Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
274/17.8T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
CONCLUSÕES
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
PROVA TESTEMUNHAL
PROVA DOCUMENTAL
GRAVAÇÃO DA PROVA
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 12/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I - Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640º do CPC, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal.

II - Tendo a recorrente identificado, no corpo das alegações e nas conclusões, os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, identificando e transcrevendo parcialmente os depoimentos das testemunhas, em conjugação com a prova documental, que, no seu entender, impõem decisão diversa e retirando-se da leitura das alegações e conclusões, qual a decisão que deve ser proferida a esse propósito, mostra-se cumprido, à luz da orientação atrás referida, o ónus de impugnação previsto no artigo 640º do CPC.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 



I - RELATÓRIO 

AA e mulher BB intentaram acção com processo comum, contra Sondagens Luís Neves Unipessoal, Lda, e Açoreana Seguros, S.A., actualmente denominada Seguradoras Unidas, S.A, pedindo a condenação das rés a pagar-lhes:

a) o valor de € 68.680,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, a título de danos patrimoniais, pelos danos emergentes descritos e quantificados na petição inicial, provocados no prédio urbano de que são proprietários identificado no artigo 1.º da petição, na sequência e por causa da deficiente execução pela 1ª ré do furo de captação de águas;

b) o valor de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais;

c) os custos de reparação dos danos que vierem a produzir-se na habitação, em consequência da execução do furo de captação de águas e que não sendo imediatamente visíveis, venham a verificar-se mais tarde ou excedam o valor já quantificado, o que se relega para execução de sentença;

d) os juros legais vencidos entre a data da produção do facto danoso (24/02/2014) e a data da citação, e os vincendos até efetivo e integral pagamento.

Alegam, em resumo, que são proprietários do prédio urbano composto de casa de habitação com dois pisos, sita na Rua … nº …, lugar de …, descrita na Conservatória do Registo Predial de .... sob o n.º …..- ... . Em finais de 2013, tendo em vista a execução de um furo de captação de águas subterrâneas no seu prédio, contactaram a 1ª ré, a qual, tendo realizado o respetivo estudo hidrogeológico prévio, procedeu à elaboração do orçamento e, adjudicada a empreitada, a 1ª ré deu início aos trabalhos de execução do furo, os quais tiveram lugar entre 14 e 24 de Fevereiro de 2014, sendo que a selecção do lugar (que dista cerca de 2 metros em relação à moradia dos AA.), do método de perfuração, da profundidade a atingir e das formações geológicas a perfurar foram da exclusiva responsabilidade da 1ª ré.

Mais alegam que o método de perfuração consistiu na perfuração por “rotação com circulação directa” e que com a aplicação deste método apenas se logrou atingir a profundidade de 18 metros, pelo que decidiu a 1ª ré aplicar, a partir dessa profundidade, o método de perfuração por “rotopercussão”, tendo logrado atingir a profundidade de 60 metros. Nesse dia, no momento em que os operários regressaram do almoço, verificou-se a existência de um buraco de enormes dimensões sob a máquina, bem como o alagamento do furo aos 30 metros de profundidade, tendo sido necessário proceder-se ao enchimento do buraco com cerca de 9 metros de entulho. Alguns dias volvidos, viriam a aparecer as primeiras fissuras nas paredes dos anexos da moradia pertencente aos AA., bem como azulejos partidos. Imediatamente contactado o legal representante da 1ª ré, este dirigiu-se ao local, confirmou a existência dos aludidos danos materiais e reconheceu que os mesmos foram causados pela (deficiente) execução do furo. A reparação dos danos que o imóvel dos AA. apresenta só será possível após a estabilização dos solos com a injecção de calda de cimento, sob toda a área do imóvel dos AA., o que importa em € 48.820,00 (+ IVA) e, após, deverão ter lugar os trabalhos de reparação dos danos identificados nos artigos 32.º a 43.º da petição, no valor de € 19.860,00 (+ IVA).

Alegam, ainda, que a 1ª ré participou o sinistro à 2ª ré, com quem tinha celebrado contrato de seguro “Multirriscos Empresas” titulado pela Apólice n.º 34.0...01 e que a 2ª ré comunicou aos AA., a 02/11/2015, que não assumia qualquer responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos reclamados por estes.

