Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | FÁTIMA GOMES | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL ACIDENTE DE VIAÇÃO TRANSPORTE COLECTIVO ATROPELAMENTO PEÃO CULPA DANO CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL RESPONSABILIDADE PELO RISCO RESPONSABILIDADE CONTRATUAL CONTRATO DE TRANSPORTE | ||
Data do Acordão: | 03/19/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA EM PARTE | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO. DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS. | ||
Doutrina: | - MARIA DA GRAÇA TRIGO, Reflexões acerca da concorrência entre risco e culpa do lesado na responsabilidade por acidente de viação, Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo Lobo Xavier, Vol. II, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, p. 485 e ss.; - RAUL GUICHARD, Comentário do Código Civil. Direito das Obrigações, UCE, lisboa, 2018, p. 405, 415 e 416. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 674.º, N.º 3 E 682.º, N.º 2. CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 503.º E 505.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 17-05-2012, PROCESSO N.º 1272/04.7TBGDM.P1.S1; - DE 01-06-2017, PROCESSO N.º 1112/15.1T8VCT.G1.S1; - DE 11-01-2018, TODOS IN WWW.DGSI.PT. | ||
Sumário : | I – A responsabilidade pelo acidente que se traduziu no atropelamento da perna esquerda da autora por veículo de transporte público (onde havia sido transportada), no momento em que este reiniciou a marcha e aquela se encontrava no passeio e caiu, na consideração de (i) a autora ser maior e imputável e (ii) ter a qualidade de peão, (iii) não ter havido violação de normas de circulação estradal pela autora ou pelo condutor, (iv) e de o condutor ter ilidido a presunção de culpa decorrente da relação de comissão, deve ser “imputado” (no sentido de por ela causado) à autora e resolvido pelo disposto no art. 505.º do CC. II – O facto de o acidente ter sido causado por um acto involuntário da autora não exclui a responsabilidade do detentor efectivo do veículo pelos riscos próprios do mesmo e da seguradora para quem a responsabilidade fora transferida – art. 503.º, n.º 1 do CC. III – A prova de que o acidente não foi causado por conduta gravemente culposa da lesada arreda a hipótese de excluir ou reduzir a indemnização fundada no regime da responsabilidade objectiva. IV – A responsabilidade do condutor do autocarro por violação do contrato de transporte soçobra por a autora não ter logrado demonstrar todos os respectivos pressupostos, nomeadamente o facto ilícito e a culpa. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. AA intentou a presente acção declarativa de condenação, emergente de acidente de viação, com processo comum, contra “BB, S.A.”, CC e COMPANHIA DE SEGUROS “DD.” (que entretanto alterou a denominação da firma para “EE, S.A.”) pedindo a condenação solidária destes a pagar-lhe a indemnização global líquida de € 511.894,67, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da propositura da acção até efectivo e integral pagamento, bem como a indemnização que vier a ser liquidada em decisão ulterior a título de danos futuros. Alegou, para tal, ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais nesse montante, na sequência de acidente de viação de que foi vítima, por atropelamento do veículo automóvel pesado de transporte público (colectivo) de passageiros propriedade da 1ª. Ré, conduzido pelo 2º Réu e segurado na 3ª. Ré, cuja responsabilidade imputa ao condutor deste último. Acrescentou que seguia nesse veículo como passageira transportada, tendo celebrado com a 1ª. Ré um contrato de transporte. A 3ª. Ré foi a primeira a contestar, nos termos constantes de fls. 378 e 379 do processo físico, impugnando a factualidade alegada pela Autora, respeitante nomeadamente à dinâmica do acidente e os danos invocados e considerando exagerados os montantes indemnizatórios peticionados. Conclui, pedindo que a acção seja julgada de acordo com a prova produzida. Os 1º e 2º Réus também contestaram (fls. 384 a 390 do processo físico), excepcionando em primeiro lugar a sua ilegitimidade passiva e impugnando, de igual forma, os factos alegados na petição inicial, defendendo que o acidente se terá ficado a dever a um provável desequilíbrio da Autora coincidente com o reinício da marcha do veículo. Impugnaram, ainda, os danos invocados e os montantes peticionados a título indemnizatório. Terminaram, pedindo a procedência da excepção e a improcedência da acção. A Autora respondeu (fls. 404 a 419 do processo físico), impugnando os novos factos alegados pelos Réus nas respectivas contestações e deduziu incidente de intervenção principal de “FF, LDA.”. Admitida a intervenção por despacho de 11-02-2016 (fls. 492 do processo físico), a interveniente veio em 17-03-2016 (fls. 496) declarar aderir ao teor dos articulados apresentados pela 1ª. Ré. Por despacho de 03-05-2016 (fls. 527 do processo físico) foi ordenada a apensação aos presentes autos da acção de processo comum n.°354/16.7T8BCL, que corria termos na instância local de ..., versando sobre o mesmo acidente em discussão nos presentes autos e onde o “HOSPITAL GG, S.A.” formulou pedido de reembolso contra a aqui 3ª. Ré, no valor de € 12.942,03, acrescido de juros vincendos à taxa de 4%, sobre € 11.722,49. Procedeu-se a uma audiência prévia (cfr. acta de 15-06-2016, a fls. 537 a 541 do processo físico), no decurso da qual foi elaborado despacho saneador, onde foi negado provimento à excepção de ilegitimidade deduzida pelos 1º e 2º réus. Seguidamente, procedeu-se à fixação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova. Efectuado o julgamento foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Por tudo o exposto, decide-se julgar parcialmente procedentes ambas as acções e, em consequência: - condenar a Ré “EE, S.A.” e a interveniente “FF, LDA.” a pagar à Autora AA a quantia global de € 167.918,36, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a citação até integral pagamento; - condenar a Ré “EE, S.A.” e a interveniente “FF, LDA.” a pagar à Autora AA a quantia que vier a ser liquidada referente ao custo da aquisição da cadeira de rodas, das canadianas, do calçado ortopédico e dos tratamentos de Medicina Física de Reabilitação já despendido pela Autora, quantia essa acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a notificação para a respectiva liquidação até integral pagamento; - condenar a Ré “EE, S.A.” e a interveniente “FF, LDA.” a pagar à Autora AA a quantia que vier a ser liquidada referente ao valor a despender pela Autora com a substituição das canadianas, com o calçado ortopédico, com os tratamentos de Medicina Física de Reabilitação (duas vezes por ano) e com a medicação analgésica e anti-inflamatória e protector gástrico, quantia essa acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a notificação para a respectiva liquidação até integral pagamento; - condenar a Ré “EE, S.A.” a pagar ao “HOSPITAL GG, S.A.” a quantia de € 11.722,49, acrescida de juros à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a citação até integral pagamento;; - absolver a Ré “EE, S.A.” e a interveniente “FF, LDA.” do restante pedido (por ambos os Autores, no tocante à Ré “EE, S.A.”); - absolver os Réus “BB, S.A.” e CC de todo o pedido”. I – Da nulidade do acórdão – art. 615º, nº 1 a) CPC 3. A menção aposta no final do texto do acórdão, na qual se lê “Tem voto de conformidade da Exma. Desembargadora Sra. Dra. Maria da Conceição Bucho, que não assina por não se encontrar presente.”, não é idónea a afastar ou sanar a nulidade ora invocada. II – Da nulidade do acórdão – art. 615º, nº 1, e) do CPC 5. Dos pontos 41º até 47º das suas conclusões, decorre literalmente que a Recorrente, através da alteração da matéria de facto que requer, não recorre para que seja absolvida em virtude da sua desresponsabilização pelo acidente, mas antes para ver reduzida a indemnização a cujo pagamento foi condenada em primeira instância. 