Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1872/18.8T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
CAUSA JUSTIFICATIVA
SOCIEDADE COMERCIAL
ADMINISTRADOR
GERENTE
NEGÓCIO CONSIGO MESMO
INTERPOSIÇÃO REAL DE PESSOAS
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
PESSOA COLETIVA
NULIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
ANULABILIDADE
COMPENSATIO LUCRI CUM DAMNO
EXPLORAÇÃO DE PEDREIRAS
LUCRO CESSANTE
FRUTOS NATURAIS
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
ÓNUS DA PROVA
FACTO IMPEDITIVO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
ERRO DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCILMENTE A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I. Tendo a autora interposto a presente acção com fundamento em responsabilidade civil e, subsidiariamente, em enriquecimento sem causa, tendo ainda a mesma autora – em sede de apelação – impugnado a decisão de absolvição da sentença com os mesmos fundamentos, e vindo o acórdão recorrido a julgar improcedente o primeiro fundamento e procedente o segundo, encontram-se verificados os pressupostos normativos de que depende a ampliação do âmbito do recurso.
II. Contudo, dado que, no plano do direito substantivo, o enriquecimento sem causa tem carácter subsidiário, ao conhecer-se da questão suscitada pela recorrente relativa ao alegado não preenchimento dos pressupostos do enriquecimento sem causa, necessário será apreciar da verificação do respectivo pressuposto negativo: apurar se a lei faculta outro meio de a autora ser indemnizada ou restituída, o que implica apreciar da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil.

III. Se é certo que a anulabilidade dos actos de autorização das deslocações patrimoniais dos autos por aplicação do regime do art. 261º do CC, relativo à proibição dos negócios do representante consigo mesmo, devia ter sido oportunamente invocada pela autora, já a eventual nulidade desses mesmos actos, por aplicação da previsão do art. 397º, nº 2, do CSC, pode e deve ser apreciada em qualquer fase do processo.

IV. Tendo em conta os subsídios doutrinais recolhidos, são assim sintetizáveis os critérios orientadores para a resolução de tal questão:

a. O regime do nº 2 do art. 397º do CSC, ainda que com afinidades com o regime do art. 261º do CC, tem como finalidade específica impedir que o administrador de uma determinada sociedade condicione as decisões de gestão da mesma sociedade em sentido que lhe seja pessoalmente favorável, prejudicando a sociedade, os sócios ou os credores;

b. Em consequência da teleologia da norma em causa compreende-se que a lei comine os negócios celebrados em sua violação com a sanção da nulidade e não com a sanção da simples anulabilidade prevista no art. 261º do CC;

c. Sendo o conceito de “pessoa interposta” previsto na dita norma um conceito indeterminado, discute-se na doutrina como deve ser preenchido; sem dúvida que nele se incluem, com as devidas adaptações, as pessoas indicadas no art. 592º, nº 2, do CC; mas, para além destas, não se pode deixar de incluir nesse conceito outras hipóteses em que os interesses do administrador inibido se identifiquem ou (con)fundam com os interesses da pessoa (ou entidade) com a qual a sociedade por ele administrada contrata;

d. Não sendo fácil concretizar todas as situações em que isso pode suceder, afigura-se indubitável ser relevante – para efeitos de qualificação como interposta pessoa – aquela situação em que um negócio é celebrado entre a sociedade administrada e outra sociedade totalmente dominada, directa ou indirectamente, pelo sujeito inibido, desde que, cumulativamente, se verifique que esse mesmo sujeito utiliza a sociedade que domina como um autêntico alter ego.

V. Esta orientação interpretativa da norma do nº 2 do art. 397º do CSC encontra apoio reforçado no instituto do levantamento ou desconsideração da personalidade colectiva, que assume uma das suas justificações típicas quando se verifique “o atentado a terceiro e o abuso de personalidade”.

VI. Subsume-se aqui a situação dos autos em que um sujeito, estando pessoalmente inibido de contratar com uma sociedade x, por nesta exercer funções de administração, se serve objectivamente de uma sociedade y que o mesmo sujeito domina, directa ou indirectamente, e com cujos interesses os seus interesses pessoais se (con)fundem, como veículo para ultrapassar tal inibição legal, vindo o contrato ou negócio jurídico a ser celebrado entre a sociedade x e a sociedade y.

VII. Provando-se que o sobredito administrador da sociedade autora, que determinou/autorizou as deslocações patrimoniais a favor da sociedade ré, é afinal o único titular efectivo do capital desta última; provando-se ainda que a conduta do mesmo administrador em relação à sociedade ré demonstra ser esta utilizada – objectivamente – como um veículo para a realização dos seus interesses pessoais; forçoso é concluir-se que a disposição de bens da sociedade autora, aceite pela sociedade ré, teve como beneficiário, através de interposta pessoa (a sociedade ré), o próprio administrador da sociedade autora.

VIII. Ora, os negócios subjacentes a tais deslocações patrimoniais não respeitaram as exigências legais prescritas no nº 2 do art. 397º do CSC – i.e., ser a decisão de contratar tomada por deliberação do conselho de administração da sociedade autora, acompanhada de parecer favorável do conselho fiscal (ou da comissão de auditoria) da mesma sociedade – pelo que, nos termos do nº 2 do art. 397º do CSC, se encontram feridos de nulidade. 

IX. Consequentemente, deve concluir-se que as deslocações de bens para o património da ré, carecendo de suporte jurídico válido, são ilícitas.

X. Em face das conclusões anteriores, o juízo de culpa deve aferir-se não em função das pessoas dos titulares do órgão de representação da sociedade ré, mas – atento o princípio da materialidade subjacente – em função da pessoa do efectivo detentor do capital da mesma sociedade; não podendo este ignorar, sem culpa, os deveres funcionais a que se encontrava legalmente sujeito, enquanto administrador da sociedade autora (cfr. art. 64º do CSC), a sua conduta não pode deixar de se qualificar como culposa.

XI. Com efeito, não obstante, à data dos factos, as sociedades autora e ré pertencerem ao mesmo grupo empresarial, os titulares dos órgãos de administração e gestão encontravam-se obrigados a respeitar os deveres legais – maxime o dever de lealdade – para com cada uma das sociedades administradas.

XII. De acordo com o princípio compensatio lucri cum damno, provando-se que, em resultado da conduta do lesante, o lesado obteve certos benefícios, deverão ser estes deduzidos ao valor da indemnização pelos danos causados. No caso dos autos, porém, não logrou a ré provar – como lhe competia por estar em causa facto impeditivo (art. 342º, nº 2, do CC) – que as vantagens operacionais derivadas da remoção dos stocks de areia se tivessem traduzido em benefícios patrimoniais para a autora em virtude de, designadamente, com isso ter obtido uma poupança de despesas.

XIII. Quanto à prova de que a autora suportou danos efectivos, no caso na modalidade de lucros cessantes, com a perda de receitas da venda das toneladas de areia de que a ré se apropriou ilicitamente, ter sido provado que a autora é concessionária da exploração da pedreira e não proprietária da mesma, não obsta a que, como entendeu o acórdão recorrido, se considere ser a dita autora proprietária das areias extraídas da pedreira.

XIV. Para estes efeitos, o contrato de cedência de exploração consubstancia um contrato-quadro de compra e venda de “produtos”, de natureza análoga a “frutos naturais”, cuja propriedade, por aplicação do regime do nº 2 do art. 408º do Código Civil, se transmite no acto de extracção da coisa principal, i.e., da pedreira.

XV. Não subsistindo dúvidas de que a apropriação dos stocks de areia pela ré impediu a autora de proceder à venda desses mesmos stocks, mas não se sabendo se a autora está ou não obrigada a pagar o custo contratual à proprietária da pedreira, forçoso é concluir-se que, nos termos do nº 2 do art. 609º do CPC, o valor exacto da indemnização terá de ser apurado em incidente de liquidação de acordo com os parâmetros ora definidos.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. Motamineral, Minerais Industriais, S.A. instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Sabril – Sociedade de Areias e Britas, Lda., alegando, em síntese: que, por actuação de AA– que, à data, era administrador da sociedade A., tal como era o verdadeiro gerente de facto, dono e beneficiário da sociedade R. (não obstante utilizar os seus genros como testas-de-ferro na respectiva gerência) – a R., no período compreendido entre Janeiro de 2015 e Outubro de 2017, subtraiu das instalações da A. milhares de toneladas de areia, levando-as para as suas instalações, sem qualquer contrapartida para a A. que, por essa razão, sofreu um prejuízo de pelo menos, €1.842.234,00; que, por via da mesma actuação levada a cabo por AA, a R. subtraiu e levou para as suas instalações cerca de 100 (cem) placas verticais de uma prensa inactiva das instalações da A. em …, no valor de €30.000,00, tendo ainda levado duas bombas de filtros de prensa no valor de €19.200,00; e que, com essa conduta, a R. lesou a A. no valor global de €1.891.434,00, obtendo à custa da A. um enriquecimento sem causa justificativa.

Assim, seja com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, seja com fundamento em enriquecimento sem causa, conclui pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de €1.891.434,00 (um milhão oitocentos e noventa e um mil quatrocentos e trinta e quatro euros), acrescida de juros de mora, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa supletiva legalmente aplicável.

A R. contestou, impugnando os factos alegados e dizendo, em síntese: que a R. é detida a 100% pela sociedade Whiteminerals – SGPS, S.A. e é gerida, de facto e de direito, por BB, CC e DD; que as areias retiradas pela R. (areias que nem sequer pertenciam à A. mas sim à sociedade Franco, Lda. que era a proprietária da pedreira onde se encontravam as areias e cuja exploração foi cedida à A.) foram retiradas em execução de uma parceria celebrada entre a A. e a R. em Julho de 2015 e que foi motivada pelo facto de a A. apenas estar interessada na extracção dos “caulinos” – já que o seu negócio não era a venda de areias – e pelo facto de as areias provenientes do processo de extracção dos “caulinos” terem começado a acumular-se, o que, além de causar dificuldades operacionais à A., chegou a colocar em causa a renovação do contrato de exploração em virtude de a cedente ter a expectativa de receber alguma receita com a venda daquelas areias; e ainda que as placas verticais e as bombas para os filtros de prensa foram emprestadas pela A. à R. no âmbito da parceria supra referida.

Com esses fundamentos e impugnando as quantidades e o valor das areias retiradas, conclui pugnando pela improcedência da acção, pedindo ademais a condenação da A. por litigância de má-fé em multa e indemnização a seu favor de valor não inferior a €25.000,00 (vinte e cinco mil euros).

A R. deduziu ainda pedido reconvencional que não foi admitido.

A A. replicou.

Por requerimento de 12/02/2019 a A. veio reduzir o pedido para o valor global de €1.413.333,00 (um milhão quatrocentos e treze mil trezentos e trinta e três euros) com base na reavaliação do prejuízo com a subtracção das areias.

Tal redução foi admitida por despacho proferido em 14/02/2019.      

Por sentença de 17/04/2019 a acção foi julgada improcedente, absolvendo-se a R. do pedido.

Inconformada, interpôs a A. recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 03/12/2019 foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto, concedendo-se parcial provimento ao presente recurso, decide-se julgar a acção parcialmente procedente e em consequência:

- Condena-se a Ré/Apelada a pagar à Autora o valor de 829.200,00€ (oitocentos e vinte e nove mil e duzentos euros) acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação e até pagamento, revogando-se a sentença recorrida na parte em que absolveu a Ré dessa parte do pedido;

- Absolve-se a Ré do demais peticionado, confirmando-se nesta parte a sentença recorrida.”


2. Veio a R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando conclusões que foram objecto de despacho de convite a aperfeiçoamento parcial do seguinte teor:

“1. Em sede de contra-alegações invoca a Recorrida a inadmissibilidade do presente recurso, alegando nos seguintes termos:

“(17) Basta uma simples leitura das alegações de Recurso da Recorrida para (…) facilmente concluir que a Recorrente não concretiza nem desenvolve esta alegada violação da lei substantiva, limitando-se, sob a capa de tal pretensa violação, a tentar colocar em causa factos provados e não provados do Acórdão Recorrido e a própria convicção do julgador; (18) A Recorrente limita-se a atacar a convicção e o raciocínio do julgador e não enumera qualquer violação da lei; (19) No fundo, a Recorrente tenta contornar a proibição legal de recurso de revista sobre a matéria de facto, mas nem sequer chega efetivamente a identificar qualquer norma substantiva violada – pelo que o recurso é inadmissível não apenas do ponto de vista material, mas também do ponto de vista formal.”

2. Compulsadas as extensas conclusões recursórias verifica-se que efectivamente:

a) Delas não consta a referência às normas jurídicas violadas, conforme exigido pela alínea a) do nº 2 do mesmo art. 639º do CPC;

b) Das conclusões lxvii) a cix), assim com[o] do correspondente teor do corpo das alegações, não obstante a falta de indicação das normas violadas, é possível, ainda assim, identificar sub-questões relativas aos pressupostos do enriquecimento sem causa previsto nos arts. 473º e segs. do Código Civil pelo que a dita omissão se considera não ser relevante;

c) Diversamente, das conclusões ix) a xxxviii) relativas à questão da alegada nulidade do acórdão recorrido e das conclusões xxxix) a lxvi) relativas à questão denominada standard de prova no processo civil[,] a omissão da indicação das normas violadas não apenas não pode ser suprida mediante a leitura do corpo das alegações, como não permite identificar qualquer questão respeitante à decisão da matéria de facto, susceptível de se integrar na competência residual do Supremo Tribunal de Justiça para reapreciar a matéria de facto: “ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (art. 674º, nº 3, in fine, do CPC).

3. A consequência das deficiências enunciadas em 2. não é, porém, a rejeição total ou parcial do recurso, mas sim, nos termos do nº 3 do art. 636º do CPC, o convite ao aperfeiçoamento das conclusões deficientes.

Assim, notifique a Recorrente para, no prazo de cinco dias e sob cominação de rejeição do recurso nesta parte, vir aperfeiçoar as conclusões ix) a xxxviii) relativas à questão da alegada nulidade do acórdão recorrido e as conclusões xxxix) a lxvi) relativas à questão denominada standard de prova no processo civil, indicando as normas legais violadas e identificando claramente a questão ou questões respeitantes à matéria de facto e que se integrem na competência do Supremo Tribunal de Justiça para reapreciar a matéria de facto, a qual, conforme enunciado, se circunscreve à apreciação da “ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (art. 674º, nº 3, in fine, do CPC).

Nos termos do nº 4 do art. 639º do CPC, caso a Recorrente venha apresentar conclusões aperfeiçoadas, notifique a Recorrida para responder em igual prazo.”


3. Perante o convite ao aperfeiçoamento parcial das conclusões veio a Recorrente apresentar novas conclusões parciais, que em seguida se reproduzem, às quais acrescem as conclusões lxvii) a cix) da primitiva versão do recurso que não foram objecto de convite ao aperfeiçoamento:

“1 – A Recorrente veio interpor recurso de revista do douto acórdão da Relação de… porque entende, salvo melhor opinião, que:

a) A matéria factual consolidada ficou contraditória, incoerente, ambígua, obscura

e manifestamente ininteligível, razão pela qual o acórdão é nulo, nos termos do artigo 674º nº1 al. c) e 615 nº1 al. c) do CPC.

b) E que o mesmo viola lei substantiva, nos termos do artigo 674 nº1 al. a) do CPC.

2 – Da análise das conclusões recursivas e após convite ao aperfeiçoamento das mesmas, a Recorrente reconhece que importa indicar expressamente as normas legais violadas bem como as questões de facto indevidamente julgadas.

3 – Desta forma, importa referir que as decisões judiciais devem ser sempre fundamentadas, tudo conforme artigo 154 nº1 e 607º nº 3 e 4 do CPC:

“As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.”

