Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
22569/18.3T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CONTRATO DE MANDATO
MANDATO FORENSE
ADVOGADO
PERDA DE CHANCE
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
SUBSTABELECIMENTO
ATOS DOS REPRESENTANTES LEGAIS OU AUXILIARES
OMISSÃO
CONHECIMENTO PREJUDICADO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DA RELAÇÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 06/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I. De acordo com os princípios gerais que regem o cumprimento dos contratos (arts. 798.º e segs. do CC), o cumprimento defeituoso das obrigações decorrentes do mandato judicial (art. 44.º do CPC), responsabiliza o mandatário diante do seu cliente, pelo que, no plano das relações externas, a sociedade autora não pode isentar-se de responsabilidade diante do mandante invocando que o cumprimento defeituoso se deve à omissão da advogada na qual subestabeleceu, com reserva, o mandato judicial; é o que decorre daqueles princípios gerais assim como do regime relativo ao substabelecimento (art. 44.º, n.º 3, a contrario, do CPC), regime que se encontra em consonância com o princípio geral da responsabilidade do devedor pelos actos dos auxiliares prevista no art. 800.º, n.º 1, do Código Civil.

II. Porém, no plano das relações internas – i. e., das relações entre a sociedade de advogados mandatária e a submandatária, e uma vez que foi admitida a dedução de pedido subsidiário ao abrigo do art. 39.º do CPC, assim como a intervenção principal, do lado activo, do mandante – nem o regime do art. 37.º do DL n.º 229/2004 nem o regime do art. 800.º, n.º 1, do Código Civil, impedem que a sociedade autora impute à esfera jurídica da submandatária a responsabilidade pelo dano de perda de chance processual causado ao sobredito mandante pela conduta omissiva desta.

III. Faltando apreciar algumas das questões suscitadas no recurso de apelação da interveniente seguradora cujo conhecimento ficou prejudicado pela decisão do tribunal a quo de não responsabilizar a ré advogada, ao afastar-se, no presente acórdão, esse fundamento de improcedência do pedido subsidiário, torna-se necessário determinar a apreciação de tais questões pela Relação, na medida em que tal conhecimento não esteja prejudicado pela solução de direito indicada nos pontos I. e II. do sumário.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. L. Ferreira, C. Leão, C. Machado, L. Mourão – Sociedade de Advogados, SP, RL, (anteriormente designada como Leopoldo Mourão e Associados – Sociedade de Advogados, RL) instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Seguradoras Unidas, S.A. (actualmente Generali – Companhia de Seguros, S.A.) e, subsidiariamente, nos termos do art. 39.º do Código de Processo Civil, contra a Sra. Dr.ª AA, requerendo a intervenção principal do lado activo do Banco Comercial Português, S.A., pedindo que:

«a) seja a 1ª Ré condenada a reconhecer que o sinistro e os danos por este causados está coberto pelo contrato de seguro de responsabilidade civil profissional melhor identificado nos artºs 3, 4 e 5 da petição inicial;

b) E em consequência deve a 1º Ré ainda ser condenada a liquidar à Chamada Banco Comercial Português, S.A. o montante de € 62.364,35 (sessenta e dois mil trezentos e sessenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos) acrescida dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data em que lhe foi participado o sinistro descrito nos presentes autos, que corresponde ao valor do prejuízo sofrido pelo BCP.

Subsidiariamente,

a) Caso o Pedido deduzido contra a 1ª Ré não proceda, deve a 2ª Ré ser condenada a reconhecer que o sinistro e que os danos por este causados, a que respeitam os factos alegados nesta petição, emergem da sua responsabilidade profissional enquanto Mandatária ao serviço da Autora;

b) Em consequência, deve a 2º Ré ainda ser condenada a liquidar à Chamada Banco Comercial Português, S.A. o montante de € 62.364,35 (sessenta e dois mil trezentos e sessenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos) acrescida dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data em que lhe foi participado o sinistro descrito nos presentes autos, que corresponde ao valor do prejuízo sofrido pelo BCP que se encontra a ser imputado à Autora.».

Por despacho proferido em 18.09.2019 foi admitida a intervenção do Banco Comercial Português, S.A. para intervir na acção como parte principal, como associado da A., e a formular contra as RR., o pedido de condenação destas a pagar-lhe o montante peticionado. O BCP aderiu integralmente ao articulado da A. constante da petição inicial.

AA contestou, impugnando amplamente a factualidade alegada pela A. e, no que ora importa, requerendo a intervenção principal, do lado passivo, da seguradora Mapfre Seguros, S.A..

A R. Seguradoras Unidas, S.A. contestou, por impugnação e por excepção. Mais requereu a intervenção principal de Mapfre – Seguros Gerais, S.A., na qualidade de seguradora da R. subsidiária, e, a não se entender assim, requerendo a sua admissão na qualidade de parte acessória.

No que ora, importa, por despacho de 11.02.2019 foi admitida a intervenção principal da seguradora Mapfre Seguros, S.A., ao lado da R. subsidiária.

Por sentença de 27.10.2021 foi proferida a seguinte decisão:

«Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente por provada e consequentemente, condenam-se solidariamente a Ré AA e a interveniente “Mapfre Seguros Gerais, S.A.” no pedido, e absolve-se a Ré Seguradora.».


2. Inconformadas, tanto a R. AA como a Interveniente Mapfre Seguros Gerais, S.A. interpuseram, em separado, recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

Por sua vez, o Banco Comercial Português, S.A. interpôs o que denominou como recurso subordinado subsidiário, qualificação que foi, porém, corrigida pelo tribunal a quo, ao abrigo do n.º 2 do art. 636.º do Código de Processo Civil, como sendo de ampliação do âmbito do recurso.

Por acórdão de 27.06.2022 foram julgados «procedentes os recursos de apelação interpostos por AA e por Mapfre Seguros Gerais, S.A. e ainda a ampliação do âmbito do recurso em sede estritamente factual requerida pelo Banco Comercial Português, S.A. e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida proferida em 27 de outubro de 2021 e absolvem-se AA e Mapfre Seguros Gerais, S.A. dos pedidos contra ambas deduzidos.».


3. Veio a A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

«II. A acção declarativa comum em causa foi interposta, pela aqui recorrente, contra a Ré Seguradoras Unidas, S.A. (actualmente denominada de Generali – Companhia de Seguros, S.A.) e, subsidariamente, nos termos do art.º 39º do CPC contra a Ré Dr.ª AA, requerendo ainda a intervenção principal activa do Banco Comercial Português, S.A., o qual aderiu aos articulados da autora.

III. Pretendia a Autora que a sua seguradora (Generali) reconhecesse o sinistro descrito na P.I. como estando coberto pela apólice de seguros de responsabilidade civil profissional com o n.º 50....35, e em consequência deveria esta ser condenada a liquidar ao Banco Comercial Português, S.A., o montante considerado como o valor do prejuízo decorrente do indicado.

IV. Caso o Pedido deduzido, contra a indicada primeira ré seguradora Generali não procedesse, então, nos termos do art.º 39.º do CPC, e subsidiariamente, deveria a 2ª Ré, Dr.ª AA ser condenada a reconhecer que o sinistro e os danos por este causados, a que respeitam os factos alegados na Petição Inicial, emergiam da sua responsabilidade profissional enquanto Mandatária ao serviço da Autora. – Cfr facto dado como provado nº. 25.

V. A Dr.ª AA requereu a intervenção provocada da sua seguradora Mapfre Seguros Gerais S.A., porquanto tinha a sua atividade profissional coberta por um seguro de responsabilidade civil.

VI. A ora Recorrente não pode concordar com a decisão proferida, uma vez que, entende, ter existido uma indevida e errada interpretação do Direito por subsunção a factos que, no nosso modesto entender não encontram sustentação na prova documental junta aos autos ou nos depoimentos produzidos no decorrer da audiência de julgamento.

VII. Em consequência a Recorrente, não compreende e não concorda com a interpretação feita pelo Tribunal da Relação quanto à caracterização da apólice de seguros contratada junto da Generali nem com a consequente decisão que, de uma forma completamente inesperada e com uma fundamentação diversa da indicada na Sentença recorrida e nos articulados das Partes, atribui a responsabilidade pelos atos praticados pela Ré Dr.ª AA aos sócios da Autora de forma pessoal e solidária, considerando que a Autora não tinha subscrito um seguro “obrigatório” conforme prescrevia o Decreto-Lei n.º 229/2004, de 10 de Dezembro, diploma legal que estabelecia o regime jurídico das Sociedades de Advogados.

VIII. O Tribunal da Relação do Porto reverte a decisão da Primeira Instância, e atribui a responsabilidade de forma ilimitada aos sócios da Autora, pelos danos que a Chamada BCP, S.A. sofreu, julgando desta forma procedentes os recursos da Ré Dr.ª AA e Chamada Mapfre Seguros, ainda que com fundamentação totalmente diversa da indicada pelas Partes em todos os seus articulados.

IX. A fundamentação da decisão proferida pelo T.R.P., nomeadamente quanto ao facto de não seguir nenhuma das posições defendidas pelas partes na acção, assenta no disposto no n.º 3 do art.º 5º do C.P.C., quanto à livre apreciação do direito por parte do Tribunal.

X. Questão prévia – Ganho de causa: Conforme decorre prescreve o n.º 1 do art.º 631º do CPC “…os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.”, pelo que tendo a Sentença de Primeira Instância considerado o Pedido Subsidiário da Autora procedente, não poderia esta recorrer de uma decisão que lhe dava vencimento na sua demanda e, mesmo as questões de facto alegadas pelas então Recorrentes em nada interferiam com a posição vencedora da Autora.

XI. Ficaria desta forma afastada qualquer discussão respeitante à relação entre a Autora e a Primeira Ré, sua Seguradora, em face da absolvição desta última, resumindo-se a discussão ao pedido subsidiário.

XII. Decreto-Lei n.º 229/2004, de 10 de Dezembro – Regime Jurídico das Sociedades de Advogados, em vigor à data da prática dos factos ou da ocorrência do sinistro.

XIII. Devia a Autora seguir as regras deste regime para que pudesse verdadeiramente exercer a sua actividade, praticando os atos próprios da profissão, sob a forma jurídica de sociedade de advogados.

XIV. De acordo com o art.º 7º deste diploma, o contrato de sociedade tinha de conter, entre outras, as seguintes menções: alínea l) “O regime de responsabilidade por dívidas sociais.”

XV. Por sua vez o seu art.º 8º, do mesmo diploma, estabelecia que o “(…) projecto de contrato de sociedade é submetido à aprovação do conselho geral da Ordem dos Advogados, o qual exerce um controlo de mera legalidade”.

XVI. O art.º 9º estabelecia as regras quanto ao registo da sociedade na O.A., nomeadamente os elementos a submeter para efectivar tal registo, onde se destaca a obrigação de também identificar todos os advogados, advogados associados e estagiários que exerciam a sua actividade profissional na sociedade.

XVII. O artigo 38º, reveste uma especial importância no caso em discussão porquanto estabelecia as regras quanto a alterações que pudessem ser feitas ao contrato de sociedade, nomeadamente, a produção de efeitos das alterações a efectuar as quais só poderiam produzir efeitos a partir do registo da respectiva acta da assembleia geral.

XVIII. Decorre dos factos dados por provados e de toda a documentação junta aos autos que a Autora, à data do sinistro, era (e ainda hoje o é) uma sociedade de advogados de responsabilidade limitada, e como tal, só poderia assumir tal natureza se estivesse a cumprir com todas as regras constantes do diploma legal acima indicado, nomeadamente quanto ao cumprimento do disposto no art.º 37º, pois o cumprimento de todas as regras constantes deste diploma foram observadas e passaram pelo crivo do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, nomeadamente a contratação de um seguro nos termos indicados no art.º 37º.

XIX. O que importa realçar é que o cumprimento ou não do Decreto-Lei n.º 229/2004, de 10 de Dezembro, por parte de Autora, enquanto sociedade de advogados, não foi nunca objecto de discussão nos autos, nunca as partes em Juízo tendo sequer beliscado esta questão.

XX. Não foi assim concedida à Autora a faculdade de exercer o seu direito de contraditório em face do que vem sustentado na decisão do Tribunal da Relação, consubstanciando a mesma uma clara violação do disposto no n.º 3 do art.º 3º do Código de Processo Civil a qual aqui expressamente se alega para os devidos efeitos legais.

XXI. O alegado pela Autora, ou o facto dado por não provado na Sentença de Primeira Instância com o n.º 1, não afasta esta clara irregularidade processual, porquanto este facto apenas referia a comunicação da Global Seguros à Autora e não o (in)cumprimento, do Decreto-Lei n.º DL n.º 229/2004.

XXII. Salvo o devido respeito verifica-se que estamos perante uma típica decisão-surpresa uma vez que é proferida uma decisão com base num fundamento de Direito, nunca alegado nos autos pelas Partes, ou até objecto de apreciação na Sentença de Primeira Instância.

XXIII. Aliás, mesmo em sede de recurso para o TRP, também se verifica que as Recorrentes, nunca alegaram ou consideraram como fundamento para afastar a sua responsabilidade o alegado incumprimento do disposto no Decreto-Lei 229/2004.