6. No entanto, a decisão recorrida absolveu a dita Recorrente, julgando-a parte não responsável pelo acidente e consequente ressarcimento dos danos, donde resulta manifesta e inconciliável divergência entre o que é objecto do recurso da Interveniente FF e o seu julgamento pelo Tribunal a quo. 7. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, o que fere a decisão impugnada com o vício de nulidade, por força do disposto no art. 615º, nº 1, e) do CPC – nulidade essa que expressamente se argui – ou, sem conceder, sempre tal configurará fundamento do presente recurso por ocorrer manifesta violação da lei processual pelo Tribunal a quo, decidindo em contravenção com o disposto nos artigos 608º, 635º e 639, nº 1 do CPC. III – Da nulidade do acórdão – art. 615º, nº 1, e) do CPC 9. Jamais a Recorrente – ou qualquer outra demandada - equacionou a exclusão da sua responsabilidade pelo risco, estando a mesma implicitamente assumida (quer nas contestações, quer no recurso). 10. Ao apreciar a questão da exclusão da responsabilidade pelo risco, o Tribunal conheceu de questão nova, de que não podia tomar conhecimento, incorrendo assim na nulidade prevista pelo art. 615º, nº 1, d) do CPC – ou, no mínimo, fundamento do presente recurso por ocorrer manifesta violação da lei processual pelo Tribunal a quo, decidindo em contravenção com o disposto nos artigos 608º, 635º e 639, nº 1 do CPC. 11. Veja-se o decidido em caso similar (ac. STJ de 4-7-1995) a este propóstio (excerto transcrito em alegações). IV – Da errónea extensão do efeito do recurso da “FF” à comparte “EE” Sem conceder: V – O erro na apreciação das provas e fixação dos factos materiais Vejamos: - não soube esclarecer como ocorreu o acidente, diz que não viu como o mesmo aconteceu, e que não viu a Autora escorregar, dizendo até que era de noite e o tempo estava chuvoso, o que dificultou a sua visibilidade através do espelho retrovisor exterior traseiro. fr. Gravação de 7.11.2017, 10:22:03), 10:42:23, 12:00; - chega a colocar a hipótese (alegada pela Autora e que se presume) de a Autora ter ficado presa – cfr. Gravação de 7.11.2017, 10:42:23) - resume todo o seu depoimento a afirmar: que viu a Autora já no passeio; que se ela estivesse presa entre portas, o autocarro não arrancaria, por força do mecanismo de segurança de que o veículo se encontra dotado. Todavia, e sem conceder: VI – A responsabilidade que já deriva da factualidade assente da Relação A CULPA a) contrato de transporte – presunção legal 57. Entre a Autora e a Interveniente foi celebrado um contrato de transporte público de passageiros – factos 1 a 5. 58. O não cumprimento da obrigação de conduzir o passageiro incólume ao seu destino determina a responsabilidade contratual do transportador pela reparação dos danos sofridos (art. 798º do Cód. Civil). 59. A culpa pelo incumprimento do contrato de transporte presume-se do transportador – art. 799º do Cód. Civil. 60. Estava a Interveniente onerada com o encargo de alegação (e subsequente demonstração) da imputação do acidente (e do consequente dano) a causas estranhas à sua esfera jurídica, como o caso fortuito, o de força maior, acto do lesado ou de terceiro. 61. À Autora competia tão só alegar, e provar, como alegou e provou: a existência do contrato de transporte; o facto ilícito (atropelamento); e o dano. 62. É a Interveniente que tem de alegar e provar factos novos que: demonstrem que actuou no integral cumprimento dos deveres que lhe estavam impostos (entre os quais o zelo, a diligência, a vigilância e o cuidado) e que mesmo assim o acidente se produziu; a Autora foi a única exclusiva culpada pela produção do acidente – o que não logrou fazer. 63. Isto porque: 64. Não se provou que o condutor efectivo do veículo LH tenha iniciado a sua marcha apenas depois de se certificar, visualmente (através de espelhos retrovisores ou outro meios) ou de outro modo ao seu alcance, que ao iniciar tal marcha não colocava em perigo a integridade física de terceiros. Não se provou que o condutor do veículo tenha visualizado toda a extensão lateral do autocarro essa medida de segurança antes do reinício da marcha, de modo a certificar-se que os passageiros acabados de apear já tinham saído e estavam a uma distância mínima de segurança relativamente ao veículo. 65. Não se provou que o autocarro estivesse dotado de espelhos e outras medidas e expedientes de segurança aptos a assegurar ao seu condutor que, no exacto momento do reinício da marcha do veículo após cada paragem e saída de passageiros, não se encontra nenhum passageiro acabado de apear em situação de perigo. 66. Não se provou que os espelhos retrovisores do autocarro disponíveis ao condutor permitiam visibilidade sobre toda a parte lateral do veículo, incluindo a zona junto à porta de saída de trás. 67. Não se provou que o espelho retrovisor exterior direito estava em condições de limpidez e nitidez que permitisse essa visualização. 68. Ficou também por provar que o condutor (2º Réu) se certificou que todos os passageiros peões – incluindo a Autora, idosa – saíram e foram entregues à via pública em segurança – segurança essa que inclui, necessariamente, a ausência de qualquer queda logo após a descida do peão do autocarro e acesso ao passeio público. 69. Era forçoso provar quanto tempo mediou entre a saída da Autora para o exterior e o arranque do autocarro, e a eventual distância (ou falta dela) percorrida pela Autora assim que colocou ambos os pés no passeio. 70. Não se provou que a Autora se tenha apeado em segurança, mas apenas que chegou “ao passeio” – o que não é a mesma coisa. 71. E supondo mesmo que a Autora tenha efectivamente escorregado, não era difícil ao motorista, através do espelho retrovisor exterior, ter visto que a Autora estava numa posição em que o autocarro poderia passar por cima das suas pernas. 72. Certo é que o acidente ocorreu. 73. POR OUTRO LADO, 74. Não ficou provado qualquer facto apto a imputar a culpa ao peão (Autora) pela ocorrência do acidente e consequente produção dos danos. 75. Não se provou que o peão tenha adoptado qualquer comportamento temerário, descuidado, imprudente ou contrário às normas do Código da Estrada, ou tenha tido actuação pessoalmente censurável ou reprovável. 76. Não se provou que a Autora tenha praticado, com culpa, qualquer facto causal e contributivo para a eclosão do sinistro. 77. A mera menção a uma “queda” devida a um “desequilíbrio” não cumprem, manifestamente, tal desiderato. 78. Não se provou em que circunstâncias concretas se deu a queda e desequilíbrio da Autora. 79. Isto porque a expressão contida no facto y) - “A queda da Autora deveu-se a um desequilíbrio (...)” não é suficiente para que o Tribunal possa imputar esse desequilíbrio a acto ou omissão da Autora – e, bem assim, imputar-lhe exclusivamente esse desequilíbrio – e muito menos valorá-la como pessoalmente censurável e assim atribuir-lhe um juízo da culpa. 80. Não se provou em que circunstâncias concretas a queda da Autora levou a que a sua perna esquerda tenha sido atingida pela roda traseira do veículo envolvido no acidente. 81. Não se provou de que modo é que a Autora, na eventualidade de ter caído no passeio, possa ter visto colocada a sua perna esquerda na faixa de rodagem, debaixo do autocarro, na direcção do sentido de marcha do veículo de molde a que a roda do mesmo a tenha atingido – mesmo na eventualidade de que esse ponto de contacto tenha ocorrido dentro da faixa de rodagem. 82. Sem prova da culpa do lesado, a presunção de culpa da interveniente permanece inabalada. 83. É indubitável que o acidente que sofreu a Autora decorreu causalmente do risco que para si implicou ser transportada naquele autocarro em concreto, nomeadamente ao momento da sua saída. 