Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1579/20.6T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. São internacionalmente competentes para conhecer o mérito de uma acção de responsabilidade civil extracontratual, por violação de direitos de personalidade através de conteúdos difundidos globalmente, os tribunais do Estado onde se encontra o centro de interesses do lesado durante o período em que ocorrem os danos provocados por essa violação.

II. Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, nos termos do artigo 62.º, al. b), do CPC, para decidirem uma acção em que um jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a sua actividade em Portugal, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome e da sua imagem em videojogos da FIFA, produzidos nos E.U.A. e divulgados por todo o mundo, inclusivamente em Portugal.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

1. AA, de nacionalidade brasileira, residente na Rua ..., ..., instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra, Electronic Arts, Inc., com sede em 209, Redwood Shores Parkway, Redwood City, California, EUA, pedindo a condenação desta sociedade a pagar-lhe:

a) A título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de € 180.000,00, de capital, acrescida dos juros vencidos, no montante de € 49.580,06, tudo no total de € 229.580,06 e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei;

b) E um montante nunca inferior a € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos, no montante de € 2.167,12, tudo no total de € 7 167,12 e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei.

Baseia este pedido, em resumo, na circunstância de ser um jogador de futebol profissional brasileiro, atualmente a jogar em Portugal, mas, devido à sua já longa carreira, tornou-se conhecido no meio do futebol.

Acontece que a ré, que é uma empresa líder global em entretenimento digital interativo, aproveitando-se desse facto, passou a utilizar, sem a sua autorização, a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais nos jogos de que é proprietária, denominados FIFA (também com as designações FIFA Football ou FIFA Soccer), pelo menos nas edições 2011, 2012, 2013, 2014, 2018 e 2020; FIFA MANAGER, pelo menos nas edições de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014; FIFA ULTIMATE TEAM - FUT, pelo menos nas edições de 2014, 2018 e 2020, e FIFA MOBILE nas edições de 2018 e 2020.

E faz a distribuição desses jogos através de várias subsidiárias entre as quais se destaca, na Europa, a EA S..., sedeada em ..., Suíça, que é uma empresa que opera como subsidiária (subdivisão) daquela, e que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos ..., Canadá e Japão.

Assim, porque a sua imagem está, pelo menos desde Setembro de 2009, a ser indevidamente usada em milhões de jogos difundidos em Portugal e por todo o mundo, sofreu com isso os referidos danos, que especifica e pelos quais quer ser ressarcido.

2. Contestou a ré, refutando os aludidos pedidos, seja porque o direito invocado pelo autor está prescrito; tem licenciamento dos direitos de imagem a seu favor; o autor age em abuso de direito; e, em qualquer caso, são infundados os pedidos pelo mesmo formulados, uma vez que, em síntese, para o desenvolvimento dos seus jogos FIFA, a mesma não carecia, nem carece, da autorização do autor.

Subsequentemente, no dia 31.03.2021, a ré veio suscitar a incompetência absoluta dos tribunais portugueses para o conhecimento do presente litígio, uma vez que não existem factores de conexão juridicamente relevantes com a ordem jurídica portuguesa. Por isso mesmo, termina pedindo a sua absolvição da instância.

3. O autor respondeu, pugnando pela solução contrária, uma vez que não reconhece fundamento legal para a procedência da referida excepção.

4. Depois de o autor se ter pronunciado sobre as excepções deduzidas pela ré na contestação, foi admitida a entretanto requerida intervenção da sociedade, Fifpro Commercial Enterprises BV, como assistente da ré.

5. No âmbito da audiência prévia foi, então, conhecida a arguida excepção de incompetência internacional, a qual foi julgada procedente e a ré absolvida da presente instância.

6. Inconformado com esta decisão, dela recorre o autor, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido Acórdão com o seguinte dispositivo:

Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida”.

7. Ainda inconformado, vem agora o autor interpor recurso de revista do Acórdão, entendendo que “deve o presente recurso ser julgado procedente e revogado o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, substituindo-se o mesmo por outro que declare a competência internacional dos Tribunais Portugueses”.

Termina as suas alegações com as conclusões que de seguida se transcrevem:

a) Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido nos autos que julgou o recurso interposto, pelo Autor, improcedente e, em consequência, manteve a decisão recorrida, que julga os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para o conhecimento da acção e, em consequência, absolve a ré da instância.

b) Assim, salvo diferente entendimento, o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, objecto do presente recurso, incorre em manifesta violação das regras de competência internacional, mais concretamente, na violação das disposições firmadas no artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento 1215/2012 e no artigo 62.º, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil.

c) A decisão recorrida é, salvo o devido respeito, que aliás é muito, injusta e precipitada, tendo partido de pressupostos errados.

d) Entende o ora Recorrente que as suas legítimas pretensões saem manifestamente prejudicadas pela manutenção da decisão recorrida.

e) No que respeita ao caso concreto e ao uso indevido da imagem do Autor, os jogos da ré, com o conteúdo lesivo, são difundidos por esta, para serem utilizados e guardados em vários instrumentos tecnológicos, de diversas pessoas, a qualquer momento, em qualquer lugar.

f) É o que sucede, por exemplo, com a colocação dos jogos em linha/ambiente digital, altamente potenciada com a expansão do uso da Internet e da qual a ré beneficia largamente para aumentar a divulgação e exploração comercial dos seus jogos e, bem assim, os avultados lucros daí advenientes.

g) Acresce que, conforme demonstrado nos autos, inclusive, através de diversa documentação junta com a petição inicial, os jogos da ré são comercializados em suporte físico em Portugal, nas mais variadas lojas, como por exemplo, nas lojas da especialidade, nas grandes superfícies, na Worten, na Fnac, na Mediamarket, entre tantas outras.

h) E imagine-se que, alguém escrevia um livro em sua casa denegrindo ou simplesmente fazendo uso não autorizado da imagem da personalidade “A” ou até que esse alguém pintava um quadro com uma imagem menos abonatória dessa mesma personalidade “A”.

i) Apenas não poderia ser invocado qualquer dano pela personalidade “A” pela utilização ilícita da sua imagem, se tal livro e tal quadro não saíssem nunca da casa do seu autor.

j) O mesmo já não se pode afirmar se tal livro e/ou tal quadro fossem promovidos, divulgados e comercializados por todo o mundo, inclusive, no local de residência daquela personalidade “A”, nomeadamente, em estabelecimentos de toda a espécie.

k) É assim, manifesto que os danos ocorreriam em todos os locais onde essa comercialização e divulgação tivesse lugar.

l) Esta lógica é, pois, plenamente aplicável aos jogos da ré, pelo que estando os jogos disponíveis a nível mundial, o dano não é provocado só nos Estados Unidos.

m) Por isso, a tese sufragada no acórdão recorrido, apenas faria sentido, salvo o devido respeito, se os jogos, com a imagem do Autor, apenas fossem produzidos em solo norte-americano e não transpusessem as suas fronteiras, para ser comercializados pela ré por todo o mundo sob todas as formas disponíveis, ou seja, online e em suporte físico.

n) E, é evidente que o tribunal do lugar onde a “vítima” (in casu, o Autor) tem o centro dos seus interesses, pode apreciar melhor o impacto de um conteúdo ilícito colocado em jogos de vídeo físicos e online sobre os direitos de personalidade, pelo que lhe deverá ser atribuída competência segundo o princípio da boa administração da justiça.

o) Para além disso, não pode ser descurado o princípio da previsibilidade das regras de competência, sendo que a ré, enquanto autora da difusão do conteúdo danoso, encontra-se manifestamente, aquando da colocação da imagem, nome e demais características das “vítimas” da sua acção, nos jogos de que é proprietária com vista à sua divulgação mundial, em condições de conhecer os centros de interesses das pessoas afetadas por este.

p) O que releva, in casu, é o país onde ocorre o dano, independentemente do país onde tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as consequências indirectas do facto desencadeador da obrigação de indemnização.

q) E Tribunal de Justiça já elaborou orientações para a interpretação do artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento no que diz respeito ao «lugar da materialização do dano», sendo que quanto a determinados domínios específicos (por exemplo, a responsabilidade por violação de direitos de personalidade na Internet) admitiu o critério do centro de interesses principais do lesado.

r) Neste sentido, e no que respeita a situações análogas já analisadas pelo TJUE quanto a esta matéria salientam-se os acórdãos Shevill e eDate Advertising GmbH, cujos textos, para efeitos de argumentação, aqui se dão por reproduzidos e ainda a doutrina já fixada no douto acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2005.

s) É este o contexto que nos encontramos, mas que o Tribunal a quo desconsidera totalmente, desvalorizando, de igual modo a protecção que a pessoa humana e a sua imagem merecem no ciberespaço.

t) O Julgador não pode deixar de estar atento à evolução tecnológica e à expansão dos fenómenos dela resultantes, de forma a evitar decisões totalmente desfasadas da realidade em que vivemos actualmente.

u) O facto constitutivo essencial desta causa reporta-se à produção e divulgação dos jogos utilizando a imagem e o nome do Autor, sem sua autorização, mas – ao contrário do referido no acórdão recorrido - a sua divulgação e exploração comercial não se localiza, exclusivamente, em solo norte-americano.

v) Conforme demonstrado, essa divulgação ocorre em todo o mundo e, também, em Portugal, pelo que há, obviamente, uma repercussão do facto danoso, também, em todo o território nacional.

w) O centro de interesses do Autor é em Portugal, aqui é o seu domicílio, aqui se encontram os seus familiares mais próximos, foi aqui que exerceu predominantemente a sua actividade profissional, pelo que estão os Tribunais portugueses melhor posicionados para conhecer do mérito da acção

x) E, estando em causa a violação, pela ré, de direitos de personalidade do Autor, com tratamento e protecção constitucional e infraconstitucional, cfr. artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigos 70.º e 72.º do Código Civil e sendo arguida pelo Autor, aqui Recorrente, a inconstitucionalidade do artigo 38.º n.º 4 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, por se considerar que o mesmo é ofensivo do conteúdo de um direito fundamental (o já invocado artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) não se concebe como o poderia o julgamento da causa nestes autos ser atribuído a uma jurisdição estrangeira de um outro país.

y) Mais se diga ainda que, eventuais, dificuldades de aplicação do critério da materialização do dano não podem por em causa a gravidade da lesão que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um conteúdo ilícito está disponível em qualquer ponto do globo, como sucede in casu.

z) Não podia, pois, o Tribunal a quo deixar de concluir, in casu, pela verificação dos factores de conexão previstos no artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento 1215/2012 e nas alíneas a), b) e c) do artigo 62.º do Código de Processo Civil.

aa) Teria, assim, de improceder a deduzida excepção de incompetência internacional do Tribunal a quo, aduzida pela ré, por verificação dos elementos de conexão referidos.

bb) A obrigação de reparação, in casu, decorre de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial – a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem.

cc) Face ao que antecede, o acórdão em crise violou o disposto nos artigos 7.º, n.º 2 do Regulamento 1215/2012, nas alíneas a), b) e c) do artigo 62.º e no artigo 71.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, o artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e ainda os artigos 70.º, 72.º e 79.º do Código Civil.

dd) O Recorrente, requer a junção e consideração dos doutos Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 24 de Maio de 2022 e em 7 de Junho de 2022, no âmbito dos Processos n.ºs 3853/20.2T8BRG.G1.S1, 24974/19.9T8LSB.L1.S1 e 4157/20.6T8STB.E1.S1, ao abrigo do artigo 651.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, pela relevância que, enquanto Decisões de Tribunal Português, assumem na questão decidenda deste recurso”.