Contestou a 1ª ré Sondagens Luís Neves Unipessoal, Lda, defendendo que a localização do sítio de perfuração foi imposta pelo autor AA, que a perfuração decorreu de forma regular, tendo sido salvaguardadas todas as normas de segurança e as regras de arte da especialidade e não foram por si efetuados quaisquer trabalhos para além da profundidade de 30 metros e que o legal representante da 1ª ré informou os AA. que iria reportar a situação à sua seguradora, não porque tenha reconhecido que os referidos danos tivessem sido causados pela execução do furo, mas porque, tendo transferido a responsabilidade para a 2ª ré, é a esta que compete peritar os sinistros e decidir da responsabilidade pela reparação de eventuais danos, mas que os danos que os AA. pretendem ver reparados se devem, não à execução do furo, mas sim ao facto de a habitação dos AA. ter sido construída sobre solo arenoso e instável, sem que tenham sido tomadas em conta, aquando da construção, essas variáveis.

A ré Seguradoras Unidas, S.A., contestou,  invocando que o contrato de seguro “Multirriscos Empresas”, titulado pela Apólice n.º 34....01, que celebrou com a 1ª ré Sondagens Luís Neves Unipessoal, Lda, garante apenas a responsabilidade civil extracontratual desta em relação aos sinistros ocorridos na sede da empresa.

Os autores responderam, dizendo que o contrato de seguro garante a responsabilidade profissional da Sondagens Luís Neves Unipessoal, Lda.

 Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“A) julgo a ação improcedente quanto à Ré Seguradora, que absolvo de todos os pedidos;

B) julgo a ação parcialmente procedente quanto à 1ª Ré Sondagens Luís Neves Unipessoal, L.da, em resultado disso:

a) condeno esta Ré a pagar aos AA., por danos patrimoniais, € 68.680,00, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, com juros de mora contados desde a citação, à taxa cível legal, até pagamento efetivo;

b) condeno a mesma Ré Sondagens Luís Neves Unipessoal, L.da, a pagar a cada um dos AA., por danos não patrimoniais € 3.000,00, com juros de mora a contar da data da prolação da sentença;

c) absolvo esta 1ª Ré de tudo o mais contra ela pedido.

Custas pelos AA. e Ré Sondagens, na proporção de vencido, que se fixa em 1/2.”.

A ré Sondagens apresentou recurso de apelação pugnando por que se revogue a sentença recorrida e se substitua por acórdão que julgue a acção totalmente improcedente.

A Relação, por acórdão de 14 de Julho de 2020, julgou a apelação improcedente e confirmou a decisão recorrida.

A ré Sondagens Luís Neves Unipessoal, Lda, interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

 I. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo tribunal a quo, o qual se absteve de conhecer da apelação apresentada pela ora recorrente, no que à impugnação da decisão sobre a matéria de facto diz respeito.


II. Segundo o tribunal a quo, a ora recorrente não deu cabal cumprimento ao ónus imposto pelos arts 640º1/b) e c) do CPC, nos termos em que a Relação o configura.

III. Salvo o devido respeito pelo tribunal a quo, o ónus aludido foi configurado de forma demasiado rígida e formalista, não se dando a devida atenção aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

IV. A tese segundo a qual é condição impreterível, no âmbito da impugnação da decisão da matéria de facto, que as conclusões de recurso levem formalizados os concretos pontos da matéria de facto impugnados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre aqueles e a enunciação da decisão diversa pretendida pelo recorrente, não recolhe apoio na letra da norma supra citada.

V. O artº 639º/1 do CPC, que impõe sobre o recorrente o ónus de alegar e de redigir as conclusões das suas alegações, indicando, sinteticamente, os fundamentos com base nos quais peticiona a revogação da decisão obtida em 1ª instância, ou a sua alteração, disciplina a estrutura do recurso, quer este verse sobre matéria de facto, quer sobre matéria de direito.

VI. A imposição, no nº 2 do mesmo artigo, de um particular ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão da matéria de direito, obrigando aquele a identificar as normas jurídicas violadas (a), o sentido em que estas deveriam ter sido interpretadas (b) e as normas cuja aplicação era implicada pelo caso concreto (c), caso tenha existido erro na determinação da norma aplicável, não significa que o art.639º do CPC se dirija, tão-só, às conclusões de apelação em matéria de direito.

VII. O referido nº 2 é tão só uma concretização do nº 1, pensada para o caso específico do recorrente que impugna a dimensão substantiva de uma decisão jurídica.

