Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A944
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: REIS FIGUEIRA
Descritores: GRAVAÇÃO DA PROVA
SINAL
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
TRESPASSE
CHEQUE
Nº do Documento: SJ200305200009441
Data do Acordão: 05/20/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1444/01
Data: 06/18/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Tramitação processual.

"A" intentou contra B acção de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação deste a:
a) reconhecer que houve rescisão do contrato promessa celebrado em 19/04/94, e que, após tal rescisão, o Réu não tinha legitimidade para usar os cheques (que indica) sacados sobre conta do Autor na C;
b) entregar ao Autor esses mesmos cheques;
c) e, no caso de eles terem sido apresentados a pagamento, indemnizar o Autor em montante a liquidar em execução de sentença, por todos os prejuízos que lhe advierem da aposição nesses títulos da menção de "devolvidos por falta de provisão".
Alegou, em síntese, um contrato promessa de trespasse, de 19/04/94, que as partes rescindiram por mútuo acordo em 01/06/94.
Citado, o Réu contestou, pedindo a sua absolvição.
E, em reconvenção, pediu a condenação do Autor a:
a) ver perdido o sinal de 4.400 contos, atento o incumprimento culposo e definitivo do contrato promessa pelo Autor
b) pagar ao Réu a quantia de 4.000 contos, de mercadoria existente no estabelecimento, e de que indevidamente o Autor se apoderou.
Alegou para tanto o incumprimento do contrato promessa pelo Autor, que dele desistiu, após ter constituído o sinal de 4.400 contos e se ter apropriado de mercadorias pertencentes ao estabelecimento.
Foi admitida a intervenção da mulher do Réu, D, que fez seus os articulados do Réu marido.
O Autor respondeu.
Foi admitida a reconvenção.
Saneado e condensado o processo, teve lugar a audiência final, após o que foi proferida sentença, julgando:
a) a acção parcialmente procedente, e em consequência declarada a rescisão do contrato promessa; e improcedente na parte restante
b) procedente a reconvenção, e assim declarado perdido o sinal de 4.400 contos, constituído pelo Autor, e condenado este a pagar ao Réu a quantia que se liquidar em execução de sentença, pela mercadoria existente no estabelecimento e de que indevidamente se apoderou.
Recorreu o Autor, de apelação, para a Relação do Porto.
A Relação do Porto julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença.

O recurso.

Recorre, de novo o Autor, agora de revista, para este STJ.
Alegando, concluiu, em síntese:
a) a matéria de facto foi gravada e o recorrente impugnou-a, mas não pode dar cumprimento ao art. 690-A do CPC, porque na acta não foi cumprido o disposto no art. 522-C, e porque a prova não se encontrava gravada ou encontrava-se gravada parcialmente; não tem o recorrente que solicitar cópias das fitas magnéticas gravadas para impugnar a matéria de facto, apenas tem que ter acesso a ela, ainda que através de cópia do tribunal; se as cassetes se encontram deficientemente gravadas, não há senão que anular o julgamento, com repetição da prova, para que a mesma seja gravada e controlada nos termos legais - violou-se os art. 522-B e C e 690-A, nº2 do CPC e o art. 5 do DL 39/95, de 15 de Fevereiro
b) mesmo que assim não fosse, aquando da desistência só estava vencido um cheque e este pré-datado: sendo pré-datado, ele não era cheque até à data nele exarada; face aos art. 440 a 442 do CC, o recorrido só os direitos exclusivamente relacionados com esse cheque podia reclamar a título de sinal; violaram-se tais disposições.
Não houve contra-alegação.

Matéria de facto.