8. A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

As suas conclusões – ainda mais extensas – são as seguintes:

a) O presente recurso de revista, interposto pelo autor, visa a revogação do acórdão de 08.06.2022, pelo qual se declarou procedente a exceção de incompetência internacional, porque esta ação não reúne os necessários elementos de conexão com a ordem jurídica Portuguesa.

b) O recurso interposto pelo autor deverá ser rejeitado, improcedendo o único fundamento invocado: erro na aplicação da lei, por alegada violação das regras de competência internacional.

c) Improcedência que se justifica, desde logo, por quatro razões centrais:

(i) A ré tem sede fora da UE;

(ii) Nenhum ato, territorialmente situado em Portugal, é imputado pelo autor à ré;

(iii) Nenhum dano concreto é invocado pelo autor, em toda a petição inicial, sob qualquer forma e, bem assim, localizado em Portugal; e

(iv) A venda de jogos em Portugal – além de não ser imputada à ré, cuja atuação o autor circunscreve aos territórios dos EUA, Canadá e Japão – não assume conexão relevante para que se possa avocar a competência dos tribunais portugueses.

d) A exceção de incompetência internacional submetida à apreciação deve ser dirimida, exclusivamente, à luz do regime interno, por inexistir qualquer instrumento internacional de regulação do foro aplicável, incluindo de fonte europeia.

e) O regulamento europeu n.º 1215/2012 não é aplicável ao caso em apreço, porque quer as disposições gerais (art.º 4.º, n.º 1 e 6.º, n.º 1), quer as regras de competências especiais (art.º 7.º, n.º 2) apenas se aplicam quando a entidade demandada tem domicílio num Estado-Membro.

f) A ré tem sede nos EUA, no Estado da Califórnia, pelo que está afastada do âmbito deste regulamento europeu, bem como da aplicação de qualquer jurisprudência densificadora de conceitos previstos em regulamentação europeia.

g) São inaplicáveis aos presentes autos as considerações e princípios desenvolvidos pela jurisprudência europeia, destinados a interpretar os conceitos dos regulamentos europeus em matéria de competência dos tribunais – entendimento pacífico do próprio TJUE e confirmado pelo STJ:

– “VI. A Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem considerado que os conceitos expressos nos Regulamentos têm carácter autónomo, ou seja, têm um significado e uma leitura no contexto do Direito da União Europeia e não como suporte densificador do Direito Nacional de cada um dos seus Estados-Membros.”

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2020, Proc. 1608/19.6T8GMR.G1.S1.

– “I - Sendo aplicáveis à presente acção normas de Direito Comunitário/Direito da União Europeia sobre competência internacional, na sua interpretação, como na interpretação da generalidade das normas jurídicas de fonte supra-estadual, vale o princípio da interpretação autónoma relativamente aos ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros, em razão da prossecução do objectivo de aplicação uniforme de tais normas.”

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.12.2018, Proc. 2312/16.2T8FNC.L1.S1.

– “IV - Na interpretação das normas sobre competência internacional, vale o princípio da interpretação autónoma relativamente aos ordenamentos jurídicos dos Estados Membros, tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa, e o da interpretação uniforme em toda a União Europeia, como forma de assegurar a aplicação uniforme do direito da União em todos os Estados-Membros e o princípio da igualdade entre todos os cidadãos da União.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.06.2021, Proc. 449/18.2T8FAR.E1.S1.

– E ainda acórdãos do STJ de 16.02.2016, proc. 135/12.7TCFUN.L1.S1; de 21.09.2017, proc. 53/14.4T8CBR-D.C1.S1; de 14.12/2017, proc. 143378/15.0YIPRT.G1.S1; de 13.11.2018, proc. 6919/16.0T8PRT.G1.S1.

h) Ainda que se considerem os ensinamentos do TJUE – o que não se concede –, à luz dessa jurisprudência consolidada, a presente causa não contém qualquer alegação factual que demonstre a existência da ocorrência de danos em Portugal, que permitam a avocação de competência internacional por banda dos tribunais portugueses.

i) Por outro lado, a aplicação analógica de jurisprudência europeia redundaria na efetiva aplicação de direito europeu, em contravenção das disposições nacionais e europeias e em total subversão do sistema jurídico.

j) Acresce que não se identifica qualquer lacuna na regulamentação nacional que careça de “aplicação analógica” de jurisprudência europeia.

k) São inaplicáveis os conceitos relativos ao domicílio e centro de interesses do autor e, bem assim, quaisquer presunções judiciais ou factos que não estejam referidos na petição inicial e que não integrem a causa de pedir (incluindo o local onde o autor terá exercido predominantemente a sua atividade profissional – facto que apenas é alegado em sede de recurso e que não integra a causa de pedir),sob pena de interpretação inconstitucional dos art.º 351.º, do CC, art.º 5.º, n.º 1, 62.º, 608.º, n.º 2 do CPC e 38.º, n.º 1 da LOSJ, por violação nos termos detalhados nas alegações de recurso – aqui dados por reproduzidos e para os quais se remete –, entre outros, dos seguintes princípios:

– princípio do Estado de Direito (na vertente do princípio da proteção da confiança ou da tutela da confiança, princípio de separação dos poderes, princípio da soberania (artigo 2.º da CRP);

– princípio da tutela jurisdicional efetiva, na vertente do princípio do processo equitativo e da igualdade das partes (art.º 20.º, n.º 4 da CRP); e

– princípio do dever de obediência dos tribunais à lei (art.º 203.º da CRP e art.º 22.º da LOSJ) e princípio da igualdade (art.º 13.º, n.º 1 da CRP).

l) Esta questão relativa à inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 351.º, do CC, art.º 5.º, n.º 1, 62.º, 608.º, n.º 2 do CPC e 38.º, n.º 1 da LOSJ é suscitada para conhecimento expresso deste Tribunal, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todas da Lei n.º 28/82.

m) A competência internacional, neste pleito, deve ser apreciada exclusivamente à luz da fonte interna, prevista no art.º 62.º do CPC e respetivos três fatores de conexão:

(i) alínea a): quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

(ii) alínea b): quando foi praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a integram;

(iii) alínea c): quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.

n) A apreciação destes fatores centra-se exclusivamente no teor da petição inicial – art.º 38.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário.

o) Para apreciação os fatores de conexão consagrados nas alíneas do art.º 62.º do CPC, importa considerar apenas a factualidade invocada na petição inicial.

p) Tendo-se estabelecido, na decisão revidenda, mutatis mutandis a seguinte factualidade relevante:

Quanto ao autor:

(i) O autor refere ser jogador de futebol (artigo n.º 3 da petição inicial);

Quanto à ré:

(ii) A ré é uma sociedade norte-americana, com sede no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América;

(iii) A ré dedica-se à exploração, distribuição e venda de jogos, sendo que o autor não alega que a ré o faz em Portugal (artigo 1.º e 2.º da petição inicial);

(iv) O autor refere que “…a ré conta com várias subsidiárias, entre as quais se destaca, na Europa, a EA S...…” (artigo 2.º da petição inicial), o que evidencia que a ré não atua em Portugal ou, sequer, na Europa;

Quanto ao facto ilícito imputado à ré:

(v) Em parte alguma da petição inicial, o autor afirma que a ré vende, em Portugal, os jogos FIFA e FIFA MANAGER, chegando mesmo a reconhecer, quanto a versões antigas dos jogos que os mesmos são comercializados por terceiros (artigos n.º 25.º e 36.º da petição inicial).

(vi) Nenhum dano é alegado ou concretizado, pelo autor, na petição inicial, como ocorrendo em Portugal.

q) O fator de conexão da alínea a) refere-se às regras de competência territorial da nossa ordem jurídica, sendo aplicável, às ações de responsabilidade civil, o art.º 71.º, n.º 2 do CPC: o lugar onde o facto ocorreu.

r) Tendo o autor – e bem – circunscrito a atuação da ré aos territórios dos EUA, Canadá e Japão, não foi imputado à ré a prática de qualquer facto em Portugal, o que por si só afasta a verificação da alínea a) do art.º 62.º do CPC.

s) A aplicação do critério de competência em razão do território mostra que os tribunais portugueses são incompetentes para o pleito desenhado na petição inicial.

t) Contra este quadro factual e com vista ao preenchimento do fator de conexão previsto na alínea a) do art.º 62.º do CPC – critério da coincidência –, o autor sustenta que o facto ilícito ocorre também em Portugal, porque os jogos FIFA são vendidos em Portugal por terceiros que não a ré.

u) Sucede que o facto ilícito imputado à ré não consiste na venda de jogos em Portugal, mas sim na produção dos mesmos que, reconhecidamente, ocorre no estrangeiro.

v) É o próprio autor quem declara, no já identificado art.º 2.º da petição inicial, que a ré não tem atividade em Portugal e, quanto à comercialização dos jogos, a ré apenas se dedica aos mercados dos EUA, Canadá e Japão.

w) O que significa que a ré não pratica qualquer ato lícito ou ilícito em Portugal e, nessa medida, mesmo em abstrato, o lugar do alegado facto ilícito não ocorre em Portugal.

x) Quanto ao fator de conexão previsto na alínea b) do art.º 62.º do CPC – critério da causalidade –, impunha-se ao autor identificar factos integradores da causa de pedir ocorridos nosso país.

y) No entanto, nem os factos alegados na petição inicial, nem os documentos juntos são, em tese, aptos a tal.

z) Quanto ao facto ilícito atribuível à ré, o mesmo ocorre – centrados na tese do autor – nos Estados Unidos da América, não bastando, neste contexto, sustentar que foram alegados factos praticados em território nacional com base na afirmação que os jogos FIFA são vendidos em todo o mundo, incluindo Portugal, ainda que por terceiros.

aa) De igual modo, não foi concretizado qualquer dano sofrido pelo autor, tampouco em território nacional, não se indicando o momento em que tal se produziu

bb) Na tese do autor, se o dano equivale ao facto ilícito, então o dano ocorreu no local da produção dos jogos.

cc) O autor, órfão de factos para sustentar a conexão com Portugal, procura compensar esse vazio, retratando, como um único facto, realidades autónomas e com diferentes esferas de imputação, a saber:

(i) alegação de vendas, por terceiros, em Portugal; e

(ii) alegação de atos praticados pela ré no estrangeiro.

