferir a respetiva consumação pela data da efectiva constatação das construções pela entidade fiscalizadora, ou seja, 11.3.2014.

Partindo dessa data como a data da prática da infracção e passando a considerá-la como início da contagem, teremos de ponderar, para além das causas de interrupção acima identificadas nos termos do art.° 28° RGCO (notificação do arguido a 18.01.2018, declarações de defesa do arguido a 12.02.2018, decisão administrativa proferida a 15.07.2019 que aplicou a coima), as causas de suspensão referidas no art.° 27°-A do Dec-Lei 433/82 de 27 de Outubro - al.s b) e c) do seu n.° 1 com o máximo estabelecido de 6 meses nos termos do seu n.° 2 -bem como com o período de suspensão decretado pela Lei 1-A/2020 de 19 de Março, cujo n.c 3 do seu art.° 7o determina " A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos."

Por sua vez, o n.° 4 do citado art.° estabelece que "O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional".

Da conjugação do disposto nesses números com o estabelecido na norma interpretativa constante do art.c 5o da Lei n.° 4-A/2020, de 6 de Abril, extraímos que a referida suspensão especial de prazos se iniciou em 9 de Março de 2020.

E essa suspensão manteve-se até 2 de Junho de 2020 - cfr. art.°s 8o e 10° da Lei 16/2020 de 29/05, que entrou em vigor no dia 3 desse mês e ano.

Dos referidos diplomas resulta, pois, que ao prazo máximo de suspensão da prescrição estabelecido no art.° 27-A n.° 2 acima identificado do RGCO, acrescem:

1. 84 dias em resultado do período de suspensão que ocorreu entre 09/03/2020 e 02/06/2020 nos termos do regime estabelecido pela Lei n° 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n° 4-A/2020, de 6 de abril, e da Lei n° 16/2020, de 29 de maio;

2. 73 dias em resultado do período de suspensão que ocorreu entre 22/01/2021 e 05/04/2021 nos termos do regime estabelecido pela Lei n.° 4B/2021, de 1 de Fevereiro, e pela Lei n.° 13-B/2021, de 5 de abril.

Teremos assim de concluir, pela aplicação à data inicial do prazo máximo de interrupção - prazo normal de 5 anos, acrescido de metade, referido no art.° 28° n.° 3 - e de suspensão máxima de 6 meses - art.° 27-a n.c 2 todos do RGCO - bem como dos 157 dias das identificadas leis relativas à contenção dos efeitos da pandemia denominada Covid-19 que, na data de cobrança dos autos para efeitos de redistribuição dos mesmos e da realização desta -20-1-2023 -, a prescrição do presente procedimento contraordenacional já havia ocorrido, o que se declara, determinando o arquivamento dos autos.

Fica deste modo prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

(…)”

2.2.3 - A situação fáctico-processual foi coincidente no que que se ateve à contagem do prazo de suspensão da prescrição, tenho em conta as leis Covid mas considerou-se (só aparentemente) o contrário do que se decidiu, estabelecendo-se no Acórdão fundamento uma menor limitação de prazos de suspensão sem o alargamento previsto nos artºs 6ºda Lei 16/2020 e 5º da Lei 13-B/ 2021. Estas são referidas apenas genericamente sem qualquer alusão aos artºs 6º e 5º respectivos, nem a discussão clara sobre a razão da sua sua não aplicação.


A solução encontrada foi só aparentemente oposta.


Com efeito, em ambas as situações:

i. Esteve-se no âmbito de processos de contraordenação;

ii. Os Recorrentes apresentaram, junto do Tribunal da Relação territorialmente competente, requerimento ad-hoc a invocar a prescrição do procedimento contraordenacional e das infrações que lhe vinham imputadas; os factos em causa nos autos ocorreram há mais de 8 anos face à data da apresentação dos requerimentos;

iii. O prazo máximo de prescrição do procedimento aplicável às infrações em causa, decorrente dos artigos 27.º-A e 28.º do RGCO, era de 8 anos;

iv. Adecisãosobreaocorrênciadaprescriçãodoprocedimentodependeriadonúmero de dias a acrescer ao prazo máximo de prescrição, decorrente da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, da Lei nº 16/2020, de 29 de maio, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril; e

v. Num e noutro caso o Tribunal da Relação pronunciou-se sobre esses mesmos requerimentos e conheceu da prescrição invocada.