“(...) devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar normas jurídicas correspondentes, concluído pela decisão final”.

“Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; (...)”.

4 – In casu e no que à questão da nulidade diz respeito, a decisão não se encontra fundamentada ou melhor, os fundamentos de facto são contraditórios e ininteligíveis em si mesmos e por confronto com a decisão.

5 – “A oposição entre os fundamentos e a decisão que determina a nulidade da decisão consubstancia um vício de raciocínio do julgador que se traduz no facto da fundamentação (i.é as premissas do silogismo judiciário) se mostrar incongruente com a decisão (conclusão)

que dela deve logicamente decorrer.”

6 – Como bem sabemos, é através da fundamentação que as partes podem compreender e controlar a razão pela qual o tribunal chega a determinadas conclusões ou decisões e qual o raciocínio lógico que seguiu.

7 – O venerando Tribunal deu como provado que 300 toneladas de areia podiam ser vendidas por 780.000€, sendo que – para tal conclusão – teve que dar como provado que as mesmas tinham o valor de 2.6€/tonelada.

8 – O Venerando Tribunal deu como não provado que o preço era de 2.60€/tonelada?

9 – Salvo melhor opinião, este exemplo, é ilustrativo do vício do silogismo judiciário que inquina o douto Acórdão em violação das regras legais do dever de fundamentação contantes dos artigos 154º e 607º do CPC que culmina com a nulidade prevista no artigo 674 nº1 al.c) e 615 nº1 al. c) do CPC.

10 – A Recorrente reconhece que não é esta a sede para reapreciações da matéria de facto, apenas recorrendo às mesmas para ilustração da contradição, ambiguidade e obscuridade da matéria de facto provada e não provada.

Ademais,

11 – No que concerne à matéria do Standard da Prova, é nosso modesto entendimento que há uma clara violação de lei substantiva que legitima a apresentação do presente recurso de revista nos termos do artigo 674 nº1 al. a) do CPC.

12 – Considera a Recorrente que o Venerando Tribunal a quo violou os critérios de valoração e distribuição do ónus da prova em processo civil, designadamente o disposto no artigo 342º do Código Civil e o artigo 414º do CPC.

13 – Salvo melhor opinião, não se está aqui em sede de reapreciação stritcu sensu da matéria de facto mas sim em sede de violação de lei substantiva, no que aos critérios de valoração da prova diz respeito.

14 – E a violação dos critérios legais implicou que a Recorrente fosse, ilegalmente, onerada com as insuficiências probatórias da Recorrida – o que implicou a sua condenação parcial no pedido.

15 – A correcta aplicação das leis de processo, implicaria que se considerassem provados os factos contrários àqueles que justificaram a condenação da Recorrente, designadamente que se desse como não provado a retirada pela Recorrente de 300 mil toneladas de areias da unidade industrial da Recorrida.”

Acrescem as conclusões lxvii) a cix) da primitiva versão do recurso:

“DA ERRADA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS - DA NÃO VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA;

lxvii. O Tribunal a quo considerou - mal - que se entram[encontram] reunidos os pressupostos do enriquecimento sem causa.

lxviii. Comecemos então pelo primeiro pressuposto: o enriquecimento, por um lado, por parte da Recorrente e respetivo empobrecimento por parte da Recorrida.

lxix. Em primeiro lugar, considera que os montes de areia em stock dificultavam os trabalhos e causavam constrangimentos à produção (cfr. pág. 50 do Acórdão).

lxx. Esta circunstância trazia custos altos à Autora/Recorrida, uma vez que "a máquina tinha que tirar a areia do chão para a pôr em cima do monte, explicando que, quanto maior for o monte, maior será o tempo despendido pela máquina que enquanto está a fazer esse serviço não está a fazer outro" (cfr. pág. 50 do Acórdão).

lxxi. O raciocínio - errado - do Tribunal a quo foi o seguinte: A Recorrente tirou areia das instalações da Recorrida, sem guias nem faturas, logo enriqueceu à custa desta e esta sofreu, respetivamente, um empobrecimento patrimonial.

lxxii. Resultou provado que:

23 - Em 30 de Novembro de 2012, a Autora celebrou com a sociedade Franco Ldª um acordo sob a epígrafe “Contrato de Cedência de Exploração de Pedreiras e Anexos Mineiros, tendo por objeto as pedreiras nºs 5715 denominada “…….e 4967 denominada……..

24- A denominada unidade Oeste da Autora é que explora as pedreiras referidas em 23.

25- Nos termos do acordo referido em 23, a Autora comprometeu-se a liquidar à cedente o valor fixo mensal de €3.000,00, bem como, entre o mais, €0,50 por cada tonelada de produto lavado e vendido, €1,50 por cada tonelada de areia de duna limpa, €0,75 por cada tonelada de areia misturada e €0,50 por cada tonelada de areia de duna suja.

lxxiii. O douto Acórdão considerou que as areias se encontravam na esfera jurídica da A. e que, ao terem sido patrimonialmente deslocadas, tal circunstância a empobreceu.

lxxiv. Porém e salvo melhor opinião, a questão da propriedade das areias está longe de ser pacífica.

lxxv. Primeiro, não só - na matéria dada como provada - não há qualquer facto donde se possa extrair que as areias eram propriedade da Recorrida.

lxxvi. Como ainda afirma o Venerando Tribunal da Relação que a areia extraída pela A. não era registada na contabilidade e não dava entrada nos respetivos stocks.

lxxvii. Tal só acontecia quando a areia era vendida a terceiros. (vide pág. 40 do Acórdão recorrido).

lxxviii. O que é claramente indiciador que as areias não lhe pertenciam.

lxxix. Conforme resulta da matéria dada como provada o desiderato principal da A. com a celebração do negócio com a sociedade "Franco, Lda." era a exploração de caulinos. (vide ponto 27 dos factos dados como provados)

lxxx. Caso pretendesse comercializar areias, pagaria ao seu proprietário o valor determinado.

lxxxi. Ora e salvo melhor opinião, tal previsão contratual só pode significar que as areias produzidas pelo processo de lavagem de inertes não era propriedade da A. mas sim da Franco, Lda.

lxxxii. Em conclusão, considera a Recorrente que não há prova de as areias eram propriedade da Recorrida e por conseguinte, que esta entidade tenha sido empobrecida.

lxxxiii. Razão pela qual deve a condenação por enriquecimento sem causa improceder.

DA (AUSÊNCIA DE CAUSA JUSTIFICATIVA E RESPETIVO ÓNUS DA PROVA

lxxxiv. O Acórdão recorrido - e bem - defende que era a Autora que tinha o ónus de alegar e provar esse facto [ausência de causa justificativa] que corresponde a um dos factos constitutivos do direito que veio invocar.

lxxxv. Acrescenta ainda o douto Acórdão recorrido que esta questão é praticamente unânime na nossa jurisprudência e doutrina, citando Antunes Varela: "a falta de causa de atribuição patrimonial terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no art. 342º, por quem pede a restituição do indevido. Não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais de ónus probandi, que não se prove a existência de uma causa da atribuição; é preciso convencer o tribunal dessa causa".

lxxxvi. Concluiu o Acórdão recorrido que "Ainda que essa matéria de facto que se julgou provada não seja exuberante no que toca a essa matéria, pensamos que existem elementos para concluir que o enriquecimento em questão não tem causa justificativa".

lxxxvii. Conforme já se referiu supra e sempre com o devido respeito, os Venerandos Julgadores - tendo consciência de que o ónus da prova impende sobre a Recorrida - deveriam ter partido para a análise do facto da seguinte forma: Está assente que houve causa justificativa. A não exuberância da prova não gera dúvida irredutível e não cria espaço para dúvida e incerteza?

lxxxviii. É do entendimento da Recorrente que, inexistindo prova superabundante e/ou manifesta, deveria o julgador decidir como se estivesse provado o facto contrário, i.é, de que houve causa justificativa.

lxxxix. Importa ainda atender à semântica utilizada quando refere: "pensamos que existem elementos para concluir que o enriquecimento em questão não tem causa justificativa."

xc. O próprio julgador utiliza uma terminologia que é claramente demonstrativa de "insegurança" e de existência de "dúvida irredutível".

xci. O exercício feito pelo julgador foi o de que: prova não é abundante mas, ainda sim, é de considerar mais provável não ter havido qualquer causa justificativa.

xcii. Para julgar conforme a lei substantiva deveria ter entendido que: a prova não é abundante. Não sendo abundante, não é suficientemente segura para extinguir todas as dúvidas. Existindo dúvidas, terei que presumir que há causa justificativa.

xciii. Assim, a decisão do Venerando Tribunal a quo é contrária à que tem vindo a ser adotada pelos Tribunais superiores, em concreto, o Supremo Tribunal de Justiça.

xciv. Apesar de ter reconhecido que a Autora não fez prova forte e segura (usando a expressão exuberante) da ausência de causa justificativa, condenou a Ré - indevidamente - com fundamento no enriquecimento sem causa.

xcv. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo aplicou mal o direito aos factos porque a matéria dada como provada tinha que, pelo menos, suscitar dúvida no julgador.

xcvi. Designadamente:

xcvii. 28- Em consequência do facto referido em 27 a Autora apresentava grandes stocks de areia, as quais dificultavam as condições de trabalho em termos de espaço, de circulação de veículos e de operacionalidade do sistema de lavagem do minério.

xcviii. 29- Durante o período temporal referido em 19, a Ré teve trabalhadores seus a trabalhar no local juntamente com trabalhadores da Autora.

xcix. A Recorrida, no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação, pediu que o ponto 28 da matéria provada fosse alterado (por forma a que não ficasse provado).

c. O Tribunal da Relação, contudo, manteve o ponto 28 da matéria provada e baseou-se no essencial em: "que os constrangimentos causados pela areia ali amontoada são devidamente registados e explicados pelas testemunhas EE ,FF e GG, referindo a última testemunha – cujo depoimento foi, no essencial, confirmado pelas demais – que existia um monte grande de areia (teria uma altura de 5, 6 ou 7 metros) e que, por essa razão e porque não havia mais espaço, a máquina tinha que tirar a areia do chão para a pôr em cima do monte, explicando que, quanto maior for o monte, maior será o tempo despendido pela máquina que enquanto está a fazer esse serviço não está a fazer outro.".

ci. Como já vimos, considerou o Tribunal a quo que: i) os stocks de areia eram um problema que afetava negativamente a produção de caulino da Recorrida; ii) a Recorrente, entre 2015 a 2017, teve trabalhadores seus a trabalhar naquelas instalações da Recorrida.

cii. A verdade é que, com estes factos assentes, o Tribunal a quo tinha, no mínimo, que ter dúvidas quanto à existência ou não de uma causa justificativa.

ciii. E, porque na verdade teve dúvidas - caso contrário, não teria dito que a prova "não foi exuberante", o Tribunal decidiu mal.

civ. Mas mais, ao invés do Tribunal a quo ter "condenado" a ausência de prova que recaía sobre a Autora, preferiu atacar os factos alegados pela Ré (aqui Recorrente) no que diz respeito à existência de causa justificativa.

cv. Ora, o que é indiscutível e aceite por todos, é que é sobre o Autor que recai o ónus da prova.

cvi. E, por conseguinte, não é o Réu que tem que alegar nem provar que existiu efetivamente uma causa justificativa subjacente à alegada deslocação patrimonial.

cvii. Mas, o que é certo é que o Tribunal a quo se debruçou mais sobre o facto da aqui Recorrente não ter conseguido fazer prova da parceria comercial alegada, do que pelos factos provados pela Autora para permitir ao Tribunal condenar a Ré - como era seu dever.

cviii. Assim e em conclusão, é manifesto que não se verificam os pressupostos de que depende a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa.

cix. Razão pela qual deve o douto Acórdão recorrido ser revogado.”

Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, o acórdão recorrido seja revogado, absolvendo-se a Recorrente da totalidade do pedido.

A Recorrida contra-alegou, formulando novas conclusões parciais em resposta às conclusões de recurso aperfeiçoadas, às quais acrescem as conclusões (39) a (150) da primitiva versão das contra-alegações (conclusões estas respeitantes à verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa e ao pedido de ampliação do âmbito do recurso):

“1. No passado dia 22.05.2020, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu um despacho convidando a Recorrente a aperfeiçoar as suas conclusões das alegações de recurso, na medida em que, em suma, a Recorrente não indica as normas jurídicas violadas e não identifica a questão ou questões respeitantes à matéria de facto que se integrem na competência do Supremo Tribunal de Justiça para a sua reapreciação (“Despacho”).

2. Nessa sequência, veio a Recorrente aperfeiçoar as suas conclusões das alegações de recurso de revista no dia 08.06.2020 (“Conclusões Aperfeiçoadas”).

3. Sucede, porém, que a Recorrente não cumpriu o solicitado pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Despacho.

SENÃO VEJAMOS,

4. Basta uma mera leitura das Conclusões Aperfeiçoadas para se concluir que a Recorrente se limitou a fazer uma súmula do teor das suas alegações de recurso e respetivas conclusões apresentadas inicialmente, não trazendo nada de novo ao presente processo, tal como lhe tinha sido solicitado pelo Supremo Tribunal de Justiça.

5. Em relação à questão da nulidade do Acórdão Recorrido, as Conclusões Aperfeiçoadas apenas demonstram, novamente, que a Recorrente não concorda com a fundamentação do mesmo.

6. A Recorrente voltou a não invocar um único argumento no sentido da contrariedade entre os fundamentos e a decisão do Acórdão Recorrido ou que este seja obscuro ou ambíguo, tornando-o ininteligível. Por outro lado, voltou a preferir o recurso a exemplos desconexos e impercetíveis que visam apenas confundir o Tribunal.

7. Como teve a Recorrida oportunidade de mencionar nas suas contra-alegações de recurso, esta é apenas uma tentativa de colocar em causa a matéria de facto considerada provada e não provada pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

8. Ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, a fundamentação do Acórdão Recorrido aponta no sentido da decisão que foi tomada e não em qualquer outro, não existindo nenhum vício no silogismo judiciário.

9. Por outro lado, em relação à questão do standard de prova, as Conclusões Aperfeiçoadas não acrescentam nada àquilo que já foi referido pela Recorrente nas suas alegações de recurso.

10. Reitere-se, contudo, que, ao contrário do que sucessivamente alega a Recorrida, não é possível afirmar-se que há violação de direito substantivo, uma vez que, para além de o standard de prova não ser um mecanismo utilizado pela jurisprudência portuguesa, nem estar previsto na nossa legislação, traduzir-se-á num mero guia de racionalização da livre apreciação da prova do julgador – apreciação da prova essa que, no caso concreto, foi extremamente racional e amplamente fundamentada.

11. No mais, por motivos de economia processual, remete-se para as contra-alegações de recurso apresentadas pela Recorrida.

12. Assim se conclui que a Recorrente não indicou as normas jurídicas violadas, nem identificou claramente a questão ou questões respeitantes à matéria de facto que se integrem na competência do Supremo Tribunal de Justiça para reapreciar a matéria de facto.

13. Logo, quanto aos pontos concretos em discussão (i.e. pontos ix) a xxxviiii) e xxxix) a lxvi) das conclusões das alegações de recurso apresentado pela Recorrente), estes deverão ser manifestamente julgados improcedentes.”

Conclusões (39) a (150) da primitiva versão das contra-alegações:

“DA ALEGADA NÃO VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

(39) Nos termos do artigo 473.º, n.º 1, do Código Civil (“CC”), há enriquecimento sem causa quando se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos: (i) enriquecimento de alguém; (ii) obtido à custa de outrem; e (iii) inexista causa justificativa para o enriquecimento.

(40) A ora Recorrente alega que não estão verificados tais pressupostos, pelo que, no seu entender, o Tribunal a quo aplicou erradamente a lei.