dd) Partindo dessa conjugação artificial, num único facto, o autor imputa à ré a produção de danos, de forma conclusiva e sem os localizar territorialmente.

ee) Sucede que tais factos têm de ser apreciados como realidades individuais e não forjando-se uma síntese entre ambos. Ou seja, tais factos não se podem confundir porque (i) os atos praticados pela ré ocorrem no estrangeiro e (ii) os atos de comercialização em Portugal não são atribuíveis à ré, como o próprio autor afirma.

ff) Nenhum destes factos permitindo, autonomamente, assacar à ré a prática de qualquer ato em Portugal gerador de responsabilidade civil.

gg) Trata-se de factos ou conclusões sem conexão com o território nacional e muito menos em termos relevantes, para permitir que os nossos tribunais avoquem a competência internacional para este pleito.

hh) A comercialização plurilocalizada dos jogos e, na Europa, por entidades que não a ré, não pode ser tida como um fator distintivo no contexto da causa de pedir e que atribua relevância suficiente para a afirmação da competência dos nossos tribunais.

ii) Acresce que para que se estabeleça a competência internacional dos tribunais portugueses é necessário que os factos materiais localizados em Portugal apresentem uma conexão relevante com o ordenamento nacional.

jj) O que manifestamente não se verifica neste pleito, já que a comercialização dos jogos FIFA, a nível mundial, revela ligação identicamente ténue com todos esses territórios e, nessa medida, não assume particular conexão que justifique a atribuição de competência internacional a Portugal.

kk) Na verdade, a consideração da venda, por terceiros, como fator de conexão geraria uma situação de conflito positivo de competência internacional, já que qualquer tribunal do mundo, considerar-se-ia competente para esta lide, hipótese que as normas de competência internacional visam evitar.

ll) A alegação do autor, posterior à petição inicial, acerca da ocorrência de danos globalmente e, por isso, também no seu domicílio, apelando aos conceitos de centro de interesses, boa administração da justiça e previsibilidade das normas de competência, não permite colmatar a falta de invocação de quaisquer danos em Portugal, por vários motivos:

(i) antes de mais, trata-se de conceitos incorretamente importados da jurisprudência europeia densificadora das normas europeias e que, como se viu, não têm aplicabilidade no caso dos autos;

(ii) a tese do autor que faz equivaler o dano ao facto ilícito levará à conclusão de que o dano ocorreu no local da produção dos jogos, no estrangeiro e não no local do seu centro de interesses;

(iii) os conceitos desenvolvidos pela jurisprudência europeia para efeitos da aferição do tribunal competente para a lide são claros em afirmar a irrelevância do dano subsequente ocorrido no domicílio do autor;

(iv) os conceitos de centro de interesses, boa administração da justiça e previsibilidade das normas de competência não encontram um mínimo de correspondência com a letra ou com o espírito dos critérios de conexão estabelecidos no art.º 62.º do CPC;

(v) apenas a factualidade constante da petição inicial é relevante para a averiguação da competência;

(vi) não são alegados danos concretos, tampouco verificados em Portugal; e

(vii) a alegação de que o dano ocorre em todo o mundo e também na residência do autor não traduz, como vimos, uma conexão suficiente ou relevante com a jurisdição portuguesa.

mm) São também legalmente irrelevantes as novas alegações factuais trazidas pelo autor, em sede de alegações de recurso, nomeadamente:

- sobre a existência de um dano inicial, que não concretiza;

- sobre o alegado lugar predominante de exercício da sua atividade profissional, sendo que o oposto resulta da petição inicial, onde o autor alega ter desempenhado uma carreira maioritariamente no estrangeiro e, note-se, em países fora da União Europeia (Brasil e ...);

- sobre a sua família, que também não mereceu qualquer referência ao longo da totalidade da petição inicial.

nn) Nenhum desses factos poderá ser considerado por este STJ, na medida em que não foram alegados na petição inicial.

oo) Como também não poderá este STJ permitir a corroboração desses factos por recurso a quaisquer mecanismos probatórios, como sejam as presunções judiciais, na medida em que tal atividade lhe está processualmente vedada e sempre constituiria uma nulidade por excesso de pronúncia.

pp) Quanto à alínea c) do art.º 62.º do CPC – critério da necessidade – o autor não invocou quaisquer razões objetivas que evidenciem uma dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro.

qq) Pelo contrário, sabendo-se que a matéria dos direitos de imagem é amplamente reconhecida nas várias jurisdições, o autor informou os autos ter conhecimento de casos em que direitos dessa natureza foram exercidos, na jurisdição da sua sede.

rr) A circunstância de se tratar de direitos com assento constitucional também não releva para efeitos da determinação do tribunal internacionalmente competente, inexistindo qualquer norma que ressalve a competência dos tribunais portugueses quando em causa estejam direitos protegidos pela Constituição.

ss) O conceito de centro de interesses ou o princípio da boa administração da justiça, que o autor pretende sustentar para interpretar o critério da necessidade, não são aptos a abrigar o conceito de “necessidade” de tutela por razões de conveniências logísticas relacionadas com a proximidade da vida familiar do autor.

tt) Daí que se conclua que não se verifica nenhum dos fatores de conexão previstos nas alíneas a), b) e c) do art.º 62.º do CPC, já que inexiste alegação factual sobre a prática de ilícito em Portugal, sobre a causa de pedir ou qualquer facto que a integre, praticado em Portugal ou sobre a necessidade de demandar a ré em território nacional.

uu) Em suma, o recurso de revista interposto deve improceder in totum, nos termos já apontados pelo Tribunal a quibus, na medida em que os factos alegados pelo autor não revelam a verificação de quaisquer fatores de conexão relevantes que atribuam competência internacional à ordem jurídica Portuguesa.

vv) Devem por isso improceder todas as conclusões do recurso do autor”.

9. No Tribunal da Relação do Porto foi proferido despacho com o seguinte teor:

Por para tanto ter legitimidade, estar em tempo e tratar-se de decisão objetivamente impugnável por esta via, admite-se o recurso de revista interposto pelo A., o qual subirá imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo – artigos 629.º, n.º 2, al. a), 671.º, n.º 2, al. a), 674.º, n.º 1, al. a), 674.º, n.º1, 676.º, n.º1 e 679.º, do CPC”.

10. Subidos os autos a este Supremo Tribunal, onde foram distribuídos e concluídos à presente Relatora, veio a recorrida apresentar requerimento em que  termina pedindo “que seja declarada a incompetência internacional dos tribunais portugueses para este litígio, pela não verificação dos fatores de conexão consagrados no art.º 62.º do CPC, mais se requerendo a pronúncia expressa deste tribunal sobre as inconstitucionalidades aqui invocadas a propósito da interpretação e aplicação dos art.º 9.º, 351.º do CC, art.º 62.º, alínea b) do CPC e art.º 38.º, n.º 1 da LOSJ, nos termos e para os efeitos dos art.º 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todas da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro”.


*


Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a questão a decidir, in casu, é uma única e é a de saber se os tribunais portugueses são ou não competentes para julgar e decidir o presente caso.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

No Acórdão recorrido vem consignado que os factos descritos no respectivo relatório (aqui globalmente reproduzido) eram os únicos relevantes para a decisão do pleito.

O DIREITO

Nota sobre a admissibilidade do recurso.

O presente recurso enquadra-se, manifestamente, na hipótese prevista no artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, portanto, num grupo de casos em que o recurso é sempre admissível. Esta circunstância torna irrelevante a possibilidade de equacionar o obstáculo da dupla conforme, emergente da convergência das decisões das instâncias.

Do requerimento superveniente

Analisado o requerimento apresentado depois da subida e da distribuição dos autos, verifica-se que ele consiste num complemento à resposta à alegação de recurso.

Ora, a lei processual não admite que tal resposta possa ser ampliada em momento posterior ao prazo previsto para a apresentar (cfr. artigo 638.º, n.º 5, do CPC).

Assim, dada a manifesta falta de oportunidade deste requerimento, não poderão ser apreciadas as questões, designadamente de constitucionalidade, nele suscitadas.

Do objecto do recurso

O presente caso respeita a uma acção de responsabilidade civil extracontratual, proposta ao abrigo do artigo 483.º, n.º 1, do CC, com fundamento na violação, por parte da demandada, dos direitos do autor ao nome e à imagem, como jogador de futebol profissional, direitos estes garantidos pelo artigo 26.º, n.º 1, da CRP e consagrados, respectivamente, nos artigos 72.º e 79.º do CC.

O caso integra-se num grupo de casos que, recentemente, têm vindo a solicitar a atenção deste Supremo Tribunal de Justiça, todos respeitantes à responsabilidade civil extracontratual por violação dos direitos de personalidade, como os direitos ao nome, à imagem e à honra, através de meios de exposição globais. Trata-se, designadamente, dos Acórdãos desta 2.ª Secção de 24.05.2022 (Proc. 3853/20.2T8BRG.G1.S1)[1], de 7.06.2022 (Proc. 24974/19.9T8LSB.L1.S1), de 23.06.2022 (Proc. 3239/20.9T8CBR-A.C1.S1)[2], de 29.09.2022 (Proc. 2160/20.5T8PNF.P1.S1)[3] e de 13.10.2022 (Proc. 1014/20.0T8PVZ.P1.S1)[4] e ainda do Acórdão da 1.ª Secção de 7.06.2022 (Proc. 4157/20.6T8STB.E1.S1).

Pela sua patente relevância para a compreensão e a resolução do caso dos autos e com vista a obter uma solução uniforme, à luz do art.º 8.º, n.º 3, do CC, não podem estes arestos deixar de ser ponderados.

Transcreva-se na íntegra a fundamentação do primeiro Acórdão, que constitui a primeira decisão proferida neste âmbito e, portanto, foi marcante para as decisões subsequentes:

1. A questão

Está em discussão neste recurso a competência internacional dos tribunais portugueses para apreciar o mérito da presente ação.

Com a sua propositura, o Autor pretende que a Ré seja condenada apagar-lhe uma indemnização, por violação dos seus direitos de personalidade ao nome e à imagem.

Para tanto, invoca que a Ré, que tem sede no Estado da Califórnia, dos Estados Unidos da América, utiliza, sem a sua autorização, o seu nome e a sua imagem, que inclui as suas características pessoais e profissionais, nos videojogos F... e F..., 2011, 2012, 2013 e 2014, os quais são produzidos pela Ré nos Estados Unidos e comercializados em todo o mundo por empresas “subsidiárias” da Ré (destacando-se na Europa a EZ S... Sarl que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão), resultando dessa atuação a ofensa do direito ao nome e à imagem do Autor.

Os danos invocados pelo Autor são a exposição do seu nome e da sua imagem sem o recebimento de qualquer contrapartida, a influência negativa que a invenção de atributos físicos e técnicos àquele, nos referidos videojogos, poderá ter na sua vida profissional e pessoal, e os estados psicológicos de perturbação, desgosto, tristeza e revolta que o Autor sentiu ao constatar a utilização não consentida do seu nome e da sua imagem.