XXIV. Se a Autora tivesse sido confrontada com esta questão, em sede de articulados, teria demonstrado ao Tribunal que havia cumprido com todos os preceitos constantes do mencionado diploma Legal que permitiram ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados validar a sua inscrição e a forma de exercício da sua actividade nomeadamente em termos de responsabilidade profissional.

XXV. Nunca as Partes colocaram em causa a validade do contrato de seguro subscrito pela Autora, enquanto seguro de responsabilidade civil profissional, nem nunca o consideraram como celebrado em incumprimento das normas prescritas no DL n.º 229/2004, de 10 de Dezembro. O que foi alegado, pela Primeira Ré, é que a Dr.ª AA não fazia parte dos Advogados da Sociedade, porquanto o seu nome não constava da ficha entregue pela Autora à Seguradora.

XXVI. Face ao acima exposto nunca poderia ter sido retirada a conclusão que o Tribunal da Relação lavrou no seu Acórdão, aplicando o n.º 4º do art.º 37º do já indicado diploma legal, ou seja, que os sócios da autora respondem perante terceiros como se de uma sociedade de responsabilidade ilimitada se tratasse.

XXVII. Podemos levantar a questão se a decisão de Primeira Instância ajuizou bem ao considerar que a Generali não deveria responder pelos danos causados pelo sinistro em causa, uma vez que a Dr.ª AA não constava da listagem de advogados, que integram a sociedade autora, constante da apólice junto aos autos, e que tal “omissão” não permitiria à Autora substabelecer da forma que entendesse sem a devida comunicação à Seguradora.

XXVIII. O que não se aceita é considerar que a forma como o seguro está contratado não obedece ao previsto no DL n.º 229/2004, de 10 de Dezembro.

XXIX. Conforme decorre dos factos dados como provados, não postos em crise pelo Acórdão ora recorrido, à data do sinistro a Dr.ª AA não era sócia, nem Advogada Associada nem Estagiária da Autora;

XXX. O substabelecimento emitido para o afamado processo de insolvência não foi comunicado à Seguradora e, a Autora não tinha à data, Advogados Estagiários ou Advogados Associados;

XXXI. Desta forma não existe qualquer incumprimento do disposto no art.º 37º do DL 229/2004.

XXXII. A Autora entende que em face dos elementos juntos aos autos e do acima exposto, a decisão ora recorrida enferma de erro de qualificação jurídica e de apreciação de Direito em face das normas que lhe são aplicáveis, pelo que terá que ser revogada.

XXXIII. A Autora ao indicar na folha que lhe foi remetida pela sua Seguradora, Primeira Ré, para informar quais os sócios da Sociedade ou aqueles que nela exerciam a sua actividade, cumpriu exactamente com o que lhe era pedido pela Seguradora e, posteriormente não acrescentou mais nenhum profissional porquanto não existiam na autora quaisquer advogados que preenchessem tais requisitos. (Cfr-. Doc. 4 junto com a contestação da Primeira Ré)

XXXIV. No entanto, diga-se em abono da verdade que a apólice contratada não exclui os atos dos profissionais indicados no art.º 37º, ou seja, não apresenta uma exclusão expressa que integre tal preceito.

XXXV. De facto, não se pode retirar dos documentos juntos que, se tais profissionais – advogados associados e estagiários – exercessem à data a sua actividade profissional na Autora e esta comunicasse a sua identificação à Seguradora, estariam excluídos da cobertura da Apólice contratada na Generali.

XXXVI. Sem prejuízo do acima exposto quanto ao cumprimento do n.º 3 do art.º 3º do CPC, ainda que não se considerasse a existência de uma decisão surpresa, o que não se concede, analisemos se existiam elementos suficientes nos autos que de alguma forma indicassem o “incumprimento” por parte da Autora do mencionado DL n.º 229/2004, de 10 de Dezembro.

XXXVII. Independentemente de o regime de responsabilidade que a autora escolheu, a Autora teve sempre contratado um seguro de responsabilidade civil profissional que assegurava a responsabilidade que lhe pudesse ser imputável e que derivasse do exercício da sua actividade profissional.

XXXVIII. Com a entrada em vigor do DL n.º 229/2004, de 10 de Dezembro, já no ano de 2005, a Autora cumpriu com o que estava estipulado neste Diploma quanto à sua constituição e restantes requisitos, situações que eram avaliadas pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados conforme acima se referiu.

XXXIX. Conforme decorre do teor do Documento n.º 6 (datado de 19.07.2005), junto pela Primeira Ré Generali, remetido pela mediadora da Autora à Seguradora e que respeita à própria natureza jurídica da sociedade verifica-se que é pedido: “Solicitamos a alteração da denominação social do tomador de seguro para L. Ferreira, C. Leão, C. Machado e L. Mourão – Sociedade de Advogados, R.I.”.

XL. A partir desta comunicação a Seguradora fica a saber que o regime de responsabilidade da Autora passa a ser o de responsabilidade ilimitada.

XLI. Esta alteração é obviamente uma consequência do vertido no art.º 37º do dito DL n.º 229/2004, de 10 de Dezembro, na medida em que a Autora escolhe expressamente o regime da responsabilidade ilimitada, e ao fazê-lo fez uma opção que a lei lhe permitia. Mas mesmo aqui a autora tinha um seguro de responsabilidade civil contratado, pelo que até ao limite do capital contratado a seguradora respondia sobre qualquer erro ou omissão praticado pela autora.

XLII. A 4 de Outubro de 2007, ainda ao abrigo do DL nº. 229/2004, por telefax enviado à sua mediadora – Alegria Seguros, Lda – a Recorrente solicita à Primeira Ré, sua seguradora, a alteração do capital seguro, elevando-o de 100.000,00 € (cem mil euros) para 160.000,00€ (cento e sessenta mil euros), alteração que a Seguradora toma conhecimento.

XLIII. E, note-se que tal pedido é justificado pela alteração de pacto social (Cfr. Doc. 8 da contestação da Primeira Ré). Esta alteração deveu-se ao facto de ao pretender alterar o regime de responsabilidade civil de ilimitado para limitado existiu a necessidade de aumentar o capital seguro de modo a que fosse cumprido o disposto no art.º 37º do DL 229/2004.

XLIV. Em consequência a recorrente dá então conhecimento da nova alteração do seu Pacto Social à sua Mediadora, tendo esta informado de imediato a Ré Seguradora que o regime de responsabilidade e a denominação social da Autora passava de responsabilidade ilimitada para limitada, conforme decorre do documento anexo ao Doc. n.º 8, também ele junto pela Primeira Ré.

XLV. Desta forma verifica-se que a Autora cumpriu sempre com o disposto no Decreto-Lei 229/2004, então em vigor, pois comunicou sempre à sua seguradora a alteração do seu regime de responsabilidade e, a partir de Outubro de 2007 passou a mencionar na sua denominação social a responsabilidade limitada e, como tal foi levada a registo na Ordem dos Advogados, tendo o seu Conselho Geral verificado o cumprimento dos requisitos constantes de tal preceito. Ao que nos parece não foi posta em causa a denominação social da Autora na qual consta o seu regime de responsabilidade social.

XLVI. Face ao exposto não pode a Autora ver o seu Pedido subsidiário ser julgado improcedente com base no fundamento vertido no Acórdão ora Recorrido, porquanto cumpriu com o disposto no Decreto-Lei 229/2004 quanto à contratação de apólice de seguro, e em consequência também não podem os seus sócios serem responsabilizados de forma pessoal e ilimitada pelos danos sofridos pelo BCP, S.A., pelo que o Acórdão recorrido, com a devida vénia terá que ser revogado, mantendo-se a decisão proferida em Primeira Instância.

XLVII. No Acórdão recorrido é defendida a tese de que uma Sociedade de Advogados de responsabilidade limitada que não cumpra o dever de celebrar um contrato de seguro que observasse o legalmente exigido, ainda que não tenha praticado qualquer acto negligente (ou omissão) no exercício da sua actividade (nem os seus sócios), terá que responder perante um dano causado a um seu cliente, sem ter a possibilidade de poder fazer repercutir os seus efeitos na pessoa da advogada, que não é sua sócia nem associada, e que actuava substabelecida, advogada essa, que é a única e exclusiva responsável pela prática do acto ou omissão que originou tal dano.

XLVIII. De acordo com o Acórdão recorrido, o facto de a autora não ter, alegadamente, cumprido com o dever de celebrar um contrato de seguro que observasse as regras então em vigor, “…não pode fazer repercutir em terceiros o dever que violou, pois que legalmente são responsáveis, de forma ilimitada, por tal inadimplemento os seus sócios.”

XLIX. Não podemos concordar com o Acórdão recorrido quando afirma que: “a autora não tem qualquer direito que possa exercer contra a ré subsidiária”.

L. Os tipos de sociedade e regime de responsabilidade estavam previstos nos artigos 33º a 37º do DL 229/2004 e, mesmo este regime jurídico das Sociedades de Advogados permitia que estas pudessem fazer repercutir o dano no sócio, associado ou advogado estagiário que praticou o acto ou a omissão culposa geradora da responsabilidade da sociedade todavia, de acordo com o Acórdão recorrido, a sociedade já não o poderá fazer se acto ou omissão culposa for praticado por terceiro.

LI. Salvo o devido respeito, não se entende, nem se aceita esta tese defendida no Acórdão recorrido, até porque, não nos podemos esquecer que o sistema jurídico português continua a manter o paradigma assente no primado da responsabilidade civil fundada na culpa do agente – art. 483.º do CC.

LII. E, resulta claramente dos factos dados como provados, que não foram postos em causa pelo Acórdão recorrido que o acto ilícito e culposo que provocou o dano à cliente da autora que o está a peticionar a esta foi provocado pela Ré subsidiária Dra. AA.

LIII. Também resulta dos factos provados, que a Sra. Dra. AA não integrava os quadros da Sociedade do Advogados, não era sócia nem tampouco associada e, no processo 447/12.... onde ocorreram os factos geradores da responsabilidade Civil, a Autora apenas substabeleceu (Art. 1165º C.C.) os poderes conferidos pelo Banco na Dra. AA, não tendo a Sociedade de Advogados autora nem os seus sócios tido qualquer conduta omissiva e culposa que originasse a perda de chance.

LIV. Assim, as respostas às questões que acima se colocaram e, que aqui se dão por reproduzidas, terão necessariamente que contradizer a tese vertida no Acórdão recorrido, pois de facto, se o erro ou omissão que provocou o dano não foi praticado pela Sociedade de Advogados, nem pelos seus sócios, entendemos que à Sociedade de Advogados não poderá ser vedado o direito de exigir, de quem errou, a reparação desse dano, pois entendimento diverso iria contrariar as disposições referentes ao instituto da responsabilidade civil profissional.

LV. Deste modo, a autora aqui recorrente não pode concordar com as consequências jurídicas expostas no acórdão, nomeadamente com a conclusão de não ter qualquer direito que possa exercer contra a ré subsidiária (Dra. AA), por alegadamente, não ter cumprido com o dever de celebrar um contrato de seguro que observasse o que legalmente era exigido.

LVI. Até porque resulta da fundamentação da sentença proferida em 1º instância (fls. 31), que não é posta em causa no Acórdão recorrido: “Além disso, a alegação da autora em como procede de culpa sua a omissão do acto de interposição de recurso da sentença de graduação de créditos não encontra respaldo na matéria factual provada, pois pese embora a 2.ª ré tenha utilizado papel timbrado daquela no exercício do mandato forense que lhe fora substabelecido pela autora e tivesse seguido as orientações e instruções desta, não é menos exacto que as notificações do tribunal atinentes ao referido pr. 447/12.... – incluindo aquela relativa à referida sentença de graduação de créditos – foram dirigidas à 2.ª ré, ainda que para as instalações da autora. Ou seja, não está demonstrado que, efectivamente e na prática, qualquer dos sócios da autora tenha acompanhado, supervisionado e controlado a actividade da sua colega Dr.ª AA no desempenho do mandato conferido pelo BCP, pelo que dificilmente se poderia aceitar que a omissão da interposição do recurso fosse da responsabilidade da autora…” (sublinhado nosso)

LVII. Mais, conforme já se alegou as notificações do tribunal referentes ao Processo 447/12.... foram única e exclusivamente dirigidas, via citius, para a ré subsidiária e, não foram remetidas para as instalações da autora.

LVIII. O Tribunal de Primeira Instância concluiu pela inexistência de qualquer prova quanto ao acompanhamento, supervisão e/ou controlo, por parte da sociedade autora ou de qualquer um dos seus sócios, sobre a actividade profissional que foi desempenhada pela Dra. AA no exercício do mandato forense que foi conferido pelo BCP e que foi nesta advogada substabelecido.

