Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
367/19.7T8VRL.G1-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
SUCUMBÊNCIA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 01/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Conformando-se os autores com o valor da indemnização fixada na sentença da 1.ª instância e vindo a proceder parcialmente a apelação interposta pelos réus, a medida da sucumbência dos autores, para se aferir da admissibilidade do recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores da indemnização arbitrados naquela sentença e no acórdão da Relação.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:

I.

AA. e BB. vêm reclamar para a conferência do despacho que indeferiu a reclamação que apresentaram nos termos do art. 643º do CPC.

O despacho reclamado é deste teor:

«AA. e BB. vieram reclamar, nos termos do art. 643º do CPC, do despacho que não admitiu o recurso de revista que os mesmos interpuseram do Acórdão da Relação ….. de 04.06.2020.

O despacho reclamado apresenta esta fundamentação:

"Recurso de revista ordinário:

Nos termos do disposto no art. 629º, n.º 1, do C. P. Civil, “o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.”

No que se refere à parte final deste preceito legal, António Abrantes Geraldes afirma que a solução pragmática da lei que privilegia o valor do processo em cujo âmbito foi proferida a decisão fica unicamente “reservada para os casos em que o regular funcionamento dos mecanismos processuais não permite quantificar o decaimento com razoável segurança. Trata-se, pois, de uma solução destinada a casos em que se verifique alguma dúvida objetiva que não possa ser sanada mediante o simples confronto entre o valor de referência (“metade da alçada”) e o resultado declarado na sentença ou no acórdão.”

Pois bem, a presente ação tem o valor de € 30.734,50, consubstanciado nos valores peticionados pelos autores sob a al. a) (€ 12.734,50 referente ao valor necessário para reparação dos danos causados pela 1ª ré no locado), al. c) (€ 17.500,00, correspondente à privação do uso do locado) e al. e) (€ 500,00 a título de danos morais).

Pelo tribunal de 1ª instância, foi proferida decisão em que, designadamente, decidiu-se:

a) Condenar solidariamente as rés FELIZ RECREIO – UNIPESSOAL, LDA. e CC. a pagarem aos autores AA. e BB., o montante de € 4.750,00 (quatro mil, setecentos e cinquenta euros), acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a citação e até integral e efectivo pagamento;

b) Condenar solidariamente as rés FELIZ RECREIO – UNIPESSOAL, LDA. e CC., a pagarem aos autores AA. e BB., o montante de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a data da prolação da presente sentença e até integral e efectivo pagamento;

c) Julgar improcedentes as demais pretensões aduzidas pelos autores AA. e BB. contra as rés FELIZ RECREIO – UNIPESSOAL, LDA. e CC., as quais se absolve em conformidade de tais pedidos; (…)

Por sua vez, do acórdão da Relação recorrido, poderá ler-se na sua parte dispositiva o seguinte:

“Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação (recurso principal) apresentada pelas rés, nos termos sobreditos, e, consequentemente, decide-se:

A.  Alterar a redação do n.º 9 dos factos provados nos termos acima consignados em A (impugnação da decisão sobre a matéria de facto).

B.  Condenar solidariamente as rés Feliz Recreio – Unipessoal, Lda. e CC. a pagarem aos autores AA. e BB., o montante de € 400,00 (quatrocentos euros), a título de indemnização pela reparação efetuada pelos autores dos danos referenciados em 14 e 15 dos factos provados, acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a citação e até integral e efetivo pagamento.

C.  Condenar solidariamente as rés a procederem, a expensas suas, no prazo de 60 dias, após trânsito em julgado da presente decisão, à reparação dos danos ainda evidenciados no locado, mais concretamente: danos no ar condicionado (salas 1 a 5, isolamento e polivalente); ii) estores danificados nas salas 2, 3 e 4; iii) colocação de saboneteira na casa de banho dos meninos; iv) e colocação de lingueta da fechadura da cozinha.

D.  Julgar improcedentes as demais pretensões aduzidas pelos autores contra as rés (cfr. als. c) a f) do pedido), deste modo se absolvendo as rés do demais peticionado.