84. Existe uma margem mínima de distância entre o veículo prestes a arrancar e os peões acabados de apear que tem de ser verificada e mostrar-se salvaguardada pelo condutor antes de dar reinício à marcha do veículo potencialmente perigoso que conduz. 85. Porque a proximidade que a Autora tinha relativamente ao autocarro, proximidade essa que era de tal grau que a mera queda sua a deixou com a perna debaixo do autocarro, deriva causalmente do facto de ter sido transportada por aquele autocarro em concreto e por dele se ter acabado de apear, 86. Essa proximidade é absolutamente consequencial do transporte e causal do acidente, E deveria ter sido tomada em conta por parte do condutor, e só uma vez debelado esse factor de risco (a proximidade), e salvaguardada uma distância mínima entre todos os passageiros acabados de apear e o veículo, deveria o condutor ter reiniciado a sua marcha. 87. Se houve uma queda de um passageiro que acabara de apear-se, e ainda por cima uma perna sua, de forma não apurada, acabou colocada (supostamente) na faixa de rodagem, é sinal forçoso e evidente do seguintes factos: - o tempo decorrido entre a paragem do autocarro e o reinício da sua marcha foi escasso, tendo o condutor rearrancado sem ter em conta o tempo adicional de que passageiros mais idosos e portanto de marcha lenta e possivelmente claudicante necessitam para: a) chegarem a colocar ambos os pés na via pública; E b) estabilizarem o equilíbrio do seu corpo após a descida; E c) darem os passos suficientes para se afastarem do veículo de forma a alcançar uma distância de segurança que prevenisse que uma eventual queda não os colocaria prostrados na faixa de rodagem e sujeitos a ser colhidos pelo reinício da marcha do autocarro; 88. - O condutor do autocarro não efectuou, visualmente, a verificação de que todos os passageiros recém-apeados se encontravam já a distância suficiente do veículo e de modo a que o acto de recolocar em marcha do mesmo não os poria em perigo, mesmo na eventualidade de um deles sofrer uma queda súbita e imprevista;- OU, se o condutor fez a verificação descrita no ponto anterior, ignorou ou conformou-se com esse perigo, arrancando assim mesmo. 89. Mas mesmo que não houvesse factualidade apta a dar o condutor como culpado, a não imputação de culpa do condutor questão não se confunde com a desresponsabilização dos seus agentes, para efeitos da responsabilidade contratual. 90. A Interveniente não podia ignorar as condições da estação de paragem de autocarros em concreto, nem as circunstâncias em que os passageiros, sobretudo idosos – recorde-se que a Autora tinha 73 anos à data dos factos – fazem o apeamento de autocarros, de forma bastas vezes lenta e periclitante, propícia ao desequilíbrio, atenta a diferença de altura entre o veículo e o solo e as dificuldades de locomoção inerentes à idade avançada – factos esses que são notórios. 91. O feixe de obrigações contratuais do transportador, incluindo os devers acessórios supra referidos, não se esgotam e acham integralmente cumpridos com o facto material de um passageiro se encontrar no exterior do veículo e em cima do passeio da via pública. 92. A interpretação do contrato de transporte no sentido de que o mesmo se esgota no instante em que um passageiro acaba de colocar o segundo pé na via pública leva a uma visão mecanicista e desconforme à realidade e à finalidade das normas legais que o regulam. 93. A Interveniente deveria ter previsto que, naquela paragem, tornar-se-ia aconselhável, para a segurança dos passageiros acabados de apear, que o reinício da marcha do autocarro fosse efectuado com visibilidade para toda a extensão lateral do autocarro, principalmente as zonas das portas traseiras que ficam junto ao respectivo rodado, e não meramente do interior do autocarro, sem essa visibilidade. 94. Veja-se a este propósito o Ac. STJ 31-1-2012, excertos transcritos em alegações. 95. Há um dever de cuidado ostensivamente omitido, quer pelo condutor e 2º Réu, quer pela Interveniente que, enquanto sua entidade patronal, lhe deveria ter facultado formação específica e instruções de segurança suficientes para evitar tal omissão. 96. Culpa da Interveniente “enquanto empresa, ou seja, organização de factores produtivos com auto-regulamentação do respectivo funcionamento.” 97. O caos dos autos espelha uma evindete violação da “cláusula tácita e implícita de incolumidade que, visando a segurança do passageiro, vincula o transportador a prevenir e evitar danos na integridade pessoal e patrimonial deste quer durante a viagem propriamente dita, quer no período de tempo compreendido entre o momento em que o passageiro se confina à área da Estação ou apeadeiro para a viagem e o momento em que, chegado ao destino, deixa essa área” - ac. do STJ de 31.1.2012. 98. A Interveniente não formou os seus condutores no sentido de temporizar o rearranque e aguardando por uma distância mínima entre veículo e passageiros; e ainda dotando os veículos de meios físicos (como retrovisores plenamente funcionais) aptos a permitirem essa cautela. 99. A Interveniente incorreu em violação contratual positiva, por inobservância de deveres acessórios mas integrados no feixe obrigacional que para si decorria do contrato de transporte, como sendo os de protecção, de consideração e de cuidado com a pessoa transportada. 100. Verifica-se o cumprimento defeituoso do contrato, imputável à Interveniente e a correspondente obrigação de indemnizar. 101. O acórdão recorrido é completamente omisso quanto à questão da responsabilidade contratual da Interveniente e da presunção legal que daí lhe advém e tão pouco se a mesma e em que termos foi a mesma eficazmente afastada pela materialidade concreta dos factos que dá como assentes. 102. Tudo quanto vem de alegar-se quanto aos factos provados e àqueles que ficaram por provar aplica-se também ás demais presunçoes de culpa, dando-se por reproduzida nesta parte a sua alegação. b) A relação de comissão c) A sentença penal condenatória d) A responsabilidade civil-extracontratual O RISCO 118. A prova dos factos supra discriminados e que não resultaram provados (a maior parte dos quais nem sequer alegados pelas partes demandadas) era requisito sine qua non para fazer operar a exclusão prevista pelo artigo 505º do Cód. Civil. 119. Os factos 9, x) e y), lidos e interpretados na sua globalidade, não estão dotados de substrato factual que afaste a conclusão de que os danos se produziram por força dos riscos próprios do veículo interveniente no sinistro (acidente), e de modo algum podem ser subsumidos ao regime do artigo 505º do Código Civil, assim excluindo a imputação de responsabilidade objectiva, independente de culpa, que emerge para o condutor efectivo de veículo de circulação terrestre, nos termos do artigo 503º do mesmo diploma. 120. O dano corporal da Autora é adequado e proveniente dos riscos próprios do veículo em circulação: um autocarro, pesando várias toneladas, propulsionado por motor de combustão, que posto em circulação passa por cima e esmaga parte do corpo da Autora. 121. A factualidade assente também não é suficiente para concluir pela existência, sequer, de um facto da Autora (qualquer acção ou omissão) – mesmo que não culposo – que possa excluir a culpa do lesante, nem a sua responsabilidade pelo risco, porque a “queda” provinda do “desequilíbrio” se deu em circunstâncias não apuradas. 122. Nenhum facto permite imputar à Autora uma conduta ou um acto material de descuido ou de falta de prudência exigida pela circulação. 123. Ocorrendo, maxime, o acidente em circunstâncias não apuradas, subsiste e tem de subsistir sempre a culpa presumida, e o risco. 124. Mostra-se quase impensável a concepção de que um acidente em que, mesmo sem culpa do condutor, um autocarro passe por cima, esmagando, a perna de passageiro idoso acabado de se apear, não se se enquadre como um risco próprio do veículo, assim se lhe negando qualquer direito de indemnização. 