A causa de pedir invocada pelo Autor é plurilocalizada, uma vez que tem contactos com diferentes ordenamentos jurídicos. O Autor tem nacionalidade portuguesa e reside em Portugal, a Ré tem a sua sede nos Estados Unidos da América (no Estado da Califórnia), a produção dos jogos ocorreu precisamente nesse local, a difusão comercializada do nome e da imagem do Autor, sem consentimento deste, verificou-se por todo o mundo, e os sentimentos negativos experienciados pelo Autor sucederam nos locais onde ele se encontrava durante todo este período.

O acórdão recorrido, em consonância com anteriores acórdãos das Relações proferidos em ações idênticas, interpostas por outros jogadores de futebol profissional [[5]], decidiu que os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para julgar apresente ação, com o principal argumento de que não se verificaram em território nacional os danos causados pela invocada atuação ilícita da Ré, uma vez que não é o local onde o jogo é vendido ao consumidor final que constitui o elemento relevante para atribuição da competência internacional, mas antes o local onde o referido jogo foi criado e posto em circulação, por ser nesse local que ocorreram os factos constitutivos do direito invocado pelo Autor, incluindo os danos diretos invocados.

2. A competência internacional dos tribunais portugueses

O artigo 37.º, n.º 2, da Lei Orgânica do Sistema Judiciário, incumbe alei de processo de fixar os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais, dispondo o artigo 59.º do Código de Processo Civil que, sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º do mesmo diploma.

O Regulamento Europeu que rege a competência judiciária em matéria cível e comercial é o denominado Regulamento Bruxelas I bis (Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012). Com exceção das ações previstas nos artigos 18.º, n.º 1, 21.º, n.º 2, 24.º e 25.º deste Regulamento, onde não se inclui a presente ação, é condição de aplicabilidade das regras nele contidas que o demandado tenha domicílio num Estado Membro. Se este requisito não se verificar, como sucede na presente ação, dado que a Ré tem a sua sede nos Estados Unidos da América, o referido Regulamento determina que a competência dos tribunais dos Estados Membros seja a definida pelas leis internas destes (artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I bis).

Como não existe nenhum instrumento internacional que vincule o Estado Português em matéria de competência judiciária aplicável à presente ação, é, portanto, à luz do disposto nos artigos 62.º e 63.º do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I, bis, que deve ser determinada a competência dos tribunais portugueses para decidir a presente ação.

No artigo 62.º do Código de Processo Civil são enunciados os três critérios autónomos de atribuição da competência internacional, com origem legal, aos tribunais portugueses – o da coincidência (alínea a), o da causalidade (alínea b) e o da necessidade (alínea c). A escolha destes critérios visou corresponder à exigência de uma tutela efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, conferindo competência aos tribunais portugueses quando, pela sua proximidade com as partes e com as provas, se encontrem em condições de melhor dirimirem os litígios que necessitam de uma intervenção jurisdicional.

Segundo o critério da coincidência, que recorre a uma técnica legislativa de remissão intrasistemática [[6]], os tribunais portugueses são competentes sempre que a ação possa ser proposta em Portugal, segundo as regras específicas da competência territorial, estabelecidas na lei portuguesa (artigo 70.º e seguintes do Código de Processo Civil),atribuindo-se, assim, a estas regras a funcionalidade suplementar de determinarem a competência internacional dos tribunais portugueses, para além de definirem a competência territorial interna. A ideia que inspira a adoção deste critério é a de que os elementos de conexão utilizados para estabelecer a competência territorial interna traduzem um elo suficientemente forte entre a causa e o Estado português para fundamentar a competência internacional dos seus tribunais.

No presente caso, estamos perante uma ação em que se pretende efetivar a responsabilidade civil extracontratual, pela violação, por ato ilícito, de direitos de personalidade, dispondo o artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que se a ação se destinar a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu.

ALBERTO DOS REIS [[7]] justificou a opção por este critério instrumental, no Código de Processo Civil de 1939, por ser no lugar onde o facto foi praticado que devem encontrar-se as melhores provas da ocorrência e dos danos por ele produzidos. É a proximidade do tribunal com as provas dos factos que integram os diferentes elementos da causa de pedir de uma ação de responsabilidade extracontratual que é determinante da escolha do forum delicti comissi.

No entanto, a aplicação deste critério para aferir a competência territorial interna revela algumas dificuldades e divergências quando a ação ofensiva decorre em local diferente onde se produzem os danos, uma vez que, nesse caso, as provas dos factos que integram a causa de pedir se encontrarão espacialmente dispersas, registando-se opiniões no sentido de que, em caso de dissociação entre o lugar do facto causal e o lugar onde o dano se produziu, o lesado pode propor a ação repetitiva em qualquer um destes lugares [[8]], à semelhança do que ocorre quando a ação se desenvolve plurilocalizadamente, em contraponto composições menos flexíveis que sustentam que, nessas situações, releva apenas o local onde ocorreu o comportamento do agente violador de direitos do lesado [[9]].

Cremos, no entanto, que essas dificuldades não se colocam quando o artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, funciona como norma ad quam, das regras definidoras da competência internacional, uma vez que, segundo o critério da causalidade (artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil), os tribunais portugueses têm competência para decidir os litígios em que algum dos factos que integram a sua causa de pedir ocorra em território português [[10]]. Sendo o dano um dos elementos essenciais da causa de pedir nas ações de responsabilidade extracontratual, não se pode deixar de admitir que o local onde este se verificou possa conferir competência aos tribunais portugueses para decidirem as ações em que o dano aconteceu em Portugal, uma vez que as provas desse importante elemento da causa de pedir se localizarão em território português, sem prejuízo dessa competência também poder ser determinada pela localização de outros elementos relevantes da causa de pedir [[11]].

No entanto, nestas situações, deve exigir-se, de modo a evitar que a competência determinada por este critério possa ser considerada exorbitante, que esses elementos da causa de pedir traduzam uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado Português, justificativa da intervenção dos seus tribunais, designadamente que um significativo acervo das provas a produzir presumivelmente se situe em Portugal, numa aplicação da teoria do forum non conveniens [[12]].

É essa, aliás, a leitura que também tem sido feita pelo Tribunal de Justiça da União Europeia das normas gémeas do artigo 7.º, 2), do Regulamento Bruxelas I bis, e dos artigos 5.º, n.º 3, dos anteriores instrumentos legais europeus que tiveram por objeto o estabelecimento de regras comuns de competência judiciária em matéria cível e comercial, a Convenção de Bruxelas, de 27.09.1968, a Convenção de Lugano de 16.09.1988, a Convenção de Lugano II, de 30.10.2007, e o Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, tendo, nesses casos, o Tribunal aplicado, com temperança, a regra da ubiquidade [[13]][[14]].

3. A jurisprudência do TJUE

Mas, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem também uma importante jurisprudência precisamente em matéria de competência internacional, relativa a ações de responsabilidade civil extracontratual por violações de direitos de personalidade, como os direitos ao nome, à imagem e à honra, através de meios de exposição globais, aplicando o artigo 7.º do Regulamento Bruxelas I bis e as normas que lhe antecederem contidas nos artigos 5.º, n.º 3, da Convenção de Bruxelas, de 27.09.1968, da Convenção de Lugano de 16.09.1988, da Convenção de Lugano II, de 30.10.2007, e do Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000 [[15]].

O artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I bis, nas situações em que o demandado não tenha domicílio num Estado-Membro, como ocorre no presente caso, ao determinar uma remissão para as regras do direito processual civil do Estado Membro cujo tribunal é chamado a pronunciar-se, em matéria de competência internacional, sendo estas as normas aplicáveis nessas situações, denuncia que essas regras internas também fazem parte de um mesmo sistema de regras de conflito de competências instituído pelo Regulamento, que se pretende global e coerente [[16]]. Não deixamos, pois, de estar também aqui perante uma remissão intrasistemática, apesar da sua aparência extrasistemática [[17]]. Este convívio, por efeito desta remissão, no nosso ordenamento jurídico das regras de direito europeu sobre a competência internacional dos tribunais dos Estados Membros da União Europeia, incluindo os tribunais portugueses (neste caso, o Regulamento Bruxelas I bis), e as regras do direito processual civil português sobre a mesma matéria, embora com um âmbito de aplicação distinto, exige a preservação da coerência sistémica do nosso ordenamento jurídico. Não só o conteúdo das normas internas sobre competência internacional não devem conduzir a soluções díspares com os princípios que regem o direito europeu nessa matéria, o que tem sido objeto de preocupação do legislador nacional, como a sua interpretação deve ter em consideração a leitura que o Tribunal de Justiça da União Europeia tem efetuado das normas europeias que estabeleçam critérios idênticos às normas de direito interno. A harmonia do ordenamento jurídico pede que critérios idênticos na definição da competência internacional dos tribunais, apesar de provirem de fontes distintas, tenham uma aplicação coincidente, sendo certo que a jurisprudência do TJUE tem um papel fundamental na interpretação do direito europeu.

O TJUE, no Acórdão de 7.03.1995, BB, I... Inc, C... SARL e C... Ltd contra P..., S.A. [[18]], relativamente à propositura de uma ação em que se pedia o pagamento de uma indemnização por difamação cometida através de um artigo publicado no jornal France Soir, à venda em vários países europeus, incluindo Inglaterra, onde a vítima residia, começou por sustentar que a expressão “lugar onde ocorreu o facto danoso”, utilizada no artigo 5.º, n.º 3, da Convenção de Bruxelas de 27.09.1968,deveria ser interpretada no sentido de que a vítima pode intentar uma ação de indemnização contra o editor da publicação difamatória quer nos órgãos jurisdicionais do Estado onde se situa o estabelecimento da editora, quer nos órgãos jurisdicionais de cada Estado em que a publicação foi divulgada e onde a vítima alega ter sofrido um atentado à sua reputação, os quais seriam competentes para conhecer apenas dos danos causados no Estado do tribunal onde a ação foi proposta.

Neste aresto, o Tribunal considerou:

(...)

21. (...) que o lugar do evento causal, do ponto de vista da competência jurisdicional, pode constituir um critério de vinculação não menos significativo do que o critério do lugar onde o dano se materializou, podendo cada um deles, segundo as circunstâncias, revelar-se especialmente útil do ponto de vista da prova e da organização do processo.

(...)

23. Estas considerações, feitas a propósito de danos materiais, devem ser válidas também, pelas mesmas razões, no caso de prejuízos não patrimoniais, nomeadamente os causados à reputação e à consideração de uma pessoa singular ou coletiva por uma publicação difamatória.

(...)

28. O lugar de materialização do prejuízo é o local em que o facto gerador, implicando a responsabilidade extracontratual do seu autor, produziu efeitos danosos em relação à vítima.

