Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
| Descritores: | SERVIDÃO DE PASSAGEM EXTINÇÃO DE SERVIDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA BASE INSTRUTÓRIA | ||
| Nº do Documento: | SJ2007030100911 | ||
| Data do Acordão: | 03/01/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Sumário : | 1) A omissão de pronúncia – vicio de limite da alínea d) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, supõe o silenciar absoluto de qualquer questão de cognição obrigatória, nos termos do nº2 do artigo 660º, e não se preenche com a mera decisão sintética e escassamente fundamentada, por não se pronunciar sobre todos os argumentos e razoes aduzidas pelas partes. 2) O nº 3 do artigo 511º do CPC não permite ao STJ que sindique da bondade do despacho proferido sobre reclamações à fixação da base instrutória. Tratando-se de agravo continuado – e com essa disciplina ainda que surja como segmento da revista – só é de conhecer se ocorrer qualquer das situações excepcionais dos nºs 2 e 3 do artigo 754º da lei processual. 3) O STJ só sindica a insuficiência de factos seleccionados para a base instrutória no momento de uso da faculdade do nº3 do artigo 729º do CPC. 4) A desnecessidade da servidão a que se refere o nº2 do artigo 1569º do Código Civil é apreciada em termos objectivos, ou seja, no cotejo da acessibilidade regular – não excessivamente incómoda ou onerosa – do prédio dominante e o encargo do prédio serviente, buscando-se que, na medida do possível e do razoável, o direito de propriedade possa ser exercido na plenitude da sua função socio-económica. 5) Se o proprietário do prédio dominante adquire um prédio contíguo com acesso directo à via pública a servidão só se extingue por desnecessidade se os prédios representarem uma unidade de utilização e fruição. 6) Assim não é se o novo prédio estiver onerado por um direito de superfície, já que o superficiário é condómino do solo sendo que a extinção da servidão significaria a transferência do encargo para outro prédio com oneração deste domínio “ex novo”. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A Junta de Freguesia da Cumieira intentou acção, com processo ordinário, contra AA e sua mulher BB pedindo a sua condenação a reconhecerem-na proprietária de um imóvel que identificam; a reconhecerem que o prédio dos réus está onerado com uma servidão de passagem a favor do prédio da Autora; a desimpedirem esse caminho; a pagarem à autora quantia não inferior a 5000 euros por danos não patrimoniais, tal como, quantia a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais. Os Réus contestaram e pediram, em reconvenção, que, considerasse a existência da servidão, a sua extinção por não uso ou, em alternativa, por desnecessidade. Na 1ª Instância a acção foi julgada parcialmente procedente e os Réus condenados a reconhecerem o domínio da Autora; a reconhecerem que os seus prédios se encontram onerados por uma servidão de passagem de pé e carro; a não impedirem o exercício do direito da autora; a pagarem à autora quantia a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais sofridos por ter sido impedida de aceder ao seu imóvel. Condenou a Autora a reconhecer que os réus são donos de dois prédios. Os réus apelaram para a Relação de Coimbra que confirmou a sentença recorrida. Pedem, agora revista formulando inúmeras e prolixas conclusões, a final, mas nominando, no início, as seguintes: - A sentença da 1ª Instância é nula por omissão de pronúncia, já que não se pronunciou sobre o pedido de extinção da servidão que formularam em sede de reconvenção; - Se não conhecesse da nulidade, o Acórdão devia ter-se pronunciado sobre a alegada desnecessidade da servidão; - A servidão extinguiu-se por desnecessidade, nos termos do nº2 do artigo 1569º do Código Civil; - Na apelação foram suscitadas as questões de impugnação do despacho que indeferiu a reclamação sobre a selecção da matéria de facto e da insuficiência desta para a decisão; - Os factos alegados e que foram objecto da reclamação são essenciais para a decisão final pelo que devem ser incluídos na matéria a prova. Contra alegou o Autora para defender a manutenção do Acórdão recorrido. Resultou assente pelas instâncias a seguinte matéria de facto: 1- Na matriz predial urbana da Freguesia de Cumieira, sob o artigo 573, mostra-se inscrito prédio correspondente a casa de habitação de um andar com três divisões, uma dependência e pátio a confrontar do norte com CC, do nascente com herdeiros de R... F..., do poente com herdeiros de M... C... e sul com herdeiros de A... T..., com a área total de 102m2, descrita na CRP de Penela sob o nº 01962/141098, e inscrita a aquisição a favor da autora mediante a inscrição G2, ap. 04/260399. 