LIX. Também resulta da fundamentação da sentença (fls. 32 fim e 33), e também não é posto em causa no Acórdão proferido que: “Neste particular - recordando-se que a demandante havia substabelecido o mandato forense que lhe havia sido conferido pelo seu cliente BCP na referida advogada – é pacífico que o dano sofrido pela referida instituição bancária (…) decorreu da omissão do acto forense de interposição de recurso da sentença de graduação de créditos proferida no pr. 447/12...., do então ... Juízo Cível do Tr. Judicial de ..., que indevidamente graduou o crédito do IEFP antes do crédito hipotecário ali reclamado pelo BCP. Como a autora havia confiado à 2.ª ré – através do referido mandato substabelecido – o encargo de reclamar os créditos do BCP nos referidos autos e o subsequente acompanhamento dos posteriores trâmites legais (designadamente a sentença de graduação de créditos), segue-se ser da responsabilidade daquela sr.ª advogada a falta de interposição de recurso da sentença que graduou indevidamente o crédito hipotecário do BCP, sendo assim também da sua responsabilidade o prejuízo pecuniário sofrido pelo cliente da autora. Ora, a 2.ª ré – não enjeitando a sua responsabilidade na falta de interposição do recurso da sentença de graduação de créditos, (…) – alega ter a sua responsabilidade civil profissional (enquanto advogada) transferida para duas companhias de seguros, a Tranquilidade e a MAPFRE - Seguros Gerais, S.A..” O sublinhado é nosso.

LX. Razão pela qual, o Tribunal de Primeira Instância considerou que: “a falta de interposição de recurso da sentença que graduou indevidamente o crédito do Banco apenas poderá ser imputada à 2.ª Ré sendo, por isso, também da responsabilidade da 2.ª Ré o prejuízo pecuniário sofrido pela instituição bancária”.

LXI. E, o facto de a Dra. AA não ter dado conhecimento atempado à autora dessa sentença de verificação e graduação de créditos, nem ter apresentado recurso dessa infeliz decisão, fez com que o Banco Comercial Português, S.A., tivesse tido que depositar à ordem desse processo nº. 447/12.... o valor do crédito (€62.364,35) que tinha sido erradamente graduado à frente do seu crédito hipotecário.

LXII. Por ter sido obrigado a depositar aquela verba no processo nº. 447/12...., o Banco Comercial Português, S.A. interpelou a autora/aqui recorrente para proceder ao pagamento desse valor, pelo que o dano está a repercutir-se na esfera patrimonial da autora.

LXIII. Assim, como consta dos factos provados e da fundamentação da sentença proferida em 1º instância, o facto gerador deste dano foi única e exclusivamente decorrente da omissão da Dra. AA em não ter interposto o recurso da sentença da sentença de verificação e graduação de créditos.

LXIV. A autora apenas teve conhecimento do que estava a acontecer nesse processo de insolvência quando a 2.ª Ré (Dra. AA) foi notificada do mapa de rateio e a informou desse facto, mas infelizmente, nessa altura, já nada havia a fazer para reverter o lapso constante na decisão proferida pelo Tribunal (graduação indevida do crédito do Banco) e, dessa forma, evitar o prejuízo que veio a ser infligido ao Banco.

LXV. Pois, tendo sido dado como provado e não tendo o Acórdão recorrido colocado em causa, que foi a Dra. AA que errou ao não ter apresentado recurso da sentença de verificação e graduação de créditos e, tendo sido essa omissão que provocou o prejuízo que o Banco está a reclamar da autora, não pode esta demandar a Dra. AA pelo erro que esta cometeu? No nosso modesto entender, não só pode como deve, até porque, desconhece a aqui recorrente qualquer disposição legal que permita afastar a responsabilidade civil da Dra. AA e, por inerência, da companhia de seguros chamada (Mafre) para com a autora.

LXVI. Mais, a Ordem dos Advogados é obrigada a contratar um seguro de responsabilidade civil profissional relativamente a todos os advogados com inscrição em vigor, que acompanha a actividade profissional dos advogados; havendo lugar a indemnização por danos praticados no âmbito da responsabilidade civil profissional – nomeadamente por negligência de advogado no cumprimento das suas obrigações integradas no mandato judicial, terá que ser accionado. Foi o que aconteceu nesse processo 447/12.... e a Dra. AA, além deste seguro subscrito pela Ordem dos Advogados, ainda tinha o complemento desse seguro transferido para a Chamada Mafre.

LXVII. Prescreve o nº. 1 do artigo 483º do C.C. que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.” E o nº. 2 deste preceito legal, prescreve que: “Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”

LXVIII. Acresce que, conforme vem confessado pela co-Ré Mapfre no art. 58º. da sua contestação, em caso de falta ou insuficiência de Apólice de Responsabilidade Civil Profissional que garanta a Sociedade de Advogados, o contrato de seguro celebrado entre a Mapfre e a Ordem dos Advogados de Portugal, titulado pela apólice de seguro ...58, garante o dano que foi provocado à instituição bancária decorrente da actuação negligente da Sra. Dra. AA que, no exercício da sua actividade profissional, omitiu a interposição do recurso da sentença de verificação e graduação de créditos.

LXIX. Por último, numa nota de rodapé (25) do Acórdão recorrido é referido que “…, ao menos na questão do dano, o direito afirmado pela autora não existe, pois que a perda de chance verifica-se na esfera jurídica do Banco Comercial Português, S.A. e o Banco tem um direito próprio em virtude de por força da conduta de uma Sra. Advogada substabelecida por um associado da Autora ter sofrido na sua esfera jurídica a perda de chance de alteração da decisão de verificação e graduação de créditos proferida em 21 de Março de 2013”.

LXX. No entanto, conforme se pode verificar pelas conclusões da petição inicial, a Autora nunca se afirmou titular de um direito de indemnização, pois a Autora, após ter sido interpelada pelo Banco a pagar o prejuízo que este sofreu, peticionou na P.I. que a 1ª Ré reconheça que os danos causados pelo sinistro estão cobertos pelo contrato de seguro e, nesse sentido, seja esta condenada a pagar ao Banco o valor do prejuízo por este sofrido.

LXXI. E, subsidiariamente, caso o pedido principal não procedesse, a Autora peticionou que a 2ª Ré reconheça que os danos causados pelo sinistro emergem da sua actividade profissional e, nesse sentido, seja esta condenada a pagar ao Banco o valor do prejuízo.

LXXII. De realçar que a acção apenas foi intentada após o Banco Comercial Português, S.A. ter interpelado a aqui Autora a pagar o valor do prejuízo (€ 62.364,35), pelo que o prejuízo do Banco está a repercutir-se directamente na esfera patrimonial da ora Recorrente.

LXXIII. Com o intuito de evitar essa repercussão e por entender ser possível através desta acção declarativa regularizar o prejuízo do seu cliente, intentou a presente acção e requereu a intervenção principal provocada do Banco Comercial Português, S.A., que veio a aderir ao articulado da Autora.

LXXIV. Motivo pelo qual o douto Acórdão ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 483º, 486º, 1157º e 1161º, 562º, 563º, 564º, 566º, 762º nº1, 798º, 799 nº 1, todos do Código Civil e ainda o disposto nos artigos 36º nº 1 e 37º do DL 229/2004 de 10 de Dezembro.».

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da decisão da 1.ª instância.


4. A Recorrida Mafre, S.A. contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

«1. Não se conformando com o douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, o qual, reapreciando todas as questões fácticas e jurídicas suscitadas nos presentes autos, revogou a decisão doutamente proferida pelo Tribunal de Primeira Instância;

2. Tendo, em consequência, absolvido a aqui Recorrida e a Ré Advogada dos pedidos formulados pela A., condenando, ao invés, os sócios da A., atenta a preterição da obrigação legal prevista no artigo 37.º, n.º 1 do Dl n.º 229/2004, de 10 de Dezembro, incorrida pela sociedade de advogados, no sentido de não ter contratado um seguro de responsabilidade civil para cobrir os riscos inerentes ao exercício da actividade profissional dos seus sócios, associados, advogados estagiários, agentes ou mandatários;

3. É precisamente contra este segmento decisório que o ora Recorrente se insurge, lançando mão do presente recurso de revista;

4. Afirmando, desde logo, que a decisão em causa constitui uma decisão surpresa e que o Tribunal da Relação incorreu na violação do princípio do contraditório;

5. Mais referindo que não existe qualquer incumprimento por parte da sociedade de advogados (aqui A.) ao disposto no artigo 37.º do DL n.º 229/2004;

6. No entanto, e salvo o devido respeito por melhor e douto entendimento em contrário, nunca poderão proceder as pretensões da A., carecendo de fundamento fáctico e de direito;

7. Começamos, desde já, por sublinhar que em momento algum foi violado o princípio do contraditório;

8. Nem tão pouco se poderá equacionar que a decisão ora recorrida constituía uma decisão surpresa;

9. É a própria A. que no seu articulado inicial (facto 6) invoca o regime previsto no artigo 37.º do DL n.º 229/2004 e o (pretenso) cumprimento daquela em relação à obrigatoriedade de contratar seguro de responsabilidade civil;

10. Incorrendo, desta maneira, a Recorrente em contradição ao afirmar que caberia ao Tribunal da Relação ter notificado as Partes, em especial a Autora, da intenção de se pronunciar sobre o objecto do pleito apenas com base no (in)cumprimento de um preceito legal, que não havia sido abordado nos articulados;

11. Sendo certo que, pretendendo a A. a condenação da Ré Seguradoras Unidas, S.A., em virtude do contrato de seguro responsabilidade civil profissional celebrado entre aquelas;

12. Parecendo-nos inequívoco que a tónica e génese da presente acção passaria indubitavelmente pelo escrutínio da referida apólice de seguro;

13. De maneira que, e diferentemente do que a Recorrente pretende fazer crer, não estamos perante uma decisão surpresa, dado que o conhecimento e escrutínio da referida apólice de seguro constitui elemento fundamental e decisivo para o apuramento do eventual responsável civil perante o Banco, aqui Interveniente;

14. Acresce que, em sede de recurso, a aqui Recorrida invocou a violação, por parte da 1.ª instância, das normas legais previstas nos artigos 37.º, n.ºs 1 e 4 do DL 229/2004 de 10 de dezembro (vigente à data dos factos);

15. Tendo, assim, e na sequência da argumentação pugnada em sede de recurso, a ora Recorrente tido a oportunidade de exercer o seu contraditório, oferecendo resposta através do impulso processual respectivo;

16. No entanto, preferiu não o fazer!

17. Mas ainda, parece a ora Recorrente olvidar os poderes de cognição previstos no artigo 5.º, n.º 3 do CPC;

18. I.e: resulta a vinculação do tribunal à matéria de facto alegada e só a esta, mas não ao seu enquadramento jurídico;

19. Assim, se o tribunal entender que a solução jurídica do caso, em face dos concretos factos alegados e provados, é diferente da propugnada pelas partes, deve decidir conforme assim entender, sendo livre na apreciação do direito – neste sentido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/01/2017, no âmbito do processo n.º 873/10.9T2AVR.P1.S1;

20. Ora, atendendo à pretensão da A. com a presente demanda, à matéria de facto dada como provada (47 a 49), à forma como as Recorrentes delimitaram as suas alegações de recurso, e tudo isto aliado aos poderes conferidos ao Juiz pelo artigo 5.º, n.º 3 do CPC;

21. Limitou-se o douto Tribunal da Relação a enquadrar a matéria de facto apurada ao direito aplicável ao caso em apreço;

22. Não podendo a Recorrente olvidar o objectivo da presente demanda, o qual é definido, inicialmente, pela A.;

23. No sentido de apurar o responsável civil pelos prejuízos causados ao BCP no âmbito do patrocínio forense assumido pela A. perante aquele;

24. Note-se que esta é a base de toda a acção, não podendo nenhuma das partes falar na surpresa da sua apreciação, mormente na identificação do efectivo responsável civil apurado em face da matéria de facto provada, conjugada com o quadro legal vigente à data dos factos;

25. Sendo, nessa medida, e ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, muito previsível, perante a matéria de facto provada, a decisão de incumprimento por parte da A. dos deveres estabelecidos no artigo 37.º, n.º 1 do DL n.º 229/2004 e a consequência adveniente desse facto, cuja consequência se encontra explanada no n.º 4 daquele artigo;

26. Não podendo, de igual forma, a ora Recorrente alegar a violação do princípio do contraditório, quando teve oportunidade processual para exercer o seu direito, tendo, ao invés, escolhido não oferecer resposta às alegações de recurso da aqui Recorrida;

27. De maneira que, jamais poderá ser atendida a factualidade nova que a Recorrente alega nas alegações de recurso a que se responde, uma vez que não é função do STJ a apreciação de factualidade nova, competindo-lhe, ao invés, a aplicação do direito aos factos já dados como assentes e provados;

28. Sem prescindir, e diferentemente do que a ora Recorrente pretende fazer crer, sempre será imputada a responsabilidade civil à A. pelos pretensos prejuízos sofridos pelo seu cliente, quer por via da inobservância do dever legal de contratar seguro de responsabilidade civil, quer por via do regime previsto no artigo 800.º do CC;

29. Estabelece o artigo 37.º, n.º do DL 229/2004 que as sociedades de advogados que optem pelo regime de responsabilidade limitada devem obrigatoriamente contratar um seguro de responsabilidade civil para cobrir os riscos inerentes ao exercício da actividade profissional dos seus sócios, associados, advogados estagiários, agentes ou mandatário;

30. Sendo que, e nos termos do n.º 4 do referido artigo, a inobservância daquele preceito legal implica a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas dívidas sociais geradas durante o período do incumprimento do dever de celebração do seguro;

31. Ora, no caso em apreço, é incontestável que a aqui A., sociedade de advogados, optou pelo regime de responsabilidade limitada;