29. No caso de uma difamação internacional através da imprensa, o atentado feito por uma publicação difamatória à honra, à reputação e à consideração de uma pessoa singular ou coletiva manifesta-se nos lugares onde a publicação é divulgada, quando a vítima é aí conhecida.

30. Daqui resulta que os órgãos jurisdicionais de cada Estado contratante onde a publicação difamatória foi divulgada e onde a vítima invoca ter sofrido um atentado à sua reputação são competentes para conhecer dos danos causados nesse Estado à reputação da vítima.

31. Com efeito, de acordo com o imperativo de uma boa administração da justiça, fundamento da regra de competência especial do artigo 5., n. 3, o tribunal de cada Estado contratante em que a publicação difamatória foi divulgada e onde a vítima invoca ter sofrido um atentado à sua reputação é territorialmente o mais qualificado para apreciar a difamação cometida nesse Estado e determinar o alcance do prejuízo correspondente.

(...)

No entanto, uns anos volvidos, no importante Acórdão de 25.10.2011,e-Date A... GmbH contra X e CC contra M... Limited [[19]],relativamente à propositura de ações de responsabilidade civil pela publicação em portais noticiosos na Internet de referências à condenação de X pelo homicídio de um conhecido ator e aos encontros amorosos de DD e EE, já se entendeu que o artigo 5.º, ponto 3, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de2000, deveria ser interpretado no sentido de que, em caso de alegada violação dos direitos de personalidade através de conteúdos colocados em linha num sítio na Internet, a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma ação fundada em responsabilidade extracontratual pela totalidade dos danos causados, quer nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro do lugar onde se situa o estabelecimento da pessoa que emitiu esses conteúdos, quer nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro onde se encontra o centro dos interesses do lesado.

Neste aresto, após se transcreverem múltiplas passagens do anterior acórdão BB, I... Inc, C... SARL e C... Ltd contra P..., S.A., acima mencionado, discorre-se nos seguintes termos:

(...)

45. Todavia, como alegaram tanto os órgãos jurisdicionais de reenvio como a maioria das partes e dos interessados que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, a colocação em linha de conteúdos num sítio na Internet distingue-se da difusão, circunscrita a um território, de um meio de comunicação impresso, na medida em que visa, em princípio, a ubiquidade dos referidos conteúdos. Estes podem ser consultados instantaneamente por um número indefinido de internautas em todo o mundo, independentemente de qualquer intenção da pessoa que os emitiu, relativa à sua consulta para além do seu Estado‑Membro de estabelecimento e fora do seu controlo.

46. Afigura-se, portanto, que a Internet reduz a utilidade do critério relativo à difusão, na medida em que o âmbito da difusão de conteúdos colocados em linha é, em princípio, universal. Além disso, nem sempre é possível, no plano técnico, quantificar essa difusão com certeza e fiabilidade relativamente a um Estado-Membro em particular, nem, por conseguinte, avaliar o dano exclusivamente causado nesse Estado-Membro.

47. As dificuldades de aplicação, no contexto da Internet, do referido critério da materialização do dano decorrente do acórdão BB, já referido, contrastam, como o advogado-geral salientou no n.º 56 das suas conclusões, com a gravidade da lesão que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um conteúdo que viola o referido direito está disponível em qualquer ponto da globo.

48. Há, portanto, que adaptar os critérios de conexão recordados no n.º 42 do presente acórdão no sentido de que a vítima de uma violação de um direito de personalidade através da Internet pode intentar, em função do lugar da materialização do dano causado na União Europeia pela referida violação, uma ação num foro a respeito da integralidade desse dano. Tendo em conta que o impacto de um conteúdo colocado em linha sobre os direitos de personalidade de uma pessoa pode ser mais bem apreciado pelo órgão jurisdicional do lugar onde a pretensa vítima tem o centro dos seus interesses, a atribuição de competência a esse órgão jurisdicional corresponde ao objetivo de boa administração da justiça recordado no n.º 40 do presente acórdão.

49. O lugar onde uma pessoa tem o centro dos seus interesses corresponde em geral à sua residência habitual. Todavia, uma pessoa pode ter o centro dos seus interesses igualmente num Estado-Membro onde não reside habitualmente, na medida em que outros indícios, como o exercício de uma actividade profissional, podem estabelecer a existência de um nexo particularmente estreito com esse Estado.

50. A competência do órgão jurisdicional do lugar onde a pretensa vítima tem o centro dos seus interesses é conforme ao objetivo de previsibilidade das regras de competência (v. acórdão de 12 de Maio de 2011, BVG, C-144/10, ainda não publicado na Coletânea, n.º 33), igualmente a respeito do demandado, dado que a pessoa que emite o conteúdo danoso está, no momento da colocação em linha desse conteúdo, em condições de conhecer os centros de interesses das pessoas que são objeto deste. Deve, portanto, considerar‑se que o critério do centro de interesses permite simultaneamente ao demandante identificar facilmente o órgão jurisdicional a que se pode dirigir e ao demandado prever razoavelmente o órgão jurisdicional no qual pode ser demandado (v. acórdão de 23 de Abril de 2009, FF e ...,C-533/07, Colect., p. I-3327, n.º 22 e jurisprudência referida).

51. Por outro lado, em vez de uma ação fundada em responsabilidade pela totalidade do dano, o critério da materialização do dano decorrente do acórdão BB, já referido, confere competência aos órgãos jurisdicionais de cada Estado-Membro em cujo território um conteúdo colocado em linha esteja ou tenha estado acessível. Estes são competentes para conhecer apenas do dano causado no território do Estado-Membro do órgão jurisdicional em que a ação foi intentada.

(...)

Mais tarde, no Acórdão de 17.10.2017, ... OU e GG contra ... AB [[20]], relativamente à propositura de uma ação de responsabilidade civil pela publicação numa página da Internet de dados incorretos e comentários difamatórios sobre uma sociedade comercial estónia, entendeu-se que o artigo 7.º ponto 2, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, deveria ser interpretado no sentido de que uma pessoa coletiva que alega que os seus direitos de personalidade foram violados pela publicação de dados incorretos a seu respeito na Internet e pela não supressão de comentários a ela relativos pode intentar uma ação destinada a obter a retificação desses dados, a supressão desses comentários e a reparação da totalidade do dano sofrido nos tribunais do Estado-Membro no qual se situa o seu centro de interesses.

Neste aresto, após se transcreverem múltiplas passagens do acórdão antes mencionado, acrescenta-se:

(...)

32. No contexto específico da Internet, o Tribunal de Justiça declarou, contudo, num processo relativo a uma pessoa singular, que, em caso de alegada violação dos direitos de personalidade através de conteúdos colocados em linha num sítio Internet, a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma ação fundada em responsabilidade pela totalidade dos danos causados nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro onde se encontra o centro dos seus interesses (acórdão de 25 de outubro de 2011, eDate Advertising, C-509/09 e C-161/10, EU:C:2011:685, n.º 52).

33. Quanto a esses conteúdos, a alegada violação é, com efeito, geralmente sentida mais intensamente no centro de interesses da pessoa visada, tendo em conta a reputação de que goza nesse local. Assim, o critério do «centro de interesses da vítima» traduz o local onde, em princípio, o dano causado por um conteúdo em linha se materializa, na aceção do artigo 7.º, ponto 2, do Regulamento n.º 1215/2012, de modo mais significativo.

(...)

Finalmente, no recente Acórdão de 21-12-2021, Gtflix Tv contra DR [[21]], relativamente à propositura de uma ação de responsabilidade civil pela publicação em sítios e fóruns Internet de afirmações depreciativas da sociedade Gtflix Tv que se dedica à produção e difusão de conteúdos audiovisuais para adultos, voltou a ser reafirmada a jurisprudência dos acórdãos anteriormente mencionados, com transcrição das suas passagens mais relevantes, pronunciando-se no sentido que a ação indemnizatória poderá sempre ser proposta nos órgãos jurisdicionais de cada Estado-membro onde aquelas afirmações depreciativas tenham estado acessíveis ao público, mesmo que esses órgãos não sejam competentes para conhecer dos pedidos de retificação e supressão desses conteúdos.

4. A aplicação ao caso concreto

Na resolução da questão que é colocada neste recurso, designadamente na aplicação do critério da causalidade constante do artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil, iremos seguir de perto a linha definida por esta jurisprudência, não só porque a isso aconselha a preservação da coerência e harmonia do nosso ordenamento jurídico, mas também porque reconhecemos nessa linha um equilíbrio ponderado da valorização dos critérios a adotar na determinação do(s) tribunal(ais)que se encontra(m) em melhores condições para administrar a justiça, numa situação de violação de direitos de personalidade através de meios de divulgação global. Note-se que a valorização do local onde se situa o centro de interesses do lesado, como um dos elementos de conexão que poderá determinar a competência internacional dos tribunais desse país, não significa que se despreze o denominado centro de gravidade do conflito, uma vez que a aplicação daquele critério poderá ser afastada sempre que se verifique que a dimensão dos danos localizados no país do foro é diminuta, não sendo aí que previsivelmente se encontra um número significativo das provas dos factos que fundamentam a pretendida responsabilização.

O facto daquela jurisprudência se debruçar, na maioria das situações, sobre violações de direitos de personalidade, através da Internet, não desaconselha a sua transposição para o presente caso, em que o instrumento da ofensa a esses direitos são videojogos mundialmente comercializados, em larga escala, uma vez que também a exposição dos seus conteúdos se carateriza pela ubiquidade, não tendo uma divulgação circunscrita a um território. Eles são visionados e operados por um número indefinido de jogadores, espalhados por todo o mundo, fora de qualquer controle do seu produtor, pelo que as ponderações efetuadas pelo TJUE, tendo em consideração a divulgação mundial de conteúdos ofensivos dos direitos de personalidade pela Internet, são aplicáveis a este caso.

Relembre-se que, na presente ação, o Autor fundamenta o pedido indemnizatório, por responsabilidade extracontratual, na violação dos seus direitos de personalidade ao nome e à imagem, no facto de um “seu avatar” ser um dos muitos protagonistas dos videojogos mundialmente comercializados F... e F..., 2011, 2012, 2013 e 2014,produzidos pela Ré, sem que tenha dado autorização para que o seu nome e imagem fossem utilizados, invocando como danos a ressarcir a exposição pública não autorizada do seu nome e imagem sem qualquer contrapartida, a influência negativa que a invenção dos seus atributos físicos e técnicos naqueles jogos poderá ter na sua vida profissional e pessoal e os estados psicológicos de perturbação, desgosto, tristeza e revolta que aquela utilização não autorizada lhe provocou. Na versão apresentada na petição inicial, esses videojogos foram produzidos nos Estados Unidos da América (no Estado da Califórnia) e foram e são comercializados e difundidos por todo o mundo por empresas “subsidiárias” da Ré, (destacando-se na Europa a EZ S... Sarl que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão), tendo o Autor domicílio em Portugal e jogado profissionalmente desde 2003-2004 até aos dias de hoje em clubes portugueses, com exceção das épocas de 2013/2014 e 2014/2015 , em que jogou no ..., na ....