VIII. Pelo que, à excepção desse normativo, o artº 639º do CPC conforma procedimentalmente as conclusões de todos os recursos, quer eles versem questões relacionadas com a factualidade dada como provada e não provada, quer eles versem questões substantivas.

X. Por sua vez, o disposto no artº 640º do CPC dirige-se ao recurso da matéria de facto na sua globalidade, e não, como defende o tribunal ad quo, especificamente às conclusões de apelação.

X. Ou seja, o artº 640º, quando impõe, sobre o recorrente, o ónus de especificar os concretos pontos de facto impugnados (a), os meios probatórios que sustentam uma decisão diversa da recorrida (b) e o sentido alternativo da decisão a proferir sobre a factualidade impugnada (c), não o faz exigindo que tal ónus seja satisfeito especificamente no plano das conclusões.

XI. Exige-se, tão-só, para que se satisfaça a imposição em apreço, que das alegações de recurso e correspondentes conclusões, apreciadas na sua globalidade, conste aquela especificação, quer quanto aos concretos pontos de facto impugnados, quer quanto aos meios probatórios, quer quanto ao sentido da decisão a proferir sobre a matéria impugnada.

XII. Ademais, a decisão do tribunal recorrido, ao rejeitar as alegações da ora recorrente no segmento referido, viola frontalmente a consagração constitucional de um duplo grau de jurisdição, decorrente do artº 20º da CRP.

XIII. Nestes termos, deve o tribunal ad quem declarar a inconstitucionalidade dos arts  640º/1/2 e 639º do CPC, quando interpretados no sentido de deles se poder extrair um ónus formal a cargo do recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto, daí decorrendo a possibilidade de rejeição desse segmento do recurso, por violação frontal do artº 20º da CRP.

XIV. Além do supra referido, entendeu o tribunal a quo que, in casu, não haveria lugar ao despacho de aperfeiçoamento referido no artº  652º/1- a) do CPC, pois o mesmo incide, na tese daquele tribunal, apenas sobre as conclusões que versem sobre matéria de direito.

XV. Ora, salvo o devido respeito, o artº 652º/1- a) do CPC opera uma remissão para o artº 639º/3 do mesmo diploma normativo, pelo que, conforme explanado supra pela recorrente, dirige-se às conclusões na sua globalidade e não apenas àquelas que incidam sobre a matéria de direito.

XVI. Assim, como bem se compreende, o poder-dever, conferido aos tribunais superiores, de convidar o recorrente a aperfeiçoar as suas conclusões, é mobilizável que se trate do segmento conclusivo incidente sobre a matéria de facto, quer sobre a matéria de direito, pelo que haveria, in casu, lugar à prolação do dito despacho.

XVII. Pelo que, ainda que se aceitasse a existência do alegado ónus e o seu incumprimento pela recorrente, o que se não concede, sempre seria caso de, atento o acima referido, assim como os princípios do contraditório (artº 3º do CPC) e da cooperação (artº 7º do CPC), permitir à recorrente suprir as alegadas insuficiências formais.

XVIII. Por fim, diga-se que, ao contrário do sustentado pelo tribunal a quo, a recorrente efectivamente deu cumprimento pleno ao alegado ónus.

XIX. Uma análise atenta das alegações apresentadas pela recorrente, assim como das suas conclusões, bem demonstra que, quer numas, quer noutras, aquela procedeu à identificação dos concretos pontos de facto impugnados, indicando a cada passo os meios probatórios que sustentavam a impugnação daqueles, meios probatórios esses que analisou crítica e circunstanciadamente, concluindo com a decisão alternativa que daquela impugnação pretendia extrair.

XX. Neste conspecto, veja-se as alegações do presente recurso, maxime os pontos 52. a 80., onde a recorrente procede à demonstração cabal do cumprimento do alegado ónus, ora em crise e que novamente não se concede existir.

XXI. Diga-se, até, que a recorrente foi mais longe do que aquilo que a jurisprudência e doutrina dominantes exigem, pois não só especificou, nas suas conclusões, os concretos pontos de facto impugnados, como identificou ainda os meios probatórios que sustentavam aquela impugnação, quando aquelas se bastam com a indicação dos concretos pontos da matéria de facto que o apelante pretende ver contraditados.

XXII. E não se afirme que a recorrente não enunciou a decisão alternativa que sobre os pontos da matéria de facto impugnados pretende ver ser proferida, pois fê-lo claramente quando anuncia a sua impugnação.