Ora,


Quanto à problemática de saber se os artigos artigo 6.º da Lei 16/2020 e artigo 5.º da Lei 13-B/2021 que previram que os prazos de prescrição cuja suspensão cessa por força desse diploma legal são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão, o acórdão recorrido entendeu expressamente, aludindo explícita e claramente aos artºs 6º e 5º citados, que esse regime de suspensão prescricional era aplicável e, por isso, calculou cada um dos períodos em causa esticando-os para o dobro ( 86+86 +74+74=320 dias)


Sabendo-se que o primeiro requisito para o prosseguimento dos presentes autos consiste em reconhecer se ambas as decisões dos Tribunais Superiores se reportaram à mesma questão de direito, vimos que no entendimento do Recorrente essa questão reporta-se à “fixação do número de dias que deve acrescer ao prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional, por efeito da legislação COVID, ou seja, por efeito da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril.”


A principal preocupação do Recorrente teve a ver com a duplicação dos prazos de suspensão que foi considerada no acórdão recorrido e diz que não foi tida em conta no acórdão fundamento.


Contudo, importa referir que, além de, na contagem dos prazos, se detectarem ligeiras diferenças (mas de relevo não significante), pois que o acórdão recorrido reporta-se a 86 (oitenta e seis) e a 74 (setenta e quatro) dias, enquanto no acórdão fundamento se alude a 84 (oitenta e quatro) e a 73 (setenta e três) dias, nos aludidos diplomas legais aponta-se, com clareza, quando se iniciam e terminam os aludidos prazos de suspensão, pelo que, caso se chegue a um número de dias diverso, estaremos neste segmento perante um mero problema de contabilização desses dias e não perante uma questão jurídica.


Como bem assinalou o MPº, existindo um mero erro de cálculo, o meio estabelecido para o retificar será a correção da sentença/acórdão, nos termos do disposto nos artigos 380º e 425º, nº 4 do Código de Processo Penal ou, porventura, o recurso ordinário, jamais se podendo lançar mão para esse efeito do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência.


Não está em causa o saber qual o dies a quo e o dies ad quem dos prazos de suspensão estabelecidos na denominada “Legislação COVID” mas, antes, se apesar deles, decorreria ou não um alargamento equivalente aos mesmos prazos de suspensão decorridos entre eles. A diferença, aliás irrisória, de dias, na contagem em ambos os arestos (houvesse ou não na sua base divergência de facto ou de direito, alterável ou não, como atrás aludimos, por via de eventual correcção de lapso) na determinação dos momentos dessa contagem , é de tal modo insignificante que nem sequer teria qualquer relevo ou incidência no presente recurso.


Aliás, em boa verdade notamos que, em ambos os acórdãos, até se parte e chega, respectivamente, dos e aos mesmos momentos (dies) - 9.3.2020 a 2/6/2020 e de 22/1/21 a 5/4/21, apenas variando num e noutro dos arestos uma mera diferença de contagem nos dias, ou seja, entre 86 ou 84 dias e entre 73 ou 74 dias.


Porém, o aspecto mais importante a reter agora é o de que o Acórdão fundamento, do Tribunal da Relação de Évora, nunca invocou nem aplicou expressamente qualquer entendimento claro e preciso sobre o disposto no artigo 6º da lei 16/2020, de 29 de maio, bem como no estabelecido no artigo 5º da Lei 4B/2021, de 1 de fevereiro. E era importantíssimo que o tivesse feito inequivocamente.