32. Não tendo, contudo, e como se lhe impunha contratado um seguro de responsabilidade civil, através do qual estivesse transferido para uma seguradora os riscos inerentes ao exercício da actividade profissional dos seus sócios, associados, advogados estagiários, agentes ou mandatários;

33. Tendo-se verificado, ao invés, que mantinha um contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo, donde apenas resultava transferido o risco do exercício da actividade profissional de quatro advogados identificados naquela apólice – tudo conforme artigos 30, 44 a 49 aliados à matéria de facto não provada em 1 e 2;

34. De facto, a aqui A. ao não ter cumprido o dever legal de segurar a responsabilidade civil da sociedade de advogados de responsabilidade limitada, por forma a cobrir os riscos inerentes ao exercício da atividade profissional dos seus sócios, associados, advogados estagiários, agentes ou mandatários, tal como previsto no n.º 1 do artigo 37.º, do referido DL, a responsabilidade pela não cobertura desse risco passa a recair, de forma ilimitada, sobre os sócios da sociedade inadimplente;

35. Também neste sentido verteu considerações o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, no parecer n.º 6/PP/2008-G, donde se pode ler: A inexistência de seguro da sociedade nas condições decorrentes do artigo 37.º do RJSA, determina a sujeição dos sócios e da sociedade ao regime de responsabilidade ilimitada;

36. De modo que, concluiu, e bem, a nosso ver, o douto Tribunal da Relação ao decidir que o Banco Comercial Português, S.A. na qualidade de lesado por perda de uma chance processual decorrente, alegadamente, da conduta de mandatária da sua mandatária, na falta de seguro obrigatório, tem direito de ação contra os sócios da sociedade de advogados que constituiu sua mandatária;

37. Tendo, ainda, considerado que, e no que diz respeito ao pretenso direito que o Banco possa ter contra a aqui Recorrida, ao abrigo do contrato de seguro responsabilidade civil profissional celebrado com a OA, se a segurada não se constitui em responsabilidade civil face àqueles sujeitos, necessariamente a sua seguradora de responsabilidade civil não é chamada a cobrir um risco pela qual a sua segurada não pode ser demandada – entendimento também seguido pelo Conselho Geral da AO no Parecer supra referido;

38. Assim, e face a tudo quanto se encontra exposto, resulta inequívoco que a A., sociedade de advogados, é a única responsável civil pelos prejuízos reclamados pelo Banco, atenta inobservância da sua obrigação de contratar seguro de responsabilidade civil, nos termos do artigo 37.º, n.º 1 do DL n.º 229/2004;

39. Do que ficou já dito, não resta senão dar razão ao douto Tribunal de a quo, devendo, em face da prova produzida, ser mantida a decisão de absolvição da Recorrida dos pedidos formulados nos autos, uma vez que só a A. poderá responder perante o seu cliente, pelos prejuízos causados, no âmbito do patrocínio forense assumido perante aquele, em virtude de não cumprido com as disposições previstas no artigo 37.º, n.º 1 do DL n.º 229/2004;

40. Mas também outra conclusão não poderá ser alcançada atendendo ao disposto no artigo 800.º, n.º 1 do CC;

41. Com efeito, atendendo à factualidade provada nos autos em apreço (9, 12, 21, 22, 23, 25, 26, 28 e 34), outra conclusão não pode ser alcançada senão a de que: 2.ª Ré actuou, nos autos do processo de insolvência n.º 447/12...., de acordo com as concretas instruções transmitidas pela sociedade de advogados, aqui A., e bem assim no seu interesse e sob sua coordenação;

42. Tendo a 2.ª Ré apenas assumido a condução do aludido processo, através de substabelecimento com reserva, e tendo única e estritamente em vista a apresentação da reclamação de créditos aludida pela A.;

43. Actuando sempre enquanto advogada inserida na sociedade de advogados, aqui A., utilizando sempre o papel timbrado da A., seguindo as orientações e instruções transmitidas pela A. no que respeita ao acompanhamento e condução dos processos em que interveio;

44. Não tendo a 2.ª Ré auferido, directamente, os proveitos, nomeadamente a título de honorários, devidos em decorrência do exercício da sua actividade profissional ao abrigo da sociedade de advogados aqui A.;

45. Nunca tendo o (pretenso) Lesado Banco Comercial Português, S.A., outorgado qualquer procuração e/ou estabelecido qualquer relação de mandato forense com a aqui 2.ª Ré, Dra. AA;

46. Resultando, assim, manifestamente evidente que o patrocínio forense posto em crise nos autos, foi exercido pela 2.ª Ré, Dra. AA, ao abrigo e em representação da sociedade de advogados (aqui Autora);

47. Pelo que, e nos termos do artigo 800.º, n.º 1 do CC, não poderá senão considerar-se responsável a sociedade de advogados, aqui A., pelos pretensos danos sofridos pelo Banco (seu constituinte), na medida em que a actuação da Ré Advogada foi levada a cabo em representação daquela e para cumprir as obrigações que impendiam sobre a A.;

48. No limite, verificando-se a efectiva existência de danos e/ou prejuízos sofridos pelo Interveniente BCP, em decorrência do patrocínio forense assumido pela A.(ainda que com recurso a um submandato/substabelecimento com reserva, outorgado à 2.ª Ré, para o específico acto de cumprir a obrigação incumbida pelo Banco de apresentar reclamação de créditos nos autos do processo 447/12....) sempre deverá ser a Autora a suportar tais danos e/ou prejuízos;

49. Assim, e por tudo quanto se encontra exposto, deverão improceder todas as conclusões dos ora Recorrentes, não merecendo o Douto Acórdão recorrido qualquer censura, devendo ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se, na íntegra, a douta decisão recorrida.».

Cumpre apreciar e decidir.


5. Vem provado o seguinte (inserem-se nos locais próprios as notas de rodapé constantes do acórdão recorrido respeitantes à decisão de facto):

1. A autora é uma sociedade de advogados que tem por objeto exclusivo o exercício em comum da profissão de advogado [nota 8: Recorde-se a firma da autora: L Ferreira, C. Leão, C. Machado, L Mourão – Sociedade de Advogados, SP, RL. Trata-se por isso de uma sociedade de advogados de responsabilidade limitada]

2. No exercício do mencionado escopo social, a autora, entre outros serviços próprios da advocacia, patrocina os seus constituintes em juízo, defendendo os seus direitos e interesses, seja na qualidade de autores/exequentes/reclamantes, seja na qualidade de réus/executados.

3 A fim de prevenir o risco da prática de qualquer ato ou omissão que, no exercício da sua atividade, a pudesse constituir em responsabilidade civil perante os seus constituintes, a autora celebrou com a aqui ré, então denominada Global Seguros, S.A., um contrato de seguro titulado pela Apólice nº 50....35 do ramo Responsabilidade Civil Geral/Profissional [nota 9: Desta apólice de seguro de responsabilidade civil geral destacam-se nas suas condições gerais as seguintes cláusulas: “ARTIGO 2º OBJECTO DO CONTRATO 1. O presente contrto tem por objecto a garantia da responsabilidade extracontratual, que nos termos da lei civil, seja imputável ao Segurado, somente enquanto na qualidade ou no exercício da actividade expressamente referida nas Condições Especiais e Particulares desta apólice. (…) ARTIGO 5º EXCLUSÕES 1. Não ficam garantidos em caso algum, ainda que o Segurado possa ser civilmente responsável: (…) m) Prejuízos ou danos que resultem do incumprimento ou cumprimento defeituoso de obrigações de qualquer natureza, emergentes de contratos celebrados pelo Segurado; (…) ARTIGO 14º COEXISTÊNCIA DE CONTRATOS (…) 2. Existindo, à data do sinistro, mais de um contrato de seguro com o mesmo objecto e garantia, a presente apólice apenas funcionará em caso de inexistência, nulidade, ineficácia ou insuficiência de seguros anteriores. Na condição especial relativa à responsabilidade civil profissional sublinham-se as seguintes cláusulas: “ARTIGO 1º OBJECTO DO CONTRATO Fica expressamente convencionado que a cobertura concedida por esta apólice se limita a garantir, nos termos e limites das Condições Gerais, Particulares e da presente Condição Especial, a responsabilidade civil legal imputável ao Segurado que derive exclusivamente do exercício da sua actividade profissional. ARTIGO 2º ÂMBITO DO CONTRATO A Garantia deste contrato abrange (…) a) Os danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados aos clientes em consequência de erros, omissões ou negligência cometidos pelo Segurado no exercício da sua profissão e no âmbito de vigência do presente contrato; (…) c) Os actos ou omissões de auxiliares e empregados quando ao seu serviço e no exercício das suas funções; d) A responsabilidade legal do Segurado, derivado da sua substituição em férias, doença ou outro impedimento, por outro profissional legalmente habilitado.” Na nota anexa à apólice nº ...35 consta, além do mais, o seguinte: “Para além das exclusões referidas nas Condições Gerais da Apólice, este seguro não garante ainda: (…) Perdas ou danos decorrentes da responsabilidade das pessoas que não tenham com o Segurado uma relação de dependência laboral, ainda que actuem por ele ou por conta dele”.]

4. A Açoreana Seguros adquiriu por incorporação a Global Companhia de Seguros, S.A. com a sua consequente extinção jurídica, e após fusão com a seguradora Tranquilidade alterou a sua designação para Seguradoras Unidas, S.A., pelo que a ré é parte legítima para ser demandada nos autos [nota 10: Este segmento da parte final deste ponto da factualidade julgada provada pelo tribunal a quo integra matéria de direito devendo como tal considerar-se excluído dos fundamentos de facto que, por definição, integram apenas matéria de facto (veja-se a primeira parte do nº 4, do artigo 607º do Código de Processo Civil).]

5. Por via deste contrato de seguro, a ré, contra o recebimento do respetivo prémio, que a autora sempre liquidou pontualmente, obrigou-se e obriga-se a cobrir, até ao limite de capital de cento e sessenta mil euros (€ 160.000,00), a responsabilidade civil profissional, os danos corporais e/ou materiais resultantes do exercício profissional da atividade de advocacia levada a cabo pela autora.

7. O contrato em apreço teve o seu início em 22-03-1995 e mantém-se válido [nota 11: Manter-se “válido” é uma afirmação de cariz jurídico que não devia constar dos factos provados, discutindo-se inclusivamente, ao menos, a validade de algumas cláusulas contratuais. Por isso, por não constituir matéria de facto, se desconsiderará este segmento deste ponto de facto (veja-se o nº 4, do artigo 607º do Código de Processo Civil que delimita o que deve constar da fundamentação de facto da sentença)] e em vigor até à presente data.

8. Em março de 2012 a autora foi incumbida de patrocinar o Banco Comercial Português nos autos da ação de insolvência que corria termos no ... Juízo Cível do Tribunal Judicial ... sob o registo n.º 447/12...., onde eram requeridos/insolventes BB e CC, nomeadamente para apresentar a competente reclamação dos créditos do Banco.

9. Para o efeito, o Banco Comercial Português remeteu à autora, além da informação e dos elementos necessários para instruir a competente reclamação de créditos, o respetivo anúncio para efeitos de intervenção na citada insolvência.

10. A autora, em representação do Banco Comercial Português, reclamou os seus créditos de natureza hipotecária e comum, no dia 11.03.2013, juntando para o efeito os documentos referentes às operações de crédito reclamadas (MLS ...93, MLS 56...93, MLS ...63 e RLS ...16 – três mútuos com hipoteca e um mútuo sem garantia real) – bem como a competente procuração forense e substabelecimento com reserva a favor da mandatária que apresentou o referido articulado, a Exma. Sr.ª Dr.ª AA.

11. As hipotecas desses mútuos eram sobre as frações autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o registo nº. ...11.

12. O montante dos créditos reclamados por esses mútuos garantidos por hipoteca ascende a € 191.668,51.

13. Por seu turno o Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, reclamou créditos nesse processo 447/12.... no montante de € 62.364,35. Por seu turno o Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, reclamou créditos nesse processo 447/12.... no montante de € 62.364,35.

14. Os créditos reclamados pelo Banco Comercial Português foram reconhecidos pelo Administrador de Insolvência na lista prevista no art.º 129º CIRE – onde são aí identificados todos os credores, respetivos privilégios e garantias.

15. Com base na natureza do crédito reclamado pelo Banco Comercial Português o qual, na sua maior parte se encontrava garantido por hipoteca sobre os dois imóveis apreendidos para a massa insolvente, o mesmo Banco requereu a adjudicação dos imóveis em causa pelo valor de € 111.600,00 (= 74.400,00 + 37.200,00), na convicção de que apenas teria de proceder ao depósito do valor correspondente ao crédito do Estado por IMI (e custas), o qual, gozando de um privilégio imobiliário especial, seria o único que prevaleceria sobre o crédito por si reclamado.

16. E, nesse sentido, após ter apresentado a proposta de aquisição desses dois imóveis dados de hipoteca, o Banco Comercial Português liquidou o valor previsto no artigo 164º do CIRE, depositando o respetivo montante de € 22.320,00, na conta de depósitos aberta em nome da Massa Insolvente.

17. Pelo que foram emitidos os títulos de adjudicação, tendo o Banco Comercial Português procedido ao registo dos imóveis a seu favor.