Mais se decide em julgar improcedente o recurso subordinado apresentado pelos autores, mantendo-se, no restante, a sentença recorrida (cfr. als. d) a h) da decisão recorrida).

Realce-se que, neste recurso subordinado, as autoras pugnaram pela revogação da sentença recorrida na parte em que absolveu as rés das pretensões aduzidas pelos autores, substituindo-a por outra que determine a sua condenação, mantendo-se o demais decidido.

Ou seja, não foi posto em causa pelo recurso subordinado, designadamente a condenação das rés no pagamento de € 4.750,00 para reparação dos danos detetados no locado e de € 4.500,00, a título da privação do uso do locado, tendo os autores se conformado com tal decisão.

Ademais, conforme resulta das próprias alegações de recurso de revista, os autores recorrentes não põem em causa os valores condenatórios arbitrados pela 1ª instância, sendo certo que também já não o podiam fazer.

A ser assim, como é bom de ver, o somatório destes dois valores ascende tão somente ao montante de € 9.250,00, traduzindo-se este montante no valor máximo de sucumbência para os autores, resultante do acórdão da Relação.

De facto, conforme resulta do AUJ n.º 10/15, 14.05.20152 “Conformando-se uma parte com o valor da condenação na 1ª instância e procedendo parcial ou totalmente a apelação interposta pela outra parte, a medida da sucumbência da apelada, para efeitos de ulterior interposição de recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1ª instância e o acórdão da Relação.”

Por conseguinte, sendo tal valor da sucumbência inferior a metade da alçada da Relação, em face do disposto no art. 629º, n.º 1, do C. P. Civil, mostra-se legalmente inadmissível o recurso de revista apresentado pelos autores pela via normal, o que se decide.

Recurso de revista excecional:

Muito embora, os recorrentes façam alusão no seu requerimento de interposição de recurso ao disposto no art. 672º, n.º 1, als. a) e b), do C. P. Civil, não resulta das alegações de recurso de revista apresentadas, em que medida é que os recorrentes se pretendem fazerem-se valer dos fundamentos de revista, previstos em tais alíneas do n.º 1 do art. 672º, do C. P. Civil, sendo certo que para tanto estavam obrigados a fazê-lo, por força do disposto no art. 672º, n.º 2, do C. P. Civil, sob pena de rejeição da respetiva revista excecional.

Como tal, nada tendo neste particular, por força do disposto no art. 672º, n.º 2, do C. P. Civil, decide-se rejeitar o recurso interposto pelos autores como revista excecional".

Os recorrentes discordam desta decisão e, em síntese, concluíram nestes termos:

(…)

13. Assim, salvo o devido respeito, o Tribunal da Relação …….. não atendeu às pretensões dos recorrentes.

14. Pois, resulta do acórdão que ora se reclama que o fundamento da não admissão do recurso prende-se com o facto de "valor da sucumbência ser inferior a metade da alçada da Relação em face do disposto no nº 1 do art. 629° do CPC, logo,  por isso, não pode ser admitido o recurso'', ou seja, não se verídica o requisito da sucumbência.

15. Sucede que, salvo o devido respeito, o douto tribunal incorreu em errada interpretação dos factos.

16. Porquanto, salvo o devido respeito, entendem os recorrentes que, no caso, verifica-se o requisito da sucumbência, ou seja, a sucumbência dos Autores é superior a metade da alçada da Relação - ou seja, é superior a €15.000,00.

17. Os autores peticionaram na presente ação o montante global de € 30.734,50, consubstanciado nos valores peticionados pelos autores sob a alínea a) (€ 12.734,50 referente ao valor necessário para reparação dos danos causados pela 1 ré no locado) aliena c) (€ 17.500,00 correspondente à privação do uso do locado) e al. e) (€ 500,00 a título de danos morais).

18. Sendo que no dia 02.12.2019 foi proferida a seguinte sentença, decidindo o tribunal a quo:

iii)      Condenar solidariamente as Rés Feliz Recreio, Unipessoal, Lda. e CC. a pagar aos Autores AA. e BB. o montante de € 4.750,00 acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal contados desde a citação e até integral e efetivo pagamento.

iv)      Condenar solidariamente as Rés Feliz Recreio, Unipessoal, Lda. e CC. a pagar aos Autores AA. e BB. o montante de € 4.500,00 acrescidos de juros de mora, calculados desde a data da prolação da sentença e até integral e efetivo pagamento.