XXIII. Impugnar significa “contrastar, atacar”, insurgir-se, pôr em causa ou pôr em crise.

XXIV. Quem se considere lesado ou prejudicado com uma dada decisão judicial ataca-a ou impugna-a por ela ser errada.

XXV. Impor sobre a recorrente a obrigação de enunciar esteticamente que pretende ver os factos impugnados dados como não provados será sempre um absurdo cuja admissibilidade é insustentável.

XXVI. Além do mais, as alegações e conclusões oferecidas pela ora recorrente permitem cristalinamente compreender o objecto do recurso por si apresentado, como bem demonstra o facto de o único recorrido que apresentou contra-alegações não ter suscitado qualquer questão relativa ao tema que ora nos ocupa.

XXVII. Não se pode afirmar, sequer, que a recorrente procedeu a um ataque generalizado e inconsequente sobre toda a matéria de facto, por simples inconformismo com a decisão obtida em 1ª instância, ou que tenha mobilizado o instrumento de recurso como simples expediente dilatório.

XXVIII. Ao invés, a recorrente procedeu a uma impugnação sustentada e circunstanciada daquela decisão, pelo que não subsistem razões para lhe seja denegada a sua pretensão de justiça.

XXIX. Ainda que se conceda a existência de um ónus formal a cargo do recorrente que impugna a matéria de facto, o que se não concede, não pode o mesmo ser exponenciado a um ponto tal que sirva de pretexto para recusar a apreciação da matéria de facto.

XXX. Assim, o recurso apresentado pela recorrente ao tribunal a quo deveria ter sido conhecido na sua totalidade.


Termina, pedindo que seja dado provimento ao recurso de revista, revogando o tribunal ad quem, in totum, o acórdão recorrido e, consequentemente, decretando o efectivo conhecimento da matéria de facto pelo tribunal a quo.

A parte contrária contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação do acórdão proferido quanto à rejeição do recurso de apelação, na parte alusiva à impugnação da decisão de facto (cfr. art.º 640.º, n.º 1, alíneas b) a c) do CPC).


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

A) Fundamentação de facto

Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:

1º - Na Conservatória do Registo Predial de ...., está descrito, sob o n.º …../… da freguesia de ...., o seguinte prédio:

Prédio urbano, sito na Rua Principal, n.º .., com a área coberta de 241 m2, descoberta de 139 m2, inscrito na matriz predial sob o artigo urbano n.º 2963-P, composto por casa de habitação de r/c e 1.º andar, jardim e logradouros – fls. 19 (A).

2º - Está inscrito, pela Ap. 34 de 2002/05/28, por compra, a favor de AA, casado com BB no regime de comunhão de adquiridos – fls. 19 (B).

3º - A ora 1ª ré Sondagens Neves Unipessoal, Lda, é titular do Alvará n.º .../.../……. com Licença para o Exercício da Atividades de Pesquisa, Captação e Montagem de Equipamentos de Extração de Água Subterrânea, emitido pela ARH Centro, IP, a 18/07/2011, tem o NIPC … e tem sede em Pólo Empresarial do ...., concelho da …– fls. 65/66 (C).

4º - Sondagens Neves Unipessoal, Lda, apresentou, a 18/01/2014, a pedido do autor AA, a proposta de orçamento constante de fls. 20/22, que se dá por reproduzido, designadamente quanto à profundidade do furo e técnicas a usar na perfuração, preço e modo de pagamento, o qual (orçamento) foi aceite pelo A. (D).

5º - A obra foi realizada, em Fevereiro de 2014, ao abrigo da Autorização de Utilização dos Recursos Hídricos – Pesquisa e Captação de Águas Subterrâneas, emitida pela APA, IP, constante de fls. 226/229 da qual era titular o ora A. AA (E).

6º - O método de perfuração escolhido pela 1ª ré consistiu na perfuração por “rotação com circulação directa”, método em que, por acção de uma bomba de alta pressão, as lamas são injectadas pelo interior da cabeça da sonda, saindo no fundo do furo por orifícios do trépano de roletes (triatleta), sendo que, de seguida, as lamas acendem pelo espaço compreendido entre a parede exterior das varas de perfuração e as paredes da sondagem, arrastando consigo os detritos da formação perfurada até à superfície (F).

7º- Com a aplicação deste método, apenas se logrou atingir a profundidade de 18 metros, pelo que decidiu a 1ª ré aplicar, a partir dessa profundidade, o método de perfuração por “rotopercussão” (ou percussão pneumática com martelo de fundo de furo) (G).