125. Mesmo que se entenda rompido o nexo causal que levaria à responsabilização pelo risco, nem assim inexiste a obrigação de indemnizar, atenta a aplicação que deve fazer-se ao caso concreto do concurso entre o risco dos veículos de circulação terrestre e, por exemplo, a conduta – não necessariamente culposa – imputável ao lesado. 126. Trata-se de questão que o Tribunal a quo nem sequer equacionou, embora amplamente admitido e discutido na nossa jurisprudência: cfr. ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 29-5-2012; 127. E mesmo que – e sem conceder – houvesse factualidade apta a considerar a Autora como exclusiva culpada pelo acidente nos autos, ainda assim não é de excluir a responsabilidade pelo risco assacável ao detentor da condução – mas antes se impõe a ponderação de uma distribuição dessa mesma responsabilidade. 128. Uma jurisprudência moderna, progressista e esclarecida tem vindo a reforçar, de forma quase irrestrita, a protecção e a garantia de ressarcimento dos lesados em acidentes de viação, mais ainda quando os mesmos, sendo peões, se encontram numa situação de tal desigualdade na distribuição do risco em relação aos veículo motorizados, no que diz respeito à circulação de uns e outros. 129. Mais uma vez, trata-se de questão que o Tribunal a quo nem sequer equacionou, embora amplamente admitido e discutido na nossa jurisprudência: cfr. ac. do Supremo Tribunal, datado de 11-1-2018; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/10/2007, proferido no âmbito do Processo n.°1710; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/06/2012, proferido no âmbito do Processo n.°100/10.9YFLSB; 130. “não é compatível - com o direito comunitário - uma interpretação do art. 505.° do CC da qual resulte que a simples culpa ou mera contribuição do lesado para a consecução do dano exclua a responsabilidade pelo risco, prevista no art. 503.° do CC.”: Acórdão deste Supremo Tribunal, de 01/06/2017; 131. “não pode, neste entendimento, excluir-se à partida que qualquer grau de culpa do lesado (nomeadamente do utente das vias públicas mais vulnerável) no despoletar do acidente, independentemente da gravidade do facto culposo e do grau da sua efectiva contribuição para o sinistro, deva, sem mais, excluir automaticamente a responsabilidade decorrente, no plano objectivo, dos riscos próprios da circulação do veículo” - idem. 132. No caso dos autos, mesmo havendo (sem conceder) alguma contribuição da Autora para a eclosão do acidente, ela está longe de se considerar suficientemente gravosa e censurável para que, à luz de uma leitura actualista deste regime de responsabilidade, se permita aniquilar em absoluto a responsabilidade pelo risco da circulação do veículo e assim arredar o reconhecimento de um direito da Autora a ser indemnizada. 133. Pois que só nos casos extremos (nos antípodas do factualismo dos autos) em que um peão age de forma particularmente gravosa, imprudente e temerária perante o trânsito estradal, se pondera a hipótese de exclusão absoluta do direito indemnizatório. 134. A solução encontrada pelo Tribunal da Relação, ao não arbitrar qualquer indemnização, deixa a Autora num estado de desamparo e desprotecção, face aos gravíssimos danos e alteração de vida que sofreu com o acidente, de um grau absolutamente chocante. 135. Por tudo quanto segue alegado, e além das demais identificadas no douto suprimento, o acórdão recorrido violou e interpretou erradamente o disposto nas seguintes normas legais: artigos 349º, 350º, nº 2, 351º, 358º, 371º, 376º, 399º, 483º, 487º, 500º, 503º, 505º, 570º, 798º e 799º do Cód. Civil; artigos 608º, 615º, nº 1 , al. a), b) d) e e), 623º, 634º, 635º, 639º, 655º e 666º; art. 187º nº 2 do Regulamento dos Transportes Automóveis. 136. Pelo que deve ser o acórdão recorrido revogado na estrita conformidade com as presentes conclusões. Termos em que, não obstante o douto suprimento do Tribunal ad quem, deve dar-se integral provimento ao presente recurso, julgando-o integralmente procedente, dando por violadas as normas jurídicas supra invocadas, dadas por verificadas as nulidades supra suscitadas, E, em consequência deve o acórdão recorrido ser integralmente revogado, em conformidade e rigorosamente de acordo com conclusões supra formuladas – mantendo-se, no limite, o doutamente decidido em primeira a instância. Pelo que assim fará inteira JUSTIÇA.” 3. A Ré, EE Portugal, SA, contra-alegou, considerando que a A. não tinha razão nos fundamentos invocados, mas não recorreu subordinadamente, nem requereu a ampliação da revista quanto aos fundamentos em que ficou vencida na apelação. 4. A interveniente FF, Lda, também contra-alegou e requereu a ampliação do objecto do recurso, a título subsidiário, nos termos do art.º 636.º CPC, apresentando 30 conclusões (fls. 989 e ss), nos seguintes termos conclusivos (transcrição): “i. A sentença recorrida violou o disposto no artigo 513º do Código Civil, na medida em que determinou a condenação solidária da Recorrente e da 3ª Ré seguradora à revelia do disposto no citado preceito em matéria de fontes de solidariedade; Depois, ii. A sentença recorrida violou o disposto no contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, na medida em que considerou que os danos que pudessem resultar para os passageiros se encontram excluídos do seu âmbito de cobertura tendo por base o instituto da responsabilidade civil contratual; iii. O contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado entre a Recorrente e a 3ª Ré seguradora abrange quer os danos decorrentes de responsabilidade civil contratual, quer os danos decorrentes de responsabilidade civil extracontratual; iv. Os danos reclamados pela Recorrida são exactamente os mesmos, não se verificando qualquer distinção em razão da natureza das responsabilidades; v. A aplicação da decisão vertida na sentença de fls. sempre determinaria para a Recorrente, na qualidade de sociedade transportadora de passageiros, a obrigação de suportar custos com o pagamento de indemnizações para ressarcimento de danos cuja responsabilidade se encontra devidamente transferida por via do contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatória; vi. E, a manutenção de tal decisão sempre teria ainda como consequência a impossibilidade de previsão, por parte da Recorrente, da responsabilidade no ressarcimento de danos cuja responsabilidade se encontra transferida pela mera circunstância de tal ser feito depender de acto de vontade do sinistrado. Nesta conformidade, caso seja julgado procedente o recurso de revista interposto pela Autora, e revogado o Acórdão recorrido, deve ser admitida a presente ampliação do recurso, e consequentemente, deve ser alterado o quantum indemnizatório conforme supra requerido e absolvida a Interveniente FF Lda. do pedido contra si formulado. Termos em que se formulam as seguintes CONCLUSÕES (quanto à ampliação do âmbito do recurso ora requerida): 1. Entende a Recorrida não merecer provimento o recurso interposto pela Recorrente, devendo manter-se o Acórdão recorrido. 2. Não obstante, sem prescindir, mas por mera cautela, caso venha a proceder o recurso apresentado pela Recorrente e com ele seja revogado o Acórdão recorrido, impõe-se a apreciação das seguintes questões: – Da redução quantum indemnizatório - Da ausência de responsabilidade da Interveniente 3. O que se requer a este Supremo Tribunal de Justiça. 4. É manifestamente, excessivo e desproporcionado o quantum indemnizatório fixado na sentença recorrida, impondo-se, nessa medida, a correspondente redução, o que se requer. 5. Pois que, a sentença recorrida atribuiu à Autora indemnização a título de ajuda de terceira pessoa durante três semanas, após o seu regresso a casa na sequência do período de hospitalização.”