Nas instâncias deram-se como provados os factos seguintes:
1) O teor do contrato promessa de trespasse junto aos autos a fls. 10 e verso - que se dá por reproduzido e no essencial contém: que, em 19/04/94, o aqui Réu prometeu dar de trespasse ao aqui Autor, que aceitou receber de trespasse, o estabelecimento comercial que identifica, pelo preço de 4.400 contos, convencionando-se, além do mais, que: "...o pagamento do referido trespasse será efectuado da seguinte forma: dividido em cinco cheques pré-datados, com os nºs 387665.36, com data de 30/04/94, 387663.42, com data de 30/06/94, 387661.48, com data de 30/08/94, 340860.92, com data de 30/09/94, 340859.55, com data de 15/11/94, sendo os primeiros quatro cheques atrás mencionados no valor de 800.000 escudos cada um e o último cheque no valor de 1.200.000 escudos"; que os cheques seria passados sob (sobre) o Banco C, sendo o titular da respectiva conta o segundo outorgante, o aqui Autor; que "a escritura definitiva de trespasse será outorgada assim que for liquidada a importância total do referido trespasse, ou seja, 4.400 contos".
2) O Autor, mesmo antes da assinatura do citado contrato promessa e desde o início de Março de 1994, era quem explorava o citado estabelecimento.
3) Posteriormente à entrega da chave da porta do estabelecimento, o Réu trespassou-o.
4) Autor e Réu tinham acordado que o pagamento do preço do trespasse estava titulado por cheques pré-datados.
5) Em dia indeterminado de meados do ano de 1994, o Autor entregou ao Réu a chave da porta do estabelecimento, bem como o código do alarme do estabelecimento.
6) Tal entrega deveu-se única e exclusivamente ao facto de o Autor querer desistir da aquisição por trespasse do estabelecimento.
7) O Autor era amigo do Réu.
8) Em data anterior à referida em 5), o Autor retirou, pelo menos, uma parte da mercadoria do estabelecimento, cujo valor não foi possível determinar.
9) O que fez com desconhecimento e sem autorização do Réu.

Apreciando.

Os dois núcleos de questões postas a este Tribunal foram também postos, em iguais termos, à Relação do Porto.