2- Na CRP de Penela mostra-se descrito um prédio correspondente a terreno destinado a construção, omisso na matriz, proveniente do prédio rústico inscrito sob o artigo 1820 da freguesia da Cumieira, mediante a descrição nº 1963/141098 e inscrita a sua aquisição a favor da autora mediante G2, ap. 260399 e inscrito o direito de superfície a favor da Caritas Diocesana de Coimbra – Instituição Particular de Solidariedade Social mediante F1, ap. 01/111099. 3- A autora adquiriu os prédios indicados em 1 e 2 a CC e mulher M... A... da C..., por escritura pública de compra e venda, outorgada em 09/03/1999, no Cartório Notarial de Penela, conforme documento junto a fls. 12 a 15, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido. 4- Na matriz predial urbana da freguesia da Cumieira mostra-se inscrito sob o artigo 575, a favor do réu marido, o prédio correspondente a casa de habitação de dois andares amplos, duas dependências, pátio e quintal a confrontar do norte com rua, do nascente com o proprietário, do poente e sul com J... F..., com a área total de 150m2, não descrito na CRP. 5- Na matriz predial urbana da freguesia da Cumieira mostra-se inscrito sob o artigo 1238, a favor do réu marido, o prédio correspondente a casa de habitação de r/c e 1º andar a confrontar do norte com estrada, do nascente com A... dos S... C..., do sul com A... J... e do poente com o proprietário, com a área coberta de 96m2, não descrito na CRP. 6- O réu marido adquiriu os prédios indicados em 4 e 5 por meio de escritura pública de doação celebrada em 14 de Fevereiro de 1983 no CN de Penela, conforme documento junto a fls. 60 a 63, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido. 7- Correu termos por este tribunal a acção especial de cessação de servidão de passagem à qual foi atribuído o nº 23/83, na qual figuravam como autores os ora réus e na qual peticionavam a condenação dos Réus CC e mulher M... F..., J... M... P... e mulher M... M... P...., a reconhecer a extinção da servidão de passagem pelos prédios dos então autores e ora réus identificados nas alíneas 4 e 5 e absterem-se de passar pela faixa de terreno dos autores. 8- A autora, por si e antepossuidores habitam o imóvel indicado em 1 há mais de 5, 10, 15 e 20 anos. 9- (…) ocupando-o com bens, nele permanecendo, entrando e saindo quando necessário, aí depositando utensílios, mobílias e lenhas. 10- A autora tem vindo a praticar tais actos de forma ininterrupta à vista de todos, sem oposição de terceiros e convicta que ao praticar tais actos não prejudica ninguém e que exerce um direito legítimo e próprio. 11- O acesso ao prédio indicado em 1 desde há mais de 5, 10, 15 e 20 e mais anos, que se faz a pé, de carro através de uma passagem que atravessa os dois imóveis referidos em 4 e 5, actualmente pertencente aos réus. 12- Tal passagem inicia-se a norte, na estrada pública que serve a Cumieira e prossegue para sul entre os dois prédios dos réus. 13- Essa passagem tem, pelo menos, 19 metros de comprimento e a largura de cerca de 4 metros, excepto numa extensão de 9.60m em que, no espaço aéreo, devido à existência de uma varanda da casa dos autores, no ponto mais estreito, apenas fica livre 2,95m. 14- (…) até atingir e percorrer outro imóvel pertencente a J.... L... P.... 15- Essa passagem sempre tem sido utilizada pela autora e seus antecessores desde tempos imemoriais, de forma continuada, à vista de todos, sem oposição de ninguém. 16- (…) na convicção de que exerciam um direito próprio e sem prejuízo para terceiros. 17- O leito dessa passagem tem uma extensão não inferior a 19 metros e, junto à estrada pública, para sul, encontra-se calcetada numa extensão de 15 metros. 