8º - O método de perfuração por “rotopercussão” é baseado numa acção principal de esmagamento e corte provocada por uma ferramenta accionada por ar comprimido, em que se pode combinar um pequeno movimento de rotação de um “bit” (broca) transmitido pelas hastes de perfuração e um movimento de percussão de elevada frequência e de pequeno curso, dado por um martelo de fundo de furo (H).

9º - Neste caso, o fluido de circulação é o próprio ar comprimido, produzido a partir de um compressor, que é transmitido pelo interior da coluna de perfuração, passando pelo martelo e “bit”, servindo também como fluido de limpeza (I).

10º - Sondagens Luís Neves Unipessoal, Lda, celebrou com a Açoreana Seguros, S.A., contrato de seguro “Multirriscos Empresas” titulado pela Apólice n.º 34.0...01, com início a 16/11/2012, renovável, o qual incluía “responsabilidade civil extracontratual – exploração” até ao montante de € 50.000,00 e responsabilidade civil extracontratual proprietário/arrendatário até ao montante de € 25.000,00, e uma franquia de € 75,00 – fls. 126/127 (J).

11º - Sondagens Luís Neves Unipessoal Lda, participou à Açoreana Seguros, S.A., a 11/03/2014, o seguinte sinistro:

“O segurado fez um trabalho «abrir furo de água» ao Senhor AA, agora o mesmo veio reclamar que os anexos estavam a rachar” – fls. 124/125 e 178/179 (K).

12º - A 1ª ré enviou ao ora autor marido a carta junta a fls. 25, datada de 11/03/2014, do seguinte teor: “Vimos por este meio informá-lo de que o processo na nossa seguradora, relativamente aos danos causados pela execução do furo de captação de água, já se encontra em andamento. A cópia da participação segue anexada a esta carta” (L).

13º - No seguimento da aludida participação, a 2ª ré fez deslocar um perito ao local, o qual procedeu ao levantamento fotográfico de todos os danos materiais visíveis, tendo ainda solicitado aos autores, alguns documentos para instrução do processo de sinistro (M).

14º - Algum tempo volvido sem obterem qualquer resposta por parte da seguradora 2ª ré, encetaram os autores contacto telefónico com aquela, tendo-lhe reportado o agravamento dos danos (N).

15º - A seguradora 2ª ré, de novo, fez deslocar o perito ao local no sentido de reavaliar a dimensão dos danos, tendo, nessa ocasião, sido constatada a existência de numerosas fissuras nas paredes dos anexos, r/chão e 1º andar do imóvel, mosaicos partidos e azulejos já desintegrados das paredes (O).

16º - A 2ª ré comunicou ao Ilustre Mandatário dos autores, a 02/11/2015, que não assumia qualquer responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos reclamados pelos autores (P).

17º - Os autores, através da sua advogada, enviaram à 1ª ré, as cartas juntas a fls. 82 e 86, datadas, respetivamente, de 13/01/2015 e de 20/01/2015, que aqui se dão por reproduzidas (Q).

18º - A 1ª ré respondeu com as cartas juntas a fls. 84 e 88, datadas, respetivamente, de 14/01/2015 e de 22/01/2015, que aqui se dão por reproduzidas (R).

19º - A selecção do local (a cerca de 2 metros de distância da moradia dos autores) e das formações geológicas a perfurar foram da responsabilidade da 1ª ré.

20º - Aquela escolha do local da perfuração teve anuência do autor marido, por o representante legal da 1ª ré ter garantido que, não obstante a proximidade do furo para a habitação e anexo, jamais daí resultariam quaisquer danos patrimoniais.

21º - Com a aplicação do método referido em 7º e 8º dos Factos Provados, logrou atingir-se a profundidade de, pelo menos, 30 metros.

22º - No dia em que foi atingida a profundidade máxima de, pelo menos, 30 metros, os operários verificaram, no momento em que regressavam do almoço, a existência de um buraco perto da máquina.

23º – E foi necessário proceder-se ao enchimento do buraco com cerca de 9 metros de entulho.

24º - Alguns dias volvidos, viriam a aparecer as primeiras fissuras nas paredes dos anexos da moradia pertencente aos autores, bem como azulejos partidos.

25º - Imediatamente contactado o legal representante da 1ª ré, este dirigiu-se ao local e confirmou a existência dos aludidos danos materiais nos anexos da moradia.