Vejamos o primeiro.
A acção foi proposta em 15/09/94.
Com os respectivos róis de testemunhas, apresentados em 23/11/99 e em 09/02/00, ambas as partes requereram a gravação dos depoimentos a prestar na audiência final, que teve lugar em 04/12/00, e onde se procedeu à referida gravação (acta de fls. 133-135).
Está fora de causa a aplicação do DL 183/00, de 10/08 a estes autos, atentas as normas de direito transitório consignadas nos seus art. 7, nºs 3 e 8 e art. 8. pelo que aplicáveis são os art. 522-A, B e C e 690-A do CPC, na versão de 1995.
Depuseram duas testemunhas do Autor (E e F) e duas dos Réus (G e H). O Sr. Advogado do Autor não esteve presente na audiência.
O Sr. Juiz fundamentou as respostas aos quesitos sobre a matéria de facto, dizendo qual a razão de ciência de cada testemunha e fazendo um extracto dos seus respectivos depoimentos prestados (despacho de fls. 138-139). O Sr. Advogado do Autor também não assistiu às respostas e não apresentou qualquer reclamação delas. Nada mais requereu nos autos até à interposição de recurso.
É só depois de proferida a sentença, e nas alegações de recurso de apelação para a Relação, em 22/05/01, portanto, cinco meses e meio depois da audiência de julgamento, que o Autor vem dizer: a) que as gravações não contêm o determinado no art. 522-C, nº2 do CPC (note-se, como já se disse, que o determinado em tal norma foi acrescentado pelo DL 183/00, de 10/08, que não se aplica à presente acção); b) que a gravação não contém os depoimentos das testemunhas F e G; c) que os depoimentos das testemunhas E e H não estão na sua integralidade.
A Relação veio a pronunciar-se em 18/06/02.
Aí se fez notar que, sendo aplicável à nossa situação o art. 690-A, nº2 do CPC, na versão de 1995, e não a resultante do DL 183/00, de 10/08, incumbia ao recorrente proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda, o que ele não fez. Para tanto, devia ter requerido cópia da gravação feita, fornecendo as fitas magnéticas necessária (art. 7, nºs 2 e 3 do DL 39/95). O que também não fez.
Concorda-se com o entendimento da Relação, mas adita-se que o recorrente também não deu cumprimento ao disposto no nº1, alíneas a) e b) do mesmo art. 690-A, indicando os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida.
Além de que o recorrente nem disse que a parte omitida dos depoimentos (e como sabe ele que houve uma parte omitida se nem ele nem o seu Mandatário assistiram à audiência?) impunha decisão diversa da que foi tomada, e só nesse caso se deveria proceder à repetição da prova (art. 9 do DL 39/95).
Por outro lado, e conforme o art. 7, nºs 1 e 2 do mesmo DL 39/95, durante a audiência são gravadas simultaneamente uma fita magnética destinada ao Tribunal e outra destinada às partes; as partes podem requerer ao Tribunal que, no prazo máximo de oito dias após realização da respectiva diligência, cópia da fita magnética. Se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova, ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição, sempre que for essencial ao apuramento da verdade (art. 9 do mesmo DL).
Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, os prazos para alegar são aditados de dez dias (art. 698, nº6 e 743, nº1 do CPC).
Todo este regime legal revela que os problemas que o recorrente levou à Relação e agora traz a este STJ (de as gravações serem incompletas) eram a colocar na primeira instância, ao próprio Tribunal da audiência de julgamento e naturalmente antes da sentença. Doutro modo, a lei não falaria em repetir a prova, nem dava às partes o prazo máximo de oito dias posteriores à realização da diligência para requererem cópia da fita magnética. A fixação deste prazo de oito dias parece significar que, depois dele, já não podem mais as partes arguir imperfeições da gravação feita (que é coisa diferente de requererem a reapreciação da prova através da audição das gravações feitas). É para averiguar se houve erro de julgamento sobre a matéria de facto que a Relação tem o poder de reapreciar a prova gravada: uma coisa é serem as gravações imperfeitas (imperfeição das gravações feitas, a apreciar pelo Tribunal que as fez), outra delas não resultarem delas as respostas dadas (erro de julgamento sobre a matéria de facto, a apreciar pelo Tribunal de recurso em matéria de facto).
Porque, sendo coisas diferentes, podem ter regimes de arguição diferentes também.
A partir daquele momento (oito dias após a realização da diligência) não podem mais as partes invocar erros ou incompletude das gravações, nos termos do art. 9 do DL 39/95, mas tão só invocarem erro de julgamento da matéria de facto pela primeira instância.
Ora, nunca qualquer questão de deficiente ou incompleta gravação dos depoimentos foi colocada ao Tribunal de primeira instância.
Se a questão se tivesse colocado ao Tribunal de primeira instância e se verificasse que as fitas estavam deficientemente gravadas ou incompletas, nada haveria que anular, mas tão só que repetir a produção de prova (art. 9 do DL 39/95). Se o ora recorrente então o não requereu, o seu silêncio importa perda do direito de invocar imperfeições da gravação; ou, de qualquer modo, a eventual irregularidade ficou com isso sanada: art. 205 do CPC.
O recorrente não pode é beneficiar da sua inércia, projectando para os Tribunais Superiores uma questão que devia ser colocada e resolvida na primeira instância.
Seja como seja, a este STJ é que não pode ser posta tal questão, porque não ocorrem as circunstâncias em que ele pode conhecer de facto: art. 721, nº2, 722, nº2 e 729, nº2 do CPC.