5. Vêm provados os seguintes factos, após alteração efectuada pelo Tribunal da Relação, com aditamento e supressão (a negrito): 1. No dia 22 de Janeiro de 2013, pelas 17H50, o Réu CC conduzia o veículo pesado de passageiros de matrícula 35...-LH-..., no exercício das suas funções de motorista de veículos automóveis pesados de transporte colectivo público de passageiros, ao serviço e sob as ordens e instruções da interveniente “FF – ... Ldª.”, dentro do seu horário de trabalho e em itinerário previamente determinado por esta. 2. O LH era, naquela data, propriedade da 1ª. Ré “BB, S.A.”, que se dedica com fins lucrativos, à actividade de exploração de uma empresa de transporte público colectivo de passageiros. 3. O LH efectuava a carreira de serviço público entre a cidade de ... e a freguesia de São Julião do Freixo, concelho de Ponte de Lima, a qual se encontrava concessionada à interveniente, que utilizava o referido veículo para a actividade de transporte público de passageiros por força de um acordo de exploração conjunta celebrado com a 1ª. Ré. 4. A interveniente organizou aquele serviço de transporte público e deu ao 2º Réu as ordens e instruções necessárias à sua execução. 5. No interior do referido veículo seguia a Autora, como passageira transportada, a qual adquiriu e pagou à interveniente o preço do bilhete de viagem correspondente ao percurso efectuado naquela qualidade. 6. Ao quilómetro 48,5 da Estrada Municipal n.° 306, na freguesia de Galegos Santa Maria, concelho de ..., no sentido ...-São Julião de Freixo, o 2º Réu imobilizou o LH na metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido, perto do passeio destinado ao trânsito de peões situado do mesmo lado da referida via. 7. A Autora percorreu a distância desde o banco em que seguia sentada até à porta do autocarro que se encontra situada mais junto à retaguarda, do lado direito do LH, de modo a sair para a via pública. 8. (eliminado) 9. Quando a Autora se encontrava já fora da viatura, caiu ao chão, tendo o pneu do LH colocado junto à dita porta traseira, passado por cima da perna esquerda da Autora. 10. Como consequência directa e necessária da queda e atropelamento, a Autora sofreu as seguintes lesões: fractura da bacia, com desvio, envolvendo ramos isquiopúbicos, bilateralmente e vertente direita do sacro; fractura exposta de grau III dos ossos da perna com desluvamento e luxação de Chopart do pé esquerdo; rotura extraperitoneal da bexiga com hematoma extraperitoneal. 11. Como sequelas ficou a padecer de: marcha claudicante, com recurso a ajudas técnicas de duas canadianas; sequelas de fractura da bacia com desvio envolvendo os ramos ilio-isquio púbicos de forma bilateral bem como da vertente direita do sacro. Rigidez moderada; distrofia grave da perna e pé com deformação cicatricial desde o terço médio da perna até os dedos do pé; sequelas de luxação de Chopar e anquilose da articulação tibio-társica em posição desfavorável (pé equino varo acentuado); encurtamento do membro de 4 cm a menos que o lado contra lateral; hipotrofia muscular da perna com 18 cm lado esquerdo e 25 cm lado direito; hipotrofia muscular ligeira da coxa; cicatrizes hipocrómicas resultantes de enxerto na face anterior da coxa com dimensões de 12x29 e 7x6cm. 12. A Autora foi transportada, na ambulância do INEM para o Hospital de ..., onde foi recebida no Serviço de Urgência do Hospital de ... e onde lhe foram prestados os primeiros socorros. 13. Foram-lhe, aí, efectuados exames radiológicos, lavagens cirúrgicas, desinfecções, curativos e pensos às feridas, escoriações e ao esfacelo da perna sofridos. 15. Ao longo do período de tempo de internamento, a Autora manteve-se, permanentemente, retida no leito, sempre deitada na mesma posição, de costas, sem se poder virar, na cama. 16. Tomou todas as suas refeições no leito, que lhe foram servidas por uma terceira pessoa e fez as suas necessidades no leito, com o auxílio de uma arrastadeira, que lhe eram servidas por uma terceira pessoa. 17. No Hospital de ..., a Autora foi submetida a uma intervenção cirúrgica, para correcção do esfacelo da perna esquerda, consubstanciada em osteotaxia, com fixadores externos AO+ e redução da luxação de Chopart, com fios de K, na admissão. 18. Como preparativo dessa intervenção cirúrgica, a Autora fez a análises clínicas e foi-lhe ministrada uma anestesia geral. 19. No Hospital de ..., a Autora foi, também, sujeita a mais duas intervenções cirúrgicas, por cirurgia plástica, consubstanciadas em desbridamento e filastia, com enxerto, em 20 de Fevereiro de 2013 e em 6 de Março de 2013. 20. Como preparativo dessas duas operações plásticas, a Autora fez análises clínicas e foram-lhe ministradas duas anestesias gerais. 21. No dia 2 de Abril de 2013, a Autora foi submetida a uma quarta (4ª.) intervenção cirúrgica, no Hospital de ..., consubstanciada ma extracção dos fixadores externos, de K, limpeza e desbriamento cirúrgico, à perna esquerda. 22. Como preparativo dessa intervenção cirúrgica, a Autora fez análises clínicas e foi submetida a uma anestesia geral. 23. No hospital de ..., a Autora foi diariamente medicada com analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos e soro. 24. Perdeu, permanentemente, sangue, com abundância, pelo que foi sujeita a catorze transfusões de sangue. 25. No Hospital de ..., a Autora foi submetida a tratamento de Medicina Física de Reabilitação. 26. Após a alta do Hospital de ... foi transferida para a rede nacional de cuidados continuados (Santa Casa da Misericórdia X), onde permaneceu internada até 16 de Agosto de 2013 e onde também foi submetida a tratamento diário de Medicina Física de Reabilitação. 27. Na Unidade de Cuidados Continuados de Riba de Ave, a Autora, ora se mantinha retida no leito, ora se deslocava de cadeira rodas. 28. No dia 18 de Agosto de 2013, a Autora obteve alta na Unidade de Cuidados Continuados de Riba de Ave. 29. De regresso à sua casa de habitação, a Autora permaneceu e deslocou-se numa cadeira de rodas até ao fim do mês de Maio de 2014, altura em que passou a caminhar, com o auxílio de canadianas. 30. A Autora tem necessidade permanente e para o resto da vida de uso de canadianas, como auxiliar de locomoção, de calçado ortopédico e ortóteses de silicone para os dedos do pé esquerdo. 31. A Autora necessita de ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas; tratamentos médicos regulares; ajudas técnicas; ajuda de terceira pessoa. 32. Após a sua alta da Unidade de Cuidados Continuados de ... e o seu regresso à sua casa de habitação, a Autora continuou a frequentar tratamento de Medicina Física de Reabilitação todos os dias durante sete meses e, depois, três vezes por semana, durante um período dois meses seguidos, na Santa Casa da Misericórdia B. 33. A Autora necessita de frequentar tratamento de Medicina Física de Reabilitação para o resto da sua vida, duas vezes por ano. 34. A Autora necessita de medicação analgésica e anti-inflamatória e protector gástrico para o resto da sua vida. 35. A Autora sofreu dores muito intensas, nomeadamente, ao nível da sua anca/bacia, do membro inferior esquerdo, da perna esquerda e do pé esquerdo, dores essas que continuam a afectar a Autora a partir dessa data e vão continuar a afectá-la ao longo de toda a sua vida. 36. A Autora deixou de poder participar em eventos que impliquem manter-se de pé e que impliquem a marcha, deixou de poder executar as tarefas de doméstica, na sua casa de habitação, apresenta dificuldade para correr, para se ajoelhar, para passar da posição de decúbito e deambular, para subir e ao descer escadas, para entrar para o interior de um veículo automóvel e para utilizar as carreiras dos transportes públicos. 37. A consolidação médico-legal das lesões sofridas pela Autora ocorreu em 23-04-2014. 38. Como consequência directa e necessária do acidente, a Autora ficou afectada de défice funcional temporário total durante 207 dias e parcial durante 250 dias. 39. Sofreu um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 19 pontos. 40. Sofreu um quantum doloris de grau 5 (numa escala de 1 a 7), um dano estético de grau 4 (também numa escala de 1 a 7) e um grau de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de 2 (ainda na mesma escala de 1 a 7). 41. A Autora nasceu no dia ... de 1940. 42. A Autora era uma mulher saudável, ágil, dinâmica, forte e robusta e não apresentava lesões e sequelas sem relação com o evento. 43. Fazia caminhadas, na companhia de amigos e familiares, confeccionava as refeições para o seu agregado familiar e trabalhava no sector da agricultura, no cultivo de terrenos próprios. 44. Devido ao acidente ficou impossibilitada de exercer estas actividades. 45. As sequelas de que ficou a padecer causam-lhe um profundo desgosto. 46. A Autora, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, exercia a dupla actividade de doméstica e de agricultora. 47. No desempenho da sua actividade de agricultora, a Autora, na companhia do seu marido, agricultava dois terrenos de cultivo e cultivava, colhia e produzia produtos hortícolas, frutas e vinho para consumo próprio e do seu agregado familiar. 48. Criava, também, animais domésticos, igualmente para consumo próprio e do seu agregado familiar. 49. Como consequência directa e necessária do acidente e das sequelas dele resultantes, a Autora necessitou de adquirir uma cadeira de rodas, canadianas e calçado ortopédico. 50. Como consequência directa e necessária do acidente e das sequelas dele resultantes, a Autora necessitou de adaptar o rés-do-chão da sua casa de habitação, por forma a conferir-lhe condições de habitabilidade adequadas às sequelas de que ficou a padecer após a alta clínica mencionada em 28º e 29º, pois deixou de poder subir escadas para aceder ao 1º andar da mesma habitação, onde antes vivia. 51. Para o efeito realizou obras no referido rés-do-chão, com o que despendeu: custo de materiais de construção (tela, soalho e tubos para equipar a casa de banho adequada às necessidades da Autora) 419,00 €; execução de uma casa de banho completa (tijoleira, pintura e mão-de-obra) 3.225,06 €; um conjunto de móveis de cozinha 2.460,00 €; custo do granito para os móveis de cozinha 601,63 €; 1 exaustor de cozinha 130,00 €; 1 placa de indução 359,00 €; 1 forno eléctrico de cozinha 560,00 €; 1 frigorífico 435,00 €; 1 roupeiro 300,00 €; 1 sofá de dois (2) lugares 300,00 €; 1 colchão de base articulada 1.990,40 €; 1 sistema de aquecimento central 7.138,27 €. 52. (eliminado). 53. A responsabilidade civil emergente de danos decorrentes da circulação do veículo LH encontrava-se transferida a para a 3ª. Ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., em vigor à data aludida em 1º. 54. Como consequência directa e necessária das lesões resultantes do acidente, o Autor Hospital de ... prestou serviços médicos à Autora ... entre 22-01-2013 e 10-12-2014 no valor global de € 11.722,49. 55. “A Recorrida recebeu por parte da Segurança Social, uma quantia (€:50,00/ mensais), a título de auxílio de terceira pessoa”. x) Quando o 2º Réu retomou a marcha do LH já a Autora se encontrava totalmente no exterior do veículo e em cima do passeio na via pública. y) A queda da Autora deveu-se a um desequilíbrio coincidente com o reinício da marcha do LH.