19. Atento que o montante peticionado pelos Autores foi de € 30.734,50 e apenas obtiveram provimento do montante de € 9.250,00, a sucumbência dos Autores, ou decaimento, foi de € 21.484,50.

20. Pelo que, verificados os pressupostos de admissibilidade de recurso, os Autores interpuseram recurso subordinado para o Douto Tribunal da Relação …… ao qual atribuíram o valor de €21.484,50 correspondente ao decaimento, em cumprimento do art.º 633.º n.° 1 do CPC, onde dispõe que " se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado".

21. O recurso subordinado foi admitido, tendo o douto Tribunal da Relação ….. vindo no dia 05.06.2020 proferir acórdão no qual decidiu julgar improcedente o recurso subordinado apresentado pelos autores, mantendo-se, no restante, a sentença recorrida (cfr. Als. d) ah) da decisão recorrida).

22. Pelo que, salvo melhor opinião, tendo o recurso subordinado interposto pelos Autores sido julgado improcedente, a sucumbência ou decaimento dos Autores foi de € 21.484,50.

23. Assim sendo, salvo o devido respeito, não podia ter sido rejeitada a admissão de recurso por parte do douto tribunal com fundamento em não se verificar a sucumbência, uma vez que, a sucumbência dos Autores é de € 21.484,50, ou seja, superior a metade da alçada do tribunal da Relação, e como tal, verifica-se o requisito da sucumbência para o recurso de revista ordinário interposto pelos recorrentes, da mesma forma que se verifica para o recurso de revista excecional.

24. Pelo exposto, não se conformam os Recorrentes com o despacho de não admissão de recurso de revista normal, entendendo que a mesma viola o disposto no artigo 671 º n.º 1 do CPC.

25. Entendem os aqui Recorrentes que a decisão que antecede e da qual se reclama padece de erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

26. Deverá, assim, a presente reclamação ser aceite, porquanto o Tribunal da Relação ….., incorreu em erro na qualificação jurídica dos factos e na determinação da norma aplicável, nomeadamente, em violação do art. 671º, nº 1, do CPC, uma vez que no entendimento dos Recorrentes, deve o recurso de revista por si interposto, ser admitido, uma vez que se encontram reunidos os pressupostos do art. 671º, nº 1 do CPC, mormente a sucumbência que corresponde ao fundamento de rejeição de recurso.

27. Assim, ao decidir pela não admissão do Recurso dos Recorrentes o Tribunal da Relação …… pecou por erro na interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço, nomeadamente pela violação do art. 672° do CPC.

28. Atento ao supra exposto, deve ser admitida a presente reclamação e consequentemente ser admitido o recurso de revista ao abrigo do artigo 671.º n.º 1 do CPC conforme supra explicitado.

Nestes termos, requer-se a V. Ex. que se digne admitir a presente reclamação nos termos expostos, conforme o disposto nos artigos 616°, n.º 2, alínea a), 641° n.º 6 e 643° nº 1 do CPC.

Os recorridos defendem que não deve ser admitido o recurso: em relação aos pedidos formulados pelos autores sob as als. a) a c), por não se verificar o requisito da sucumbência; no que toca aos demais pedidos, por existir dupla conforme, não tendo, todavia, os recorrentes, para interpor recurso de revista excepcional, dado cumprimento ao disposto no art. 672º, nº 2 do CPC.

Cumpre decidir.

A presente reclamação assenta numa lógica que, com todo o respeito, é tão só aparente, desconsiderando a regra da sucumbência e a autonomia dos pedidos formulados, que foram até objecto de recursos de apelação diferentes (principal e subordinado).

Com efeito, é evidente, parece-nos, que, relativamente ao pedido de indemnização, que foi objecto da apelação dos réus, julgada em parte procedente, o decaimento dos autores poderia atingir, no máximo, o montante de € 9.250,00, como foi referido no despacho reclamado, por se terem conformado com os montantes fixados na condenação decretada na 1ª instância.