Vejamos agora a segunda questão.
Temos como essencial em sede de facto que:
a) o contrato promessa de trespasse é de 19/04/94, e nele o Réu promete dar de trespasse ao Autor, e este receber de trespasse do Réu, determinado estabelecimento comercial;
b) o preço acordado foi de 4.400 contos
c) e a seguinte a forma de pagamento:
- 800 contos em 30/04/94
- 800 contos em 30/06/94
- 800 contos em 30/08/94
- 800 contos em 30/09/94
- 1200 contos em 15/11/94
d) e esta forma de pagamento titulada por cheques datados daquelas datas (ditos "cheques pré-datados"), entregues pelo Réu ao Autor
e) a escritura seria a outorgar logo que liquidada a importância total do trespasse: 4400 contos
f) em meados de 1994, o Autor desistiu do negócio, restituindo ao Réu a chave do estabelecimento e o código de alarme respectivo
g) posteriormente à entrega da chave, o Réu trespassou o estabelecimento.

Estamos, portanto, perante um contrato promessa de trespasse, em que o preço convencionado é a pagar em prestações e estas tituladas por cheques pré-datados (datados das datas de vencimento das prestações), desde logo entregues ao promitente alienante.
De facto, se não se tratasse de pagamento em prestações, para que estaria o preço titulado por cinco cheques com datas de vencimento diferentes e sucessivas? Se o pagamento fosse a pronto, com a entrega dos cinco cheques, para que fizeram as partes um contrato promessa, em que convencionaram que a escritura seria outorgada logo que o preço estivesse integralmente pago, e não celebraram logo o contrato prometido (trespasse)?
Temos assim que o contrato promessa é de trespasse, em que o preço convencionado é a pagar em cinco prestações, tituladas por cheques, datados das datas de vencimento das prestações (cheques ditos pré-datados), e a escritura a outorgar logo que pago integralmente o preço.
O promitente trespassário desistiu do contrato em meados de 1994, portanto, quando já estava vencida a primeira prestação (em 30/04/94), mas não as restantes - sendo este o motivo por que no recurso o recorrente sustenta que não tem que restituir as quatro últimas prestações, porque não vencidas no momento da desistência (e nem mesmo a primeira, porque o contrato foi rescindido, segundo ele, por mútuo acordo).
Assim, é facto que as partes não falaram em sinal.

De acordo com o art. 440 do CC, se, ao celebrar-se o contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial de pagamento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal.
Há, portanto, uma presunção de que a coisa entregue é em pagamento, total ou parcial.

Mas, no caso de contrato promessa, a presunção é de sentido inverso: de que qualquer quantia entregue tem natureza de sinal.
Conforme art. 441 do CC, presume-se que tem o carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.