18. Em 21.03.2013 foi proferida a sentença de graduação de créditos, na qual o crédito do Banco Comercial Português garantido por hipoteca é graduado após o crédito da fazenda por I.M.I. (€ 3.065,15) bem como do crédito do IEFP - Instituto do Emprego e Formação Profissional o qual ascendia ao montante de € 62.364,35.

19. Em 23.04.2014 a aqui 2ª ré é notificada do mapa de rateio onde consta que o Banco tem de proceder ao depósito de € 55.692,96, valor que abrangia o crédito da Fazenda por IMI e do IEFP, e que já tinha em consideração a liquidação da verba já depositada ao abrigo do previsto no disposto do artigo 164º do CIRE.

20. Só nesta data é que a autora e a 2ª ré, se apercebem da existência de um lapso na decisão proferida pelo Tribunal, ou seja, a sentença de verificação e graduação de créditos, oportunamente proferida e já transitada em julgado, havia, indevidamente, graduado o crédito do Banco Comercial Português, S.A. atrás do crédito do IEFP.

21. Em 30.04.2014, a autora requereu a retificação do mapa de rateio e da sentença de verificação e graduação de créditos, tentando reverter a situação em apreço, invocando que a decisão proferida enfermava de erros materiais e impugnando o mapa de rateio invocando a respetiva nulidade.

22. Em 05.05.2016 o Banco Comercial Português foi notificado da decisão proferida, sobre a reclamação apresentada em 30.04.2014, a qual não dá provimento à reclamação.

23. Em 23.05.2016 a autora, no âmbito do mandato que lhe havia sido atribuído, interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, da decisão mencionada no artigo [aliás ponto] anterior.

24. Foi negado provimento à apelação e, no dia 03.10.2016, a autora foi notificada do acórdão proferido o qual manteve a decisão da 1ª Instância.

25. O Banco Comercial Português viu-se na obrigação de efetuar o depósito da quantia de € 55.692,96 na conta da massa insolvente, uma vez que a outra parte do valor reconhecido ao IEFP encontrava-se já abrangido pelo valor por si depositado.

26. O Banco Comercial Português, efetuado o referido depósito, insistiu com a autora, para que esta proceda à liquidação do valor referido ou que interpele a ré [ré a título principal] para que esta assuma as consequências do sinistro decorrente da omissão acima descrita.

27. Por carta de 08 de fevereiro de 2017, a autora, fazendo-o a coberto do contrato de seguro celebrado com a ré [ré a título principal] participou o sinistro ocorrido.

28. Recebida a participação, a ré [ré a título principal], por carta de 07 de julho de 2017, comunicou à autora que declinava assumir as consequências do sinistro por “…, apesar de ter sido confirmado o erro profissional, verificamos que a Dra. AA não consta da listagem de pessoas seguras pela apólice”.

29. Em resposta à mencionada carta da seguradora a autora respondeu que “…Não concordamos, nem aceitamos o exposto na V. carta de 07.07.2017. De facto, não existe qualquer cláusula, na apólice acima identificada, que exclua os actos praticados por esta sociedade que deram origem à participação em apreço”.

30. A esta nova carta da autora a ré [ré a título principal] não respondeu pelo que certamente não terá alterado a sua posição de recusar assumir as suas obrigações constantes do contrato de seguro.

31. A aqui ré [a ré a título subsidiário ou segunda ré] acompanhava e acompanha alguns processos que a autora patrocina.

32. No âmbito dos referidos processos, a 2ª ré:

- intervém sempre com poderes forenses substabelecidos com reserva pela autora;

 - utiliza sempre o papel timbrado da autora;

- segue orientações da autora no que tange ao acompanhamento do processo.

33. A aqui 2ª ré tem a sua atividade profissional segurada por seguro profissional de grupo contratado pela Ordem dos Advogados celebrado entre a MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. SEGUROS GERAIS, S.A. e a Ordem dos Advogados de Portugal titulado pela apólice de seguro ...58 e com data de início a 1 de janeiro de 2014.

34. Foi pela 2.ª ré, Dra. AA, subscrita uma proposta de seguro de reforço de capital, pela qual a ré advogada manifestou a sua intenção de aumentar em € 150.000,00, o capital seguro previsto no âmbito da apólice de responsabilidade civil profissional base da Ordem dos Advogados (apólice n.º ...58).

35. Pretendendo a 2.ª ré, igualmente, eliminar o valor devido a título de franquia contratual por qualquer eventual sinistro coberto/indemnizável nos termos previstos no contrato de seguro titulado pela apólice ...58.

36. Com data de início em 01.01.2014, a ora MAPFRE - SEGUROS GERAIS, S.A. emitiu a apólice de seguro de reforço n.º ...38, a qual esteve em vigor entre 01/01/2014 e 01/01/2018.

37. Participado o sinistro pela 2ª ré [nota 12: A participação foi enviada como anexo em mensagem de correio eletrónico em 09 de fevereiro de 2017 como bem se vê do documento nº 3 oferecido pela ré subsidiária com a sua contestação] em 09 de fevereiro de 2017, a Companhia de Seguros MAPFRE - Seguros Gerais, S.A. Seguros informou que não poderia regularizar os danos reclamados por terceiro (BCP SA) por ficarem expressamente excluídas da cobertura da apólice as reclamações: “a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação. [alterado pela Relação]

38. Participado o sinistro pela 2ª ré à companhia de seguros cuja apólice vigorava à data da notificação da sentença de graduação de créditos (31/03/2013), respondeu a Seguradora Tranquilidade que para aplicação da apólice contratada releva a data da “Primeira Reclamação” (participação do sinistro) e não a data da verificação dos factos que eventualmente sejam suscetíveis de gerar responsabilidade profissional.

39. Confrontada com esta última resposta, a ré [a ré subsidiária ou segunda ré] interpelou novamente a companhia de seguros MAPFRE - Seguros Gerais, S.A., tendo obtido como resposta a confirmação do anteriormente decidido.

40. A 2.ª ré não integrava à data os quadros da sociedade de advogados, ora autora.

41. Não era sócia da autora, nem tampouco associada, ou sequer alguma vez celebrara ou mantinha qualquer contrato de trabalho com esta.

42. Esta apólice de seguro do ramo Responsabilidade Civil Geral [nota 13: Este ponto de facto refere-se de novo à ré seguradora demandada a título principal], com início em 22.03.1995, titulado pela apólice n.º 50....35 começou por ser titulada pelo Exmo. Senhor Dr. DD, tendo início em 04.10.1995 [nota 14: Este ponto de facto contém elementos incompatíveis no que respeita ao início do contrato, reproduzindo acriticamente o que consta do artigo 7º da contestação de Seguradoras Unidas, S.A., pois que ou bem que o contrato teve início em 22 de março de 1995, data da proposta ou em 04 de outubro de 1995, data que figura num dos dois carimbos da Global Seguros apostos na proposta, tendo o outro carimbo a data de 10 de outubro de 1995. O aviso de cobrança de 13 de outubro de 1995 oferecido pela ré Seguradoras Unidas, S.A. indica como data de início do contrato o dia 22 de março de 1995 e também nas Condições Particulares do contrato de seguro se indica como data de início do contrato o dia 22 de março de 1995, pelo que é esta data que se deve relevar].

43. Ao longo dos já longos anos da sua vigência, foi sofrendo sucessivas vicissitudes, seja em termos de alteração e designação do respetivo tomador, seja por via do aumento do capital máximo seguro.

44. Em 17.03.2003, o tomador e segurado deixou de ser um advogado pessoa singular e em prática isolada, para passar a ser a sociedade de advogados, aqui autora.

45. Foram preenchidos e remetidos à seguradora 1.ª ré, os questionários identificativos dos Advogados que integravam a referida sociedade, e para efeitos de análise de risco e fixação das pessoas integrantes da sociedade de advogados e cuja responsabilidade estaria a coberto pelo âmbito da apólice de seguro.

46. A partir desse momento, de acordo com a indicação que lhe foi prestada pela aqui autora, a seguradora 1.ª ré integrou no âmbito de cobertura da apólice de responsabilidade civil profissional os Exmos. Senhores Advogados:

- EE;

- FF;

- DD;

- GG.

47. Na versão vigente à data do sinistro dos autos, a apólice de seguro aqui em causa vigorava com as seguintes condições:

- Tomador: “L. Ferreira, C. Leão, C. Machado e L. Mourão, Sociedade de Advogados de Responsabilidade Limitada”;

- Limite máximo do capital seguro: 160.000,00€, por anuidade/sinistro; - Listagem de Advogados que integram a sociedade:

- EE;

- FF;

- DD;

- GG.


Factos dados como não provados:

1. Conforme a informação que a então Global Seguros, SA transmitiu à ora autora, o seguro em causa garante a responsabilidade civil pelos danos patrimoniais que possam ser causados a terceiros em consequência de erro ou falta profissional decorrente do exercício da atividade profissional dos seus sócios, associados estagiários, agentes ou mandatários.

2. Foi com base na sobredita informação que a autora celebrou com a ré o mencionado contrato de seguro titulado pela Apólice nº 50....35, que tinha por principal objeto a garantia da cobertura dos riscos associados à atividade profissional da autora.

3, De acordo com a lista do 129º do CIRE apresentada pelo Sr. Administrador de Insolvência, em 22.02.2013, a mandatária subscritora da reclamação de créditos informou o Banco, no sentido de que ao crédito do Banco e, relativamente aos imóveis dados de hipoteca ao Banco e apreendidos nessa insolvência, apenas preferia o crédito de IMI no montante de € 3.065,15, ou seja, para efeitos de graduação de créditos, o crédito do Banco deveria ser graduado atrás das custas do processo e do IMI, mas à frente dos restantes credores, face às garantias existentes.


6. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

- Questão prévia: o acórdão recorrido não podia voltar a discutir matéria respeitante à relação entre a sociedade de advogados autora e a 1.ª R. seguradora na qual estava segurada a responsabilidade civil da A.;

- O acórdão recorrido desrespeitou o princípio da proibição de decisão-surpresa com a inerente violação do princípio do contraditório;

- O acórdão recorrido padece de erro de julgamento ao dar como não cumprida pela sociedade A. a obrigação de celebrar contrato de seguro prevista no art. 37.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 229/2004, de 10 de Dezembro (que aprovou o Regime Jurídico das Sociedades de Advogados, vigente à data dos factos);

- De qualquer forma, deve a R. subsidiária, AA (aqui denominada 2ª R.), ser responsabilizada pelo pagamento da indemnização devida ao Interveniente BCP, e, concomitantemente, deve repristinar-se a decisão da sentença da 1ª instância que condenou solidariamente a R. AA e a Interveniente Mapfre, S.A. no peticionado.


7. Antes de conhecer das questões recursórias que integram o objecto do presente recurso, importa considerar os pedidos formulados pela A. e os termos em que tais pedidos foram apreciados pelas instâncias, sem que tivesse sido suscitado, ou apreciado oficiosamente, qualquer obstáculo de natureza processual a tal apreciação.

A título principal, peticionou a A. que a 1.ª R., Seguradoras Unidas, S.A. (actualmente Generali, S.A.), na qual se encontra segurada a responsabilidade civil da A. perante terceiros, seja condenada a liquidar ao Interveniente Banco Comercial Português, S.A. o montante de €62.364,35, acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a data em que foi participado o sinistro descrito nos autos, montante que corresponde ao valor do prejuízo sofrido pelo mesmo Interveniente pelo cumprimento defeituoso do contrato de patrocínio judiciário celebrado entre a sociedade de advogados autora e o referido Banco.

Subsidiariamente, peticionou a A. que a 2.ª R., a advogada AA, seja condenada a liquidar ao Interveniente BCP, S.A. o montante de €62.364,35, acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a data em que foi participado o sinistro descrito nos autos pelo cumprimento defeituoso das obrigações decorrentes do subestalecimento do mandato judicial a favor da 2.ª R..

A sentença da 1.ª instância:

- Julgou improcedente o pedido principal, absolvendo a 1.ª R. Seguradoras Unidas, S.A. (actual Generali, S.A.) por considerar que o facto ilícito gerador do dano de perda de chance (a não interposição de recurso de sentença de graduação de créditos proferida em processo de insolvência) é imputável à 2.ª R., AA, cuja actividade profissional não se encontra, porém, coberta pelo seguro de responsabilidade civil celebrado entre a sociedade de advogados autora e a 1.ª R.;

- E julgou procedente o pedido subsidiário, condenando solidariamente a 2.ª R. e a Interveniente Mapfre, S.A., na qual a responsabilidade civil perante terceiros da 2.ª R. se encontra segurada, a liquidarem ao Interveniente BCP o montante reclamado por este a título de indemnização pelo dano de perda de chance e respectivos juros moratórios.