Antes de iniciarmos a verificação da relevância dos diversos elementos de conexão, convém frisar que, consoante já afirmava Manuel de Andrade [[22]], citando o processualista italiano Enrico Redenti, a competência internacional afere-se pelo quid disputatum, isto é, pelos termos como o autor configura a relação jurídica controvertida, e não, pelo que, mais tarde, será o quid decisum.

Conforme já acima tínhamos concluído, dado estarmos perante uma ação com uma causa de pedir complexa, do ponto de vista da competência jurisdicional, nos termos do artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil, podem constituir critérios de vinculação quer o lugar do evento causal, quer o lugar onde o dano se materializou, podendo cada um deles, segundo as circunstâncias, revelar-se especialmente útil, do ponto de vista da prova e da organização do processo, para se determinar qual é o tribunal ou tribunais que se encontram em melhores condições para proferir uma decisão de mérito informada.

Relativamente ao lugar onde ocorreu a ação causal do dano, há que terem consideração, que a ação violadora do direito ao nome e à imagem, através de um conteúdo divulgado de forma difusa por todo o mundo, compreende não só a produção dos videojogos em causa, processo em que se inclui o nome e se representa a imagem num determinado suporte físico ou digital, mas também a sua exposição pública através da comercialização mundial generalizada desses suportes [[23]]. Apesar de na petição inicial se dizer que essa comercialização era efetuada por empresas “subsidiárias” da Ré, designadamente por EZ S... Sarl, que assumiu a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, não deixa o Autor de imputar a divulgação pública apenas à Ré, responsabilizando-a por todos os danos resultantes desses atos. Não devendo, neste momento, efetuar-se qualquer juízo sobre a imputabilidade da ação ilícita alegada pelo Autor para dele retirar a competência do tribunal, há que apenas relevar a perspetiva do Autor, apresentada na petição inicial, de que a Ré é a responsável pela produção, lançamento no mercado e divulgação por todo o mundo dos videojogos F... e F....

Assim, a ação causal imputada à Ré, pelo Autor, nesta ação, ocorre inicialmente nos Estados Unidos da América (a produção dos videojogos) e desenvolve-se, posteriormente, em todo o mundo (a comercialização dos videojogos), uma vez que a lesão deste tipo de bens de personalidade ocorre com a divulgação pública não autorizada do nome e da imagem do lesado [[24]].

Coisa diferente da lesão destes direitos de personalidade, são os danos que dela terão resultado na versão apresentada pelo Autor. Se a ação lesiva dos direitos do Autor se inicia, mas não se completa com a produção dos videojogos contendo o nome e a imagem do Autor sem seu consentimento, já, os danos, ou seja as consequência negativas para o lesado que resultaram dessa ação causal poderão ou não ocorrer no mesmo lugar em que essa ação teve lugar [[25]]. É sobretudo neste ponto que nos afastamos da tese do acórdão recorrido e dos demais acórdãos da Relação acima referenciados na nota 1. Os danos na ofensa aos direitos de personalidade ao nome à imagem são realidades distintas do ato lesivo e claramente diferenciadas quando este é apenas resumido à atividade criadora do suporte que contém o conteúdo lesivo, não se considerando a atividade de divulgação púbica generalizada.

Quanto ao lugar onde os danos invocados pelo Autor se verificaram, revelando-se uma tarefa impossível avaliar com certeza e fiabilidade os danos causados em cada um dos países onde o conteúdo que utilizava o seu nome e imagem foi exposto, deve seguir-se o critério apontado pela jurisprudência do TJUE, segundo o qual, em princípio, o impacto da violação dos direitos de personalidade que ocorrem nestas circunstâncias verifica-se predominantemente no Estado onde a vítima tem o seu centro de interesses, aí se encontrando a maioria das provas dos prejuízos sofridos, pelo que a atribuição de competência aos tribunais desse país para apreciar a integralidade dos prejuízos sofridos satisfaz o objetivo da boa administração da justiça.

Nos casos em que os danos se prolongam no tempo e o centro de interesses do lesado vai variando ao longo desse tempo, localizando-se em diferentes Estados, a ação em que se reclame o pagamento de uma indemnização desses danos poderá ser intentada em qualquer uma das jurisdições desses Estados, desde que se verifique um elo suficientemente forte entre a causa e o foro escolhido para fundamentara competência internacional dos seus tribunais, evitando-se, com esta restrição, os inconvenientes do denominado forum shopping.

Na presente ação, durante os anos em que o Autor situa a violação do direito ao seu nome e imagem (desde finais de 2009, pelo F... e finais de 2018, pelo F...), com exceção das épocas desportivas de 2013/2014 e2014/2015, que o Autor jogou numa equipa romena, o seu centro de interesses localizava-se em Portugal, uma vez que foi aí que o Autor praticou, profissionalmente, a sua atividade desportiva.

Esta localização presumida dos danos pelos quais o Autor responsabiliza a Ré é confirmada pelo tipo de danos diretos, e não meramente reflexos, alegados na petição inicial. Foi em Portugal que a utilização do seu nome e imagem poderá ter influído na comercialização dos referidos videojogos, uma vez que foi, predominantemente, nas competições desportivas portuguesas que o Autor interveio como jogador profissional; foi em Portugal que se poderá ter refletido a influência negativa provocada pela invenção dos seus atributos físicos e técnicos naqueles videojogos, prejudicando a sua vida profissional e pessoal, uma vez que foi aí que o Autor, predominantemente, desenvolveu a sua atividade profissional e viveu; e foi em Portugal que o Autor poderá ter experienciado a alegada perturbação, desgosto, tristeza e revolta que a utilização do seu nome e imagem não autorizada lhe terão provocado, pois foi aí que o Autor, com exceção das épocas de 2013/2014 e 2014/2015, se encontrava.

Estando o centro de interesses do Autor predominantemente localizado em Portugal desde o momento em que este situa o início da violação dos seus direitos de personalidade ao nome e à imagem (finais de 2009,relativamente ao F... e finais de 2018, relativamente ao F...), tendo sido aí que terão ocorrido os danos invocados pelo Autor, não há razões para que, a coberto do critério da causalidade admitido pelo artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil, não se considerem os tribunais portugueses competentes para julgar esta ação, uma vez que, estando nós, perante uma causa de pedir complexa, os danos alegados terão ocorrido predominantemente em Portugal, pelo que será no nosso país que se encontrará um significativo acervo das provas a produzir com vista à realização da justiça.

Esta conclusão não constitui de forma alguma o reconhecimento de uma competência exorbitante, uma vez que releva uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado Português, justificativa da intervenção dos seus tribunais, assim como não fere qualquer interesse legítimo da empresa demandada, uma vez que, atenta a comercialização global dos videojogos por si produzidos, é expetável que possam ocorrer litígios com eles relacionados em qualquer parte do globo, em que sejam chamados a intervir os órgãos jurisdicionais locais, além de que a sua estrutura organizacional, atenta a sua dimensão, sempre lhe permitirá, sem excessivas dificuldades, produziras provas que entenda necessárias em Portugal.

Por estas razões, deve o recurso interposto ser acolhido, reconhecendo-se competência aos tribunais portugueses para julgarem a presenteação, nos termos do artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil”.

Subscreve-se aqui, sem reservas, a orientação fixada neste aresto, que foi também seguida nos Acórdãos subsequentes deste Supremo Tribunal já mencionados.

Deste iluminador percurso retira-se, em fórmula simplificada, a seguinte conclusão: à luz do critério da causalidade consagrado no artigo 62.º, al. b), do CPC, os tribunais portugueses serão internacionalmente competentes para conhecer o mérito de uma acção de responsabilidade civil extracontratual, por violação de direitos de personalidade através de conteúdos difundidos globalmente, se, durante o período em que ocorrem os danos, o centro de interesses do lesado se situar em Portugal ou, tendo o centro de interesses do lesado variado, existir um elo suficientemente forte entre o lesado e Portugal.

Este é a consequência da aplicação das disposições da lei portuguesa sobre competência internacional.

Convoque-se, para começar, o artigo 37.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), onde se diz:

1 - Na ordem jurídica interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território.

2 - A lei de processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais”.

A abrir a disciplina da competência e regulando a competência internacional, o artigo 59.º do CPC prescreve:

Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º”.

Não é possível aplicar o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12.2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial [conhecido como “Regulamento Bruxelas I bis” ou “Regulamento Bruxelas I (reformulado)”], porquanto nem a requerida tem o seu domicílio num Estado-membro (a sua sede localiza-se no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América) nem a presente acção se enquadra no grupo de acções ressalvadas na norma, ou seja, as acções previstas nos artigos 18.º, n.º 1, 21.º, n.º 2, 24.º e 25.º do Regulamento.

A questão sobre a competência dos tribunais portugueses tem de encontrar-se, portanto, com exclusivo recurso à lei nacional, conforme se prevê no artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012.

Recorrendo ao artigo 62.º do CPC, é possível identificar os três factores de atribuição de competência internacional. Determina-se nesta norma:

Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;

c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”.

O primeiro critério [cfr. al. a)] é o chamado “critério da coincidência” com as regras de competência territorial estabelecida na lei portuguesa. Quer dizer: os tribunais portugueses são competentes sempre que a acção possa ser proposta em Portugal, segundo as regras específicas da competência territorial estabelecidas na lei portuguesa (artigo 70.º e s. do CPC).

O segundo critério [cfr. al. b)] é o chamado “critério da causalidade”, segundo o qual os tribunais portugueses são competentes desde que o facto que serve de causa de pedir na acção ou algum dos factos que a fundamenta tenha ocorrido em território português.

O terceiro e último critério [cfr. al. c)] é o chamado “critério da necessidade”, aplicável quando o direito invocado não se possa efectivar senão mediante acção proposta em território português ou que se verifique, em relação ao autor, dificuldade considerável em propor a acção no estrangeiro, posto que ocorra um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real, entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa.

Sendo a presente uma acção de responsabilidade civil, poderia pensar-se em resolver a questão por aplicação do critério da coincidência e com apelo ao artigo 71.º, n.º 2, CPC, onde, sob o título “Competência para o cumprimento da obrigação”), se dispõe:

Se a ação se destinar a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu”.

Existem casos, porém, que existe uma dissociação entre o local do facto lesivo e o local dos danos e, acima de tudo, em que o alegado facto lesivo não ocorre em território português.

Nem por isso tem de ficar precludida a competência dos tribunais nacionais.

Nesta hipótese, sem abandonar completamente o critério da coincidência, há que atribuir papel central ao critério da causalidade [cfr. artigo 62.º, al. b), do CPC].

Como se disse, segundo este critério, é possível considerar os tribunais portugueses competentes quando algum dos factos que integram a causa de pedir ocorre em território português. Sendo o dano, nas acções de responsabilidade civil, um dos elementos essenciais da causa de pedir, os tribunais portugueses são competentes se puder considerar-se que o dano ocorreu em Portugal.