Tem-se discutido se a presunção do art. 441 é juris et de jure ou apenas juris tantum, sendo maioritária a opinião de que se trata de presunção juris tantum, ilidível por prova em contrário, nos termos do art. 350, nº2 do CC (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, 340, e na RLJ, ano 119-59; Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição, 113; Pires de Lima e Antunes Varela, CCAnotado, vol. IV, 4ª edição, 418; Ana Coimbra, estudo publicado em O Direito, 122-623; etc.). Como se tem discutido se a entrega de cheques com a celebração do contrato promessa é a mesma coisa que entrega de dinheiro, para os efeitos do art. 441, sendo também maioritária a resposta afirmativa (Abel Pereira Delgado, Do Contrato Promessa, 175; Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 283 e nota 513; idem, Sinal e Contrato Promessa, 8ª edição, 94 e nota). Finalmente, é a doutrina concorde em que o art. 441 do CC, embora se refira ao contrato promessa de compra e venda, é aplicável também ao trespasse.
Mas, o nosso caso tem esta particularidade: as partes não falam em sinal, mas só em preço e forma de o pagar em prestações; os cheques entregues com a celebração do contrato promessa titulam as prestações do preço, e estas foram distribuídas no tempo, vencendo-se a primeira em data posterior à do contrato promessa.
A nossa hipótese tem acentuada semelhança (se não total identidade na sua configuração essencial) com o caso decidido pela Relação do Porto, em 13/10/87, na CJ, ano XII, tomo III, 108, em cujo sumário se escreveu, com inteira propriedade para o presente caso: "Não tem o valor de sinal a entrega de cheques, com datas posteriores, destinados apenas a servir de garantia de pagamento do preço do contrato prometido".
De facto, a existência de sinal, no contrato promessa, tem como específica função fixar, previamente às vicissitudes que ele venha a sofrer, o montante da indemnização devida pelo contraente faltoso: art. 442, nº2, 3 e 4 do CC.
E tem uma consequência: afastar a possibilidade de execução específica: art. 830, nº2 do CC.
A lei (art. 441) fala em "toda a quantia entregue", o que meridianamente sugere tratar-se de quantia em dinheiro. Mas aceitamos perfeitamente poder tratar-se de quantia em dinheiro titulada por cheques. No entanto, se o pagamento é em prestações diferidas no tempo e os cheques são datados das datas de vencimento das prestações (vulgarmente chamados cheques pré-datados), eles não representam, na contemporaneidade do contrato promessa, quantias em dinheiro, mas promessas (ou garantias) de cumprimento das prestações nos respectivos vencimentos.
Conforme se escreveu no citado acórdão da RP, "Não se alude aí a sinal, e os termos transcritos excluem a ideia de antecipação ou princípio de pagamento, e aponta antes, de modo directo, no sentido de se ter querido apenas fixar o modo de pagamento do preço do trespasse, isto é, do preço do contrato prometido, como obrigação futura" (...).
A entrega dos cheques respeitava pois apenas à obrigação emergente do contrato prometido (pagamento do preço do trespasse), com exclusão de qualquer ideia de antecipação do seu pagamento, ou de com eles constituir um sinal, que fosse o critério e a medida da indemnização pelo incumprimento.
Tanto mais assim é que, como já dissemos, nunca no contrato promessa se falou em sinal, nem mesmo em antecipação do cumprimento (a primeira prestação não estava sequer vencida); e, como também já sabemos, o Réu logo após a desistência do Autor, trespassou o estabelecimento a terceiro - pelo que seria, no caso, particularmente injusto dar ele de trespasse uma vez e receber dois preços.
Concluímos, assim, que, no presente caso, não foi convencionado sinal, os cheques entregues não têm carácter de sinal, apenas foi convencionado o preço e forma de o pagar em prestações. Pelo que não há que aplicar o disposto no art. 442, nº2, primeira parte, do CC, estando ilidida a presunção do art. 441 do CC.

Assim, tendo o Autor desistido do trespasse, e não havendo sinal, a situação equivale à de resolução do contrato promessa: nunca se disse que o Réu não tenha aceite a desistência do Autor, e o seu comportamento posterior, trespassando o estabelecimento a terceiro, e nunca pretendendo a execução específica do contrato promessa, indicia que estava de acordo com a desistência, o que equivale a resolução por acordo (o que também, aliás, já está reconhecido com trânsito). Resolvido o contrato promessa, a resolução opera rectroactivamente, havendo que restituir tudo o prestado: art. 432, 433 e 289 do CC.

Procede o recurso quanto à segunda questão posta.
A procedência do recurso quanto a essa segunda questão obriga a rever o decidido quanto ao pedido do Autor.

Decisão.

Pelo exposto, transitada que se encontra a decisão na parte em que reconheceu e declarou rescindido o contrato promessa, acordam em conceder a revista e assim:
a) revogam a parte da decisão recorrida que absolveu o Réu do pedido de restituição dos cheques, bem como a que absolveu o Autor do pedido reconvencional de os restituir;
b) absolvem o Autor do pedido reconvencional de ver perdida a quantia de 4.400 contos, indevidamente considerada sinal;
c) condenam o Réu a restituir ao Autor os cheques tituladores das prestações (acima indicadas); ou, se já endossados, a correspondente quantia em dinheiro, no total de 4.400 contos (agora o correspondente em Euros);
d) no mais mantêm o decidido na Relação.

Custas do recurso pelo recorrido.

Lisboa, 20 de Maio de 2003
Reis Figueira
Barros Caldeira
Faria Antunes