(41) Sucede, porém, que a Recorrente não tem qualquer razão na sua argumentação, tendo o Tribunal a quo decidido em cumprimento da lei substantiva.

DO ENRIQUECIMENTO DA RECORRENTE À CUSTA DO EMPOBRECIMENTO DA RECORRIDA

(42) Em relação aos dois primeiros pressupostos, a ora Recorrente alega que os pontos 28 e 29 da matéria de facto considerada como provada no Acórdão Recorrido são reveladores da não verificação de tais pressupostos, visto que, na sua ótica, a atuação da Recorrente não implicou um empobrecimento da ora Recorrida, na medida em que esta saiu a ganhar com a subtração das suas areias e dos seus equipamentos (!?).

(43) Na opinião da Recorrente: (i) o facto de o alegado problema que o excesso de stocks de areias causava ter ficado alegadamente resolvido, na opinião da Recorrente, permitiu um aumento da produção e uma redução dos custos operacionais da Recorrida; e (ii) o facto de ter trabalhadores seus a trabalhar no local juntamente com os trabalhadores da Recorrida, implica que não exista qualquer empobrecimento da Recorrida.

(44) A Recorrente chega mesmo a insinuar que a Recorrida terá enriquecido com esta situação (!?).

(45) Por outro lado, a ora Recorrente alega ainda que não houve qualquer empobrecimento da Recorrida, porquanto as areias não eram propriedade sua.

(46) Estes argumentos da ora Recorrente não têm qualquer cabimento fáctico legal, para além de não terem qualquer fundamento no Acórdão Recorrido e, como tal, deverão, naturalmente, ser considerados improcedentes por parte do Tribunal ad quem.

(47) Quanto ao primeiro pressuposto, exige-se que o enriquecido tenha tido um acréscimo patrimonial na sua esfera jurídica.

(48) Ora, o Tribunal a quo considerou provado que a Recorrente subtraiu, pelo menos, 300.000 toneladas de areia das instalações da Recorrida, sob instruções do seu dono e beneficiário efetivo, o Sr. AA (vd. pontos 19., 19.A e 19.B da matéria de facto considerada como provada no Acórdão Recorrido).

(49) Basta uma leitura do Acórdão Recorrido, para se concluir que a prova produzida, nomeadamente a prova testemunhal foi clara quanto a esta subtração.

(50) Ficou também provado que, para além da subtração das areias, a ora Recorrente desviou da Recorrida 4 bombas de filtro de prensa e 100 placas verticais (vd. pontos 20, 21 e 22 da matéria de facto considerada como provada no Acórdão Recorrido).

(51) Pelo exposto, não resultam quaisquer dúvidas que a subtração das toneladas de matérias primas (areias) e dos equipamentos (bombas e filtros prensa) da Recorrida referidas supra corresponde a um aumento do ativo patrimonial da Recorrente.

(52) Aliás, nem a própria Recorrente coloca tais factos diretamente em causa.

(53) Relativamente ao segundo pressuposto, também aqui não existem dúvidas que, no caso sub judice, a Recorrente através da subtração de matérias primas (areias) e dos equipamentos (bombas e filtros de prensa) enriqueceu à custa da Recorrida com o consequente empobrecimento desta, que se viu privada de tais produtos / bens.

(54) O primeiro argumento utilizado pela Recorrente para alegar que não enriqueceu às custas da Recorrida é o seguinte: os pontos 28 e 29 da matéria de facto considerada como provada do Acórdão Recorrido demonstram que a ora Recorrida não empobreceu com a subtração das matérias primas (areias).

(55) Mas alguém consegue acreditar que pelo facto de no Acórdão Recorrido resultar como provado que a Recorrida apresentava grandes stocks de areia que (alegadamente) dificultavam as condições de trabalho, de circulação de veículos e de operacionalidade do sistema de lavagem do minério (ponto 28) demonstra que não houve empobrecimento da Recorrida?

(56) E também não houve empobrecimento porque (alegadamente) estiveram trabalhadores da Recorrente a trabalhar em conjunto com os trabalhadores da Recorrida?

(57) Nada disto faz sentido.

(58) Pelo contrário, tudo isto faz parte da estratégia da Recorrente para justificar a subtração ilícita de milhares de toneladas de areias das instalações da Recorrida e, assim, nada pagar a esta.

(59) Mas mais, ainda que, por absurdo, os stocks de areia dificultassem as condições de trabalho, de circulação de veículos e de operacionalidade do sistema de lavagem do minério, o que não se aceita, mas por exacerbada cautela se concebe, a subtração levada a cabo pela Recorrente não deixa de gerar um empobrecimento na esfera jurídica da Recorrida, que passou a estar privada de tais matérias-primas.

(60) Não só passou a estar privada das mesmas, como não recebeu um único cêntimo por elas, conforme foi plenamente demonstrado pela prova testemunhal e, assim, foi reconhecido pelo Tribunal a quo!

(61) Além disso, não ficou provado nos autos qualquer correspondência direta entre a subtração das areias e o aumento de produção dos caulinos da Recorrida, como bem salienta o Acórdão Recorrido.

(62) Por outro lado, o facto de os trabalhadores da Recorrente terem estado a trabalhar em conjunto com os trabalhadores da Recorrida em nada releva para esta situação.

(63) Então não há empobrecimento da Recorrida porque os trabalhadores da Recorrente estiveram nas instalações da Recorrida (em conjunto com os seus próprios trabalhadores) a subtrair várias toneladas de areias das instalações desta?!

(64) Admitir a narrativa da Recorrente seria não punir o infrator por ter executado diretamente, com os seus próprios trabalhadores, a infração. Nada disto faz sentido…

(65) Mais: não existe qualquer prova (e, por isso, não foi considerado provado) que aponte no sentido de ter existido uma redução de quaisquer custos operacionais da Recorrida. O que existe, e está provado, é um aumento do ativo patrimonial da Recorrente, através da subtração de areias e equipamentos, com o consequente empobrecimento da Recorrida.

(66) Pelo exposto resulta claro que os pontos 28 e 29 da matéria de facto considerada como provada no Acórdão Recorrido não podem servir de fundamento para considerar que não houve um enriquecimento da Recorrente à custa do empobrecimento da Recorrida.

(67) O segundo argumento utilizado pela Recorrente para alegar que não enriqueceu às custas da Recorrida prende-se com o facto de que (alegadamente) a matéria-prima (areias) que estava nas instalações da Recorrida não era propriedade sua.

(68) Aqui, a Recorrente argumenta com base em matéria de facto que não foi dada como provada, mas que pretende à outrance que seja considerada por este Colendo Tribunal.

(69) E, de novo, com desfaçatez: não foi feita prova no sentido pretendido pela Recorrente, sendo pelo contrário pacífico que a exploração mineira estava confiada à Recorrida (conforme contrato junto aos autos), cabendo-lhe a si a propriedade das matérias-primas extraídas.

(70) A Recorrente começa por alegar que é claramente indiciador que as areias não pertenciam à Recorrida pelo facto de a areia extraída por esta não ser registada na contabilidade e não dava[dar] entrada nos respetivos stocks, exceto quanto era vendida a terceiros.

(71) Ora, é falso que pelo facto de a areia não estar registada na contabilidade e não dar entrada nos respetivos stocks que estas não são propriedade da ora Recorrida.

(72) Mais: tal como a ora Recorrente afirma, as areias eram registadas na contabilidade e nos stocks da Recorrida quando estas eram vendidas a terceiros, logo, sendo certo que a Recorrente é um terceiro, não deveriam as saídas de areias para a Recorrente serem também registadas?

(73) No entanto, estas não eram registadas devido à subtração ilícita das areias que era realizada pela ora Recorrente, sob indicação expressa do Sr. AA, sem a passagem de qualquer guia e fatura e sem o pagamento de qualquer contrapartida.

(74) A Recorrente tenta, mais uma vez, confundir o Tribunal ad quem, invocando erradamente o Contrato de Cedência de Exploração celebrado entre a Recorrida e a Franco que, na sua opinião, demonstra que a propriedade das areias é da Franco e não da Recorrida.

(75) Ora, tal como se encontra provado no ponto 23 da matéria de facto considerada provada no Acórdão Recorrido, a Recorrida celebrou, no dia 30 de novembro de 2012, um Contrato de Cedência de Exploração com a sociedade Franco - cfr. Documento n.º 1 junto com a Contestação.

(76) Esse Contrato de Cedência de Exploração respeita ao terreno que se encontra a se[r] explorado pela Recorrida e no qual se encontra[m] as suas instalações de onde a Recorrente subtraiu as areias.

(77) No entanto, ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, à luz do referido Contrato de Cedência de Exploração, todos os minérios – entre os quais, areias, caulinos e seixos – extraídos das minas, cuja exploração é cedida em exclusivo pela Franco à Recorrida, são da propriedade única e exclusiva desta última.

(78) Conforme resulta expressamente da Cláusula Primeira do Contrato de Cedência de Exploração, a Franco cede à Recorrida a exploração das pedreiras e a Recorrida “assume a posição de exploradora” - cfr. Documento n.º 1 junto com a Contestação.

(79) De acordo com o n.º 1 da Cláusula Segunda do Contrato de Cedência de Exploração, como contrapartida pela cedência da exploração, a Recorrida obriga-se a proceder aos seguintes pagamentos:

“i) o valor de € 3 000,00 (Três mil) euros mensais;

ii) Quando a produção da Linha de Lavagem e Classificação de Areias ultrapasse 160 horas/mês, ao montante referido na alínea anterior acresce a quantia de € 20,00 por cada hora a mais;

iii) Por cada tonelada de produto lavado e vendido na Unidade acresce o valor de 0,50 Euros (cinquenta cêntimos); por cada tonelada de Areia de Duna limpa acresce o valor de 1,50 (um euro e cinquenta cêntimos); por cada tonelada de areias misturadas (lavada/duna) acresce o valor de 0,75 Euros (setenta e cinco cêntimos), por cada tonelada de areias de Dunas Sujas acresce ainda o montante de 0,50 Euros (cinquenta cêntimos); tudo a faturar e pagar mensalmente (…)”.

(80) O disposto nas referidas cláusulas demonstra que, contrariamente ao que a Recorrente pretende fazer crer, os produtos extraídos dos terrenos concessionados são única e exclusivamente da Recorrida e não da Franco, a quem a Recorrida paga uma renda e uma comissão pela concessão da exploração.

(81) Mais: ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, para além da diferença no valor da comissão a ser paga à Franco, não há qualquer diferença de tratamento entre areias e caulinos no Contrato de Cedência de Exploração. Tal não tem qualquer correspondência com as cláusulas contratuais contidas no Contrato em causa, tratando-se de uma pura invenção da Recorrente.

(82) É óbvio que o valor do empobrecimento da Recorrida é o valor total da subtração das areias levada a cabo pela Recorrente. Não há lugar a qualquer desconto do valor a pagar à Franco. O montante eventualmente a pagar pela Recorrida à Franco, por via do respetivo Contrato, nada releva para esta situação e, muito menos, para a definição do valor do empobrecimento da Recorrida e do valor da condenação da Recorrente.

(83) É verdadeiramente espantoso como pode a Recorrente alegar que o verdadeiro empobrecido é a Franco e não a Recorrida.

(84) Mais: é absurdo afirmar que o valor a pagar à Franco – seja ele qual for – deveria ser deduzido dos € 780.000,00, porquanto a Recorrida terá sempre que pagar a comissão acordada à Franco e, como tal, esse valor terá que necessariamente estar contabilizado no empobrecimento da ora Recorrida.

(85) Pelo exposto resulta claro que houve um enriquecimento – não contestado – da Recorrente à custa de um empobrecimento da Recorrida, pelo que, como considerou o Tribunal a quo, os dois primeiros pressupostos do enriquecimento sem causa se encontram verificados.

(86) Por fim, note-se que nenhuma das justificações (ou, melhor dizendo, desculpas) inventadas pela Recorrente para tentar sustentar o não empobrecimento da Recorrida é aplicável à questão da subtração dos equipamentos (bombas e filtros de prensa). A própria Recorrente aceita que sobre estes se verifica um empobrecimento da Recorrida, sendo este ponto pacífico.

DA AUSÊNCIA DE CAUSA JUSTIFICATIVA

(87) A ora Recorrente afirma, através de argumentos sem qualquer base factual e legal, e apenas recorrendo a jogos de semântica, que este não se encontra verificado. Em concreto, a ora Recorrente alega que a ora Recorrida não provou, tal como lhe era exigível, a ausência de causa justificativa e que o Tribunal a quo não deveria ter considerado tal pressuposto como verificado, porquanto, na opinião da Recorrente, este não ficou convencido da ausência da mesma (!?).

(88) O requisito da ausência de causa justificativa, devido à sua possível grande amplitude, deve ser aferido caso a caso, sob pena de estarmos perante uma situação de prova impossível – vd. doutrina de ALMEIDA COSTA e jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA supra citadas.

(89) A ora Recorrente alega que os factos 28 e 29 da matéria de facto considerada como provada deveriam, pelo menos, ter suscitado dúvidas no julgador sobre a existência ou não de causa justificativa e, por conseguinte, perante esse estado de incerteza, deveria o Tribunal a quo ter considerado existir uma causa justificativa para o enriquecimento da Recorrente à custa da Recorrida.

(90) A relevância dos factos 28 e 29 da matéria de facto considerada como provada para aferir da existência de um enriquecimento sem causa é nula.

(91) Tais factos (i) não provam qualquer enriquecimento da Recorrida, (ii) não provam a existência de qualquer parceria/acordo entre as partes, (iii) nem sequer uma relação contratual ou comercial e, muito menos, (iv) que a Recorrente estava a prestar um serviço à Recorrida ao subtrair a matéria prima (areias) e os equipamentos (bombas e placas de filtro prensa).

(92) Conforme certamente o Tribunal ad quem concordará, tais factos não são suficientes para criar no julgador qualquer dúvida sobre a existência ou não de causa justificativa, porquanto os demais elementos constantes nos autos demonstram, sem margem para quaisquer dúvidas, que não existe qualquer causa justificativa.

(93) Apesar de ter deixado cair essa argumentação agora em sede de Recurso de Revista, a Recorrente sempre justificou a subtração em discussão nos presentes autos com a existência de uma parceria comercial entre as partes.

(94) Essa alegada parceria foi sempre rejeitada e impugnada pela Recorrida, sendo que a Recorrente nunca logrou fazer prova no sentido da sua inexistência – vd. ponto n) da matéria de facto considerada como não provada do Acórdão Recorrido.

(95) É aliás ostensiva a inexistência de uma parceria. Não há quaisquer documentos sobre a parceria. Não há sequer notícia de reuniões ou combinações. O que temos é o Sr. AA dos dois lados do litígio, com dois “chapéus”, como administrador desleal da Recorrida e como dono e administrador oculto da Recorrente. As matérias-primas e os equipamentos são subtraídos, sem pagamentos e documentos contabilísticos – ou seja, sem vestígios. Mais tarde, quando as subtrações são escrutinadas em Tribunal, surge a alegação de uma parceria!

(96) Na esteira do entendimento de ALMEIDA COSTA, a expectável causa justificativa, tendo em conta os circunstancialismos do presente caso, seria existir um contrato de fornecimento de bens entre a Recorrente e a Recorrida. Que é pacífico não ter existido – é um facto negativo inquestionável para ambas as partes.

(97) Mais: o facto de a subtração de matérias primas (areias) e de equipamentos (bombas e filtros prensa) ter sido realizada sem a emissão das respetivas guias e faturas e sem o pagamento de qualquer contrapartida não é indiciador da inexistência de qualquer contrato entre as partes?