18- Tal calcetamento foi efectuado pela autora há mais de 40 anos. 19- A seguir a esse calcetamento, a serventia prossegue para sul em terra batida, desprovida de vegetação e nalguns pontos atapetada com pedras e lagedo cravados no solo. 20- Tal passagem dá acesso de pé ao prédio indicado em 2, onde se encontra implantado o Centro de Dia. 21- Desde há cerca de 3 anos a esta parte que os réus têm vindo a obstaculizar o acesso da autora ao prédio referido em 1, depositando carros velhos, bidons, paus e ferro velho sobre o leito da passagem. 22- (…) o que impede a autora, por intermédio dos seus representantes de acederem ao seu prédio. 23- A Junta de Freguesia pretende reconstruir o imóvel, projectando nele instalar uma Associação Cultural ou o Centro de Saúde. 24- Os Réus, por si e antepossuidores, habitam os imóveis indicados em 4 e 5 desde há mais de 5, 10, 15 e 20 anos. 25- (…) ocupando-os com bens, neles permanecendo, entrando e saindo quando necessário, estacionando os veículos automóveis no logradouro aí existente e aí depositando utensílios. 26- (…) praticando tais actos à vista de todos, sem oposição de ninguém, de forma ininterrupta, convictos de que ao praticarem tais actos não prejudicam ninguém e que exercem um direito legitimo e próprio. 27- O prédio referido em 2 confronta directamente com a via pública e, no presente, desde a altura em que foi construído o Centro de dia (2/3 anos) tem caminho próprio de acesso à via pública para pessoas e veículos, pavimentado, com piso regular e uma largura de cerca de 3,5m. Foram colhidos os vistos. Conhecendo, 1- Omissão de pronúncia. 2- Insuficiência da matéria de facto. 3- Extinção da servidão. 4- Conclusões. 1- Omissão de pronúncia. Os recorrentes insistem – tal como já o tinham feito na apelação – da nulidade da sentença da 1ª instância por ter sido omitida pronúncia. A sua reconvenção consistiu em pedir a condenação da Autora a ver extinta a servidão de passagem “…pelo seu não uso durante pelo menos vinte anos, nos termos legais da alínea b) do artigo 1569º do CC (…) ou, em alternativa, caso este anterior pedido seja considerado improcedente por não provado e assim não se considere e não seja a reconvinda e autora condenada a reconhecer que a mesma servidão constituída por usucapião sobre os seus prédios (…) seja declarada extinta por se mostrar desnecessária aos prédios dominantes da reconvinda e autora…” A sentença disse expressamente: “Peticionaram, depois, o reconhecimento de que a servidão se extinguiu pelo não uso durante 20 anos ou por se ter tornado desnecessária. Ocorre que os réus não lograram a este propósito fazer prova dos factos que poderiam conduzir à extinção da servidão por alguma dessas causas.” Há, assim, pronúncia, embora muito sintética e escassamente fundamentada, sobre o pedido cruzado. O vício da alínea d) do nº1 do artigo 668º do CPC só ocorre se a decisão não aborda todas as questões que as partes submeteram à apreciação do tribunal, salvo as prejudicadas por solução dada a outras. Disse-se no Acórdão deste STJ de 31 de Outubro de 2006 – 06 A2900 – deste Relator: “Como vem julgando este Supremo Tribunal “ a omissão de pronúncia supõe a omissão de conhecimento de questão que o Tribunal deva conhecer por força do nº2 do artigo 660º (que não o, de forma detalhada, abordar todos os argumentos, considerações, ou até juízos de valor, produzidos pelas partes) silenciando-as em absoluto”. – Acórdão de 20 de Junho de 2006 – 06 A1443. (cf. ainda, o Acórdão de 6 de Julho de 2006 – 06 A1838: “A omissão de conhecimento, como causa de nulidade da decisão, implica o silenciar de qualquer das questões a que se refere o nº2 do artigo 660º do Código de Processo Civil. Se a questão é abordada mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou factica, há erro de julgamento, que não errore in procedendo”, entre muitos outros).” As questões a que se reporta a alínea d) do nº1 do citado artigo 668º são os pontos de facto, ou de direito, relevantes para a decisão, isto é os reportados ao pedido, à causa de pedir ou, eventualmente, às excepções. Está ínsito o incumprimento do nº2 do artigo 660º da lei processual com o absoluto silenciar de pronúncia sobre uma questão que a parte submeteu. Na omissão de conhecimento a decisão (que pode, embora, estar estruturada de forma regular e com exactidão jurídica de todas as afirmações produzidas) não contêm tudo o que devia conter por o julgador ter ignorado, ou ultrapassado, o tratamento de alguma questão que devia ter apreciado e decidido. Tudo sem prejuízo de não ser necessária a emissão de juízo sobre todos os argumentos, e razoes adjuvantes, das partes. Do exposto resulta não se verificar a nulidade imputada à decisão da 1ª instância. 