26º - A reparação dos danos que o imóvel dos autores apresenta, em consequência da deficiente execução do furo pela 1ª ré por não ter executado de forma correcta o método “rotopercussão”, só será possível após a estabilização dos solos.

27º - Sendo, para tanto, necessário proceder-se à injeção de calda de cimento, sob toda a área do imóvel dos autores.

28º – O custo destes trabalhos é de, pelo menos, € 48.820,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.

29º - Uma vez estabilizados os solos com recurso à injecção de calda de cimento, deverão ter lugar os seguintes trabalhos de reparação dos danos causados pela deficiente abertura do furo, que importam em, pelo menos, € 19.860,00, acrescido do IVA à taxa legal em vigor:

a) remoção do cimentado do terraço com uma área de 46 m2;

b) reconstrução do cimentado do terraço com a colocação de ferro aramado, malha e sol e betão;

c) reparação da cozinha com a demolição de uma parte da parede frontal e posteriormente a reconstrução desta com a aplicação de um pilar e parede em tijolo;

d) Reboco das paredes danificadas, com aplicação de azulejo até ao teto na zona de intervenção;

e) pintura em toda a zona da intervenção;

f) reparação de uma porta de entrada em alumínio;

g) reparação de todas as fendas do hall, incluindo pintura;

h) remoção de todas as loiças da casa de banho;

i) demolição de duas paredes da casa de banho e posterior reconstrução em tijolo e reboco das mesmas;

j) aplicação de azulejos até ao teto em toda a casa de banho, incluindo a aplicação de mosaico;

k) aplicação das loiças existente (não danificadas);

l) reparação das fendas de dois quartos, que consistirá em emassar, lixar e pintar;

30º - Com o aparecimento dos primeiros danos e incessante agravamento dos mesmos, mergulharam os autores num estado de permanente angústia, ansiedade, desespero e aflição.

31º - Os autores são pessoas humildes, que vivem dos parcos rendimentos do seu trabalho, ele motorista e a auferir um vencimento mensal de €700,00, ela costureira e a auferir o salário mínimo nacional.

32º - Viviam felizes com a filha na casa de habitação que foram construindo pouco a pouco com as economias que iam amealhando, fruto de uma vida de trabalho.

33º - A casa, que antes lhes proporcionava o conforto do lar, tornou-se numa fonte de problemas, com perda de comodidade e habitabilidade, em consequência das fissuras, brechas e fendas, que apresentam as paredes, tetos, azulejos e mosaicos, o que inviabiliza a utilização plena do imóvel.

34º - Os autores perderam a anterior alegria de viver na casa que orgulhosamente haviam construído com uma vida de trabalho, e sentem-se tristes, abatidos, deprimidos e completamente desanimados.

35º - A obra foi efetuada através do método “rotação com circulação direta” por se tratar de um terreno com pouca firmeza e consistência.

36º - A partir dos 18 metros de profundidade, tendo-se intersectado material mais consolidado e firme, procedeu-se à perfuração pelo método de “rotopercussão” até, pelo menos, aos 30 metros.

37º - A Apólice n.º 34....01 que titula o contrato de seguro “Multirriscos Empresas” celebrado entre a 1ª ré e a (ora) Seguradoras Unidas, S.A., garante apenas a responsabilidade civil extracontratual desta em relação aos sinistros ocorridos na sede da empresa.

38º - O terreno em que foi construída a habitação dos autores é arenoso.

39º - Aquando da realização dos trabalhos, o terreno situado ao lado da máquina que efectuou o furo cedeu.

40º - Os trabalhos foram interrompidos no dia 24 de fevereiro de 2014, sem conclusão do furo artesiano.

41º - Foi aplicado pela ré um tubo no furo.


B) Fundamentação de direito 

A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, consiste em saber se foi correctamente rejeitado o recurso de apelação quanto à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, por incumprimento dos ónus a cargo da recorrente e impostos pelo artigo 640º nº 1 alíneas b) e c) do Código de Processo Civil.

O acórdão da Relação de 14.07.2020 (fls 532  569), decidiu que:

“Analisadas as conclusões de recurso bem como o corpo alegatório e no seguimento do que se referiu, constata-se a omissão pela recorrente do cumprimento dos ónus estatuídos nas als b) e c), do nº1 do art. 640º, designadamente do ónus primário de indicação da decisão a proferir, a que respeita esta alínea, pelo que se impõe rejeitar o recurso da matéria de facto interposto pelos autores apelantes, nesta parte.