(98) Se existisse um contrato, não seria lógico que o mesmo previsse e regulasse a emissão de guias e de faturas e ainda o pagamento de contrapartidas pela Recorrente?

(99) Aqui chegados, que mais prova do que a que consta dos autos é que a Recorrida poderia ter feito perante um esquema fraudulento pensado pelo Sr. AA e executado pela Recorrente, que a lesou em vários milhares de euros? Está tudo provado.

(100) Conclui-se que ficou provado o requisito da inexistência de causa justificativa e, como tal, o Tribunal a quo, em cumprimento do princípio da livre apreciação de prova, decidiu na sua plena convicção e com respeito pelo direito probatório aplicável.

(101) A Recorrente, desesperadamente, através de argumentos sem qualquer tipo de suporte, tece um conjunto de considerações sobre o ónus da prova, de forma a alegar que o Tribunal a quo teria de ter tido, pelo menos, dúvidas quanto à existência ou não de causa justificativa e que, por isso, não poderia ter decidido como o fez.

(102) Contudo, ao longo do Acórdão Recorrido, o Tribunal a quo não demonstrou qualquer dúvida em relação ao sentido da decisão e aos factos provados e não provados nele plasmados – vd. págs. 67 a 69 do Acórdão Recorrido.

(103) A Recorrente incorre num erro comum de interpretação das regras de direito probatório, confundindo o momento em que as normas de ónus da prova entram em ação.

(104) As regras do ónus da prova só entram na equação do julgador quando estamos perante um caso de dúvida – non liquet.

(105) A lei, doutrina e jurisprudência é clara no sentido de que não tem que existir prova exacerbada, o que tem de existir é uma convicção no julgador de que determinado facto é provado ou não, bastando, para isso, um juízo de probabilidade.

DA AMPLIAÇÃO DO OBJETO DE RECURSO – DA RESPONSABILIDADE CIVIL

(106) Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 636.º, n.º 1, do CPC, pretende a Recorrida que o Tribunal ad quem reaprecie os fundamentos respeitantes à existência de responsabilidade civil por factos ilícitos da Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 483.º do CC.

(107) Entende a Recorrida que o Acórdão Recorrido viola a lei substantiva no respeitante à invocada responsabilidade civil por factos ilícitos da Recorrente, visto que se encontram reunidos os pressupostos para aplicação do artigo 483.º do CC.

(108) Nos termos do disposto no artigo 483.º do CC, o surgimento de uma obrigação de indemnizar por parte do lesante, por força da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) facto voluntário; (ii) ilicitude; (iii) imputação do facto ao lesante; (iv) dano, e (v) nexo de causalidade entre o facto e o dano.

(109) Quanto ao primeiro pressuposto, não resultam quaisquer dúvidas que o comportamento da Recorrente constitui um facto voluntário, dado que os seus funcionários se deslocaram voluntariamente (e, acrescente-se, intencionalmente) às instalações da Recorrida para subtraírem matérias primas (areias), bem como se apropriaram voluntariamente de equipamentos (bombas e filtros prensa), sem pagamento de qualquer contrapartida – cfr. pontos 19,19.A, 19.B,20,21 e 22 da matéria de facto considerada como provada no Acórdão Recorrido.

(110) Relativamente ao segundo pressuposto, importa, desde já, salientar que a Recorrida é a legítima proprietária das matérias-primas (areias) e dos equipamentos (bombas e filtros prensa) acima descritos, pelo que, nessa qualidade, goza de modo pleno e exclusivo, das faculdades de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, ao abrigo do disposto no artigo 1305.º do CC.

(111) Em consequência da conduta voluntária e consciente levada a cabo pela Recorrente, resulta de forma evidente a violação do direito absoluto de propriedade da Recorrida, que, no caso concreto, se vê privada de fazer uso, fruir, ou mesmo dispor de tais matérias-primas (areias) e equipamentos (bombas e filtros prensa) no decurso das suas atividades comerciais normais, tendo tal subtração causado transtorno nas operações da Recorrida e graves prejuízos financeiros.

(112) O ilícito delitual consiste assim na ofensa ao direito absoluto de propriedade sobre as matérias-primas e os equipamentos, nos termos da primeira modalidade de ilicitude enunciada no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil.

(113) Enquanto dono oculto e administrador de facto da Recorrente, o Sr. AA participa do ilícito, enquanto autor mediato e instigador, nos termos do artigo 490.º do Código Civil.

(114) Relativamente ao terceiro pressuposto, exige-se a verificação de dois requisitos, a saber: (i) da imputabilidade do lesante, e (ii) da sua atuação com dolo ou mera culpa.

(115) Quanto ao primeiro requisito, a Recorrente, através dos seus gerentes e funcionários, tem plena capacidade para prever os efeitos dos atos que pratica.

(116) Quanto ao segundo requisito, tendo em conta todas as circunstâncias factuais acima descritas, não há qualquer dúvida que a Recorrente, na pessoa dos seus colaboradores e representantes, terá agido com dolo.

(117) Em relação ao quarto pressuposto, ficou provado que a Recorrente sofreu prejuízos no valor de, pelo menos, € 829.200,00 resultado da subtração de matérias primas (areias) e equipamentos (bombas e filtros prensa) seus por parte da ora Recorrente – cfr. pontos 19.B, 20 a 22 da matéria de facto considerada como provada no Acórdão Recorrido.

(118) Sendo impossível a reconstituição natural nos termos do artigo 562.º do CC, porquanto as milhares toneladas de areia já terão sido utilizadas e / ou vendidas pela Recorrida, à luz do artigo 566.º do CC, a indemnização é fixada em dinheiro.

(119) A Recorrida pretende ser ressarcida de todos os danos resultantes da conduta da Recorrente determinados por referência ao prejuízo que a Recorrida teve por ocasião e em conexão com o facto danoso da Recorrente e à situação que existiria caso não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

(120) Em relação ao quinto e último pressuposto, para que se possa concluir que ao lesante incumbe a obrigação de reparar os danos supra exige-se, nos termos do artigo 563.º do CC, que entre estes e o facto ilícito e culposo exista uma relação causal.

(121) Não há qualquer dúvida quanto à existência de um nexo de casualidade entre os danos sofridos pela Recorrida e o facto ilícito e culposo realizado pela Recorrente, uma vez que a Recorrida nunca teria sofrido os danos que sofreu, se a Recorrente não tivesse subtraído as suas matérias-primas (areias) e os seus equipamentos (bombas e filtros prensa).

DO PREENCHIMENTO DO PRESSUPOSTO DA ILICITUDE – EM PARTICULAR

(122) O Tribunal a quo considerou que os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos não estavam preenchidos no presente caso, porquanto, no seu entendimento, que não se aceita, mas se respeita, os factos voluntários praticados pela Recorrente não podem ser considerados ilícitos.

(123) O Tribunal a quo considerou – apesar de não existir qualquer ponto da matéria de facto considerada como provada nesse sentido – que estamos perante uma situação de causa de exclusão da ilicitude prevista no artigo 340.º do CC.

(124) Em concreto, o Tribunal a quo considerou que a Recorrida autorizou (deu consentimento) as subtrações de matéria prima e equipamentos pelo simples facto de estas subtrações terem sido ordenadas pelo Sr. AA, que era, à data dos factos, Presidente do Conselho de Administração da Recorrida.

(125) Para o Tribunal a quo o consentimento dado pelo autor e ordenante da infração implica a licitude das subtrações (!?).

(126) Ora, na realidade, enquanto dono oculto e administrador de facto da Recorrente, o Sr. AA foi o autor mediato e instigador do ilícito, nos termos e para os efeitos do artigo 490.º do Código Civil.

(127) Mais, a sua suposta atuação na qualidade de administrador desleal da Recorrida – atuando à revelia dos demais administradores – não tem qualquer valor como consentimento!

(128) Sendo o Sr. AA, de forma oculta, dono e beneficiário efetivo e administrador de facto da Recorrente, e tendo tido intervenção direta nas subtrações, ordenando e potenciando as mesmas à revelia e sem conhecimento dos demais administradores da Recorrida, como pôde o Tribunal a quo legitimar esta atuação claramente ilícita?

(129) A lei é clara. Estamos perante um exemplo clássico de aplicação do disposto no artigo 397.º, n.º 2 do CSC. Um caso clássico de negócio com a sociedade ilícito que serviu apenas para beneficiar a Recorrente às custas da Recorrida.

(130) O disposto no artigo 397.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais é muito claro no sentido de considerar nulos os contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores, diretamente ou por interposta pessoa, se não tiverem sido previamente autorizados por deliberação do conselho de administração e com parecer favorável do conselho fiscal.

(131) Estamos perante o princípio da proibição da celebração de negócios entre o administrador e a sociedade, incluindo por interposta pessoa. Sendo que por “interposta pessoa” se deve entender, na esteira do defendido por COUTINHO DE ABREU, não só as pessoas referidas no artigo 579.º, n.º 2 do Código Civil como também todas as pessoas próximas do administrador que ele possa influenciar diretamente.

(132) Sendo o Sr. AA detentor e beneficiário efetivo da Recorrente (e ainda seu administrador / gerente de facto), é por demais evidente que todos os negócios e transações celebradas entre a Recorrente e a Recorrida têm de ser considerados negócios consigo mesmo e, por isso, são nulos, à luz do referido preceito (ou, pelo menos, anulável à luz do disposto no artigo 261.º do Código Civil).

(133) É este o entendimento unânime da jurisprudência dos Tribunais Superiores, incluindo do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação – vd. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03.02.2009, 13.03.2008, e 27.05.2008, e os Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.12.2005, do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.10.2006, do Tribunal da Relação de Évora de 19.06.2008 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 17.12.2018.

(134) Logo, não existe qualquer consentimento válido!

(135) Mas mais: ainda que não existissem normas legais expressas - artigo 397.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais e artigo 261.º do Código Civil –, faz algum sentido considerar que o consentimento pode ser prestado pelo próprio agente que pratica ou instiga o ilícito? O consentimento para subtrair bens de uma sociedade pode ser prestado pelo próprio administrador desleal que é o autor mediato e instigador da subtração?

(136) Com menor precisão jurídica, mas de forma a tornar bem percetível o dilema moral: o consentimento pode ser prestado pelo próprio “ladrão”?

(137) A Justiça terá, assim, que sancionar este comportamento levado a cabo por um antigo administrador desleal da Recorrida que, utilizando um grupo empresarial por si criado e gerido, prejudicou gravemente os interesses e o património da Recorrida, dos seus acionistas e seus credores em benefício desse grupo empresarial paralelo, no qual se inclui a Recorrente.

(138) Ora, o ónus da prova do consentimento do lesado – causa de exclusão da ilicitude prevista no artigo 340.º do CC – cabe à Recorrente e não à Recorrida. Teria de ser a Recorrente a demonstrar que este consentimento / autorização foi dada pela Recorrida – vd. p. 62 do Acórdão Recorrido.

(139) Nos presentes autos ficaram provados factos suficientes para considerarmos que estamos perante um facto ilícito e que não ocorreu qualquer causa de exclusão da ilicitude.

(140) Em primeiro lugar, no Acórdão Recorrido ficou provado que o Sr. AA– antigo administrador da Recorrida – era, também, ultimate beneficial owner e administrador de facto da Recorrente (cfr. pontos 8, 10 e 10.A da matéria de facto considerada como provada no Acórdão Recorrido).

(141) Para além disso, ficou provado que a subtração das matérias primas (areias) e dos equipamentos (bombas e filtros de prensa) da Recorrida por parte da Recorrente foram determinadas pelo Sr. AA (cfr. ponto 19.A da matéria de facto considerada provada do Acórdão Recorrido).

(142) Não existe qualquer ata do Conselho de Administração da Recorrida nos autos que demonstre a autorização para as referidas subtrações de matérias primas (areias) e equipamentos (bombas e filtros de prensa). Como poderia haver? A atuação foi toda ela oculta.

(143) Não existe qualquer parecer do Conselho Fiscal em sentido favorável a tais subtrações. (144) Tais factos só seriam provados através de prova documental e dos autos nada consta. (145) Mais: como já se referiu, a pretensa parceria entre a Recorrente e Recorrida invocada ao longo dos autos pela Recorrente foi considerada como não provada (cfr. ponto n) da matéria de facto considerada não provada do Acórdão Recorrido).

(146) Perante isto, a conclusão só pode ser uma: a prova produzida nos autos é no sentido da ilicitude da atuação da Recorrente.

(147) Mais: a ora Recorrente nunca provou tal consentimento / autorização, sendo que o próprio Tribunal a quo afirma no Acórdão Recorrido que não foi feita prova em relação a essa matéria.

(148) Mais, ainda que se tivesse provado a existência de um consentimento, tal consentimento

não seria válido, pois estão reunidos os pressupostos do artigo 397.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais e do artigo 261.º do Código Civil.

(149) Mais ainda, reitera-se: faz algum sentido considerar que o consentimento pode ser prestado pelo próprio agente que pratica ou instiga o ilícito?

(150) Assim, deverá concluir-se pelo preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícitos e condenar-se a Recorrente no pagamento dos prejuízos que causou à Recorrida pela subtração ilícita de matérias primas (areias) e equipamentos (bombas e filtros de prensa).”

No que ora releva, termina formulando os seguintes pedidos:

“Deve o presente Recurso de Revista ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e, em consequência, deverá manter-se na íntegra o Acórdão Recorrido, e

Deverá o objeto do presente recurso ser ampliado e a Recorrente ser condenada com fundamento na responsabilidade civil por factos ilícitos.”

A Recorrente respondeu ao requerimento de ampliação do âmbito do recurso, pugnando pela sua inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela sua improcedência.


4. Diversamente do alegado pela Recorrida, entende-se que as conclusões de recurso parcialmente aperfeiçoadas permitem identificar as questões objecto do mesmo, não sendo assim de aplicar a cominação da parte final do nº 3 do art. 639º do Código de Processo Civil.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.


5. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção das instâncias):

1 - A sociedade Carlos Cardoso Mota – Sociedade Gestora de Participações Sociais SA m sede na ….., ….,……  e encontra-se registada com o nº de matrícula …...

2- A Autora integra o designado Grupo … o qual se dedica a:

a) Extracção de argilas, caulinos e areias - actividade levada a cabo nas pedreiras e nas concessões;

b) Extracção de matérias-primas para a indústria cerâmica (incluindo quartzo e feldspato);

c) Transformação de matérias-primas para a indústria cerâmica, designadamente para produção de pasta atomizada para grés fino, porcelana dura e mole, pastas de porcelana técnica e argilas especiais tratadas para os mercados da louça sanitária e de engobes e de tableware; e de comercialização de pastas cerâmicas atomizadas destinadas ao fabrico de pavimentos e revestimentos.

3 - A Autora tem, como objecto social quaisquer explorações mineiras em geral e em particular na exploração de matérias-primas para cerâmica.

4 - A Autora e as demais empresas do Grupo….. detêm alguns dos maiores depósitos de argilas e caulinos em Portugal, assim como reservas significativas de quartzo e feldspato, sendo que as extracções são feitas a partir de terrenos próprios ou cedidos à exploração.

5 - A Ré tem por objecto social a fabricação de outros produtos minerais não metálicos, nomeadamente, areias e britas, compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, extracção de argilas e caulino, prospecção, pesquisa, exploração, comércio, importação e exploração de depósitos minerais, transportes rodoviários de mercadorias e serviços de logística.

6 - Até pelo menos inícios de 2018, AA exerceu as funções de Presidente do Conselho de administração da sociedade Carlos Cardoso Mota – Sociedade Gestora de Participações Sociais SA, cargo que também exerceu na Autora desde 25.09.2008 até 29.09.2017.

7 - A Ré foi constituída em 20.03.1992, com o capital social de €224.460,00.