2- Insuficiência da matéria de facto. 2.1- Esta parte da alegação dos recorrentes pode cindir-se em dois aspectos. De um lado, a impugnação do despacho que indeferiu o aditamento de factos a incluir na base instrutória. Por outro o saber se estão presentes todos os factos suficientes para a decisão. Trata-se de duas questões com a virtualidade de se reconduzirem a causa e efeito, já que a não selecção oportuna de factos pertinentes leva à ulterior necessidade de mandar proceder ao respectivo aditamento nos termos do nº3 do artigo 729º do CPC. Só que, o uso desta faculdade surge aquando do julgamento da revista, na ponderação das várias, e possíveis, soluções de direito e se, para as lograr, a matéria de facto seleccionada se entende insuficiente. Já a impugnação do despacho que fixa a base instrutória – embora diferida para o recurso que se interpõe da decisão final, “ex vi” do nº3 do artigo 511º CPC – não é cognoscível por este Supremo Tribunal. É que, trata-se de matéria de agravo – embora inserida como segmento de apelação ou da revista – sendo agravo de natureza continuada e só impugnável para o STJ nas situações excepcionais do nº2 “in fine” e do nº3 do artigo 754º da lei adjectiva. Não se perfilando nenhuma dessas situações, esse segmento recursório não é de conhecer. 2.2- Mas pode e deve ser aqui decidido se foram alegados factos com relevo para a decisão que, agora, se entendem se omitidos não se ter constituído base suficiente para a solução do pleito. Vejamos, Movemo-nos em sede de apreciação dos pedidos de extinção – por não uso ou por desnecessidade – da servidão. Não foram considerados – e contra tal insurgem-se os recorrentes – os factos que alegaram nos artigos 49º a 53º, 55º a 61º, 67º a 69º e 72º da sua contestação, tendo, por isso, proposto os seguintes, novos, quesitos extraídos daquela matéria alegada: 1- A serventia pretendida pela autora e a fazer-se pelos prédios dos réus permitirá a passagem indiferenciada de pessoas e carros a qualquer um dos dois prédios da autora? 2- As obras de reconstrução do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 573º deverão ser feito com o recurso e transito de inúmeros veículos automóveis pesados – betoneiras, e camiões – de dezenas de trabalhadores, máquinas de terraplenar e escavar? 3- Tais obras deverão ser ruidosas, movimento, confusão, de molde a causar pó e incómodo para os réus? 4- Tais obras serão de molde a destruir a calçada do logradouro dos prédios dos réus? 5- A efectivar-se tal passagem por meio da servidão em causa tal será de molde a causar transtornos, incómodo e inconvenientes ao descanso nocturno, lazer e actividade dos réus, dos seus filhos menores e do pai adoentado do réu marido? 6- O réu marido faz uso e aproveita o espaço da serventia que passa pelos seus prédios para a sua actividade comercial e industrial da mecânica automóvel? 7- E para a entrada e saída de veículos automóveis para a sua oficina? 8- A constituição da servidão é de molde a desvalorizar economicamente os prédios dos réus em 80%? 9- A fazer-se a passagem de pessoas e carros para e do prédio assente em A pelo prédio assente em B a desvalorização de qualquer um dos prédios nunca será superior a 5%? 10- O piso da servidão reclamada pela autora encontra-se em deficientes condições de conservação? 11- Com calçada esburacada, irregular e degradada? 12- E necessitando urgentes obras de repavimentação? 13- E que é um caminho de difícil passagem quer de pé quer de carro? Deste acervo de novos factos a reclamarem inserção na quesitaria, e na ponderação do pedido reconvencional de extinção da servidão, só poderia eventualmente relevar o 1º, sendo que os restantes se prendem, tão somente, com a onerosidade do encargo para o prédio serviente ou com a conversão do piso do caminho. Daí que não se considerem pertinentes para a decisão do pleito, como decidiu o Acórdão recorrido, sendo que a necessidade do facto sob o nº 1, será ponderada no ponto seguinte. 