6. Não resultaram provados os seguintes factos, tal como alterados pelo Tribunal da Relação (a negrito): a) Um dos percursos efectuados pelos veículos automóveis pesados de transporte público de passageiros da 1ª. Ré “RODOVIÁRIA …” é a carreira diária, correspondente à ..., entre a cidade de ... e a freguesia de .... b) O CC … era, como é, ainda, empregado da 1ª. Ré, para a qual desempenhava, como desempenha, ainda, a profissão de motorista de veículos automóveis pesados de transporte colectivo público de passageiros. c) Na altura da ocorrência do acidente de trânsito, o CC …conduzia o LH, em cumprimento de ordens e instruções que a 1ª. Ré lhe havia, previamente transmitido. d) Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, o CC … conduzia, assim, o veículo automóvel pesado de transporte público colectivo de passageiros, de matrícula LH, à ordem, com conhecimento, com autorização, por conta, no interesse e sob a direcção efectiva da 1ª. Ré. e) O LH recuou por duas vezes, em movimentos sucessivos de marcha-atrás e de marcha-à-frente e nesses dois movimentos de marcha-atrás e de marcha-à-frente voltou a pisar e entalar a perna esquerda da Autora com o pneu do rodado traseiro do lado direito do referido autocarro. f) A Autora necessita e vai necessitar, ao longo de toda a sua vida, do uso de uma cadeira de rodas, para as suas deslocações, nomeadamente para a casa de banho e para o chuveiro. g) A Autora receou pela própria vida. h) A Autora ficou a padecer de uma Incapacidade Total, Absoluta e Permanente/Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica – de 100% - Profissional, para o trabalho. i) O resultado ou rendimento líquido das actividades de doméstica e da agricultura, exercidas pela Autora, não pode computar-se em menos de 40,00 €, por dia. j) Pelo que a Autora, do conjunto do seu trabalho doméstico e agrícola, auferia, à data do acidente, um rendimento do seu trabalho nunca inferior a (30,00 dias x 40,00 €) 1.200,00 €, por mês. k) A Autora efectuou as seguintes despesas: obtenção dos Relatórios Médicos juntos aos autos 400,00 €; consulta em médico especialista 410,00 €; medicamentos 175,73 €; internamento e cuidados de saúde prestados na Unidade de Cuidados Continuados de ... 1.723,47 €; despesas com ... – fisioterapia – em ... 239,10 €; despesas com tratamentos ao pé esquerdo 120,00 €; despesas com transporte de ambulância pela Cruz Vermelha Portuguesa de ... 270,00 €; aquisição de calçado ortopédico, por medida e encomenda 1.067,94 €; custo de uma cadeira de rodas 200,70 €; deslocações em veículo automóvel próprio, para o Hospital de ... e para a Unidade de Cuidados Continuados de ... (488,54 € + 399,29 €) 887,83 €; despesas com parqueamento de veículo automóvel próprio 180,10 €; custo de certidões (GNR e Conservatória Automóvel) 29,95 €; peças de vestuário danificadas e inutilizadas 234,00 €; custo de uma certidão de nascimento 20,00 €; custo de uma certidão da Conservatória do Registo Automóvel 17,00 €. l) Como consequência directa e necessária do acidente e da necessidade de adaptar a sua casa de habitação às sequelas dele resultantes, a Autora necessitou de instalar 1 kit de aquecimento a energia solar de 300 litros na sua casa de habitação, no valor de € 3.850,00. m) No futuro, a Autora vai ver-se na necessidade de se submeter a uma ou mais intervenções cirúrgicas, principalmente da especialidade de ortopedia, de cirurgia plástica, além de outras. n) Vai, por isso, ter necessidade de recorrer a consultas médicas das especialidades de Ortopedia, de Cirurgia, de Cirurgia Plástica e de Pedologia além de outras. o) Vai ter necessidade de se submeter a análises clínicas e a exames radiológicos, ressonâncias magnéticas, ECOs e T.A.C (s), além de outros meios de diagnóstico. p) Vai ter necessidade de se submeter a uma ou mais anestesias gerais. q) Vai sofrer os riscos e os padecimentos inerentes a essa ou a essas intervenções cirúrgicas. r) Vai sofrer um ou mais períodos de internamento hospitalar. s) Vai sofrer um ou mais períodos de doença, com Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho. t) E, a final, vai ver a Incapacidade Parcial Permanente, para o trabalho, de que ficou a padecer ainda mais agravada. u) A Autora vai necessitar, ao longo de toda a sua via, de comprar múltiplos pares de canadianas de substituição, como auxiliar de locomoção, já que essas canadianas têm uma duração limitada, não superior a um (1) ano. v) Vai necessitar de comprar múltiplas e sucessivas cadeiras de rodas, ao longo de toda a sua vida, para se poder deslocar, dentro da sua casa de habitação e na via pública e essas cadeiras de rodas têm, também elas, uma duração limitada, não superior a um/dois (1/2) anos. w) A Autora necessita já e vai necessitar, ao longo de toda a sua vida de um veículo automóvel preparado para a sua condição de deficiente, embora conduzido por outra pessoa. x) (eliminado) y) (eliminado) 52. Após a alta hospitalar, a Autora pagou os serviços de uma terceira pessoa durante 3 semanas, 8 horas por dia, à razão de € 5,00/hora, período após o qual passou a ter a ajuda diária da filha.
7. Considerando que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, as questões colocadas são: i) Nulidades do acórdão; ii) Violação da lei – na alteração da matéria de facto; na resolução da questão de direito; iii) Extensão do efeito do recurso da interveniente à Ré, EE.
Em resultado da eventual procedência do recurso da A., pode vir a tornar-se necessário conhecer do pedido de ampliação da revista da Interveniente, que vem formulado a título subsidiário.
8. A recorrente imputa ao acórdão recorrido diversas nulidades, fundadas no art.º 615.º do CPC: i) acórdão não foi assinado por todos os juízes que integravam o colectivo; ii) excesso de pronúncia – o recurso não visava a absolvição mas apenas a diminuição da condenação; o recurso trata de questão nova não apreciada pela sentença; iii) falta de fundamentação; iv) ambiguidade ou obscuridade dos fundamentos decisórios. O Tribunal recorrido teve oportunidade de se pronunciar sobre as alegadas nulidades – acórdão de fls.1020 e ss. Aí se disse que:
9. A recorrente considera ainda que o tribunal incorreu em violação de lei – substantiva e processual – ao ter efectuado a alteração da matéria de facto nos termos em que o fez. Antes de entrar na análise da questão suscitada, importa deixar aqui o âmbito dos poderes deste STJ na parte relativa à alteração da matéria de facto – art.ºs 682.º, n.º2 e 674.º, n.º3 do CPC.
9.1. Pretende a recorrente que este STJ conheça da alteração da matéria de facto relativa aos pontos 8 e 9, por terem os mesmos sido alterados através de presunção judicial que aponta ser ilógica. O Tribunal da Relação para alterar a matéria de facto apresentou a seguinte justificação: A alteração realizada foi assim determinada por tal se justificar perante vários meios de prova, todos sujeitos ao princípio da livre apreciação do juiz – depoimentos testemunhas, depoimento de parte, documentos e regras de experiência (base de presunção judicial). Não se sabe em que medida as regras da experiência por si só ditaram a alteração. Da justificação resulta que foram todos aqueles meios a determinar a alteração. Nessa medida, ainda que tenha havido recurso a presunção judicial, a pretendida ilogicidade da mesma não conduziria a um resultado satisfatório para a pretensão da recorrente – é que as alterações sempre se manteriam por provadas com base nos outros indicados meios de prova, não sindicáveis por este tribunal. Não procede o argumento da A. – não se tratou de justificar a alteração com base apenas em presunção judicial.