8 - 1º) A sociedade Whiteminerals SA, desde 17.07.2014 é titular da totalidade do capital social da Ré; 2º) São gerentes da R., desde 2014, DD, BB e EE.

[Em razão do teor do facto provado 10, assim como da fundamentação da decisão relativa à matéria de facto do acórdão da Relação (a págs. 28-29) e da certidão do registo predial junta com a p.i. como doc. 6, decompôs-se o ponto 8 em duas afirmações, de forma a expurgar a ambiguidade da redacção dada pela sentença e mantida pela Relação (“A sociedade Whiteminerals SA, desde 17.07.2014 é titular da totalidade do capital social da Ré, sendo seus sócios gerentes, desde 2014, DD, BB  e EE”) ao não deixar claro se a segunda parte se reportava à sociedade Whiteminerals, S.A. ou à sociedade Ré Sabril, Lda. e ao referir-se a “sócios gerentes” e não apenas a “gerentes”]

9 - BB e EE são genros de AA.

10 - O capital social da sociedade referida em 8 é constituído por 50.000 acções ao portador, das quais é possuidor AA.

10.A - AA participa na administração da Whiteminerals S.A. e da Ré (Sabril), desempenhando funções de administração (de facto).

11 - Em 15.07.2015, AA prestou uma fiança pessoal, com renúncia ao benefício de excussão prévia, a favor da Ré, no montante de um milhão e setecentos mil euros.

12 - Em 01.07.2014, AA avalizou quatro letras da Ré, no valor total de um milhão de euros.

13 - AA solicitou a EE que imprimisse o relatório e contas da Ré em 2016.

14 - Foi dado conhecimento a AA que analisasse o documento sob a epígrafe “Contrato de arrendamento de uma área para instalação de um pavilhão e equipamentos de preparação de argilas” a ser celebrado entre a Ré e a sociedade Imosa- Indústrias Mineiras do Mondego SA.

15 - Foi solicitado a AAo envio de um email pessoal directamente para o Presidente da ….., referente à actividade da Ré

16 - A areia é uma matéria-prima complementar, extraída em conjunto com os caulinos, a partir de terrenos próprios ou cedidos à exploração.

17 - Em termos contabilísticos, no que se refere à venda de areias, a Autora de 2013 a 2017 apresentou os seguintes valores:

- Em 2013, foram vendidas 319.283 toneladas pelo valor de €1.171.000;

- Em 2014, foram vendidas 333.172 toneladas pelo valor de €1.183.000, correspondendo 22.153 toneladas à unidade de Alvarães, 53.113 à unidade Oeste e 57906 à unidade SVP;

- Em 2015, foram vendidas 390.116 toneladas pelo valor de €1.383.000; correspondendo 268.546 toneladas à unidade de Alvarães, 61.172 à unidade Oeste, e 60.397 à unidade SVP;

- Em 2016, foram vendidas 416.792 toneladas pelo valor de €1.507.000; correspondendo 297.252 toneladas à unidade de Alvarães, 47.578 à unidade Oeste, e 71.693 à unidade SVP;

- Em 2017, foram vendidas 451.888 toneladas pelo valor de €1.692.000, correspondendo 306.241 toneladas à unidade de Alvarães, 59.480 à unidade Oeste, e 86.166 à unidade SVP.

17.A - A venda de areias contribuía para os resultados operacionais da Autora.

18 - Em consequência do facto referido em 16, os custos da extracção de areia não constituem um verdadeiro custo, porquanto imputados aos custos de extracção de outros materiais produzidos pela Autora, designadamente caulinos.

19 - A partir, pelo menos de Agosto de 2015 e até Setembro de 2017, a Ré passou a efectuar carregamentos de areia existentes em stock na unidade Oeste da Autora, sem que, relativamente a alguns carregamentos fossem emitidas as competentes guias de remessa e efectuada a correspondente facturação.

19.A - A actuação referida em 19 era determinada por AA.

19.B - Em consequência do facto referido em 19, a Ré retirou da unidade Oeste da Autora, fazendo suas, pelo menos 300.000 toneladas de areia que poderia ser vendida pelo preço global de 780.000,00€.

20 - No ano de 2016, mediante instruções de AA, cerca de 100 placas verticais de uma prensa inactiva das instalações da Autora em …, com um valor unitário de cerca de €300,00, foram transportadas para a Ré sem o pagamento à Autora de qualquer contrapartida monetária.

21 - A Autora adquiriu à empresa italiana Mectiles quatro bombas de filtros de prensa, pelo valor unitário de €9.600,00 (nove mil e seiscentos euros) que a Autora pagou.

22 - Em Novembro de 2016, mediante instruções de

AA, duas das bombas referidas em 21 foram descarregadas nas instalações da Ré, em …, sem que a Ré tivesse pago à Autora qualquer contrapartida monetária.

23 - Em 30 de Novembro de 2012, a Autora celebrou com a sociedade Franco Ldª um acordo sob a epígrafe “Contrato de Cedência de Exploração de Pedreiras e Anexos Mineiros, tendo por objecto as pedreiras nºs 5715 denominada “casal do … nº 2 e 4967 denominada Casal do … .

24 - A denominada unidade Oeste da Autora é que explora as pedreiras referidas em 23.

25 - Nos termos do acordo referido em 23, a Autora comprometeu-se a liquidar à cedente o valor fixo mensal de €3.000,00, bem como, entre o mais, €0,50 por cada tonelada de produto lavado e vendido, €1,50 por cada tonelada de areia de duna limpa, €0,75 por cada tonelada de areia misturada e €0,50 por cada tonelada de areia de duna suja.

26 - Nos termos do acordo referido em 23, a cedente autorizou a Autora a instalar dois filtros de prensa e dois silos para caulinos.

27 - A principal motivação da Autora para a celebração do acordo referido em 23 era a obtenção de caulinos, constituindo estes a sua principal fonte de receita.

28 - Em consequência do facto referido em 27 a Autora apresentava grandes stocks de areia, as quais dificultavam as condições de trabalho em termos de espaço, de circulação de veículos e de operacionalidade do sistema de lavagem do minério.

29 - Durante o período temporal referido em 19, a Ré teve trabalhadores seus a trabalhar no local juntamente com trabalhadores da Autora.


Não foram provados os seguintes factos:

a) Os administradores da sociedade Whiteminerals SA actuam como testas de ferro de Carlos Adelino Cardoso da Mota, encobrindo que o mesmo é possuidor da totalidade das acções representativas do capital social daquela sociedade;

b) AA apresenta-se pública e comercialmente associado à actividade, da Whitemineral SA e da Ré especialmente para efeitos de angariação de clientela e tratando de aspectos operacionais, financeiros e administrativos da gestão daquelas;

c) AA recebeu em 8 de Maio de 2017, directamente por parte do Sr. AA (administrador da Whiteminerals) o Relatório e Contas da Ré de 2016;

d) Para a Autora a extracção e venda de areias tem contribuído fortemente para os respectivos resultados operacionais, constituindo uma das alavancas importantes para o seu crescimento;

e) Os negócios das areias da Autora tem tido um peso relativo de 82 % no seu EBITDA;

f) AA ordenou a substituição do funcionário responsável pela unidade Oeste da Autora, por um funcionário da Ré da sua especial confiança;

g) Em consequência do facto referido em 19, a Ré, sem consentimento ou autorização da Autora, subtraiu uma quantidade correspondente a 406.960 toneladas de areia da unidade Oeste da Autora, correspondente a €1.364.133.

h) …(eliminado)

i) … (eliminado).

j) Na zona Oeste do país, a Autora não vendia areia para a construção civil, não tendo nenhuma intenção de o fazer, limitando-se a vender quantidades irrisórias à boca da exploração;

l) A cedente mencionada no contrato referido em 23, em face da venda irrelevante de areia, ameaçou a Autora com a não renovação do contrato;

m) A Ré tem uma grande carteira de clientes e tem uma estrutura comercial competente e vocacionada para clientes do sector da construção civil como a Betão Liz, Unibetão, Pragosa Betão, Verdasca & Grupo Ciprol, Finamo e Valgrou Betão;

n) Em consequência do facto referido em m) e ainda pelo facto do grupo …. e da Ré terem desenvolvido e sedimentado, à data, uma parceria comercial importante para ambos, em Julho de 2015, foi proposto pela Autora à Ré uma nova parceria relativamente à unidade Oeste;

o) A proposta referida em n) implicaria por parte da Ré as obrigações referidas em 34º da contestação e para a Autora as obrigações referidas em 35º da contestação;

p) A proposta referida em n) iniciou.se em 16.07.2015;

q) Antes da proposta referida em n), a Ré nunca retirou areia da unidade Oeste da Autora;

r) Durante o período temporal referido em 19, a Autora e a Ré trabalharam em conjunto, emprestando reciprocamente máquinas e equipamentos;

s) Durante o período temporal referido em 19, a Autora e a Ré partilhavam informação sobre as quantidades de areia que a Ré retirava do local e que comprava à Franco Ldª, para que inexistissem dúvidas do integral cumprimento do contrato referido em 23;

t) A Ré adquiriu direitos de um terreno contíguo à unidade Oeste, denominado terreno do …, tendo a Ré permitido que a Autora o explorasse, ao abrigo da parceria existente entre ambas;

u) As areias processadas, retiradas pela Ré da unidade Oeste, quer tivessem proveniência dos terrenos da Franco Ldª, quer da Ré, eram todas pesadas e a documentação registada por uma funcionária da Autora;

v) A Autora sempre reconheceu perante a Ré e perante a Franco Ldª não ser proprietária das areias;

x) O preço médio das areias nos anos de 2015 e 2016 foi de €2,60 por tonelada e em 2017 €2,70 por tonelada;

z) A Ré era um dos grandes fornecedores do grupo …. e da Autora de caulinos, conseguindo vender os seus produtos porque tinha os preços mais competitivos do mercado;

aa) A Autora e a Ré estavam dependentes uma da outra e colaboravam reciprocamente nos interesses de ambas;

bb) Em consequência do facto referido em aa) a Autora emprestou à Ré os equipamentos mencionados em 20 e 22, tendo a Ré emprestado à Autora os equipamentos referidos em 88º da contestação que se destinaram a aumentar a quantidade e qualidade de caulinos extraídos da unidade Oeste:

AA) …(eliminado).


5. Tendo em conta o disposto no nº 4 do art. 635º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões. O presente recurso tem, assim, como objecto as seguintes questões:

- Nulidade do acórdão recorrido porque “[a] matéria factual consolidada ficou contraditória, incoerente, ambígua, obscura e manifestamente ininteligível”;

- Violação dos critérios de valoração e de distribuição do ónus da prova (art. 342º do Código Civil e art. 414º do CPC);

- Não verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa por falta de prova:

o Do enriquecimento da ré;

o Do empobrecimento da autora;

o Da ausência de causa justificativa.

Em sede de contra-alegações, a Recorrida veio requerer a ampliação do âmbito do recurso a fim de ser reapreciado fundamento em que, enquanto parte vencedora do recurso de apelação, decaiu, a saber:

- Responsabilidade civil da R. perante a A.

Respondeu a Recorrente pugnando pela inadmissibilidade do pedido de ampliação.

Vejamos.

Nos termos do nº 1 do art. 636º do CPC:

“No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.

Tendo a A. interposto a presente acção com fundamento em responsabilidade civil e, subsidiariamente, em enriquecimento sem causa, tendo ainda a mesma A. – em sede de apelação – impugnado a decisão de absolvição da sentença com os mesmos fundamentos, e vindo o acórdão recorrido a julgar improcedente o primeiro fundamento e procedente o segundo, encontram-se verificados os pressupostos normativos de que depende a ampliação do âmbito do recurso.

Admite-se, pois, tal ampliação.

Impõe-se, porém, um esclarecimento sobre a ordem de precedência do conhecimento das questões recursórias. Com efeito, do regime processual próprio da ampliação do âmbito do recurso resulta que o conhecimento do fundamento suscitado pelo recorrido apenas deverá ser considerado caso a pretensão do recorrente seja julgada procedente. Contudo, dado que no plano do direito substantivo, o enriquecimento sem causa tem carácter subsidiário (prescrevendo o art. 474º do Código Civil que “[n]ão há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”), ao conhecer-se, infra, da questão suscitada pela aqui Recorrente relativa ao alegado não preenchimento dos pressupostos do enriquecimento sem causa, necessário será apreciar da verificação do respectivo pressuposto negativo; no caso concreto dos autos, apurar se a lei faculta à A. outro meio (que não o enriquecimento sem causa) de ser indemnizada ou restituída, o que implicará apreciar da verificação (ou não) dos pressupostos da responsabilidade civil.


6. Relativamente à invocada nulidade do acórdão recorrido alega a Recorrente que “[a] matéria factual consolidada ficou contraditória, incoerente, ambígua, obscura e manifestamente ininteligível”, pretendendo assim que se reconheça que, nos termos do art. 615º, nº 1, alínea c), do CPC, padece o acórdão recorrido de vício de contradição entre a fundamentação e a decisão.

Esclareça-se contudo que o vício previsto na referida alínea c) diz respeito à contradição entre a fundamentação de direito e a decisão, e não, como pretende a Recorrente, à contradição entre a fundamentação de facto e a decisão de direito, questão que corresponde, afinal, a determinar se os factos foram ou não correctamente subsumidos ao direito, isto é, a apurar se houve ou não erro de julgamento, o que, enquanto tal e não enquanto vício gerador de nulidade da decisão, será apreciado infra. Se, no decurso dessa apreciação, se vierem a detectar contradições na matéria de facto que inviabilizem a decisão de direito, ao abrigo do art. 682º, nº 3, segunda parte, do CPC, será determinada a baixa dos autos à Relação para expurgação de tais contradições.

Conclui-se, pois, pela não verificação da alegada nulidade.


7. Quanto à questão da alegada violação dos critérios de valoração e de distribuição do ónus da prova (art. 342º do Código Civil e art. 414º do CPC), limita-se a Recorrente a concluir que “a violação dos critérios legais implicou que a Recorrente fosse, ilegalmente, onerada com as insuficiências probatórias da Recorrida – o que implicou a sua condenação parcial no pedido” e que “[a] correcta aplicação das leis de processo, implicaria que se considerassem provados os factos contrários àqueles que justificaram a condenação da Recorrente, designadamente que se desse como não provado a retirada pela Recorrente de 300 mil toneladas de areias da unidade industrial da Recorrida”, sem invocar qualquer das hipóteses – “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (art. 674º, nº 3, parte final, do CPC) – em que a decisão de facto seja sindicável por este Supremo Tribunal. Assim, estando em causa juízos probatórios formulados com base em meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, está excluída a sua sindicância em sede de recurso de revista.

Ao alegar que a Relação não terá respeitado o “standard da prova” legalmente estabelecido afigura-se que a Recorrente pretende, designadamente quanto ao facto 19.B dado como provado pela Relação (“Em consequência do facto referido em 19, a Ré retirou da unidade Oeste da Autora, fazendo suas, pelo menos 300.000 toneladas de areia que poderia ser vendida pelo preço global de 780.000,00€), que se declare a ilogicidade do juízo presuntivo realizado no acórdão recorrido.

Vejamos.

Em sede de recurso de revista, a sindicância da decisão de facto das instâncias em matéria de uso de presunções judiciais é muito limitada, considerando-se comumente que o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá proceder a tal sindicância se o uso de presunções ofender norma legal, se padecer de ilogicidade manifesta ou se partir de factos não provados.

No caso dos autos, estando em causa uma alegada ilogicidade manifesta, compulsada a fundamentação do acórdão recorrido (págs. 38-44), verifica-se que a decisão de dar como provado o sobredito facto 19-B não se encontra afectada por qualquer ilogicidade, manifesta ou não.

Conclui-se, assim, pela improcedência desta pretensão da Recorrente.