3- Extinção da servidão. De acordo com a limitação do âmbito do recurso constante das conclusões da alegação, os recorrentes insistem, agora, e apenas, na extinção da servidão por desnecessidade. 3.1- Tratando-se, como se trata de servidão constituída por usucapião, pode ser declarada extinta, a pedido do proprietário do prédio serviente, se se mostrar desnecessário ao prédio dominante. Trata-se de uma das causas extintivas – a par da confusão (quando os prédios dominante e serviente entram no domínio de um só proprietário) da remissão (renúncia do dono do prédio dominante) destruição ou acidente (que impossibilite o exercício), resolução, prescrição (resultante do não uso) e pelo decurso do prazo de constituição – cf., a propósito, Prof. Lafayette Rodrigues Pereira – “Direito das Coisas”, I, 2004, 437). A desnecessidade tem de ser apreciada em termos objectivos, ou seja, abstraindo a situação pessoal do proprietário do prédio dominante. Decidiu-se no Acórdão do STJ de 2 de Junho de 2005 – 05B4254 – que acolhe a jurisprudência largamente dominante: “Só quando a servidão deixou de ter para aquele (proprietário do prédio dominante) qualquer utilidade deve ser declarada extinta (acórdãos de 27 de Maio de 1999, revista nº 394/99, e de 7 de Novembro de 2002, revista nº 2838/02). Como no primeiro destes acórdãos se observa não interessa, assim, saber se, mediante determinadas obras, o proprietário do prédio encravado podia assegurar o acesso imposto pela normal utilização do prédio. O que se torna necessário é garantir uma acessibilidade em termos de comodidade e regularidade ao prédio dominante, sem onerar desnecessariamente o prédio serviente. E é nesta perspectiva que também a “necessidade da servidão” deve ser considerada como requisito da sua constituição por usucapião”. Tem de perfilar-se um facto superveniente, concreto, objectivo e actual do qual resulte que a servidão deixou de ter justificação por o prédio dominante se ter tornado autónomo em termos de acessibilidade. É então necessário garantir ao dono do prédio serviente o total exercício do direito de propriedade, na plenitude da sua função socio-económica, arredando todas as limitações comprovadamente inúteis. O Prof. Oliveira Ascensão, comentando o artigo 2279º do Código Civil de 1867 referia que a norma tinha por escopo libertar os prédios de servidões desnecessários “que desvalorizam os prédios servientes, sem que valorizem os prédios dominantes”. (in “Desnecessidade e Extinção de Direitos Reais” separata da Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, 1964). O nº3 do citado artigo 1569º do Código Civil exige a demonstração (“que se mostrem”) da desnecessidade. Contrapõe-se a situação de encrave absoluto (ou relativo, nº 1 do artigo 1550º CC) à nova situação permissiva de acesso à via pública não excessivamente oneroso ou gravemente perturbador da comodidade. O acesso à via pública pode ser feito por terreno próprio, justificando-se então que seja onerado este segundo prédio do mesmo dono, que não o prédio alheio, até aí, então, serviente. A aquisição do prédio dominante pelo proprietário do prédio serviente extingue a servidão, “ope legis”, por confusão (nº1 alínea a) do artigo 1569º CC); a aquisição de prédio confinante ao dominante pelo dono deste, permitindo, através dele, o acesso à via pública, gera o direito potestativo de extinção do encargo por desnecessidade (“Não é racionalmente defensável que se constitua ou mantenha uma certidão de trânsito quando o titular dominante pode, por terreno seu, atingira a via pública com idêntica comodidade. Mais genericamente, não é justificável que se constituam ou mantenham servidões inúteis”. – Prof. Oliveira Ascensão, ob. cit., 34). 