Porém, vendo bem, não chega sequer a esse montante, uma vez que haveria que abater as quantias em que os réus foram ainda condenados pela Relação (€ 400,00 e restauração natural).

De todo o modo, mesmo que se atenda à referida quantia de € 9.250,00 (mais favorável, na perspectiva dos recorrentes, para efeitos de admissibilidade da revista), é manifesto que a mesma não satisfaz o requisito da sucumbência previsto no art. 629º, nº 1 do CPC, na interpretação acolhida no AUJ nº 10/2015, tendo em consideração que metade da alçada da Relação é € 15.000,00 (art. 44º, nº 1, da LOSJ).

Os reclamantes sustentam, porém, que o valor da sucumbência é de € 21.484,50, superior a tal valor de referência, e que, por isso, o recurso de revista deve ser admitido.

Mas não têm razão, como parece manifesto.

Com efeito, o decaimento dos autores, ora recorrentes, foi aquele que acima se referiu, respeitando aos pedidos de indemnização, com base nos quais foi fixado o valor da acção: a soma dos respectivos valores [€12.734,50 (reparação) + €17.500,00 (privação do uso) + € 500,00 (danos morais)] esgota o valor da acção (€ 30.734,50).

Assim, o valor do pedido de restituição de bens – foi este o objecto do recurso subordinado de apelação – não se reflectiu no valor fixado à acção.

Foi essa, aliás, a razão invocada pelos próprios recorrentes para a interposição desse recurso subordinado, aludindo a um decaimento de apenas € 1.428,00 (montante que não compreendemos, aliás), conformando-se com a decisão da 1ª instância de condenação apenas parcial dos réus (na mencionada quantia global de € 9.250,00).

O valor de € 21.484,50 corresponde, pois, a um decaimento que os recorrentes aceitaram ao interporem apenas recurso subordinado de apelação com objecto diferente.

Daí que se tenha por inaceitável e artificial o fundamento agora invocado pelos reclamantes; entender de forma diferente contenderia com a aludida jurisprudência uniformizada.

Poderia argumentar-se aqui que, não tendo o valor respeitante ao pedido de entrega de bens – como dissemos, objecto do recurso subordinado – sido reflectido no valor da acção, existiria fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, pelo que seria apenas atendível o valor da causa (parte final do nº 1 do art. 629º do CPC).

Nem assim, porém, o recurso poderia ser admitido.

É que, no referido âmbito, há dupla conformidade entre a decisão da 1ª instância e o acórdão recorrido, sendo a decisão deste unânime e assentando em idêntica fundamentação, o que impede o recurso de revista normal – art. 671º, nº 3, do CPC.

Deste modo, mesmo no referido entendimento, só poderia ser interposta revista excepcional, mas esta, no caso, não poderia ser admitida, uma vez que os recorrentes se limitaram a uma mera referência ao art. 672º, nº 1, als. a) e b), do CPC, sem qualquer concretização dos respectivos fundamentos, como é exigido no nº 2 dessa disposição legal.

Em face do exposto, indefiro a reclamação apresentada por AA. e BB..

Custas pelos reclamantes.

Notifique.»

Os reclamantes apresentaram conclusões, em parte, deste teor:

24. Concluiu-se na decisão singular, que sendo tal o valor da sucumbência, inferior a metade da alçada da Relação, em face do disposto no art. 629º n.º 1 do CPC, que se mostra legalmente inadmissível o recurso de revista apresentado pelos autores pela via normal.

25. Salvo o devido respeito, entende-se que a decisão singular incorreu, em erro de interpretação e aplicação e erro de determinação da noma aplicável, bem como, errada aplicação da lei de processo.

26. Pois, se por um lado, parece-nos claro, que os recorrentes não podiam, por impedimento legal do art. 633° n.º 1 do CPC, recorrer da parte em obtiveram vencimento, ou pelo menos vencimento parcial do pedido respeitante a parte decisória em que condenou as rés no pagamento de € 4.750,00 para a reparação dos danos detectados no locado e de € 4.500,00 a título de privação do uso do locado.