8. Antes de proceder à apreciação das questões de direito substantivo suscitadas pela Recorrente, assim como pela Recorrida em sede de pedido de ampliação do âmbito do recurso, supra admitido, considera-se conveniente considerar os termos em que as instâncias decidiram.

A 1ª instância decidiu:

- Pela improcedência do pedido com fundamento em responsabilidade civil por não preenchimento do pressuposto da ilicitude, uma vez que foi provado que os carregamentos de areia efectuados pela R., assim como a entrega das bombas de filtros de prensa nas instalações da R. foram autorizadas pelo administrador da A., AA; e, quanto ao alegado desvio de 100 placas verticais, por não ter sido sequer demonstrado que a R. tenha sido a beneficiária desse equipamento;

- Pela improcedência do pedido com fundamento em enriquecimento sem causa, desde logo por falta de prova da verificação do primeiro dos pressupostos deste instituto, a existência de um enriquecimento por parte da R.

Esta decisão foi objecto de impugnação pela A., a qual, pugnando pela alteração da matéria de facto e pela reapreciação, em conformidade, da decisão de direito, invocou também a inexistência de deliberação do conselho de administração da A. a autorizar as deslocações patrimoniais a favor da R. e a invalidade dos actos de autorização por parte do administrador da mesma A., AA, por aplicação dos regimes previstos no art. 397º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais e no art. 261º do Código Civil.

A Relação, tendo alterado a matéria de facto:

- Considerou que, estando provado que as deslocações patrimoniais a favor da R. foram autorizadas pelo administrador da A., AA, se verificou a causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 340º do Código Civil (consentimento do lesado);

- Entendeu que a alegada invalidade de tal autorização não constitui fundamento da presente acção, nem o regime do art. 409º do Código das Sociedades Comerciais permite que, no caso concreto, seja posto em causa que a sociedade A. se tenha vinculado mediante a sobredita autorização;

- Deste modo, afastou o juízo de ilicitude e, consequentemente, julgou improcedente a pretensão da A. com fundamento em responsabilidade civil;

- Quanto ao fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, entendeu que, com a alteração da matéria de facto, ficou provado o pressuposto do enriquecimento da R., tanto no que se refere aos carregamentos de areia, como às placas verticais e às bombas de filtro de prensa, tendo tal enriquecimento ocorrido à custa da A.;

- Quanto à ausência de causa justificativa, sendo “certo que a mera circunstância de a Ré não ter logrado fazer a prova da causa que havia invocado [a existência de uma parceria entre a sociedade A. e a sociedade R.] não seria, só por si, suficiente para concluir pela inexistência de causa justificativa do enriquecimento, uma vez que (…) não era a Ré que estava onerada com o ónus de provar a causa justificativa; era a Autora que tinha o ónus de provar a inexistência dessa causa”, entendeu que “tendo em conta que, pelas razões assinaladas, a (única) causa invocada pela Ré não apresenta a menor credibilidade e tendo em conta que aquilo que resulta da matéria de facto é que aquela transferência foi determinada por AA enquanto administrador da Autora a favor de uma outra sociedade da qual era beneficiário e administrador (de facto) sem qualquer contrapartida e sem a emissão de qualquer documento que a suportasse, pensamos poder concluir que não existia, de facto, qualquer relação contratual que justificasse tal transferência”.

- Quanto ao apuramento do valor a restituir à A. decidiu que “a Ré está obrigada a restituir à Autora a quantia de 780.000,00€ correspondente ao valor de comercialização das 300.000 toneladas de areia que, conforme se julgou provado, retirou da unidade Oeste Autora, bem como a quantia de 49.200,00€ correspondente ao valor dos equipamentos (referidos nos pontos 20 e 22) que pertenciam à Autora e foram transferidos para a Ré; foi esse o valor do enriquecimento que a Ré obteve à custa da Autora, correspondendo também a esse valor o empobrecimento da Autora”.


9. Insurge-se a Recorrente contra a decisão condenatória da Relação, impugnando a verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa.

Vejamos.

Os pressupostos da referida fonte das obrigações, previstos nos arts. 473º e 474º do Código Civil, podem agrupar-se em pressupostos positivos e pressupostos negativos, assim enunciados pela doutrina (ver, por todos, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, págs. 491 a 505):

Pressupostos positivos: (i) Enriquecimento; (ii) Suporte do enriquecimento por outrem; (iii) Correlação entre o enriquecimento e o suporte do enriquecimento por outrem.

Pressupostos negativos: (i) Ausência de causa justificativa; (ii) Ausência de outro meio de o credor ser indemnizado ou restituído; (iii) Ausência de norma que negue o direito à restituição ou atribua outros efeitos ao enriquecimento.

Tal como se explicitou supra (ponto 5 do presente acórdão), dada a natureza subsidiária do enriquecimento sem causa, consubstanciada no segundo e no terceiro pressupostos negativos elencados, e dada a ampliação do âmbito do presente recurso de forma a englobar o fundamento principal da acção, torna-se necessário, antes de prosseguir na reapreciação dos demais requisitos do enriquecimento sem causa, conhecer do eventual preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil. O que passamos em seguida a fazer.

10. Em primeiro lugar está em causa o pressuposto da ilicitude. Com efeito, como se viu supra, a Relação considerou estar afastada a ilicitude das deslocações patrimoniais (a favor da R.) uma vez que foi provado que tais deslocações foram autorizadas por AA, na qualidade de administrador da A.

Contra, invoca a A. essencialmente que, “[s]endo o Sr. AA detentor e beneficiário efetivo da Recorrente (e ainda seu administrador/gerente de facto), é por demais evidente que todos os negócios e transações celebradas entre a Recorrente e a Recorrida têm de ser considerados negócios consigo mesmo e, por isso, são nulos, à luz do referido preceito [art. 397º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais] (ou, pelo menos, anulável [anuláveis] à luz do disposto no artigo 261.º do Código Civil)”.

Acerca da questão da nulidade dos actos de autorização das deslocações patrimoniais praticados pelo administrador da sociedade A. pronunciou-se o acórdão recorrido da seguinte forma:

“Sobre esta argumentação, cabe dizer, em primeiro lugar, que a Autora nunca fundamentou a sua pretensão na nulidade de quaisquer actos ou negócios celebrados pelo presidente do seu Conselho de Administração (o referido AA).

Dispõe, além do mais, o artigo 409º, nº 1, do referido diploma, que “Os actos praticados pelos administradores, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato de sociedade ou resultantes de deliberações dos accionistas, mesmo que tais limitações estejam publicadas”, resultando do disposto no nº 2 desta disposição legal, que a sociedade apenas poderá opor a terceiros as limitações de poderes resultantes do seu objecto social, se provar que o terceiro sabia ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto praticado não respeitava essa cláusula.

Nessas circunstâncias, pensamos que o consentimento prestado pelo Presidente do Conselho de Administração da Autora assume a relevância jurídica necessária para, aos olhos de terceiro, justificar o acto e afastar a sua ilicitude.” [negrito nosso]

Quid iuris?

Independentemente de quaisquer considerações acerca da questão da forma de vinculação da sociedade A. (questão que aqui não retomaremos uma vez que, neste ponto, a decisão da Relação não foi posta em causa), é evidente que – ainda que a nulidade dos actos de determinação e/ou de autorização das deslocações patrimoniais a favor da R. apenas tenha sido suscitada em sede de apelação – sendo a nulidade de conhecimento oficioso, não podia a Relação deixar de dela conhecer desde que tivessem sido alegados, como foram, os factos essenciais para a aplicação da cominação legal em causa (cfr. neste sentido, a respeito precisamente da sanção de nulidade prevista no nº 2 do art. 397º do CSC, o acórdão deste Supremo Tribunal de 23/01/2003, proc. nº 4047/02, disponível em www.dgsi.pt).

Deste modo, se é certo que a anulabilidade dos actos ou negócios jurídicos subjacentes às deslocações patrimoniais, por aplicação do regime do art. 261º do CC relativo à proibição dos negócios de representante consigo mesmo, devia ter sido – e não foi – oportunamente invocada pela A., a eventual nulidade desses mesmos actos ou negócios, por aplicação da previsão do nº 2 do art. 397º do CSC, pode e deve ser apreciada em qualquer fase do processo.

Aliás, assinale-se que, com o devido respeito pela decisão do acórdão recorrido, se afigura inviável dar como preenchidos os pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa sem, previamente, destruir a validade de tais actos de autorização, uma vez que, afinal, consubstanciam eles uma causa justificativa para o enriquecimento da sociedade ré.

Passamos de seguida a apreciar essa questão.


10.1. Sob a epígrafe “Negócios com a sociedade”, dispõe o art. 397º do CSC:

“1 - É proibido à sociedade conceder empréstimos ou crédito a administradores, efectuar pagamentos por conta deles, prestar garantias a obrigações por eles contraídas e facultar-lhes adiantamentos de remunerações superiores a um mês.

2 - São nulos os contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores, directamente ou por pessoa interposta, se não tiverem sido previamente autorizados por deliberação do conselho de administração, na qual o interessado não pode votar, e com o parecer favorável do conselho fiscal ou da comissão de auditoria.

3 - O disposto nos números anteriores é extensivo a actos ou contratos celebrados com as sociedades que estejam em relação de domínio ou de grupo com aquela de que o contraente é administrador.

4 - No seu relatório anual, o conselho de administração deve especificar as autorizações que tenha concedido ao abrigo do n.º 2 e o relatório do conselho fiscal ou da comissão de auditoria deve mencionar os pareceres proferidos sobre essas autorizações.

5 - O disposto nos n.os 2, 3 e 4 não se aplica quando se trate de acto compreendido no próprio comércio da sociedade e nenhuma vantagem especial seja concedida ao contraente administrador.”

Sendo vasta a doutrina que se tem pronunciado acerca dos múltiplos problemas suscitados pela interpretação e aplicação deste regime normativo, afigura-se particularmente conveniente socorrermo-nos da análise de Mafalda Miranda Barbosa (“A proscrição do conflito de interesses no direito civil - Considerações acerca do artigo 261.º, CC”, in Revista da Ordem dos Advogados, Vol. I/II, Jan.-Jun. 2019, págs. 157 a 188), tanto pela síntese actualizada das posições doutrinais aí apresentadas como pela pertinência com que a autora identifica a teleologia das soluções normativas adoptadas no art. 397º do CSC, assinalando as semelhanças e as diferenças em relação à teleologia do regime inscrito no art. 261º do CC.

Opta-se, portanto, por transcrever o teor do referido texto, na parte relativa ao regime do Código das Sociedades Comerciais (págs. 178 a 184):

“O art. 397.º, CSC, dispõe, no seu n.º 1, que “é proibido à sociedade conceder empréstimos ou crédito a administradores, efetuar pagamentos por conta deles, prestar garantias a obrigações por eles contraídas e facultar-lhes adiantamentos de remunerações superiores a um mês”. A este elenco imperativo de negócios proibidos acresce a previsão da nulidade dos contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores, diretamente ou por interposta pessoa, se não tiverem sido previamente autorizados por deliberação do conselho de administração, na qual o interessado não pode votar, e com o parecer favorável do conselho fiscal ou da comissão de auditoria, conforme o n.º 2, sendo esta solução extensível a atos ou contratos celebrados com sociedades que estejam em relação de domínio ou de grupo com aquela de que o contraente é administrador(64 (…) ).

Com o regime pretende-se evitar que a sociedade possa ser prejudicada, por aquele que age em seu nome prosseguir, afinal, interesses que são próprios e podem contender com os da pessoa coletiva, daí que se proíbam absolutamente determinados negócios e que se estabeleçam mecanismos de controlo em relação à celebração de outros, sob pena de invalidade.

(…)

No tocante aos negócios previstos no n.º 2 do art. 397.º, CSC, o regime é diverso. não são sempre proibidos, mas considerados nulos quando não haja prévia deliberação do conselho de administração, na qual o administrador interessado não pode votar, e parecer favorável do conselho fiscal. A nulidade que contamina os negócios celebrados entre a sociedade e um dos seus administradores estende-se aos negócios celebrados por interposta pessoa, solução que se percebe para se evitarem fraudes à lei e prisões formalistas que atentem contra a intencionalidade da disciplina.

Importa, portanto, determinar quem são as interpostas pessoas de que fala o preceito. entre essas interpostas pessoas estão, de acordo com a posição de Coutinho de Abreu, as pessoas referidas no art. 579.º/2, CC, e todas as outras, singulares ou coletivas, que o administrador possa influenciar diretamente, como, por exemplo, uma sociedade de que seja sócio maioritário (68 Coutinho de Abreu, “Negócios entre sociedades e partes relacionadas (administradores, sócios) - sumário às vezes desenvolvido”, p. 15; Coutinho de Abreu, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades, p. 42, ss. no sentido de interpretar a interposição de pessoas de acordo com o art. 579.º, CC, v., igualmente, Raul Ventura, Sociedades por quotas, III, Almedina, Coimbra, 1991, p. 57, referindo-se ao art. 254.º, CSC.). Para Soveral Martins, a interposição de pessoas significa tão só que o contrato foi celebrado indiretamente através de outrem, podendo estar em causa a interposição fictícia, o mandato sem representação, uma relação fiduciária, e podendo ainda aplicar-se o art. 579.º/2, CC, por analogia (69 Alexandre Soveral Martins, “a aplicação do artigo 397.º, CSC, às sociedades por quotas”, p. 561.).

Já para Sousa Gião, a interposição de pessoas implica a interposição de interesses dos administradores, de tal modo que remete para o quadro do art. 397.º/2 CSC todos os casos em que exista um conflito de interesses. esta posição, necessariamente amplificadora do âmbito de relevância subjetiva do preceito, não é aceite sem mais pela generalidade da doutrina, que remete os casos de conflito de interesses para além daqueles previstos para o art. 261.º, CC (70 Alexandre Soveral Martins, “A aplicação do artigo 397.º, CSC, às sociedades por quotas”, p. 561. Veja-se, a este propósito, Menezes Cordeiro, “artigo 397.º”, Código das Sociedades Comerciais anotado, 2.ª ed., almedina, Coimbra, 2011, p. 1061.).

(…)

Percebe-se, então, independentemente das críticas que possam dirigir-se contra este regime (73 (…)), que a intenção é, uma vez mais, evitar que a pessoa coletiva sociedade anónima (e terceiros) possa(m) ser prejudicada(os) por um negócio celebrado com um seu administrador. o eventual prejuízo presume-se como certo a partir do momento em que o conflito de interesses esteja latente (74 (…)).

Nessa medida, parece haver uma linha de continuidade entre o preceito em análise e o art. 261.º, CC. há, contudo, diferenças assinaláveis entre ambos: desde logo, os termos da proibição não são absolutamente idênticos; por seu turno, a consequência jurídica da celebração do negócio em contravenção com o disposto na lei é também outra, com o art. 397.º, CSC, a falar de nulidade e o art. 261.º, CC, a cominar a anulabilidade como sanção.

Vejamos: mesmo deixando de lado os negócios que o administrador nunca poderá celebrar, a eventual celebração de um negócio nos termos do n.º 2 do art. 397.º, CSC, fica dependente da aprovação prévia pelo conselho de administração e de parecer favorável do conselho fiscal. Significa isto que não está apenas em causa a simples autorização por parte do representado para a celebração de negócios consigo mesmo, por forma a acautelar-se contra um eventual prejuízo decorrente de um conflito de interesses, mas o controlo acerca do impacto que aquele contrato possa ter no património da pessoa coletiva. Daí a exigência de parecer favorável do conselho fiscal. Percebe-se, por isso, que o regime diga respeito não especificamente aos negócios consigo mesmo, embora os possa abranger. A intencionalidade é outra e a proscrição do conflito de interesses latente ocorre não porque o administrador representa a sociedade — que pode não representar — mas porque o administrador pode condicionar a gestão da pessoa coletiva em seu favor, prejudicando-a e prejudicando terceiros.