Por isso que se entende não ter considerado interpretativamente os períodos em que vigoraram as suspensões que, por força desses mesmos diplomas, cessaram nem a sua eventual extensão por períodos equivalentes.


E qual foi a razão? Ignoramos de todo. Nem os aplicou nem disse porque o não fez. Poderá ter sido lapso, desatenção ou mesmo intencional, mas o certo é que não se pronunciou clara e expressamente sobre o disposto nessas duas normas, aplicando-as ou não e dizendo porquê, a fim de se perceber a razão da divergência, bem ao contrário do que inequivocamente fez o Ac. recorrido.


Só haveria oposição se o Acórdão Fundamento, expressamente (ou mesmo de modo implícito, se o tivesse feito com clareza jurídica e sem que se suscitassem dúvidas hermenêuticas sobre o sentido em que o tivesse feito), como sugere a recorrente na resposta ao parecer do MP, tivesse referido essas normas e também, dada a sua importância e relevo (e não por referência genérica ao ordenamento jurídico onde se incluíam) explicado a razão de não as aplicar ou de as ter ( mesmo que implicitamente) afastado, quanto à extensão do prazo de suspensão da prescrição como, expressamente fez (sem controvérsia, diga-se) o Acórdão recorrido.


Disse a recorrente que no Acórdão Fundamento, o Tribunal da Relação de Évora não podia ter decidido que o período a acrescer ao prazo de prescrição decorrente da Legislação COVID era de 157 dias se não tivesse, prévia e logicamente, afastado a “duplicação” que o Tribunal da Relação de Lisboa aplicou para concluir que esse período era, ao invés, de 320 dias.


Mas, como já explicámos supra, não se tendo pronunciado o Acórdão Fundamento sobre tal matéria, de modo claro e expresso, tendo apenas remetido genericamente para os diplomas, apesar de ali constarem situações diferenciadas, não podemos afirmar que defende uma posição oposta à consagrada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (acórdão recorrido).


Em suma, o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência não é instrumento processual adequado para solucionar este tipo de possíveis erros ou intenções não explicadas por vezes cometidos pelos tribunais, existindo para esse efeito as reclamações e os recursos ordinários (apesar de in casu, não ser admissível)


2.2.5- Consequentemente, não está suficientemente verificada nos presentes autos a convocada oposição de julgados.


III - Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes nesta 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:


Considerar que não está verificada oposição clara e expressa das decisões em (aparente) conflito sobre a mesma questão nuclear que as confrontava.


Nestes termos e com tais fundamentos, julga-se ser de rejeitar o recurso.


Taxa de justiça a cargo da recorrente e que se fixa em 2 UC- Tabela III do RCP.


Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Fevereiro de 2024


[Texto processado informaticamente, elaborado e revisto integralmente pelo Relator (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos].


Agostinho Soares Torres (Relator)


António Latas (1º adjunto)


Orlando Gonçalves (2º adjunto)


____________________________________________________

1. “(…)I- Alguma jurisprudência sustenta que o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, previsto no art. 437.º e segs. do CPP, não tem aplicação no domínio do direito de mera ordenação social. Não se sufraga tal entendimento porque a irrecorribilidade das decisões proferidas em recurso pelos Tribunais da Relação (art. 75.º, n.º1, do RGCC) não exclui, em absoluto, a susceptibilidade de interposição de recurso dessas decisões, sendo pacificamente aceite que delas pode ser interposto para p TC.

II - O art. 73.º, n.º 2, do RGCC tem uma função completamente diferente da que justifica a existência do recurso de fixação de jurisprudência. O recurso admitido nos termos do art. 73.º, n.º 2 do RGCC que traduz uma intervenção prévia que pretende evitar a falta de uniformidade da jurisprudência da 1.ª instância em determinados domínios, não desempenha a função própria do recurso de fixação jurisprudência, caracterizado por uma intervenção sucessiva do pleno das secções criminais do STJ que surge, grosso modo, quando se comprova não existir uniformidade da jurisprudência dos tribunais superiores. (…)”↩︎