27. Pelo que, salvo melhor entendimento, não se trata de os autores se terem conformado com tal decisão, tratar-se-á, outrossim, de parcial procedência do pedido (de € 30.734,50).

28. Ora, salvo o devido respeito, a interpretação do art.º 633º n.º 1 do CPC deverá ser no sentido de o âmbito do recurso subordinado está balizado na parte em que ficou vencida e lhe foi desfavorável.

29. No modesto entendimento dos recorrentes, os autores obtiveram provimento parcial na acção na condenação das rés a pagarem aos autores as quantias de € 4.750,00 para a reparação dos danos detectados no locado e de € 4.500,00 a título de privação do uso do locado. 

30. Por sua vez, entende-se que a parte que foi desfavorável aos autores foi a parte decisória que, absolveu as rés das pretensões aduzidas pelos autores, substituindo-a por outra que determine a sua condenação.

31. Por outro lado, se na decisão singular se concluiu que nas próprias alegações de recurso de revista os autores recorrentes não põem em causa os valores condenatórios arbitrados pela 1ª instância - diga-se condenação das rés no pagamento de € 4.750,00 para a reparação dos danos detectados no locado e de € 4.500,00 a titulo de privação do uso do locado - então não faz sentido concluir depois o somatório dos dois valores que ascende ao valor de € 9.250,00 é a sucumbência para os autores e daí concluir pela não verificação do requisito da sucumbência para fundamentar a rejeição do recurso de revista.

32. Donde forçoso se toma de concluir que, o somatório dos dois valores no montante de € 9.250,00, não se pode traduzir no valor da sucumbência para os autores aferirem a admissibilidade do recurso de revista.

34. Pelo contrário, salvo melhor entendimento, o somatório dos dois valores no montante de € 9.250,00 que a rés foram condenadas a pagar aos autores em 1ª instância traduz-se no vencimento parcial do pedido inicial de € 30.734,50 e não em decaimento dos autores.

35. Sucede que, a decisão da 1 ª instância de condenar as rés a pagar aos autores o somatório dos € 9.250,00 foi revogada pelo Tribunal da Relação que substituiu por outra que apenas condenou as rés a pagar aos autores a quantia de € 400,00.

36. Donde resulta que afinal os autores, do pedido inicial de € 30.734,50 apenas obtiveram vencimento de € 400,00, logo o decaimento/sucumbência para os autores para efeitos de aferir da admissibilidade de recuso de revista é de € 30.334,50.

37. Donde resulta que, se verifica os requisitos de admissibilidade para o Recurso de Revista seja pela via normal, seja excepcional.

38. Salvo o devido respeito, a decisão singular da qual se reclama incorreu em erro de interpretação da norma do n.º 1 art. 633° do CPC e errada aplicação e interpretação da lei.

39. Além de que, os fundamentos invocados são ambíguos e contraditórios, e como tal padecem de nulidade, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 615°, além de que, a decisão singular se limita a fundamentar nos exactos termos em que fundamentou o despacho da Relação, que não admitiu o recurso de revista, verificando-se ainda nulidade da decisão por falta de fundamentação nos termos da al. b) do n.° 1 do art.º 615º do CPC.

40. Deverá, assim, a presente reclamação, a ser decidida em conferencia, ser aceite, porquanto, na decisão singular. incorreu em erro de interpretação da norma do n.° 1 do art.º 629° e do n.º 1 art,º 633° ambos do CPC.

41. Bem como, incorreu o Venerando Tribunal em errada aplicação e interpretação da lei e em nulidade, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 615°e ainda nulidade da decisão por falta de fundamentação nos termos da al. b) do nº 1 do art.º 615º do CPC.

42. Salvo o devido respeito, é entendimento dos Recorrentes, gue deve o recurso de revista por si interposto, ser admitido, uma vez que se encontram reunidos os pressupostos do art.º 671º n.º 1 do CPC, mormente a sucumbência que corresponde ao fundamento de rejeição de recurso.

43. Assim, ao decidir pela não admissão do Recurso dos Recorrentes a decisão singular pecou por erro na interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço, nomeadamente pela violação do disposto nos arts. 629º n.° 1, 633º, 671º, 672° do CPC.