Assim, por falta de observância integral do disposto nas alíneas b) e c), do nº1, do art. 640º, do CPC, nos termos supra expostos, rejeita-se o recurso, na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto, nenhuma alteração havendo a fazer à decisão da matéria de facto, pois que se não impõe decisão diversa, antes a matéria de facto se mostra devidamente decidida e se mantem”.

O nº 4 do Sumário do acórdão da Relação está assim redigido:

A possibilidade de reapreciação da matéria de facto, com vista a, com mais um grau de jurisdição, serem supridos erros de julgamento e, assim, melhor alcançados os fins a que o Estado se propõe - certeza e segurança jurídicas, com decisões mais justas que levam a maior equidade e paz social -, de mãos dadas anda com a necessidade sentida pelo legislador de impor ao recorrente, no exercício do meio ao seu dispor, o cumprimento de rigorosas regras (v. nº1 e 2, a), do art. 640º, do CPC) para evitar excessos, com autenticas repetições de julgamentos por inconformismo, pois que apenas quis consagrar a possibilidade de revisão de concretas, especificadas e justificadas questões de facto relativamente às quais haja entendimento fundamentado, com, especificada (nunca genérica) análise crítica e contextualizada, no sentido da existência do erro de julgamento, por se impor a indicada e especificada decisão diversa (nº1, do art. 662º, do CPC). Não cumpre os referidos ónus da impugnação da decisão da matéria de facto, consagrados no referido nº1, do art. 640º, com a, inerente, consequência da imediata rejeição do recurso, nessa parte, a recorrente que se limita a impugnar em termos latos, genéricos e em bloco sem fazer concreta, especificada e contextualizada análise crítica das provas que impõem decisão diversa de cada questão e sem indicar, também, concreta e especificadamente, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as concretas questões de facto impugnadas”.


A ré, recorrente, Sondagens Luís Neves Unipessoal, Lda, alegou que “formalizou, tanto no corpo das alegações por si oferecidas, como nas conclusões que destas extraiu, os pontos da matéria de facto que entendeu terem sido alvo de um erro de julgamento, não podendo, assim, subsistir a decisão que relativamente a eles o Tribunal de 1ª instância consagrou, indicando, desenvolvidamente nas alegações e sintetizando nas conclusões, os meios probatórios que sustentam a pretensão da Apelante e deduzindo, daí, a decisão que se impunha tomar sobre aqueles mesmos pontos, numa decorrência natural da impugnação e análise crítica da prova produzida levada a cabo”.


Cumpre decidir

Relativamente à reapreciação do acórdão recorrido na parte em que rejeitou o recurso de apelação respeitante à decisão da matéria de facto com fundamento no incumprimento do ónus de impugnação do artigo 640º do CPC, importa recordar o teor deste preceito legal:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”


O acórdão do STJ de 06.06.02018[1] decidiu que:

“Ora, mais recentemente, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tornou-se mais flexível e mais maleável, no que respeita ao cumprimento dos mencionados ónus, principalmente em relação aos de natureza essencialmente formal ou secundária, como é o caso da especificação exata dos pontos da gravação [artigo 640º, n.º 2, alínea a)].

Com efeito, tem vindo a consolidar-se a jurisprudência que acentua a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências formais, constantes do artigo 640º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Há, pois, que fazer uma interpretação desta norma mais consentânea com as exigências dos princípios da proporcionalidade e da adequação.

 Sobre estes ónus e sobre as consequências do seu não cumprimento total ou parcial, no acórdão proferido, em 29.10.2015, no Processo n.º 233/09.4TVNG.G1.S1, consta o seguinte:

1. “Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta atualmente do n.º 1, do artigo 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exata das passagens da gravação relevantes (e que consta atualmente do artigo 640º, n.º 2, alínea a), do CPC).

2. “Este ónus de indicação exata” das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da ata, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento, complemente tal indicação […] com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso.”

Ainda no mesmo acórdão refere-se que, “na interpretação da norma que consagra este ónus de indicação exata a cargo do recorrente que impugna prova gravada, não pode deixar de se ter em consideração a filosofia subjacente ao atual CPC, acentuando a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências puramente formais, carecidos de uma interpretação funcionalmente adequada e compaginável com as exigências resultantes do princípio da proporcionalidade e da adequação - evitando que deficiências ou irregularidades puramente adjetivas impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais.