Tendo a 2.ª R. e a Interveniente Mapfre, S.A. apelado, em separado, o Tribunal da Relação veio a julgar procedentes ambos os recursos, absolvendo as apelantes do pedido subsidiário essencialmente com fundamento na interpretação e aplicação do regime do art. 37.º do Decreto-Lei n.º 229/2004, de 10 de Dezembro (em vigor à data dos factos), norma que, por um lado, prescreve a obrigatoriedade de as sociedades de advogados que optem pelo regime de responsabilidade limitada contratarem um seguro de responsabilidade civil para cobrir os riscos inerentes ao exercício da actividade profissional dos seus sócios, associados, advogados estagiários, agentes ou mandatários (n.º 1) e, por outro lado, determina que o não cumprimento dessa obrigação implica a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas dívidas sociais geradas durante o período do incumprimento do dever de celebração do seguro (n.º 4).


8. Como questão prévia, invoca a A. Recorrente que o acórdão recorrido não podia voltar a discutir matéria respeitante à relação entre a sociedade de advogados autora e a 1.ª R., na qual estava segurada a responsabilidade civil da A.. A este propósito, alega que, tendo a sentença julgado procedente o pedido subsidiário, estava vedado à A. recorrer da decisão de improcedência do pedido principal dirigido contra a 1.ª R., Seguradoras Unidas, S.A. (actual Generali, S.A.), na qual se encontrava segurada a responsabilidade civil da própria A.. Razão pela qual «[f]icaria desta forma afastada qualquer discussão respeitante à relação entre a Autora e a Primeira Ré, sua Seguradora, em face da absolvição desta última, resumindo-se a discussão ao pedido subsidiário».

Não assiste razão à Recorrente.

Com efeito, verifica-se que, tendo a A. ficado vencida na decisão da 1.ª instância na parte que julgou improcedente o pedido principal, absolvendo a 1.ª R. do pedido, podia, dessa parte, ter interposto recurso de apelação (cfr. art. 631.º, n.º 1, do CPC).

Verifica-se, porém, que, tendo a sentença julgado procedente o pedido subsidiário, condenando solidariamente no pedido a 2.ª R. e a Interveniente Mapfre, S.A., esta última interpôs recurso de apelação, impugnando a decisão recorrida na parte em que absolveu a 1.ª R. seguradora, Generali, S.A., e condenou a mesma Interveniente Mapfre, S.A. (cfr. conclusão recursória 2.: «Entende, contudo, a Recorrente que se encontram nos autos elementos, de facto e de direito, que impunham, in casu, uma decisão em sentido diverso, designadamente do que respeita: (v) à procedência do pedido subsidiário e consequente condenação da 2.ª Ré Dra. AA e da Interveniente Mapfre Seguros Gerais S.A. nos pedidos, em decorrência da (pretensa) responsabilização civil da Ré advogada; (vi) à absolvição da 1.ª Ré Generali, S.A., por via da delimitação subjectiva de cobertura da apólice de seguro n.º 50....35; (...)»).

Entre os fundamentos deste recurso de apelação da sentença que condenou a mesma Interveniente Mapfre, S.A. conta-se a invocação de que, caso se decida manter a responsabilização da 2.ª R., AA, a cobertura de seguro de tal responsabilidade caberia à 1.ª R. seguradora Generali, S.A. e não à Interveniente Mapfre, S.A. Temos, assim, que o recurso de apelação da Interveniente, impugnando a decisão de absolvição da 1.ª R., impediu o trânsito em julgado da mesma, podendo ser reapreciado o âmbito da cobertura do seguro de responsabilidade civil celebrado entre a sociedade autora e a R. Generali, S.A..

Assinale-se, porém, que, ainda que o acórdão da Relação tenha apreciado a questão relativa à cobertura pelo seguro da Generali, S.A., suscitada no recurso de apelação interposto pela 2ª R. AA – questão identificada no acórdão como “Da inclusão da conduta da ré subsidiária na garantia do seguro da autora” –, não chegou a apreciar, por as considerar prejudicadas pela resolução de questão anterior, as questões relativas à cobertura pelo mesmo seguro suscitadas no recurso de apelação da Interveniente Mapfre, S.A.. Questões essas pelas quais a Interveniente pretendia que se considerasse que, no caso de a responsabilidade pelo sinistro dos autos ser imputada à 2ª R., se declarasse que tal responsabilidade se encontra coberta pelo seguro da R. Generali, S.A. e não pelo seguro da Interveniente Mapfre, S.A..

Significa isto que, caso o presente recurso seja julgado procedente na parte em que a Recorrente pretende que seja responsabilizada a 2ª R., AA, terão os autos de regressar ao Tribunal da Relação a fim de serem apreciadas tais questões relativas ao âmbito de cobertura do seguro da R. Generali, S.A., assim como a fim de serem apreciadas as demais questões suscitadas na apelação da Interveniente Mapfre, S.A. e tidas como prejudicadas pelo acórdão da Relação, desde que compatíveis com a decisão de responsabilização da 2.ª R..


9. Alega também a Recorrente ter o acórdão recorrido desrespeitado o princípio da proibição de decisão-surpresa, com a inerente violação do princípio do contraditório, ao ter julgado procedentes ambos os recursos, absolvendo a 2.ª R. e a Interveniente Mapfre, S.A. do pedido subsidiário, alegadamente com fundamento não invocado pelas recorrentes, a saber, pela aplicação da consequência legal, prevista no n.º 4 do art. 37.º do Decreto-Lei n.º 229/2004, de 10 de Dezembro, para a situação de falta de cumprimento pela sociedade de advogados autora da obrigação de realizar seguro obrigatório de responsabilidade civil.

Mais concretamente, alega a Recorrente que «[a] fundamentação da decisão proferida pelo T.R.P., nomeadamente quanto ao facto de não seguir nenhuma das posições defendidas pelas partes na acção, assenta no disposto no n.º 3 do art.º 5º do C.P.C., quanto à livre apreciação do direito por parte do Tribunal.».

Vejamos.

Compulsada a fundamentação do acórdão recorrido, verifica-se que o mesmo apreciou separadamente o recurso da 2.ª R. e o recurso da Interveniente Mapfre, S.A., sendo que, em sede de apreciação daquele primeiro recurso, afirmou o seguinte:

«No entanto, importa não perder de vista que o tribunal é livre na aplicação do direito (artigo 5º, nº 3 do Código de Processo Civil) e que sendo a pretensão da recorrente subsidiária de absolvição do pedido contra ela deduzido e de revogação da condenação proferida pelo tribunal recorrido contra ela, pode e deve seguir-se uma via jurídica diversa da identificada pelo recorrente para eventual satisfação da mesma». [negrito nosso]

Passando, em seguida, a conhecer da interpretação e aplicação ao caso dos autos do regime do art. 37.º do Decreto-Lei n.º 229/2004, de 10 de Dezembro.

É na passagem acima transcrita que a A., ora Recorrente, pretende fundar a alegada violação do princípio da proibição de decisão-surpresa, atendendo a que a consideração do fundamento de procedência do recurso não foi antecedida de notificação às partes.

Não pode, porém, ignorar-se que o acórdão recorrido apreciou também o recurso de apelação interposto pela Interveniente Mapfre, S.A., no qual se formularam as seguintes conclusões recursórias:

«34. Não sendo assim crível que, tratando-se de um seguro de natureza obrigatória – cfr. disposto no artigo 37.º do DL 229/2004 de 10 de dezembro (vigente à data dos factos e actualmente prevista no artigo 213.º da Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro – actual Estatuto da Ordem dos Advogados) – (...)

35. Sendo certo que, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 37.º do DL 229/2004 de 10 de dezembro, o não cumprimento da obrigação prevista no n.º 1 da citada norma legal – de contratação do seguro obrigatório por parte das sociedades de advogados – sempre implicará a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas dívidas sociais geradas durante o período do incumprimento do dever de celebração do seguro, ou seja, in casu, a exclusiva responsabilidade da sociedade de advogados, aqui Autora, na pessoa dos seus sócios – conduzindo, consequentemente, à improcedência da presente acção». [negrito nosso]

Temos, pois, que, conforme defende a Recorrida Mapfre em sede de contra-alegações ao recurso de revista, se constata que o fundamento no qual o tribunal a quo assentou a decisão de procedência de ambos os recursos, fora expressamente invocado pela apelante Mapfre, S.A., não ocorrendo, assim, a invocada violação do princípio da proibição de decisão-surpresa. Com efeito, tendo esse fundamento sido invocado em sede de alegações de apelação da Interveniente Mapfre, teve a sociedade A., ora Recorrente, oportunidade de sobre o mesmo se pronunciar, razão pela qual não se verifica a alegada violação do princípio do contraditório. Por outras palavras, cabia à A. apelada ter apresentado, em sede de contra-alegações ao recurso de apelação da Interveniente Mapfre as considerações ora consubstanciadas nas conclusões XII) a XLVI) do recurso de revista. Não o tendo feito, não lhe assiste razão nesta parte.


10. Aqui chegados, cumpre conhecer das questões relativas ao mérito da decisão recorrida, que, recorde-se, são as seguintes:

- Saber se o acórdão recorrido padece de erro de julgamento ao dar como não cumprida pela sociedade autora a obrigação de celebrar contrato de seguro prevista no art. 37.º do Decreto-Lei n.º 229/2004, de 10 de Dezembro (que aprovou o Regime Jurídico das Sociedades de Advogados, vigente à data dos factos);

- Se, de qualquer forma, isto é, independentemente da resposta dada à questão anterior, deve a 2.ª R., AA, ser responsabilizada pelo pagamento da indemnização devida ao Interveniente BCP, e, concomitantemente, deve a Interveniente Mapfre, S.A. ser solidariamente responsabilizada com a mesma 2.ª R..

10.1. Consideremos os factos provados relevantes:

10. A autora, em representação do Banco Comercial Português, reclamou os seus créditos de natureza hipotecária e comum, no dia 11.03.2013, juntando para o efeito os documentos referentes às operações de crédito reclamadas (MLS ...93, MLS 56...93, MLS ...63 e RLS ...16 – três mútuos com hipoteca e um mútuo sem garantia real) – bem como a competente procuração forense e substabelecimento com reserva a favor da mandatária que apresentou o referido articulado, a Exma. Sr.ª Dr.ª AA.

19. Em 23.04.2014 a aqui 2ª ré é notificada do mapa de rateio onde consta que o Banco tem de proceder ao depósito de € 55.692,96, valor que abrangia o crédito da Fazenda por IMI e do IEFP, e que já tinha em consideração a liquidação da verba já depositada ao abrigo do previsto no disposto do artigo 164º do CIRE.

20. Só nesta data é que a autora e a 2ª ré, se apercebem da existência de um lapso na decisão proferida pelo Tribunal, ou seja, a sentença de verificação e graduação de créditos, oportunamente proferida e já transitada em julgado, havia, indevidamente, graduado o crédito do Banco Comercial Português, S.A. atrás do crédito do IEFP.

26. O Banco Comercial Português, efetuado o referido depósito, insistiu com a autora, para que esta proceda à liquidação do valor referido ou que interpele a ré [ré a título principal] para que esta assuma as consequências do sinistro decorrente da omissão acima descrita.

31. A aqui ré [a ré a título subsidiário ou segunda ré] acompanhava e acompanha alguns processos que a autora patrocina.

32. No âmbito dos referidos processos, a 2ª ré:

- intervém sempre com poderes forenses substabelecidos com reserva pela autora;

 - utiliza sempre o papel timbrado da autora;

- segue orientações da autora no que tange ao acompanhamento do processo.

40. A 2.ª ré não integrava à data os quadros da sociedade de advogados, ora autora.

41. Não era sócia da autora, nem tampouco associada, ou sequer alguma vez celebrara ou mantinha qualquer contrato de trabalho com esta.

Importa ter presente os termos em que o acórdão recorrido fundou o juízo de mérito. Ao conhecer do recurso da 2ª R. aí se afirmou o seguinte:

«A autora instaurou a presente ação afirmando-se titular de um direito de indemnização (Nota 25: Sublinhe-se que mesmo independentemente dos reflexos da inobservância do dever legal de celebração de um contrato de seguro que cubra os riscos da actividade profissional de uma sociedade de advogados, ao menos na questão do dano, o direito afirmado pela autora não existe, pois que a perda de chance verifica-se na esfera jurídica do Banco Comercial Português, S.A. Por outro lado, este banco, não tem um direito paralelo ao da autora, mas um direito próprio em virtude de por força da conduta de uma Sra. Advogada substabelecida por um associado da autora ter sofrido na sua esfera jurídica a perda de chance de alteração da decisão de verificação e graduação de créditos proferida em 21 de março de 2013), a título principal, contra a sua seguradora de responsabilidade civil e, a título subsidiário, contra a ré subsidiária, tendo por força de incidente de intervenção de terceiros sido admitida a intervir, além de outras entidades, a ré Mapfre.