Por outro lado, há outros fatores a ter em conta para justificar a cominação da nulidade como sanção: em primeiro lugar, ao nível do n.º 1 do art. 397.º, CSC, ela está em linha com a previsão do mesmo tipo de consequência pela violação do princípio da especialidade do fim — é que os negócios em questão podem envolver um benefício injustificado para o administrador, a apontar para uma ideia de liberalidade que quadra mal com a teleologia da pessoa coletiva em questão; em segundo lugar, e já também no que tange às hipóteses do n.º 2, as especificidades da representação orgânica podem determinar a necessidade de um regime mais favorável no que respeita à desvinculação da sociedade, em sintonia, aliás, com a sanção que é prevista no caso do art. 1939.º, CC, para algumas hipóteses de representação legal; em terceiro lugar, parece estar aqui em causa a concretização do dever de lealdade dos administradores para com os sócios (75 Sobre o ponto, cf. Coutinho de Abreu, “Corporate governance em Portugal”, Miscelânias do IDET, 6, Almedina, Coimbra, 2010; A. Menezes Cordeiro, “A lealdade no direito das sociedades”, Revista da Ordem dos Advogados, 66-III, 2006.); por último, entra em cena a necessidade de proteção do património da sociedade e, portanto, de todos os sócios e credores da sociedade, devendo garantir-se um expediente para que também estes possam invalidar o negócio (76 A este propósito, cf. o art. 412.º, CSC. Os credores sociais não poderão invocar a invalidade de uma deliberação junto do conselho de administração. A invocação da anulabilidade dos negócios celebrados pela sociedade não será possível nos termos do art. 287.º, CC.).

(…)

Para além destas situações, questiona-se se outras podem ser assimiladas pelo âmbito de relevância do art. 397.º, CsC, designadamente quando em causa estejam negócios celebrados por uma sociedade com outra que seja dominada pelo seu administrador ou gerente (83 Alexandre Soveral Martins, “A aplicação do artigo 397.º, CSC, às sociedades por quotas”, p. 567, ss., considerando que é necessário mais do que o domínio para se poder aplicar o art. 397.º, CSC. Para que ele fosse chamado a depor seria necessário que o sujeito utilizasse as sociedades que domina como um “alter ego”, falando-se de interposição de pessoas.). Por outro lado, atenta a teleologia do regime e os interesses subjacentes, poderia ser importante ponderar se o mesmo se deve ou não aplicar aos negócios celebrados entre a sociedade e outras partes relacionadas por vínculos de socialidade, designadamente os acionistas controladores, as sociedades em relação de domínio ou de grupo (84 (…)).” [negritos nossos]

Tendo em conta os subsídios doutrinais recolhidos, são assim sintetizáveis os critérios orientadores para a resolução da questão que ora nos ocupa:

- O regime do nº 2 do art. 397º do CSC, ainda que com afinidades com o regime do art. 261º do CC, tem como finalidade específica impedir que o administrador de uma determinada sociedade condicione as decisões de gestão da mesma sociedade em sentido que lhe seja pessoalmente favorável, prejudicando a sociedade, os sócios ou os credores;

- Em consequência da teleologia da norma em causa compreende-se que a lei comine os negócios celebrados em sua violação com a sanção da nulidade e não com a sanção da simples anulabilidade prevista no art. 261º do CC;

- Sendo o conceito de “pessoa interposta” – previsto no referido nº 2 do art. 397º do CSC (“São nulos os contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores, directamente ou por pessoa interposta (…).”) – um conceito indeterminado, discute-se na doutrina como deverá ser preenchido. Sem dúvida que nele se incluem, com as devidas adaptações, as pessoas indicadas no art. 592º, nº 2, do CC (norma que define o que seja pessoa interposta para efeitos da proibição da cessão de direitos litigiosos: “o cônjuge do inibido, a pessoa de quem este seja herdeiro presumido e o terceiro, de acordo com o inibido, para o cessionário transmitir a este a coisa ou direito cedido”). Mas, para além destas, não se pode deixar de incluir nesse conceito outras hipóteses em que os interesses do administrador inibido se identificam ou se (con)fundem com os interesses da pessoa (ou entidade) com a qual a sociedade por ele administrada contrata;

- Ainda que não seja fácil concretizar todas as hipóteses em que isso pode suceder, afigura-se indubitável ser relevante – para efeitos de qualificação como interposta pessoa – aquela situação em que um negócio é celebrado entre a sociedade administrada e outra sociedade totalmente dominada, directa ou indirectamente, pelo sujeito inibido, desde que, cumulativamente, se verifique que esse mesmo sujeito utiliza a sociedades que domina como um autêntico alter ego (na feliz expressão de Alexandre Soveral Martins, convocada por Mafalda Miranda Barbosa).

Esta orientação interpretativa da norma do nº 2 do art. 397º do CSC encontra apoio reforçado no instituto do levantamento ou desconsideração da personalidade colectiva, que – de acordo com a lição de Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, Vol. IV – Pessoas, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 709) – assume uma das suas justificações típicas quando se verifique “o atentado a terceiro e o abuso de personalidade”. Desenvolvendo este ponto, afirma o mesmo autor (ob. cit., pág. 175):

“O atentado a terceiros verifica-se sempre que a personalidade coletiva seja usada, de modo ilícito ou abusivo, para os prejudicar. Como resulta da própria fórmula encontrada, não basta uma ocorrência de prejuízo, causada a terceiros através da pessoa coletiva; para haver levantamento será antes necessário que se assista a uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios. // Sub-hipótese particular é a do recurso a “testas-de-ferro”, numa situação que autorizaria a procurar o real sujeito das relações criadas”.

Entende-se ser de subsumir aqui a situação em que um sujeito, estando pessoalmente inibido de contratar com uma sociedade x, por nesta exercer funções de administração, se serve objectivamente (i.e. independentemente de qualquer intuito subjectivo) de uma sociedade y que o mesmo sujeito domina, directa ou indirectamente, e com cujos interesses se (con)fundem os seus interesses pessoais, como veículo para ultrapassar tal inibição legal, vindo o contrato ou negócio jurídico a ser celebrado entre a sociedade x e a sociedade y.


10.2. Aqui chegados, retomemos o caso dos autos, considerando os factos provados relevantes:

1 - A sociedade Carlos Cardoso Mota – Sociedade Gestora de Participações Sociais SA tem sede na ……, …….., ……. e encontra-se registada com o nº de matrícula…...

2 - A Autora integra o designado Grupo….. o qual se dedica a: (…)

3 - A Autora tem, como objecto social quaisquer explorações mineiras em geral e em particular na exploração de matérias-primas para cerâmica.

4 - A Autora e as demais empresas do Grupo….  detêm alguns dos maiores depósitos de argilas e caulinos em Portugal, assim como reservas significativas de quartzo e feldspato, sendo que as extracções são feitas a partir de terrenos próprios ou cedidos à exploração.

5 - A Ré tem por objecto social a fabricação de outros produtos minerais não metálicos, nomeadamente, areias e britas, compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, extracção de argilas e caulino, prospecção, pesquisa, exploração, comércio, importação e exploração de depósitos minerais, transportes rodoviários de mercadorias e serviços de logística.

6 - Até pelo menos inícios de 2018, AA exerceu as funções de Presidente do Conselho de administração da sociedade Carlos Cardoso Mota – Sociedade Gestora de Participações Sociais SA, cargo que também exerceu na Autora desde 25.09.2008 até 29.09.2017.

7 - A Ré foi constituída em 20.03.1992, com o capital social de €224.460,00.

8 - 1º) A sociedade Whiteminerals SA, desde 17.07.2014 é titular da totalidade do capital social da Ré; 2º) São gerentes da R. [Sabril, Lda.], desde 2014, DD, BB e EE.

9 - BB e EE são genros de AA.

10 - O capital social da sociedade [anónima] referida em 8 é constituído por 50.000 acções ao portador, das quais é possuidor AA.

10.A - AA participa na administração da Whiteminerals S.A. e da Ré (Sabril), desempenhando funções de administração (de facto).

11 - Em 15.07.2015, AA prestou uma fiança pessoal, com renúncia ao benefício de excussão prévia, a favor da Ré, no montante de um milhão e setecentos mil euros.

12 - Em 01.07.2014, AA avalizou quatro letras da Ré, no valor total de um milhão de euros.

13 - AA solicitou a EE que imprimisse o relatório e contas da Ré em 2016.

14 - Foi dado conhecimento a AA que analisasse o documento sob a epígrafe “Contrato de arrendamento de uma área para instalação de um pavilhão e equipamentos de preparação de argilas” a ser celebrado entre a Ré e a sociedade Imosa- Indústrias Mineiras do Mondego SA.

15 - Foi solicitado a AA o envio de um email pessoal directamente para o Presidente da CCDRC, referente à actividade da Ré.

19 - A partir, pelo menos de Agosto de 2015 e até Setembro de 2017, a Ré passou a efectuar carregamentos de areia existentes em stock na unidade Oeste da Autora, sem que, relativamente a alguns carregamentos fossem emitidas as competentes guias de remessa e efectuada a correspondente facturação.

19.A - A actuação referida em 19 era determinada por AA.

19.B - Em consequência do facto referido em 19, a Ré retirou da unidade Oeste da Autora, fazendo suas, pelo menos 300.000 toneladas de areia que poderia ser vendida pelo preço global de 780.000,00€.

20 - No ano de 2016, mediante instruções de AA, cerca de 100 placas verticais de uma prensa inactiva das instalações da Autora em Ovar, com um valor unitário de cerca de €300,00, foram transportadas para a Ré sem o pagamento à Autora de qualquer contrapartida monetária.

21 - A Autora adquiriu à empresa italiana Mectiles quatro bombas de filtros de prensa, pelo valor unitário de €9.600,00 (nove mil e seiscentos euros) que a Autora pagou.

22 - Em Novembro de 2016, mediante instruções de AA, duas das bombas referidas em 21 foram descarregadas nas instalações da Ré, em …, sem que a Ré. tivesse pago à Autora qualquer contrapartida monetária.

E foram dados como não provados os seguintes factos alegados:

a) Os administradores da sociedade Whiteminerals SA actuam como testas de ferro de AA, encobrindo que o mesmo é possuidor da totalidade das acções representativas do capital social daquela sociedade;

b) AA apresenta-se pública e comercialmente associado à actividade, da Whitemineral SA e da Ré especialmente para efeitos de angariação de clientela e tratando de aspectos operacionais, financeiros e administrativos da gestão daquelas.

Constata-se, assim, que:

- Mediante determinação e/ou instruções de AA, presidente do conselho de administração da sociedade A., foram realizadas, sem qualquer contrapartida monetária, diversas deslocações de bens do património da A. para o património da R., deslocações essas materialmente efectuadas por esta última ou por ela aceites;

- À data em que tais deslocações patrimoniais a favor da sociedade R. foram determinadas/instruídas pelo sobredito presidente do conselho de administração da sociedade A. ambas as sociedades integravam o grupo empresarial fundado e liderado pelo mesmo AA;

 - AA era/é também o único titular do capital da sociedade anónima Whiteminerals, S.A., que, por sua vez, era/é a única titular do capital da sociedade por quotas Sabril, Lda., aqui ré;

- Ainda que não se tenha provado que AA era/é, de facto, quem exercia/exerce as funções de administração e representação da sociedade R., provou-se porém que o mesmo AA participava/participa de facto na administração da dita sociedade (praticando, designadamente, os actos descritos nos pontos 13 a  15 dos factos provados) e que prestou garantias pessoais de elevado valor (avales e fiança com renúncia ao benefício da excussão) a favor da sociedade R.

Quid iuris?

Afigura-se decisivo que tenha sido provado que, à data das deslocações patrimoniais a favor da sociedade R., autorizadas pelo administrador da A., AA: (i) este fosse, na verdade, o único titular do capital social da sociedade R. uma vez que o capital social desta sociedade por quotas era/é detido a cem por cento pela sociedade Whiteminerals, S.A. de cujas acções o mesmo AA era/é o único beneficiário; (ii) a conduta do dito AA revelasse que os seus interesses pessoais se fundiam ou (con)fundiam com os interesses da sociedade R.

Provando-se que o sobredito administrador da sociedade A., que determinou/autorizou as deslocações patrimoniais a favor da sociedade R., é afinal o único titular efectivo do capital desta última; provando-se ainda que a conduta do mesmo administrador em relação à sociedade R. demonstra ser esta utilizada – objectivamente – como um veículo para a realização dos seus interesses pessoais; forçoso é concluir-se que a disposição de bens da sociedade A., aceite pela sociedade R., teve como beneficiário, através de interposta pessoa (a sociedade R.), o próprio AA, administrador da sociedade autora.

Ora, os negócios subjacentes a tais deslocações não respeitaram as exigências legais prescritas no nº 2 do art. 397º do CSC, i.e., ser a decisão de negociar tomada por deliberação do conselho de administração da sociedade A., acompanhada de parecer favorável do conselho fiscal (ou da comissão de auditoria) da mesma sociedade. Sendo que, em virtude do princípio da especialidade que preside à delimitação da capacidade das sociedades comerciais (cfr. art. 6º, nºs 1 e 2, do CSC), sempre seria duvidoso que os mesmos negócios, de natureza gratuita, pudessem sequer ser autorizados.

Deste modo, nos termos do nº 2 do art. 397º do CSC, tais negócios encontram-se feridos de nulidade.

Consequentemente, forçoso é concluir que as deslocações de bens para o património da R., carecendo de suporte jurídico válido, são ilícitas.


11.1. Dando-se como provado o pressuposto da ilicitude, cabe apreciar da verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil. Concretamente, começando por apurar se, sendo a conduta da R. ilícita, será a mesma conduta culposa.

Em face das conclusões anteriormente enunciadas, o juízo de culpa deve aferir-se não em função das pessoas dos titulares do órgão de representação da sociedade R., mas – atento o princípio da materialidade subjacente – em função da pessoa do efectivo detentor do capital da mesma sociedade, isto é, do referido AA. Na verdade, em razão da factualidade dada como provada, afirmou-se supra ser de desconsiderar a personalidade colectiva da sociedade R. para se atender antes à pessoa singular que se encontra por detrás dessa forma jurídica. Ora, essa pessoa, sendo o único titular efectivo do capital da sociedade R., foi quem, na qualidade de administrador da sociedade A., ordenou e/ou autorizou as deslocações patrimoniais em benefício da mesma R., ou seja, e em última análise, em seu próprio benefício.

Não podendo o dito AA ignorar, sem culpa, os deveres funcionais a que se encontrava legalmente sujeito, enquanto administrador da sociedade A. (cfr. art. 64º do CSC), tal conduta não pode deixar de se qualificar como culposa. Com efeito, não obstante, à data dos factos, as sociedades A. e R. pertencerem ao mesmo grupo empresarial, os titulares dos órgãos de administração e de gestão encontravam-se obrigados a respeitar os deveres legais – maxime o dever de lealdade – para com cada uma das sociedades administradas.


11.2. Esclareça-se que, ainda que, à data da ocorrência dos factos relevantes, a sociedade A. e a sociedade R. pertencessem ao mesmo grupo empresarial, não foram alegados nem provados factos que permitam concluir que integrassem um grupo de sociedades em sentido jurídico tal como previsto no Código das Sociedades Comerciais.