[…]

Por outro lado, esta ideia base, segundo a qual não deve adotar-se uma interpretação rígida e desproporcionadamente exigente de ónus ou cominações de natureza essencialmente formal ou secundária – devendo adotar-se interpretação conciliável com as exigências de um princípio fundamental de proporcionalidade e adequação – vem encontrando acolhimento claro na jurisprudência recente deste Supremo, nomeadamente a propósito do grau de exigência e intensidade do ónus do recorrente que presentemente nos ocupa.”

Ora, compulsado o recurso de apelação (fls 460 a 511, máxime fls 461 a 491 das alegações e ainda nas conclusões), verifica-se que a recorrente, tanto nas alegações cumpriu o ónus atinente às alíneas a) b) e c) do nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil.

Indicou expressamente os concretos pontos de facto que considerou incorretamente julgados (fls 461 vº a 462 vº), pelo que se mostra satisfeita a exigência da alínea a).

Vejamos se o mesmo acontece quanto ao cumprimento das exigências das alíneas b) e c) do artigo 640º.

Quanto a esse factos a recorrente indicou os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, e da alegação consta o sentido da decisão que, no entender da apelante, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas

Relativamente aos factos provados nºs 4 e 5, a recorrente e apelante indicou prova documental e testemunhal, procedendo à transcrição parcial dos depoimentos e indicou o sentido da decisão (fls 462 vº a 463 vº e Conclusões II a VII).

Quanto aos factos provados 19 e 20 e facto não provado da alínea e[2]), aconteceu o mesmo, concluindo a apelante que devem ser dados como não provados aqueles factos 19 e 20 e como provada a mencionada alínea e) (fls 463 vº a 465 e Conclusões VIII a XIV).

E o mesmo se diga relativamente aos factos provados 22, 23 e 39 que, no entender da apelante, deveriam ter sido dados como não provados, indicando e transcrevendo parcialmente depoimentos de testemunhas (fls 465 a 467 e Conclusões XV a XXIII).

De igual modo, quanto aos factos provados 26, 27, 28, 29, 33, 35, 36, 38, 40 e 41 e alínea g)[3] dos factos não provados.

No entender da apelante, aqueles factos provados devem merecer resposta negativa, enquanto a mencionada alínea g) deve ser considerada como provada (Cfr prova testemunhal transcrita de fls 467 a 476 vº e Conclusões XXIV a LXXIV).

Finalmente e no que ao contrato de seguro diz respeito, o tribunal deu como provados os factos 10, 11, 15, 16 e 37.

Alega a apelante que os factos provados 10, 11, 15 e 16 não suscitam dúvidas porque constam do próprio documento.

Já quanto ao facto 37 e no tocante à sua fundamentação, não andou bem o tribunal a quo no que ao alcance e interpretação de tal clausulado diz respeito.

Entende que o facto provado 37 deve ser considerado como não provado (Cfr prova testemunhal transcrita de fls 482 a 491 e Conclusões CXIV a CLXX).

Podemos, pois, concluir que a apelante deu cumprimento às exigências das alíneas b) e c) do artigo 640º do Código de Processo Civil.

SUMÁRIO

(i). Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640º do CPC, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal.

(ii). Tendo a recorrente identificado, no corpo das alegações e nas conclusões, os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, identificando e transcrevendo parcialmente os depoimentos das testemunhas, em conjugação com a prova documental, que, no seu entender, impõem decisão diversa e retirando-se da leitura das alegações e conclusões, qual a decisão que deve ser proferida a esse propósito, mostra-se cumprido, à luz da orientação atrás referida, o ónus de impugnação previsto no artigo 640º do CPC.


III - DECISÃO

Atento o exposto, julga-se procedente o recurso, revogando-se o acórdão recorrido, e determina-se o conhecimento do recurso de apelação, tanto no que se refere à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, como ao pedido de reapreciação da decisão de direito.

Custas pelos recorridos.


Lisboa, 10 de Dezembro de 2020


Ilídio Sacarrão Martins (Relator) (Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 20/20, de 01 de Maio, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade).

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Ferreira Lopes

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[1] Procº nº 1474/16.3T8CLD.C1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[2] A redacção da alínea e) dos factos não provados é a seguinte:
“O local de perfuração – desse factor dependem as formações geológicas a perfurar – foi imposto pelo A. AA”.
[3] A alínea g) dos factos não provados está assim redigida:
“A perfuração decorreu de forma regular, tendo sido salvaguardadas todas as normas de segurança e as regras de arte da especialidade”.