Ora, como se viu anteriormente, o contrato de seguro que a autora celebrou não obedece àquilo que era legalmente exigido no momento em que foram praticados os factos de que emerge a responsabilidade profissional (Nota 26: O dano da perda de chance verificou-se no momento em que transitou em julgado a sentença de verificação de créditos proferida em 21 de março de 2013. Sublinhe-se que não existe nos autos prova documental a quem foi notificada essa sentença, embora a autora tenha afirmado que a ré subsidiária foi notificada da mesma (artigo 73º da petição inicial), facto não impugnado pela ré subsidiária, mas impugnado por desconhecimento pela então Seguradoras Unidas, S.A., no artigo 3º da sua contestação), sendo que da não contratação de seguro obrigatório de responsabilidade civil nos termos legalmente exigidos, decorre a responsabilidade pessoal e ilimitada dos sócios da autora (Nota 27: Pode questionar-se se a responsabilidade pessoal e ilimitada dos sócios é direta e imediata ou se é apenas subsidiária, respondendo sempre em primeiro lugar a sociedade pelas forças dos seus bens sociais e, excutidos estes, os sócios pessoalmente e ilimitadamente). Dito por outras palavras: não sendo cumprido o dever legal de segurar a responsabilidade civil da sociedade de advogados de responsabilidade limitada para cobrir os riscos inerentes ao exercício da atividade profissional dos seus sócios, associados, advogados estagiários, agentes ou mandatários, tal como previsto no nº 1 do artigo 37, do decreto-lei nº 229/2004 de 10 de dezembro, a responsabilidade pela não cobertura desse risco passa a recair, de forma ilimitada, sobre os sócios da sociedade inadimplente.

Por isso, o Banco Comercial Português, S.A. na qualidade de lesado por perda de uma chance processual decorrente, alegadamente, da conduta de mandatária da sua mandatária, na falta de seguro obrigatório, tem direito de ação contra os sócios da sociedade de advogados que constituiu sua mandatária.

E por isso também, a autora, que não cumpriu o dever de celebrar um contrato de seguro que observasse o que legalmente era exigido, não pode fazer repercutir em terceiros o dever que violou pois que legalmente são responsáveis, de forma ilimitada, por tal inadimplemento os seus sócios.

Assim, neste quadro, a autora não tem qualquer direito que possa exercer contra a ré subsidiária e por isso, com estes fundamentos jurídicos, procede o recurso de apelação da ré subsidiária.» [negrito nosso]

Ao apreciar o recurso da Interveniente Mapfre afirma-se no acórdão da Relação:

«A recorrente Mapfre pugna pela revogação da decisão recorrida porque o Banco Comercial Português, S.A. não tem qualquer vínculo jurídico com a ré subsidiária mas sim e apenas com a autora, a qual sempre assumiu o controlo e a responsabilidade perante aquele banco por todas as ações e omissões no âmbito do mandato forense que lhe foi outorgado pelo referido banco e que substabeleceu, com reserva, na ré subsidiária, tendo a autora continuado a ser notificada de todos os atos processuais inerentes ao processo judicial em curso, mantendo-se como exclusiva mandatária, cujas orientações e instruções lhe eram exclusivamente transmitidas pelo aludido banco, pelo que na eventualidade de o mandante sofrer danos em consequência do patrocínio forense assumido pela autora e ainda que com recurso a substabelecimento com reserva, sempre recairá sobre a autora a obrigação de indemnizar tais danos e não podendo ser responsabilizada a ré subsidiária, necessariamente, também não pode ser responsabilizada a seguradora da sua responsabilidade civil.

Cumpre apreciar e decidir.

Antes de mais recordemos os normativos essenciais para a dilucidação desta questão recursória.

Nos termos do artigo 1165º do Código Civil, o mandatário pode na execução do mandato fazer-se substituir por outrem ou servir-se de auxiliares, nos mesmos termos em que o procurador o pode fazer.

De acordo com o previsto no nº 1 do artigo 264º do Código Civil, o procurador só pode fazer-se substituir por outrem se o representado o permitir ou se a faculdade de substituição resultar do conteúdo da procuração ou da relação jurídica que a determina.

“A substituição não envolve exclusão do procurador primitivo, salvo declaração em contrário” (artigo 264º, nº 2, do Código Civil).

“Sendo autorizada a substituição, o procurador só é responsável para com o representado se tiver agido com culpa na escolha do substituto ou nas instruções que lhe deu” (artigo 264º, nº 3, do Código Civil).

“O procurador pode servir-se de auxiliares [Nota 28: Sobre a distinção entre auxiliares e substituto em sede de procuração e por remissão no domínio do mandato, escreve Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Volume III, Contratos em Especial, 5ª Edição, Almedina 2008, o seguinte: “Em face deste regime [refere-se ao regime do artigo 264º do Código Civil], convém distinguir a substituição da utilização de auxiliares. Fala-se em substituição do mandatário, quando ele encarrega outro mandatário de praticar os mesmos actos jurídicos de que foi encarregado pelo mandante, havendo assim um subcontrato de mandato, ou seja, um submandato [segue a nota de rodapé nº 901, com o seguinte conteúdo: “Sobre o submandato, cfr. ROMANO MARTINEZ, O subcontrato, pp. 33 e ss.”]. Já a utilização de auxiliares não implica que estes pratiquem os actos jurídicos de que o mandatário foi encarregado, limitando-se a dar-lhe colaboração nas suas tarefas. Em termos simples, ocorrendo um submandato, estabelece-se uma relação de mandato entre o mandatário e o submandatário, enquanto que o vínculo que o mandatário estabelece com os seus auxiliares constitui antes uma relação de trabalho subordinado ou um contrato de prestação de serviços.” Anote-se que em geral, para efeitos do âmbito de aplicação do artigo 800º do Código Civil, tem-se entendido que os auxiliares tanto podem ser dependentes como independentes (assim vejam-se Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade, António Pinto Monteiro, Coimbra 1985, páginas 290 e 291; Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, 2ª Edição (Revista e Atualizada), Universidade Católica Portuguesa, José Carlos Brandão Proença, páginas 318 e 319; Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Portuguesa 2018, página 1113, anotação III e Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, coordenação de António Menezes Cordeiro, CIDP, Almedina 2021, página 1028, anotação 9, § 14, anotação da responsabilidade do coordenador da obra; em sede de trabalhos preparatórios, sobre esta questão veja-se Boletim do Ministério da Justiça nº 72, estudo da autoria do Sr. Professor Adriano Paes da Silva Vaz Serra, intitulado “Responsabilidade do devedor pelos factos dos auxiliares dos representantes legais ou dos substitutos”, páginas 271 a 276)] na execução da procuração, se outra coisa não resultar do negócio ou da natureza do ato que haja de praticar” (artigo 264º, nº 4, do Código Civil).

Em sede de mandato forense prevê-se no nº 2 do artigo 44º do Código de Processo Civil que nos poderes que a lei presume conferidos ao mandatário está incluído o de substabelecer o mandato.

Em complemento da previsão legal que se acaba de citar, estabelece-se no nº 3 do artigo 44º do Código de Processo Civil que o substabelecimento sem reserva implica a exclusão do anterior mandatário. Daqui se pode retirar, não obstante a conhecida falibilidade do argumento a contrario sensu, que o substabelecimento com reserva não implica a exclusão do primitivo mandatário.

Neste quadro normativo, pode afirmar-se, com alguma segurança, que de facto num caso de submandato ou subprocuração não se estabelece uma relação jurídica entre o primitivo mandante ou procurador e o submandatário ou subprocurador.

Porém, desde há longo tempo a doutrina e a jurisprudência tem-se vindo a questionar se entre os referidos sujeitos situados em polos opostos e cujo contacto é sempre mediado por um terceiro sujeito intermédio se pode estabelecer uma relação jurídica ao abrigo do denominado direito de ação direta ou, noutro enquadramento, do direito de sub-rogação (Nota 29: Sobre esta problemática, em sede de subcontrato, veja-se Pedro Romano Martinez na obra intitulada “O Subcontrato”, Almedina 1989, páginas 155 a 159; em sede de subempreitada veja-se Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, João Cura Mariano, 7ª Edição Revista e Aumentada, Almedina 2020, páginas 235 a 252.).

Daí que num tal quadro dogmático e jurisprudencial não é indiscutível que não obstante a inexistência de uma relação jurídica direta entre o primitivo mandante e o submandatário não possa o primitivo mandante responsabilizar diretamente o submandatário nalguns casos.

No caso em apreço, esta hipótese verdadeiramente não se coloca na medida em que a ação é instaurada pelo primitivo mandatário contra o submandatário, aderindo o Banco Comercial Português, S.A. à petição do primitivo mandatário e que formulou um pedido de pagamento de certa importância em dinheiro ao primitivo mandante.

No entanto, tal como já se analisou relativamente à ré subsidiária, a questão que se coloca é a de saber se a autora ou a interveniente do lado ativo têm algum direito que possam exercer contra a seguradora da responsabilidade civil da ré subsidiária, num circunstancialismo em que a autora omitiu o dever legal de celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil que cubra os riscos derivados do exercício da atividade profissional dos seus sócios, associados, advogados estagiários, agentes ou mandatários, tal como previsto no nº 1 do artigo 37, do decreto-lei nº 229/2004 de 10 de dezembro, já que, nesse circunstancialismo, a responsabilidade pela não cobertura desse risco passa a recair, de forma ilimitada, sobre os sócios da sociedade inadimplente, autora nestes autos.

Evitando repetições escusadas que artificialmente engrossam as decisões, dificultando algumas vezes a sua compreensão, remete-se para o que antes se afirmou na análise da precedente questão recursória suscitada pela ré subsidiária, relativamente à não titularidade de qualquer direito por parte da autora e bem assim da interveniente do lado ativo contra a ré subsidiária e, consequentemente, contra a seguradora da sua responsabilidade civil.

De facto, se a segurada não se constitui em responsabilidade civil face àqueles sujeitos, necessariamente a sua seguradora de responsabilidade civil não é chamada a cobrir um risco pela qual a sua segurada não pode ser demandada.

Pelo exposto conclui-se que com este fundamento jurídico procede o recurso de apelação interposto pela interveniente Mapfre, ficando prejudicado o conhecimento das questões enunciadas para serem conhecidas de seguida e suscitadas por esta recorrente.» [negritos nossos]


10.2. Temos que, perante a matéria de facto dada como provada, as instâncias consideraram verificada – o que, no presente recurso, não vem posto em causa – a ocorrência de um dano de perda de chance processual suportado pelo Interveniente BCP, causado pela não interposição de recurso da sentença de verificação e graduação de créditos em processo de insolvência no qual o patrocínio judiciário do Banco estava confiado à sociedade de advogados autora; a qual, por sua vez, ao abrigo do art. 44.º, n.º 2, do CPC, subestabelecera o mandato judicial na R. advogada. Deram também como assente – o que também não é posto em causa – que, dado o subestabelecimento da sociedade autora a favor da 2.ª R., cabia a esta última interpor o referido recurso de apelação.

Aquilo em que as instâncias divergiram foi na resposta à questão de saber se a responsabilidade por tal omissão deve ser imputada à R. advogada ou à sociedade autora, mandatada pelo Interveniente BCP. A 1.ª instância entendeu que a responsabilidade pela omissão é imputável à R. advogada, a quem incumbia interpor o recurso de apelação da sentença de verificação e graduação de créditos no processo de insolvência; enquanto a Relação, fazendo apelo ao regime do art. 37.º, n.º 4, do DL n.º 229/2004, de 10 de Dezembro (vigente à data dos factos), considerou que tal responsabilidade é imputável à sociedade autora que não a pode fazer repercutir sobre a R. advogada.

Contra o juízo do tribunal a quo, insurge-se a A., ora Recorrente, invocando: (i) por um lado, que as exigências de celebração de seguro obrigatório de responsabilidade civil foram por si respeitadas, sendo, por isso, inaplicável o regime do n.º 4 do art. 37.º do DL n.º 229/2004; (ii) por outro lado, que, independentemente de (i), sempre o princípio geral da responsabilidade por facto ilícito e culposo, ínsito no art. 483.º do Código Civil, determina a responsabilização da R. advogada

Por sua vez, pugna a Recorrida Mapfre, S.A. pela manutenção da decisão do acórdão recorrido, seja com fundamento no regime do n.º 4 do art. 37.º do DL n.º 229/2004, seja com fundamento no princípio geral da responsabilidade do devedor (a aqui sociedade autora) por actos de auxiliares (a aqui 2.ª R.), consagrado no art. 800.º, n.º 1, do Código Civil.

Quid iuris?

De acordo com o n.º 1 do art. 37.º do DL n.º 229/2004:

«As sociedades de advogados que optem pelo regime de responsabilidade limitada devem obrigatoriamente contratar um seguro de responsabilidade civil para cobrir os riscos inerentes ao exercício da actividade profissional dos seus sócios, associados, advogados estagiários, agentes ou mandatários.».

Prescrevendo o n.º 4 do mesmo preceito legal que:

«O não cumprimento do disposto no presente artigo implica a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas dívidas sociais geradas durante o período do incumprimento do dever de celebração do seguro.».

Falta, porém, apurar qual o sentido e alcance deste regime cominatório de responsabilidade civil ilimitada dos sócios.

Do n.º 1 do art. 37.º resulta que, ao permitir a constituição de sociedades de advogados de responsabilidade limitada, pretendeu o legislador assegurar, simultaneamente, a protecção dos terceiros, clientes das sociedades, dos riscos para si resultantes «da actividade profissional dos seus sócios, associados, advogados estagiários, agentes ou mandatários», mediante a exigência de celebração de seguro de responsabilidade civil por valores mínimos, previstos no n.º 2 do mesmo preceito. Tendo cominado o incumprimento de tal exigência com o regime de responsabilidade pessoal ilimitada dos sócios que integram a sociedade de advogados.