44. Atento ao supra exposto, deve ser admitida a presente reclamação e consequentemente ser admitido o recurso de revista ao abrigo do artigo 671º nº 1 do CPC conforme supra explicitado.

Os recorridos pugnam pelo indeferimento da reclamação.

Cumpre decidir.

II.

Perante as precedentes conclusões, não parece difícil intuir que os reclamantes não compreenderam ou, simplesmente, desconsideraram o que se disse no despacho aqui reclamado e, bem assim, o decidido no AUJ do STJ 10/2015, aí invocado, no que respeita ao requisito da sucumbência, previsto no art. 629º, nº 1, do CPC.

Com o devido respeito, a confusão em que incorre a presente reclamação parece manifesta: os reclamantes aludem ao regime do art. 633º, nº 1, do CPC (sem que se perceba com que utilidade para este efeito), à parte do pedido em que obtiveram vencimento na 1ª instância, afirmando que o valor de €9.250,00 não traduz a sucumbência dos autores para efeitos de admissibilidade da revista, uma vez que, tendo a Relação revogado essa decisão e condenando os réus a pagar apenas €400,00, a sucumbência para o efeito é de €30.334,50 (30.734,50 – 400).

Não atendem assim, manifestamente, ao que se decidiu no citado AUJ (para além de alterarem a sua posição, já que na reclamação inicial afirmaram que a sucumbência era de €21.484,50, sendo que esta se refere, claramente, apenas à decisão da 1ª instância).

No entanto, não parece que o caso exija longas explanações, pois a questão pode explicar-se em termos bem simples e lineares.

Assim:

Os autores formularam na p.i., para além do mais, um pedido de indemnização de €30.734,50 e, bem assim, um pedido de restituição de bens móveis.

Na 1ª instância, o pedido de indemnização foi julgado parcialmente procedente, tendo os réus sido condenados no pagamento de € 9.250,00; o pedido de restituição foi julgado improcedente.

Os réus interpuseram recurso de apelação. Os autores conformaram-se com essa procedência parcial do pedido de indemnização e interpuseram apenas recurso subordinado quanto à improcedência do pedido de restituição.

Na Relação, na procedência parcial do recurso principal dos réus, a indemnização foi (simplificando) reduzida para a quantia de €400,00; a decisão de improcedência do pedido de restituição foi mantida.

Nesta situação, como resulta do aludido AUJ, a medida da sucumbência corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença da 1ª instância e no acórdão da Relação.

Logo, não há qualquer dúvida de que esse valor não é superior a €9.500,00 (dizemo-lo assim para simplificar – cfr. despacho aqui reclamado), valor este inferior a metade da alçada da Relação, que é impeditivo do recurso de revista.

No que respeita ao pedido de restituição, verifica-se, como também foi explicado, uma situação de dupla conformidade, também impeditiva da revista "normal" (art. 671º, nº 3, do CPC), nada mais havendo a acrescentar a este respeito, uma vez que a reclamação se limita agora à admissão do recurso de revista ao abrigo do art. 671º, nº 1, do CPC.

Resta dizer que – como decorre do que se expôs, que não introduz qualquer modificação ao que foi referido no despacho aqui reclamado – não existe qualquer ambiguidade ou contradição nos fundamentos deste despacho, assim como é patente que este, acima integralmente reproduzido, não enferma de qualquer falta ou até insuficiência de fundamentação.

Nem, como parece elementar, de qualquer erro.

Em conclusão:

Conformando-se os autores com o valor da indemnização fixada na sentença da 1ª instância e vindo a proceder parcialmente a apelação interposta pelos réus, a medida da sucumbência dos autores, para se aferir da admissibilidade do recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores da indemnização arbitrados naquela sentença e no acórdão da Relação.

III.

Em face do exposto, indefere-se a reclamação apresentada por AA. e BB., mantendo-se o despacho reclamado.

Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2021

F. Pinto de Almeida (Relator)

José Rainho

Graça Amaral

Tem voto de conformidade dos Exmos Adjuntos (art. 15ºA aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).