3.2- Aqui chegados há que apurar se a matéria de facto assente permite concluir pela desnecessidade da servidão. A recorrida é dona dos prédios 1 e 2 sendo que o primeiro é dominante dos prédios dos recorrentes (4 e 5) já que o acesso à via pública se faz através deles. O prédio 2 confronta directamente com a via pública, através de um caminho próprio de acesso. “Prima facie”, e tratando-se de prédios confinantes, ambos pertença da recorrida, resultaria que o acesso à via pública se faria do 1 para o 2 e daqui para o caminho, tornando desnecessário atravessar os prédios dos recorrentes. A Relação ponderou que os prédios 1 e 2 entre si; que no prédio 1 a recorrida pretende instalar uma Associação Cultural ou um Centro de Saúde; que, no prédio 2, o direito de superfície está inscrito a favor da “Caritas Diocesana de Coimbra – Instituição Particular de Solidariedade Social”, estando aí construído o Centro de Dia; que foram dados por não provados os quesitos 33º, 34º, 35º (onde se perguntava se a Autora passou a fazer a passagem de pé e de carro pelo prédio 2), o 36º (onde se perguntava, além do mais, se os prédios 1 e 2, desde que foram adquiridos pela Autora, constituem uma unidade como de um só se tratasse) não se provou, nesta parte. Diga-se, desde já, que o direito de superfície não retira ao fundeiro a propriedade do imóvel, limitando-se a conceder ao superficiário o direito de aí implantar coisa própria (artigo 1524º CC), sendo que se o direito for temporário o implante será adquirido pelo proprietário (nº1 do artigo 1538º). Mas a constituição da superfície afasta, desde logo, o conceito de unidade dos prédios, já que tal implica uma idêntica situação de fruição e exploração pelo mesmo proprietário. Ora, a unidade com este alcance é requisito da desnecessidade objectiva da servidão, sob pena de se transferir o encargo de serviente de um prédio para outro o qual por força da constituição da superfície, está, ainda que temporariamente, afecto a diferente “dono” (no sentido de fruidor). Tanto mais que o superficiário é, enquanto se mantém a superfície, condómino do solo, “ex vi” dos artigos 1526º e 1421º nº1 a) do Código Civil. Destarte não pode perfilar uma situação de desnecessidade, sendo, outrossim, que a inclusão na quesitaria e a eventual resposta positiva, ao facto cuja pertinência acima de deixou pendente (“A serventia pedida pela autora e a fazer-se pelos prédios dos réus permitirá a passagem indiferenciada de pessoas e carros a qualquer um dos dois prédios da autora?”) em nada alteraria o decidido, irrelevando, pois, para a solução encontrada. 4- Conclusões. Pode concluir-se que: a) A omissão de pronúncia – vicio de limite da alínea d) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, supõe o silenciar absoluto de qualquer questão de cognição obrigatória, nos termos do nº2 do artigo 660º, e não se preenche com a mera decisão sintética e escassamente fundamentada, por não se pronunciar sobre todos os argumentos e razoes aduzidas pelas partes. b) O nº 3 do artigo 511º do CPC não permite ao STJ que sindique da bondade do despacho proferido sobre reclamações à fixação da base instrutória. Tratando-se de agravo continuado – e com essa disciplina ainda que surja como segmento da revista – só é de conhecer se ocorrer qualquer das situações excepcionais dos nºs 2 e 3 do artigo 754º da lei processual. c) O STJ só sindica a insuficiência de factos seleccionados para a base instrutória no momento de uso da faculdade do nº3 do artigo 729º do CPC. d) A desnecessidade da servidão a que se refere o nº2 do artigo 1569º do Código Civil é apreciada em termos objectivos, ou seja, no cotejo da acessibilidade regular – não excessivamente incómoda ou onerosa – do prédio dominante e o encargo do prédio serviente, buscando-se que, na medida do possível e do razoável, o direito de propriedade possa ser exercido na plenitude da sua função socio-económica. e) Se o proprietário do prédio dominante adquire um prédio contíguo com acesso directo à via pública a servidão só se extingue por desnecessidade se os prédios representarem uma unidade de utilização e fruição. f) Assim não é se o novo prédio estiver onerado por um direito de superfície, já que o superficiário é condómino do solo sendo que a extinção da servidão significaria a transferência do encargo para outro prédio com oneração deste domínio “ex novo”. Nos termos expostos, acordam negar a revista. Custas pelos recorrentes. Nos termos expostos, acordam negar a revista. Custas pelos recorrentes. Supremo Tribunal de Justiça, 1 de Março de 2007 Sebastião Póvoas (relator) Moreira Alves Alves Velho |