Importa, porém, distinguir entre o regime de responsabilidade civil no plano das relações externas – isto é, no plano das relações entre a sociedade e os terceiros seus clientes – e o regime de responsabilidade civil no plano das relações internas – isto é, no plano das relações entre a sociedade e os auxiliares dependentes ou independentes de que a sociedade se socorra.

No plano das relações externas funciona o regime próprio da responsabilidade limitada dos advogados que integram a sociedade, completado pela exigência de seguro obrigatório de responsabilidade civil prevista no n.º 1 do art. 37.º do DL n.º 229/2004. Caso a garantia do seguro não exista, aplica-se a cominação prevista no n.º 4 do mesmo preceito, a saber, a responsabilidade pessoal e ilimitada dos sócios da sociedade de advogados (e não a responsabilidade da sociedade, como afirmou o acórdão recorrido). No plano das relações internas – isto é, entre a sociedade e os seus auxiliares – o regime de responsabilidade depende da natureza da relação jurídica em causa.

Aplicando estas considerações ao caso dos autos, temos que, de acordo com os princípios gerais que regem o cumprimento dos contratos (arts. 798.º e segs. do CC), o cumprimento defeituoso das obrigações decorrentes do mandato judicial (art. 44.º do CPC), responsabiliza o mandatário (aqui, a sociedade de advogados autora) diante do seu cliente (o Interveniente BCP). Quer isto dizer que, no plano das relações externas, a sociedade autora não pode isentar-se de responsabilidade diante do mandante invocando que o cumprimento defeituoso se deve à omissão da advogada (a aqui 2.ª R.) na qual subestabeleceu, com reserva, o mandato judicial (cfr. facto provado 10). É o que decorre daqueles princípios gerais assim como do regime relativo ao substabelecimento (cfr. art. 44.º, n.º 3, a contrario, do CPC), regime que se encontra em consonância com o princípio geral da responsabilidade do devedor pelos actos dos auxiliares prevista no art. 800.º, n.º 1, do Código Civil.

Porém, no plano das relações internas – isto é, das relações entre a sociedade de advogados mandatária e a submandatária (a aqui 2.ª R.), e uma vez que foi admitida a dedução de pedido subsidiário ao abrigo do art. 39.º do CPC, assim como a intervenção principal, do lado activo, do mandante (o banco BCP) – nem o regime do art. 37.º do DL n.º 229/2004 nem o regime do art. 800.º, n.º 1, do Código Civil, impedem que a sociedade autora impute à esfera jurídica da submandatária (a aqui 2.ª R.) a responsabilidade pelo dano de perda de chance processual causado ao sobredito mandante pela conduta omissiva desta.

Com efeito, e diversamente do afirmado na nota 25 do acórdão recorrido («o direito afirmado pela autora não existe, pois que a perda de chance verifica-se na esfera jurídica do Banco Comercial Português, S.A. Por outro lado, este banco, não tem um direito paralelo ao da autora, mas um direito próprio em virtude de por força da conduta de uma Sra. Advogada substabelecida por um associado da autora ter sofrido na sua esfera jurídica a perda de chance de alteração da decisão de verificação e graduação de créditos proferida em 21 de março de 2013»), verifica-se que o pedido formulado pela A. contra a 2.ª R. («deve a 2ª Ré ser condenada a reconhecer que o sinistro e que os danos por este causados, a que respeitam os factos alegados nesta petição, emergem da sua responsabilidade profissional enquanto Mandatária ao serviço da Autora; Em consequência, deve a 2º Ré ainda ser condenada a liquidar à Chamada Banco Comercial Português, S.A. o montante de € 62.364,35 (sessenta e dois mil trezentos e sessenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos) acrescida dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data em que lhe foi participado o sinistro descrito nos presentes autos, que corresponde ao valor do prejuízo sofrido pelo BCP que se encontra a ser imputado à Autora») não consiste num pedido de reconhecimento e condenação no pagamento de indemnização por dano de perda de chance processual causado à sociedade autora, mas sim no pedido de reconhecimento e condenação no pagamento de indemnização por dano de perda de chance processual causado ao Interveniente BCP.

Assinale-se que os contornos da situação jurídica foram, nesta parte, devidamente analisados pelo acórdão recorrido da seguinte forma:

«Em sede de mandato forense prevê-se no nº 2 do artigo 44º do Código de Processo Civil que nos poderes que a lei presume conferidos ao mandatário está incluído o de substabelecer o mandato.

Em complemento da previsão legal que se acaba de citar, estabelece-se no nº 3 do artigo 44º do Código de Processo Civil que o substabelecimento sem reserva implica a exclusão do anterior mandatário. Daqui se pode retirar, não obstante a conhecida falibilidade do argumento a contrario sensu, que o substabelecimento com reserva não implica a exclusão do primitivo mandatário.

Neste quadro normativo, pode afirmar-se, com alguma segurança, que de facto num caso de submandato ou subprocuração não se estabelece uma relação jurídica entre o primitivo mandante ou procurador e o submandatário ou subprocurador.

Porém, desde há longo tempo a doutrina e a jurisprudência tem-se vindo a questionar se entre os referidos sujeitos situados em polos opostos e cujo contacto é sempre mediado por um terceiro sujeito intermédio se pode estabelecer uma relação jurídica ao abrigo do denominado direito de ação direta ou, noutro enquadramento, do direito de subrogação.

Daí que num tal quadro dogmático e jurisprudencial não é indiscutível que não obstante a inexistência de uma relação jurídica direta entre o primitivo mandante e o submandatário não possa o primitivo mandante responsabilizar diretamente o submandatário nalguns casos.

No caso em apreço, esta hipótese verdadeiramente não se coloca na medida em que a ação é instaurada pelo primitivo mandatário contra o submandatário, aderindo o Banco Comercial Português, S.A. à petição do primitivo mandatário e que formulou um pedido de pagamento de certa importância em dinheiro ao primitivo mandante.». [negritos nossos]

Conclui-se, assim, que, existindo, de acordo com o regime legal do substabelecimento do mandato judicial, uma relação jurídica directa entre a advogada submandatária (a aqui 2.ª R., AA) e o mandante (o aqui Interveniente BCP, S.A.) – a par da relação jurídica, também directa, entre o mandatário (a aqui sociedade de advogados autora) e o dito mandante - cfr. art. 44.º, n.º 3, do CPC (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 76) –, pode e deve ser imputada à esfera jurídica da 2.ª R. a responsabilidade pelo dano de perda de chance processual que a sua conduta omissiva causou ao mandante.


10.3. Constatando-se a irrelevância do regime do art. 37.º do Decreto-Lei n.º 229/2004 para a resolução do objecto da presente lide, fica prejudicada a reapreciação da questão do cumprimento ou não da exigência de celebração de seguro obrigatório prevista no respectivo n.º 1.


11. Aqui chegados, e de acordo com o que se afirmou supra, no ponto 8. do presente acórdão, verifica-se que, julgada procedente a pretensão da sociedade de advogados autora de imputação da responsabilidade pelo sinistro dos autos à esfera jurídica da 2.ª R., AA, faltará ainda determinar se a cobertura de tal responsabilidade cabe à Interveniente Mapfre, S.A. e/ou à R. seguradora Generali, S.A..

O que implicará apreciar as questões suscitadas no recurso de apelação da Interveniente Mapfre, S.A. cujo conhecimento ficou prejudicado pela decisão do tribunal a quo de, com fundamento na aplicação do regime do art. 37.º do DL n.º 229/2004, não responsabilizar a 2.ª R.. Com efeito, ao afastar-se, no presente acórdão, esse fundamento de improcedência do pedido subsidiário, torna-se necessário apreciar as questões tidas como prejudicadas pelo acórdão recorrido, desde que – também aqui – tal conhecimento não esteja prejudicado pela solução de direito (imputação da responsabilidade pelo sinistro dos autos à esfera jurídica da 2.ª R., AA) adoptada no presente acórdão.

Vejamos.

As questões não conhecidas pelo Tribunal da Relação foram assim elencadas (a pág. 19) no acórdão recorrido:

«2.3.2 Da nulidade da cláusula de exclusão da garantia do seguro contida na nota anexa à apólice nº ...35;

2.3.3 Da aplicabilidade da cláusula de limitação de segurado atuando ao abrigo de sociedade de advogados;

2.3.4 Do concurso de responsabilidades entre a autora e a ré subsidiária,

2.3.5 Do cômputo do dano da perda de chance;

2.3.6 Do termo inicial da contagem dos juros de mora».

Constata-se que o conhecimento da terceira questão («Do concurso de responsabilidades entre a autora e a ré subsidiária») está prejudicado pelo facto de, no presente acórdão, se ter concluído que, nas relações internas entre a sociedade autora e a R. advogada, a responsabilidade pelo dano de perda de chance processual cabe à esfera jurídica desta última e não à da sociedade autora.

Já o conhecimento das duas primeiras questões («2.3.2 Da nulidade da cláusula de exclusão da garantia do seguro contida na nota anexa à apólice nº ...35» e «2.3.3 Da aplicabilidade da cláusula de limitação de segurado atuando ao abrigo de sociedade de advogados») corresponde, precisamente, a apreciar se a responsabilidade imputada à esfera jurídica da 2.ª R., AA, se encontra coberta pelo seguro da Interveniente Mapfre, S.A. e/ou pelo seguro da R. seguradora Generali, S.A..

Por fim, o conhecimento das duas últimas questões («2.3.5. Do cômputo do dano da perda de chance» e «2.3.6. Do termo inicial da contagem dos juros de mora».) não se encontra prejudicado pela resolução, pelo presente acórdão, da questão nuclear do pleito. A respeito de tais questões, importa esclarecer que a questão do cômputo do dano de perda de chance processual foi enunciada pela apelante Mapre, S.A. em termos («52. De modo que, sempre deveria o douto Tribunal a quo ter aplicado, sobre o aludido montante/”dano final” alcançado, a taxa/grau de probabilidade de sucesso da pretensão do BCP ver o seu recurso satisfeito (e/ou julgado mais favoravelmente à sua pretensão), não fosse a actuação omissiva que se imputa à aqui Autora, sociedade de advogados. 53. Sendo certo que, à falta de melhor critério, tem a jurisprudência actual considerado que, a probabilidade (quando séria e credível) a considerar, deverá ser, tendo por base critérios de equidade, fixada em 50%; 54. Algo que, in casu (e hipoteticamente), conduziria à fixação de um dano de perda de chance (presumivelmente) sofrido pelo Chamado BCP no montante de 27.846,48 (50% de 55.692,96€)») que não colocam em causa a existência de dano, mas apenas o seu montante.

De acordo com a orientação consolidada da jurisprudência deste Supremo Tribunal (ver, por todos, o teor da fundamentação, ainda que, nesta parte, sem efeito uniformizador, do AUJ n.º 11/15), perante a ressalva da parte final do art. 679.º do CPC, não é aplicável ao recurso de revista a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista no art. 665.º do CPC, não podendo este Supremo Tribunal apreciar, pela primeira vez, questões não apreciadas pelo tribunal a quo em virtude de tal conhecimento ter ficado prejudicado pela resolução de questões precedentes.

Forçoso é, assim, concluir que os autos terão de baixar, de novo, ao Tribunal da Relação para conhecimento das seguintes questões que não chegaram a ser apreciadas pelo acórdão recorrido, assim enunciadas: «2.3.2 Da nulidade da cláusula de exclusão da garantia do seguro contida na nota anexa à apólice nº ...35; 2.3.3 Da aplicabilidade da cláusula de limitação de segurado atuando ao abrigo de sociedade de advogados; (...) 2.3.5 Do cômputo do dano da perda de chance; 2.3.6 Do termo inicial da contagem dos juros de mora».


12. Cumpre esclarecer que, pelo presente acórdão (cfr. supra, ponto 10.2.), se imputa à esfera jurídica da 2.ª R. AA a responsabilidade pelo dano de perda de chance processual causado ao Interveniente BCP. Contudo, em virtude de não estar ainda determinado se tal responsabilidade se encontra coberta pelo seguro da R. Generalli, S.A. e/ou pelo seguro da Mapfre, S.A., nem tampouco estar determinado qual o regime de funcionamento dessa cobertura, a decisão condenatória apenas poderá ser concretizada após apreciação das questões tidas como prejudicadas no acórdão recorrido, tal como enunciadas na parte final do ponto 11. do presente acórdão.


13. Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se a decisão do acórdão recorrido, e, em sua substituição, decide-se:

a) Reconhecer a imputação à esfera jurídica da Ré AA da responsabilidade pelo dano de perda de chance processual causado ao Interveniente BCP, S.A. pela sua conduta omissiva;

b) Determinar a baixa do processo ao Tribunal da Relação para apreciar as questões tidas por prejudicadas no acórdão recorrido, de acordo com o enunciado no parágrafo final do ponto 11. supra, e, em decorrência disso, e à luz do referido no ponto 12. supra, decidir qual ou quais, de entre as Seguradores (Generali – Companhia de Seguros, S.A. e Mapfre Seguros, S.A.) e a Ré AA, deve ou devem ser condenadas, e a que título (se exclusiva, conjunta ou solidariamente, sendo o caso).

Custas na acção e nos recursos a final.


Lisboa, 22 de Junho de 2023


Maria da Graça Trigo (relatora)

Catarina Serra

Paulo Rijo Ferreira