9.2. A A. também pretende que a alteração foi realizada em violação de três presunções legais que a beneficiariam, resultantes da sentença condenatória penal (sentença condenatória, transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo Comum, nº 686/13.6GBBCL, que correu termos pela Instância Local, Secção Criminal, J1 de ... – certidão de fls. 419v-427), do contrato de transporte e da relação de comissão. A primeira presunção legal a que a A. se reporta é a que indica provir da sentença condenatória penal.
Vejamos se tem razão. A sentença condenatória penal constitui presunção ilidível no que se refere à existência de factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, em acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção – art.º 623.º do CPC. Tratando-se de presunção ilidível, a A. estava dispensada da prova. Mas o Réu não estava impedido de ilidir a presunção, socorrendo-se de quaisquer meios de prova admissíveis, excepto se a lei indicar que certos meios de prova não são admissíveis – o que não se afigura ser o caso – pelo que bastaria ao tribunal a convicção de factos opostos para poder julgar que foi feita prova do contrário, dando-se a presunção legal por ilidida – art.º 350.º, n.º2 do CC. Não se identifica na situação dos autos, para a alteração efectuada, que tenha sido usada uma mera contraprova (art.º346.º CC). Quanto à presunção do contrato de transporte e da relação de comissão sempre importaria dizer aqui que se trata de presunções de culpa, que não dispensam a demonstração dos demais pressupostos da responsabilidade civil – seja o incumprimento do contrato de transporte, seja o facto ilícito – e a alteração do ponto 8. e 9. reportam-se precisamente a estes pressupostos. Recorde-se que os mesmos atestavam: “8. Quando a Autora se encontrava a pousar o primeiro pé no aludido passeio junto à porta, o 2º Réu accionou o sistema de fecho das portas do LH, tendo então o casaco que aquela trazia vestido ficado agarrado na porta por onde a mesma saiu, ficando a mesma presa pelo referido casaco que ficou entalado entre as suas folhas da porta e de costas para a mesma.” “9. Logo de seguida, o 2º Réu reiniciou a marcha do veículo e a Autora foi imediatamente puxada pelo casaco, acabando por cair ao chão, tendo o pneu do LH, colocado junto à dita porta traseira, passado por cima da perna esquerda da Autora”. Adicionalmente, valem também as considerações já efectuadas sobre ilisão das presunções – o Réu pode defender-se na acção em que o A. goza destas presunções, fazendo prova do contrário, não podendo o STJ ir ouvir os depoimentos para afirmar ou infirmar o sentido que deles se extraem e dizer quais das declarações apreciadas pelo tribunal que se afiguram mais credíveis. Deve ainda dizer-se que não se compreende o sentido da alegação da A. quando afirma que forma violadas as normas dos art.º 358.º, 371.º e 376.º do CC sobre o valor da confissão, valor probatório do documento autêntico e particular, que apenas vem indicado, mas não fundamentado. É, assim, de julgar improcedente a pretendida violação de lei quanto à alteração da meteria de facto realizada pelo tribunal recorrido.
10. Considerando os factos provados – e não provados – vejamos agora se a solução de direito foi correcta. 10.1. Em 1ª instância, a A. obteve vencimento de causa, a partir do instituto da responsabilidade civil extracontratual. Vieram condenadas, em favor da A., a Ré EE, seguradora do veículo interveniente no acidente, e a FF, detentora do veículo, pela: i) quantia global de € 167.918,36, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a citação até integral pagamento; ii) quantia que vier a ser liquidada referente ao custo da aquisição da cadeira de rodas, das canadianas, do calçado ortopédico e dos tratamentos de Medicina Física de Reabilitação já despendido pela Autora, quantia essa acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a notificação para a respectiva liquidação até integral pagamento; iii) a quantia que vier a ser liquidada referente ao valor a despender pela Autora com a substituição das canadianas, com o calçado ortopédico, com os tratamentos de Medicina Física de Reabilitação (duas vezes por ano) e com a medicação analgésica e anti-inflamatória e protector gástrico, quantia essa acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a notificação para a respectiva liquidação até integral pagamento. A EE, S.A.” também foi condenada a pagar ao “HOSPITAL GG, S.A.” a quantia de € 11.722,49, acrescida de juros à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a citação até integral pagamento. Foram absolvidos da acção a proprietária do veículo e o condutor do mesmo na altura do acidente: BB, S.A.” e CC. Por acórdão do Tribunal da Relação, recorrido, a situação inverteu-se, na parte relativa à condenação da EE e da interveniente em favor da Autora. O Tribunal da Relação considerou que, perante os factos provados, não havia lugar ao funcionamento do regime da responsabilidade civil extracontratual objectiva – art.º503.º do CC. Em consequência, não responderia pelos danos decorrentes do acidente nem o detentor do veículo, nem a seguradora para quem aquele havia transferido a responsabilidade civil. A solução do tribunal encontra-se motivada, através de várias páginas, das quais se extraem as seguintes justificações tidas por mais relevantes (nossa selecção): 10.2. A A. insurge-se, e bem, contra a solução adoptada pelo Tribunal recorrido. Insurge-se pela solução encontrada, e pelo caminho percorrido. Neste, questiona quer a exclusão da situação do regime contratual – “É indubitável que o acidente que sofreu a Autora decorreu causalmente do risco que para si implicou ser transportada naquele autocarro em concreto, nomeadamente ao momento da sua saída. Porque a proximidade que a Autora tinha relativamente ao autocarro, proximidade essa que era de tal grau que a mera queda sua a deixou com a perna debaixo do autocarro, deriva causalmente do facto de ter sido transportada por aquele autocarro em concreto e por dele se ter acabado de apear, Essa proximidade é absolutamente consequencial do transporte e causal do acidente. Um qualquer outro peão que por ali circulasse e que não estivesse prestes ou tivesse acabado de ser transportado por aquele veículo não teria, em circunstâncias normais, proximidade do autocarro de tal forma perigosa como o teve, demonstradamente, a Autora. É essa proximidade – simultaneamente consequencial do transporte e causal do acidente – que deveria ter sido tomada em conta por parte do condutor, e só uma vez debelado esse factor de risco (a proximidade), e salvaguardada uma distância mínima entre todos os passageiros acabados de apear e o veículo, deveria o condutor ter reiniciado a sua marcha.” (cf. alegações) – quer o afastamento da responsabilidade civil extracontratual (objectiva) – “Ao invés do que entende o Tribunal da Relação, existe uma total adequação entre o risco da circulação do veículo e o dano. Mesmo que debeladas as várias presunções de culpa operantes no caso dos autos, não pode nunca excluir-se, pela factualidade apurada, a responsabilidade pelo risco prevista no art. 503º do CC.”; O Tribunal da Relação rejeita liminarmente ou nem sequer coloca, na sua (breve) análise da matéria – que é delicada e complexa – a possibilidade de concurso entre o risco dos veículos de circulação terrestre e, por exemplo, a conduta – não necessariamente culposa – imputável ao lesado. (cf. alegações) 10.3. Considerando que a situação dos autos veio decidida com base no regime da responsabilidade civil extracontratual, ainda que sejam feitas menções à responsabilidade contratual derivada co contrato de transporte, tendo que se aceitar os factos fixados pelas instâncias, é de analisar a situação, neste momento, à luz da obrigação de indemnizar por facto ilícito – art.º 483.º e ss do CC.