Mais concretamente, tendo sido provado que a sociedade R. era detida a cem por cento pela sociedade Whiteminerals, S.A., de cujas acções AA era o único beneficiário, torna-se evidente não existir entre a sociedade A. e a sociedade R. uma relação de domínio total (tendo a primeira como sociedade dominante), situação essa em que a lei permitiria que a sociedade dominante desse “instruções vinculantes” à sociedade subordinada (cfr. nº 1 do art. 503º do CSC). Mas, mesmo que tal situação de domínio total existisse – o que não foi alegado nem provado –, ainda assim, nos termos do nº 4 do art. 503º (aplicável às sociedades em relação de domínio ex vi art. 491º do CSC), sempre seria “proibido à sociedade directora determinar a transferência de bens do activo da sociedade subordinada para outras sociedades do grupo sem justa contrapartida, a não ser no caso do artigo 502.º”, isto é, a não ser com assunção de responsabilidade pelas perdas da sociedade subordinada/dominada.


12. Quanto aos requisitos do dano e do nexo de causalidade entre as deslocações patrimoniais e o dano, relevam os seguintes factos provados:

16 - A areia é uma matéria-prima complementar, extraída em conjunto com os caulinos, a partir de terrenos próprios ou cedidos à exploração.

17 - Em termos contabilísticos, no que se refere à venda de areias, a Autora de 2013 a 2017 apresentou os seguintes valores:

- Em 2013, foram vendidas 319.283 toneladas pelo valor de €1.171.000;

- Em 2014, foram vendidas 333.172 toneladas pelo valor de €1.183.000, correspondendo 22.153 toneladas à unidade de Alvarães, 53.113 à unidade Oeste e 57906 à unidade SVP;

- Em 2015, foram vendidas 390.116 toneladas pelo valor de €1.383.000; correspondendo 268.546 toneladas à unidade de Alvarães, 61.172 à unidade Oeste, e 60.397 à unidade SVP;

- Em 2016, foram vendidas 416.792 toneladas pelo valor de €1.507.000; correspondendo 297.252 toneladas à unidade de Alvarães, 47.578 à unidade Oeste, e 71.693 à unidade SVP;

- Em 2017, foram vendidas 451.888 toneladas pelo valor de €1.692.000, correspondendo 306.241 toneladas à unidade de Alvarães, 59.480 à unidade Oeste, e 86.166 à unidade SVP.

17.A - A venda de areias contribuía para os resultados operacionais da Autora.

18 - Em consequência do facto referido em 16, os custos da extracção de areia não constituem um verdadeiro custo, porquanto imputados aos custos de extracção de outros materiais produzidos pela Autora, designadamente caulinos.

19 - A partir, pelo menos de Agosto de 2015 e até Setembro de 2017, a Ré passou a efectuar carregamentos de areia existentes em stock na unidade Oeste da Autora, sem que, relativamente a alguns carregamentos fossem emitidas as competentes guias de remessa e efectuada a correspondente facturação.

19.B - Em consequência do facto referido em 19, a Ré retirou da unidade Oeste da Autora, fazendo suas, pelo menos 300.000 toneladas de areia que poderia ser vendida pelo preço global de 780.000,00€.

20 - No ano de 2016, mediante instruções de AA, cerca de 100 placas verticais de uma prensa inactiva das instalações da Autora em Ovar, com um valor unitário de cerca de €300,00, foram transportadas para a Ré sem o pagamento à Autora de qualquer contrapartida monetária.

21 - A Autora adquiriu à empresa italiana Mectiles quatro bombas de filtros de prensa, pelo valor unitário de €9.600,00 (nove mil e seiscentos euros) que a Autora pagou.

22 - Em Novembro de 2016, mediante instruções de AA, duas das bombas referidas em 21 foram descarregadas nas instalações da Ré, em ….., sem que a Ré tivesse pago à Autora qualquer contrapartida monetária.

23 - Em 30 de Novembro de 2012, a Autora celebrou com a sociedade Franco Ldª um acordo sob a epígrafe “Contrato de Cedência de Exploração de Pedreiras e Anexos Mineiros, tendo por objecto as pedreiras nºs 5715 denominada “… e 4967 denominada …...

24 - A denominada unidade Oeste da Autora é que explora as pedreiras referidas em 23.

25 - Nos termos do acordo referido em 23, a Autora comprometeu-se a liquidar à cedente o valor fixo mensal de €3.000,00, bem como, entre o mais, €0,50 por cada tonelada de produto lavado e vendido, €1,50 por cada tonelada de areia de duna limpa, €0,75 por cada tonelada de areia misturada e €0,50 por cada tonelada de areia de duna suja.

27 - A principal motivação da Autora para a celebração do acordo referido em 23 era a obtenção de caulinos, constituindo estes a sua principal fonte de receita.

28 - Em consequência do facto referido em 27 a Autora apresentava grandes stocks de areia, as quais dificultavam as condições de trabalho em termos de espaço, de circulação de veículos e de operacionalidade do sistema de lavagem do minério.

Perante estes factos esclareça-se desde já que, vindo a concluir-se pela prova da existência de danos para a sociedade A., dúvidas não existirão de que os mesmos foram causados pelas deslocações patrimoniais a favor da R., autorizadas pelo administrador da sociedade A.

Quanto à prova da existência de danos, vejamos os termos em que a Relação se pronunciou ao fixar o valor da condenação, ainda que tendo em conta que, como supra relatado, tal decisão se fundava em enriquecimento sem causa e não em responsabilidade civil:

“Resta agora apurar o valor que a Ré está obrigada a restituir à Autora. 

A este propósito, dispõe o artigo 479º do CC:

“1. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

2. A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte”.

Assim e tendo em conta o disposto na norma citada, a Ré está obrigada a restituir à Autora a quantia de 780.000,00€ correspondente ao valor de comercialização das 300.000 toneladas de areia que, conforme se julgou provado, retirou da unidade Oeste Autora, bem como a quantia de 49.200,00€ correspondente ao valor dos equipamentos (referidos nos pontos 20 e 22) que pertenciam à Autora e foram transferidos para a Ré; foi esse o valor do enriquecimento que a Ré obteve à custa da Autora, correspondendo também a esse valor o empobrecimento da Autora.” [negritos nossos]

Deve assinalar-se que o acórdão recorrido, ao equiparar o valor do enriquecimento da R. ao valor do empobrecimento da A., fixou equivocadamente o montante da obrigação de restituição fundada no enriquecimento sem causa, adoptando essencialmente o critério normativo previsto para a determinação do montante da obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade civil.

Com efeito, entende-se comumente que o regime do art. 479º do Código Civil, relativo à obrigação de restituição, deve ser interpretado no sentido de que esta obrigação se afere em função de um duplo limite (o limite do valor do enriquecimento e o limite do valor do empobrecimento), devendo o obrigado entregar o valor mais baixo dos dois, de modo a prevenir um enriquecimento de sentido inverso. Enquanto a obrigação de indemnizar se calcula em função da denominada teoria ou fórmula da diferença, prevista no nº 2 do art. 566º do Código Civil, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial real do lesado e a situação patrimonial hipotética na data mais recente que puder ser atendida.

Aqui chegados temos, porém, que o facto de o acórdão recorrido ter apreciado a determinação da medida da obrigação de restituição como se de uma obrigação de indemnização se tratasse, levou a que as partes se tivessem vindo pronunciar sobre a decisão recorrida em termos essencialmente adequados à ponderação da decisão em sede de responsabilidade civil.

A Recorrente invoca, em síntese, os seguintes argumentos: da factualidade provada, em especial do facto 28, resulta que a disponibilização da areia a favor da R. não só não implicou quaisquer prejuízos para a A. como lhe foi até vantajosa; da mesma factualidade se extrai que, não sendo a A. proprietária da pedreira mas apenas concessionária da respectiva exploração, não é ela proprietária dos quantitativos de areia em causa e não tem, por isso, qualquer direito a ser indemnizada como se o fosse.

Em sentido contrário, se pronuncia a Recorrida, pugnando pela manutenção do valor ‘indemnizatório’ fixado pela Relação.

Quid iuris?

Antes de mais há que distinguir entre o montante indemnizatório relativo aos quantitativos de areia e aqueles outros relativos aos equipamentos referidos nos pontos 20 e 21 dos factos provados (cem “placas verticais” e quatro “bombas e filtros de prensa”). Quanto a estes equipamentos, uma vez que o montante global fixado pela Relação (€ 49.200,00) não foi impugnado pela Recorrente, tendo sido calculado em termos compatíveis com as regras relativas à obrigação de indemnização (cfr. descritivo dos sobreditos pontos 20 e 21), é de manter esse mesmo valor indemnizatório.

O diferendo entre as partes centra-se, assim, unicamente na prova e na quantificação dos danos resultantes da deslocação patrimonial das toneladas de areia.

A este respeito, é indubitável que, de acordo com o princípio compensatio lucri cum damno, provando-se que, em resultado da conduta do lesante, o lesado obteve também certos benefícios, deverão estes ser deduzidos ao valor da indemnização pelos danos causados.

Porém, no caso dos autos, ainda que tenha sido provado que “a Autora apresentava grandes stocks de areia, as quais dificultavam as condições de trabalho em termos de espaço, de circulação de veículos e de operacionalidade do sistema de lavagem do minério” (facto 28), não logrou a R. provar – como lhe competia por estar em causa facto impeditivo (art. 342º, nº 2, do CC) – que as vantagens operacionais derivadas da remoção dos stocks de areia se tivessem traduzido em benefícios patrimoniais para a A., em virtude de, designadamente, com isso ter obtido uma poupança de despesas.

Não pode, assim, operar-se a compensatio lucri cum damno.

Quanto à prova de que a A. suportou danos efectivos, no caso na modalidade de lucros cessantes, com a perda de receitas da venda das toneladas de areia de que a R. se apropriou ilicitamente, ter sido provado (facto 23) que a A. é concessionária da exploração da pedreira e não proprietária da mesma, não obsta a que, como entendeu o acórdão recorrido, se considere ser a dita A. proprietária das areias extraídas da pedreira. Na verdade, com base nos factos provados 17, 17-A, 23 e 24, constata-se que, mediante “contrato de cedência de exploração”, a entidade proprietária da pedreira, para além de facultar a exploração da pedreira à sociedade A., acordou com esta que a propriedade dos diversos produtos extraídos da pedreira seria transmitida para a A. à medida que a extracção se concretizasse, ficando a adquirente obrigada ao pagamento de uma contrapartida por cada tonelada de produto, de montante variável consoante a respectiva espécie ou qualidade.

Tal acordo consubstancia um contrato-quadro de compra e venda de “produtos”, de natureza análoga a “frutos naturais”, cuja propriedade, nos termos do nº 2 do art. 408º do Código Civil, se transmite no acto da colheita ou da separação da coisa principal. Aplicando este regime ao caso dos autos, o efeito transmissivo da propriedade sobre os referidos produtos produz-se no acto de extracção da pedreira.

Em consequência, tendo ficado provado que “[a] venda de areias contribuía para os resultados operacionais da Autora” (facto 17.A) e que “a Ré retirou da unidade Oeste da Autora, fazendo suas, pelo menos 300.000 toneladas de areia que poderia ser vendida pelo preço global de 780.000,00€” (facto 19.B), dúvidas não subsistem que a apropriação dos stocks de areia pela R. impediu a A. de proceder à venda desses mesmos stocks, privando-a dos correspondentes proventos. Resta saber se o montante do preço não percebido (€780.000,00) corresponde rigorosamente ao valor desses proventos perdidos pela A.

Vejamos.

A resposta a esta questão implica que se tenha em conta que ficou provado que, pelo contrato de cedência de exploração, a A. se comprometeu a pagar à proprietária da pedreira, a sociedade Franco. Lda., os seguintes montantes: “€0,50 por cada tonelada de produto lavado e vendido, €1,50 por cada tonelada de areia de duna limpa, €0,75 por cada tonelada de areia misturada e €0,50 por cada tonelada de areia de duna suja” (facto 25).

É a própria A. a admitir que, no que se refere às toneladas de areia deslocadas para o património da R., tais montantes previstos no contrato de cedência de exploração não foram por si pagos à sociedade Franco, Lda. Na verdade, em sede de contra-alegações, declara a A. ser “absurdo afirmar que o valor a pagar à Franco – seja ele qual for – deveria ser deduzido dos € 780.000,00, porquanto a Recorrida terá sempre que pagar a comissão acordada à Franco e, como tal, esse valor terá que necessariamente estar contabilizado no empobrecimento da ora Recorrida.”

Quid iuris?

De acordo com a fórmula normativa para calcular a indemnização por equivalente, prevista, como supra se afirmou, no nº 2 do art. 566º do Código Civil, entende-se que o montante do “preço” previsto no dito contrato de cedência de exploração celebrado entre a sociedade Franco, Lda. e a A. correspondente às “300.000 toneladas de areia” deslocadas para o património da R. apenas deverá ser incluído na indemnização que a R. terá de pagar à A. se se provar que esta última se encontra efectivamente obrigada diante da sociedade Franco, Lda. a proceder a tal pagamento.

Constatando-se: (i) Não ter sido provado que a A. esteja obrigada a pagar à sociedade Franco, Lda., enquanto proprietária da pedreira, os valores correspondentes às “300.000 toneladas de areia” deslocadas para o património da R.; (ii) Não ter sido provado qual a variante ou variantes de areia (duna limpa, duna misturada ou duna suja) que integrava(m) as ditas “300.000 toneladas de areia”; forçoso é concluir-se que, nos termos do nº 2 do art. 609º do CPC, tem a decisão, nesta parte, de ser remetida para incidente de liquidação, devendo a indemnização ser fixada de acordo com os seguintes parâmetros:

1) Se não se provar que a A. está obrigada a pagar à sociedade Franco, Lda., enquanto proprietária da pedreira, os custos contratuais correspondentes às “300.000 toneladas de areia” de que a R. se apropriou, tais custos – devidamente apurados – deverão ser deduzidos ao valor de €780.000,00 fixado pela Relação;

2) Se, inversamente, se provar que a A. está obrigada a pagar à sociedade Franco, Lda., enquanto proprietária da pedreira, os custos contratuais correspondentes às “300.000 toneladas de areia” de que a R. se apropriou, tais custos – devidamente apurados – deverão integrar o valor da indemnização, a qual não poderá, porém, exceder o limite máximo de €780.000,00 fixado pela Relação.


13. Tendo-se concluído pelo preenchimento de todos os pressupostos da responsabilidade civil, o fundamento da decisão de condenação da R. é alterado em conformidade. E, dando-se como não verificado o supra enunciado pressuposto negativo do enriquecimento sem causa, consistente na ausência de outro meio de a A. ser indemnizada ou restituída (art. 474º, primeira parte, do CC), e ficando, assim, prejudicada a apreciação das questões recursórias relativas aos demais pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa, fundamento subsidiário da acção.


14. Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, decidindo-se, ainda que com fundamento em responsabilidade civil (e não em enriquecimento sem causa):

a) Manter a condenação da Ré Sabril – Sociedade de Areias e Britas, Lda. a indemnizar a Autora Motamineral, Minerais Industriais, S.A. no montante de €49.200,00 (quarenta e nove mil e duzentos euros) pela apropriação dos equipamentos descrito nos factos 20 e 21;

b) Condenar a Ré Sabril – Sociedade de Areias e Britas, Lda. a indemnizar a Autora Motamineral, Minerais Industriais, S.A. pelas toneladas de areia de que se apropriou em quantia a calcular em incidente de liquidação, de acordo com os parâmetros definidos no ponto 12. do presente acórdão.


Custas nos recursos e na acção por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento, sendo as respeitantes ao pedido ilíquido asseguradas pela Autora, a compensar em sede de liquidação.


Lisboa, 10 de Setembro de 2020


Nos termos do art. 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade das Exmas. Senhoras Conselheiras Maria Rosa Tching e Catarina Serra que compõem este colectivo.



Maria da Graça Trigo (Relatora)


Maria Rosa Tching

                                                                                                                              

Catarina Serra