É evidente que, estando em causa fenómenos como o presente, de natureza virtual, com repercussões nos direitos ao nome e à imagem plurilocalizadas ou espacialmente dispersas (i.e., com contactos com várias ordens jurídicas), para poder considerar-se que os danos ocorreram em Portugal, o lesado deve ter, durante o período relevante, uma conexão ostensiva e sólida com Portugal, o que, por excelência, se verifica quando é em Portugal que se localiza o seu centro de interesses.

Esclarecido e enunciado o critério que deve orientar a presente decisão, é tempo de decidir, cumprindo, desde logo, compulsar a p.i. e elencar os factos alegados, em concreto, pelo autor, integradores da causa de pedir.

No que toca aos factos relativos à ré e à sua conduta não se encontram particularidades significativas relativamente ao que é alegado no Acórdão de 24.05.2022 e, aliás, tem sido alegado pelos diversos autores na generalidade dos casos já decididos neste Supremo Tribunal (a ré é a mesma em todos eles).

Quanto aos factos respeitantes à situação do autor, há que ter em conta, em especial, o seguinte:

3.º O Autor é um jogador de futebol brasileiro, nasceu no dia .../.../1986, em ..., Brasil.

4.º Actualmente joga em Portugal ao serviço do Futebol Clube ....

5.º O Autor mantém já uma longa carreira como jogador de futebol profissional, sobejamente conhecido no meio do futebol, tendo exercido a sua profissão, maioritariamente, em clubes portugueses e brasileiros, dedicando-se inteiramente à prática desportiva do futebol, com a qual sempre se sustentou a si e à sua família.

(…)

7.º Cabe mencionar que o Autor actuou, em mais de 300 partidas oficiais como profissional e sempre se destacou na posição de DEFESA, como é conhecido nacionalmente, tendo actuado principalmente no FC ... (Portugal), ... FC (Portugal), ... SC (Portugal), V... (Brasil), Grêmio de ... (Brasil), entre outros, algo detalhado em pormenor, tal como as competições em que participou e o seu palmarés, em páginas de internet da especialidade, demonstrando a notoriedade do Autor, representadas no Documento 1..

8.º Conforme resulta, também, desse Doc. 1, o Autor esteve vinculado aos seguintes clubes e nas seguintes épocas:

2019/20                - P...

2018/19                 - P...

2017/18                 - R...

2016/17                 - R...

2016                       - A...       Brasil

- ...                         Brasil

2015                       - V...             Brasil

2014/15                 - ...                         ...

2013/14                 - ...                         ...

2012/13                 - ...                          ...

- V. ...

2011/12                 - V. ...

2010/11                 - V. ...

2009/10                 - V. ...

2009                       - ...                       Brasil

- ...                                Brasil

2008                      - Portuguesa          Brasil

- ...                         Brasil

2007                       - ...                         Brasil

2006                       - ...                         Brasil

9.º O Autor teve conhecimento que a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados nos jogos denominados FIFA (também com as designações FIFA Football ou FIFA Soccer), pelo menos nas edições 2011, 2012, 2013, 2014, 2018 e 2020; FIFA MANAGER, pelo menos nas edições de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014; FIFA ULTIMATE TEAM – FUT, pelo menos nas edições de 2014, 2018 e 2020, e FIFA MOBILE nas edições de 2018 e 2020;todos propriedade da Ré.

(…)

101.º Dessa forma, a Ré, agiu (e age) ilegalmente ao explorar a imagem e nome do Autor, atleta famoso, ao comercializar os jogos para consolas (aparelho de jogos de vídeo), ou aplicativos, actualizações, etc. em todo o mundo, obtendo lucros astronómicos com a venda dos mesmos.

102.º Estamos, pois, perante um dano causado ao Autor, pela violação do seu direito à imagem e ao nome.

(…)

182.º Por outro lado, o Autor viu a sua imagem corporal ser retratada, o seu nome e as suas características físicas e pessoais, serem divulgados sem o seu consentimento, em milhões de jogos comercializados pela Ré[26].

Estes factos, expressamente alegados na p.i. e ilustrados através dos documentos juntos (cfr., entre outros, Doc. 1), permitem formar uma ideia clara relativamente ao que está em causa de modo a e para o efeito de estabelecer uma ligação entre o autor, AA, jogador profissional de futebol, e o tribunal por ele escolhido para propor a acção.

Saliente-se, desde logo, que o que se trata é de considerar os factos alegados na p.i. para o efeito – o estrito efeito – de aferir a competência do tribunal[27]. Não tem, pois, razão de ser o receio expressado pela ré de que sejam considerados factos não referidos na p.i. nem que tenham sido efectuados juízos presuntivos [cfr., entre outras, conclusões k), l), x), y), ll), mm), nn) e oo) das contra-alegações], que, eventualmente, conduzissem à interpretação inconstitucional de alguma norma [cfr., em especial, conclusões k) e l) da contra-alegações] ou a excesso de pronúncia [cfr., em particular, conclusão oo) das contra-alegações].

Quanto à conclusão que é possível retirar dos factos alegados, ela é, em suma, a de que, no período de ocorrência dos danos, o centro de interesses do autor se situava em Portugal.

De facto, se é verdade que os locais em que o autor exerceu a sua actividade profissional se foram sucedendo no tempo (Brasil, Portugal, ..., Brasil, Portugal), é visível uma conexão forte – mais: uma conexão dominante ou prevalecente – com Portugal: o autor cumpriu, na totalidade do período por ele indicado na p.i., mais de sete épocas em Portugal contra seis no Brasil e três na ... e, tendo em conta o período alegadamente relevante (2009 a 2020, conforme os artigos 23.º e 153.º da p.i), mais de sete épocas em Portugal contra duas no Brasil e três na ....

Situando-se o centro de interesses do autor em Portugal, é aqui que, mais intensamente do que em qualquer outro local do globo, ele sente os efeitos do alegado facto lesivo sobre os seus direitos de personalidade e que ele tem, em princípio, as melhores condições para produzir a prova necessária.

A competência dos tribunais portugueses, em razão da nacionalidade, para apreciar e julgar a presente acção surge, assim, plenamente justificada.

Fica, por outro lado, definitivamente afastado o raciocínio seguido pelas instâncias. Recorde-se que estas rejeitaram a competência dos tribunais portugueses com fundamento em que os danos não tinham ocorrido em Portugal, porque os jogos haviam sido criados, produzidos e desenvolvidos fora de Portugal.

Diz-se no Acórdão recorrido, na parte relevante da fundamentação:

“Pode equacionar-se, naturalmente, esse nexo em relação a outros pressupostos da responsabilidade civil delitual, visto que a divulgação e uso dos ditos jogos a uma escala global não pode deixar de ser considerada para avaliar a dimensão do dano, mas, nos termos do artigo 71.º, n.º 2, do CPC, com referência ao disposto no artigo 62.º, al. a), do mesmo Código, não é essa a conexão relevante. É, sim, o facto ilícito. O artigo 71.º, n.º 2, do CPC, é bem claro, a este propósito, quando dispõe que “[s]e a ação se destinar a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu”. O facto, portanto, e não o dano ou qualquer outro dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual”.

Sucede, porém, que, como resulta do atrás exposto, o dano, enquanto elemento integrador da causa de pedir, não é “consumido” pelo facto danoso e nem as localizações de ambos têm de coincidir. Bem interpretada a norma do artigo 62.º, al. b), do CPC, o critério da causalidade permite que, nos casos de alegada lesão plurilocalizada ou dispersa dos direitos ao nome e à imagem, a competência dos tribunais seja determinada de acordo com o centro de interesses do lesado no período da lesão. Por outras palavras: o local da materialização do dano resultante da violação dos direitos de personalidade através de meios de divulgação global, nomeadamente por meios audiovisuais, corresponderá, em princípio, ao local em que se situar o centro de interesses do lesado.

Diga-se, a terminar, que não se justificam as preocupações da ré quanto à (in)aplicabilidade do Direito europeu ao caso dos autos [cfr., entre outras, conclusões d) a j), m) das contra-alegações]. Conforme já exposto, não se trata de aplicar directa ou sequer analogicamente a legislação europeia mas apenas de convocar a legislação europeia e a jurisprudência sobre ela desenvolvida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) enquanto quadro de referência e de orientação para a interpretação das normas aplicáveis do Direito português. Parafraseando o Acórdão desta 2.ª Secção de 29.09.2022 (Proc. 2160/20.5T8PNF.P1.S1), “[n]ão é que esta legislação e correlativa jurisprudência europeia tenham aplicação ao caso dos autos, mas são aqui pertinentes pela sua influência na interpretação e aplicação coerente das normas do direito interno, conforme o já acima salientado, e ademais pelo cunho inovatório com que têm contribuído para o tratamento judicial de uma realidade emergente e renovada como é a violação dos direitos de personalidade através das plataformas audiovisuais”.

Transcreve-se ainda o sumário deste Acórdão, que sintetiza excepcionalmente bem o percurso que aqui se trilhou:

 1. A especificidade do dano resultante da violação dos direitos de personalidade através de meios de divulgação global tem levado a uma configuração desse tipo de dano e à determinação da sua localização ajustadas aos novos meios tecnológicos através dos quais se propagam os efeitos lesivos potenciados pelos comportamentos ilícitos e veiculados em dimensões virtuais até se materializarem onde podem ser concretamente verificados e mais facilmente provados.

2. Dado que tais efeitos danosos assim veiculados se difundem e dispersam pelo ciberespaço planetário, tendendo para a ubiquidade, sem uma projeção circunscrita a determinado território, tem sido considerado como relevante atentar no centro de interesses do lesado como local da sua materialização, onde ele, em regra, disporá dos meios de prova destinados demonstrar o impacto desses efeitos danosos na sua personalidade e para a sua condição de vida.

3. Daí decorre uma relevante conexão entre o centro de interesses do lesado e o órgão jurisdicional mais vocacionado para dirimir o litígio, como fator de atribuição de competência internacional, seja em sede do critério da causalidade constante da alínea b) do artigo 62.º do CPC, seja ainda em sede do critério da coincidência estabelecido na alínea a) daquele artigo com referência ao n.º 2 do artigo 71.º do mesmo diploma.

4. A alegação pelo autor de um facto ilícito complexo suscetível de relevar juridicamente na parte tida como ocorrida em Portugal – a divulgação e comercialização dos videojogos - imputada à ré, a título de “ilicitude causal”, traduz-se num facto essencial integrador da causa de pedir que serve de base à pretensão deduzida, assim contemplado para efeitos de determinação da competência internacional do tribunal da causa ao abrigo da alínea b) do artigo 62.º do CPC.