10.4. Como este STJ já teve oportunidade de referir – Ac. STJ 11/1/2018[1] – a questão jurídica relativa à conjugação do regime da responsabilidade objectiva com a culpa do lesado (ou imputação ao lesado do acidente), para efeitos de indemnização por danos, “constitui uma das mais complexas e controversas da jurisprudência civilista nacional dos últimos anos, circunstância para a qual contribui o facto de a mesma questão se apresentar de modos distintos em razão do tipo de situação litigiosa subjacente, ainda que com um núcleo essencialmente comum.” Para uma correcta apreciação da sua problemática não pode senão fazer-se uma apreciação que não tenha “em conta a distinção entre este núcleo comum e as especificidades das diversas situações litigiosas apreciadas pela jurisprudência deste Supremo Tribunal.” – citado acórdão. Importa, por isso, caracterizar a situação concreta dos autos com base nos seguintes factos provados relevantes: 2. O LH era, naquela data, propriedade da 1ª. Ré “BB, S.A.”, que se dedica com fins lucrativos, à actividade de exploração de uma empresa de transporte público colectivo de passageiros.
Verifica-se, deste modo, que: Procurando aplicar as orientações supra expostas ao caso sub judice, verifica-se que, tendo sido provado que o acidente foi causado pela conduta da A. lesada, sem que se possa invocar ter a mesma qualquer modo de a controlar, por se tratar de um acto completamente involuntário – pessoa maior e imputável, com a qualidade de peão, que se desequilibra e cai –, o juízo de adequação e proporcionalidade não leva a excluir a responsabilidade do detentor efectivo do veículo pelos riscos próprios do mesmo; e portanto, não é de excluir a responsabilidade da R. seguradora para quem tal responsabilidade fora transferida. O desequilíbrio da A. nunca teria os efeitos gravosos que vêm provados se a mesma não tivesse sido atropelada pelo veículo utilizado pela Interveniente, cujos rodados, de dimensão e peso sobejamente conhecidos, tornaram a lesão muito mais grave do que a que ocorreria se a A. tivesse caído apenas e a essa queda não sobreviesse um atropelamento com veículo, maxime sendo um veículo pesado. O risco de circulação do veículo, maxime sendo um veículo pesado, contribuiu sobremaneira para o dano. In casu, há que atribuir relevância à contribuição da interveniente para a causação dos danos mesmo quando não se apura uma causação do acidente. Esta orientação é também perfilhada em escritos doutrinais, subscritos pela nossa jurisprudência mais recente, como o da autoria de MARIA DA GRAÇA TRIGO, “Reflexões acerca da concorrência entre risco e culpa do lesado na responsabilidade por acidente de viação”, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo Lobo Xavier, Vol. II, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, págs. 485 e segs. No mesmo sentido, cf. ainda RAUL GUICHARD, Anotação ao art.º 503.º do CC, in Comentário do Código Civil. Direito das Obrigações, UCE, lisboa, 2018, p. 405 – com alusão aos danos abrangidos pela responsabilidade objectiva e os riscos específicos do veículo, nos quais se inclui o risco de circulação; na Anotação ao art.º 505.º do CC na p. 415-416 – quando existe concorrência de causalidade em relação ao dano, não se considerando arredada a responsabilidade objectiva, admitindo-se mesmo que a concorrência não conduza à exclusão da responsabilidade pelo risco se a culpa do lesado não é grave ou este não for passível de um juízo de censura, em razão de idade ou de outra causa, com o objectivo de proteger o lesado, quando este apresenta elementos de fragilidade – crianças/idosos. Não há dúvidas que a FF tinha a qualidade de detentora do veículo, na altura em que o acidente ocorreu, e que o usava em seu interesse e proveito próprio. Perante os factos provados, não há dúvida que o condutor do veículo ilidiu a presunção de culpa que sobre ele incidia. Pelas razões expostas: (i) impõe-se admitir a concorrência entre a responsabilidade pelos riscos próprios do veículo e a imputação do acidente ao lesado; (ii) Tal não implica que, por si só e de forma imediata, se responsabilize o detentor efectivo do veículo (e respectiva seguradora) pelos danos sofridos pelo lesado; (iii) Implica sim que, em função da factualidade subjacente a cada caso concreto, se pondere a medida da contribuição do lesado, culposa ou não culposa; (iv) Num caso como o dos autos em que ficou provado que o acidente não foi causado pela conduta gravemente culposa da A. lesada, pessoa maior e imputável, não deve a indemnização fundada no regime da responsabilidade objectiva ser excluída, nem reduzida.
Pelas razões expostas, procede o argumento da A. no sentido de os riscos próprios do veículo de circulação terrestre estarem presentes e serem relevantes em termos de daí se extrair a responsabilidade objectiva do detentor do veículo, e da seguradora para quem os riscos haviam sido contratualmente transferidos, ao abrigo do regime de seguro obrigatório – questão esta decidida pelo acórdão do Tribunal da Relação, e que não vem impugnada pela recorrida EE[2]. Não se encontram motivos para afirmar que a conduta da lesada deve ser ponderada como elemento que permita reduzir a responsabilidade da seguradora, por se tratar de um comportamento não intencional, nem voluntário.
Tendo-se concluído pela responsabilidade objectiva da Interveniente, que se encontrava transferida para a seguradora pelo contrato de seguro obrigatório, e estando o montante da indemnização peticionado dentro dos limites do contrato de seguro, apenas é de condenar no pagamento da indemnização a seguradora – cf. do valor do pedido com o regime legal de seguro obrigatório à data do acidente. Não há assim motivos para ampliar o objecto do recurso, tal como veio requerido pela interveniente, a título subsidiário, uma vez que a mesma não é considerada responsável pelos danos.
10.5. Analisando agora o regime da responsabilidade contratual por não cumprimento do contrato de transporte. A A. não logrou demonstrar todos os pressupostos de que depende a atribuição de uma indemnização por violação do contrato de transporte, nomeadamente o facto ilícito e a culpa da Interveniente (através do seu motorista), a qual por seu turno, demonstrou que o acidente não lhe era imputável (ilidindo a presunção de culpa resultante da lei em matéria de responsabilidade contratual). Não procedem os argumentos da A. no sentido de também dever haver condenação por violação do contrato, que só poderia ser deferida se estivessem demonstrados todos os pressupostos de que depende a sua atribuição: incumprimento do contrato; por facto imputável ao interveniente; com culpa do condutor da viatura; dos quais resultaram danos, que preencham o requisito de adequação entre facto e dano.
11. Quanto à questão suscitada relativa à extensão do efeito do recurso da interveniente à Ré, EE, porque a solução de direito que se propugna é no sentido de esta Ré, EE, ser condenada pela reparação dos danos, é de considerar prejudicada a análise da questão, por inutilidade.
12. No que respeita ao quantum indemnizatório, uma vez que o acórdão do Tribunal da Relação absolveu a interveniente FF e a EE do que contra elas havia sido peticionado, e a revista incide sobre o acórdão da Relação e não sobre a sentença, mesmo que este Tribunal revogue o acórdão a lei não permite que o STJ se substitua ao tribunal recorrido no conhecimento de questão que por aquele foi tida por prejudicada (Tal conclusão torna inútil a apreciação das demais questões enunciadas, relacionadas com os valores indemnizatórios fixados em 1ª Instância – citação do acórdão recorrido). Impõe-se assim determinar a baixa do processo para determinação dos danos que devem ser indemnizados, à luz da responsabilidade objectiva, e com base nos factos provados, devendo o tribunal conhecer do quantum indemnizatório fixado na sentença e impugnado na apelação – questão que ficou prejudicada na apelação – quanto à condenação que na sentença incluía: i) a condenação da Ré “EE, S.A.” a pagar à Autora AA a quantia global de € 167.918,36, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a citação até integral pagamento; ii) a condenação da Ré “EE, S.A.” a pagar à Autora AA a quantia que vier a ser liquidada referente ao custo da aquisição da cadeira de rodas, das canadianas, do calçado ortopédico e dos tratamentos de Medicina Física de Reabilitação já despendido pela Autora, quantia essa acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a notificação para a respectiva liquidação até integral pagamento; iii) a condenação da Ré “EE, S.A.” a pagar à Autora AA a quantia que vier a ser liquidada referente ao valor a despender pela Autora com a substituição das canadianas, com o calçado ortopédico, com os tratamentos de Medicina Física de Reabilitação (duas vezes por ano) e com a medicação analgésica e anti-inflamatória e protector gástrico, quantia essa acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a notificação para a respectiva liquidação até integral pagamento. -------------------------- |