5. Nos casos de invocada violação dos direitos de personalidade do autor através da divulgação e comercialização de videojogos, imputada à ré, a repercussão dessa violação na carreira profissional daquele e na sua vida pessoal, alegadamente, ocorrida em Portugal, traduz um elo de conexão suficientemente forte entre o objeto da causa e a ordem jurídica portuguesa que justifica a atribuição de competência em razão da nacionalidade aos tribunais nacionais para conhecer do litígio nos termos da alínea b) do artigo 62.º do CPC e que não afeta os interesses legítimos da ré se for demandada em litígios similares perante jurisdições estrangeiras.

6. Na aferição do pressuposto da competência, não cabe fazer qualquer apreciação sobre o mérito da causa nem tão pouco sobre a suficiência/insuficiência do alegado, mas apenas atentar nos contornos factuais e jurídicos da pretensão deduzida na estrita medida do necessário para aferir o pressuposto da competência em causa.

7. Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, nos termos da alínea b) do artigo 62.º do CPC, para julgar uma causa em que um jogador de futebol profissional que exerceu a sua atividade, predominantemente, em Portugal pede uma indemnização pelos danos causados com a utilização, não consentida, do seu nome e imagem em videojogos da FIFA produzidos nos EUA, mas divulgados e comercializados por todo o mundo, incluindo em Portugal”.


*

III. DECISÃO

Pelo exposto, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido e decidindo-se julgar o tribunal da causa competente, em razão da nacionalidade, para conhecer do litígio e determinar o prosseguimento do processo.


*

Custas nesta revista e na precedente apelação pela ré.

Custas na acção pela parte vencida a final.


*

Lisboa, 10 de Novembro de 2022

Catarina Serra (Relatora)

Rijo Ferreira

Cura Mariano

______

[1] Relatado pelo ora 2.º Adjunto.
[2] Subscrito pela ora Relatora enquanto 1.ª Adjunta e pelo ora 1.º Adjunto enquanto 2.º Adjunto.
[3] Subscrito pela ora Relatora enquanto 2.ª Adjunta.
[4] Relatado pelo ora 2.º Adjunto.
[5] Acórdãos da Relação de Coimbra de 26.10.2021, Proc. 3239/20 (Rel. Cristina Neves), e de08.03.2022, Proc. 4167/20 (Rel. Pires Robalo), da Relação de Lisboa de 13.01.2022, Proc.24974/19 (Rel. António Valente), da Relação do Porto de 10.02.2022, Processo 637/20 (Rel. Deolinda Varão), e da Relação de Évora de 24.02.2022, Proc. 4157/20 (Rel. José António Moita),de 08.03.2022.
[6] DÁRIO MOURA VICENTE, A Competência Internacional no Código de Processo Civil Revisto, em “Aspectos do Novo Código de Processo Civil”, LEX, 1997, pág. 84, e LUÍS LIMA PINHEIRO, Direito Internacional Privado, vol. III, tomo 1, 3.ª ed., 2019, Almedina, pág. 337, nota1334. Sustentando a inutilidade deste critério, face à dupla funcionalidade das normas de competência territorial, num alinhamento com o sistema alemão, MIGUEL TEIXEIRA DESOUSA, A Competência e a Incompetência nos Tribunais Comuns, 3.ª ed., AAFDL, 1990, pág. 54,Apreciação de Alguns Aspectos da Revisão do Processo Civil – Projecto, na Revista da Ordem dos Advogados 55 (1995), pág. 367 e seg., e em Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., LEX,1997, pág. 99-100.
[7] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1º, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1960, pág. 195.
[8] Vg. REMÉDIO MARQUES, A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2011, pág. 336.
[9] V.g. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2018, vol. I, pág. 102.
[10] O aditamento da parte final da redação deste artigo, conferindo competência aos tribunais portugueses quando apenas alguns dos factos que integram a causa de pedir ocorram em território português, foi efetuado pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, que reviu o Código de Processo Civil de 1961, consagrando a orientação jurisprudencial e doutrinal que vinha sendo seguida nesse sentido (v.g. ALBERTO DOS REIS, ob. cit., pág. 136-137, BAPTISTA MACHADO, La Competence Internationale em Droit Portugais, no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. 41 (1965), pág. 101, ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declarativo, vol. II, Almedina, 1982, pág. 26-29, e o Assento do S.T.J. n.º 6/94,de 17.02.1994, pub. no D.R. de 30.03.1994), tendo este critério sido reposto pelo Código de Processo Civil de 2013, após a Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, o ter suprimido do artigo 65.º do Código de Processo Civil de 1961, com fundadas críticas da doutrina (v.g. LEBRE DE FREITAS, Competência ou Incompetência Internacional dos Tribunais Portugueses ?, na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 69, vol. I/II.
[11] LUÍS LIMA PINHEIRO, ob. cit., pág. 348-349, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, cit., pág. 119, RITA LOBO XAVIER, Elementos de Direito Processual Civil. Teoria Geral. Princípios. Pressupostos, 2.ª ed., Universidade Católica Editora, pág. 215, nota 31, e LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Almedina, 2018, pág. 155-156. Sobre as vantagens da aplicação do critério da causalidade nas causas de pedir complexas, como sucede nas ações de responsabilidade civil extracontratual, com exemplos elucidativos, LEBRE DE FREITAS, est. cit.
[12] Sobre esta modelação restritiva do princípio da causalidade, FERRER CORREIA, Lições de Direito Internacional Privado, Almedina, 2018, pág. 444-445, RUI MOURA RAMOS, A Reformado Direito Processual Civil Internacional, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 130, n.º3879, pág. 167-168, LUÍS LIMA PINHEIRO, ob. cit., pág. 348-349, RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 204, Almedina, 2018, e JOÃO DE CASTRO MENDES e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Manual de Processo Civil, AAFDDL, 2022, vol. I, pág. 279.
[13] Sobre essa jurisprudência, RUI MOURA RAMOS, Le Droit International Privé Communautaire des Obligations Extracontractuelles, em “Estudos de Direito Internacional Privado e de Direito Processual Civil Internacional”, vol. II, Coimbra Editora, 2007, pág. 80 e seg., LUÍS LIMA PINHEIRO, ob. cit., pág. 131, JOÃO DE CASTRO MENDES e MIGUELTEIXEIRA DE SOUSA, ob. cit., pág. 191-193, ISABEL ALEXANDRE, Direito Processual Civil Internacional I, AAFDL, 2021, pág. 203-204, e JOANA COVELO DE ABREU, Tribunais Nacionais e Tutela Jurisdicional Efetiva. Da Cooperação à Integração Judiciária no Contencioso da União Europeia, Almedina, 2019, pág. 143-144.
[14] Sobre a “rule of ubiquity”, na aplicação do artigo 7.º do Regulamento Bruxelas I bis, THOMAS KADNER GRAZIANO, The Law Applicable to Cross-Border Damage to the Environment, Yearbook of Private Law, 2008, vol. 2007, pág. 74-76.
[15] Sobre esta jurisprudência, LUÍS LIMA PINHEIRO, ob. cit., pág. 132-133, ALEXANDREDIAS PEREIRA, O Tribunal Competente em Casos da Internet Segundo o Acórdão «edateadvertising» do Tribunal de Justiça da União Europeia, Revista Jurídica Portucalense, n.º 16,2014, pág. 3-10, e JOÃO CASTRO MENDES, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ob. cit., pág.191-193. Efetuando uma leitura crítica desta Jurisprudência, ELSA OLIVEIRA DIAS, Do Tribunal Competente Para Apreciar Litígios Relativos a Responsabilidade Extracontratual Decorrente da Violação de Direitos de Personalidade, Revista do CEJ, 1.º semestre 2016, n.º 1, que, aderindo à posição do Advogado Geral no processo eDate/Martinez, defende a relevância do local onde se localize o centro de gravidade do conflito entre os bens e os interesses em jogo, convocando a globalidade da situação para determinar a competência do Tribunal.
[16] Neste sentido o Parecer 1/03 do TJUE, de 07.02.2006, § 148.
[17] Sobre estes dois tipos de remissão, BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 2021 (reimpressão), pág. 105-108.
[18] Processo C-68/93, EU:C:1995:61.
[19] Processos apensos C-509/09 e C161/10, EU:C:2011:685.
[20] Processo C-194/16, EU:C:2017:766.
[21] Processo C-251/2020, EU:C:2021:1036.
[22] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1956, pág. 88-89.
[23] Neste sentido, ELSA DIAS OLIVEIRA, Da Responsabilidade Civil Extracontratual por Violação de Direitos de Personalidade em Direito Internacional Privado, Almedina, 2011, pág.400-409.
[24] ELSA DIAS OLIVEIRA, ob. cit., pág. 405-407.
[25] ELSA DIAS OLIVEIRA, ob. e loc. cit., pág. 407-410, sobre a distinção entre o lugar da lesão e o lugar dos danos destes direitos de personalidade.
[26] Sublinhados nossos.
[27] Insiste-se neste esclarecimento, recorrendo às palavras do Acórdão desta 2.ª Secção de 29.09.2022 (Proc. 2160/20.5T8PNF.P1.S1): “em sede de aferição do pressuposto da competência, não cabe fazer qualquer apreciação sobre o mérito da causa nem tão pouco sobre a suficiência/ insuficiência do alegado. Apenas cabe atentar nos contornos factuais e jurídicos da pretensão deduzida na estrita medida do necessário para aferir o pressuposto da competência em causa. Nessa conformidade, o factualismo retratado na petição inicial, sem envolvência de qualquer ilação presuntiva, e a perspetiva jurídica sobre aquele delineada pelo A., em vista do efeito-prático jurídico pretendido, configuram um facto ilícito de violação dos seus direitos de personalidade, nas vertentes dos direitos à sua imagem e nome, pretensamente ocorrido em Portugal, pelo menos na parte imputada à R., no sentido de que, por via dos comportamentos descritos, deu causa, ab initio, à subsequente divulgação e comercialização dos videojogos em Portugal. Assim, a versão do A., no que nos é dado interpretá-la, é de que o facto ilícito em causa imputado à R. se iniciou com a produção dos videojogos nos EUA, mas só se completou com a sua divulgação e comercialização, nomeadamente em Portugal, considerando a mesma R. responsável por estas ao introduzir esses suportes digitais no mercado mundial. É isto quanto basta para estarmos perante a alegação de um facto ilícito complexo suscetível de relevar juridicamente na parte tida como ocorrida em Portugal – a divulgação e comercialização dos videojogos - imputada à R., a título de “ilicitude causal”, o que, em tal medida, se traduz num facto essencial integrador da causa de pedir que serve de base à pretensão deduzida, assim contemplado para efeitos de determinação da competência inter-nacional do tribunal da causa ao abrigo da alínea b) do artigo 62.º do CPC. Desconsiderar essa imputação do A., tendo a R. por juridicamente alheia à referida divulgação e comercialização, ou ajuizar sobre a insuficiência do alegado em abono de tal imputação, como sustenta a Recorrida, representaria uma intromissão inoportuna e indevida no mérito da causa”.