Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P3748
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
MEDIDA CONCRETA DA PENA
IDADE
CUMPRIMENTO DE PENA
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Nº do Documento: SJ20080109037483
Data do Acordão: 01/09/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I - Perante o seguinte quadro factual:
- o arguido, desde meados de 1999, sempre que se cruzava, no lugar de M…, com os irmãos CS e SL, nascidos a 19-04-91 e 05-11-93, respectivamente, insinuava-se junto deles, procurando ganhar-lhes a confiança;
- em data indeterminada de Outubro ou Novembro de 1999, o arguido acenou ao menor CS no sentido de este o acompanhar a um campo de milho, ali perto, ao que o menor anuiu, começando o arguido por lhe exibir o seu órgão genital, friccionando-o à sua frente, ejaculando para o chão e, em jeito de recompensa, deu-lhe € 2,5;
- nos dois anos seguintes, em datas não apuradas, por cinco vezes, o arguido convidou o menor a acompanhá-lo, da primeira vez até uma corte de gado abandonada e das vezes seguintes até campos, e, em todas as vezes, começando por exibir o seu órgão genital, pedindo ao menor que o friccionasse até ejacular, dando-lhe de cada vez € 2,5 de recompensa;
- uma vez, ainda, em data indeterminada, perto do café Q…, naquela localidade, acenou à menor SL no sentido de esta o acompanhar, o que não sucedeu;
resulta à saciedade que o tempo não serviu para o arguido se deixar influenciar por contramotivos ético-jurídicos e sociais, por forma a desistir do seu propósito libidinoso, arrepiando caminho, para o que teve oportunidade, e ao reiterar denota profunda insensibilidade aos valores ético-sociais de respeito que a vítima, menor entre os 8 e os 10 anos, sem capacidade de compreensão do seu acto, incapaz de se autodeterminar sexualmente, facilmente atraída a partir da oferta de dinheiro, lhe devia merecer, sendo, pois, portador de qualidades desvaliosas que refrangem ao nível da sua personalidade, mais do que uma solicitação provinda do exterior a si, diminuindo-lhe a culpa (cf. Eduardo Correia, Unidade e Pluralidade de Infracções, pág. 251), contra o que, indevidamente, se entendeu no acórdão recorrido, pois que os actos sexuais de automasturbação, por uma vez, e, por cinco vezes, de masturbação pelo menor, colhem explicação numa tendência endógena da sua personalidade.
II - E, tendo em consideração que:
- o arguido não tem antecedentes criminais, o que nem sequer é bastante para lhe creditar bom comportamento anterior;
- sobre a sua integração social, económica e familiar, apenas se comprova que vive em união de facto com a arguida e é reformado, e sobre a sua personalidade, enquanto relação de conformação existencial ético-jurídica, que é malsã, viciosa, à margem do respeito pelas crianças, merecedora de forte juízo de censura;
- não prestou declarações em audiência, silêncio que, traduzindo o exercício de um direito (art. 343.º, n.º 1, do CPP), não o pode prejudicar, mas também em nada o beneficia;
- o facto de ter 69/71 anos na data dos factos não constitui circunstância que atenue a sua responsabilidade criminal, porque seria ver no idoso um «subcidadão», para mais afirmando-se que agiu voluntária, livre e conscientemente, com pleno conhecimento de que a vítima tinha menos de 14 anos, sob pena de a decisão ser meramente simbólica e do juízo de censura ser excluído ou excessivamente mitigado;
- a acção típica de abuso sexual sobre menor de 14 anos representa «… na imagem das democracias de comunicação, uma dimensão de negação alucinatória da ordem natural das coisas, uma desordem da natureza, um desequilíbrio cósmico que a cidade quer eliminar sem o referir» (cf. Denis Salas, Le Delinquent Sexuel, in Ac. deste STJ, Proc. n.º 1526/04 - 3.ª);
- os graves efeitos do facto variam em função da idade, personalidade da criança e natureza da agressão, podendo aquela permanecer perturbada por semanas, condicionando, mais gravemente, o seu comportamento sexual posterior e o seu nível de desenvolvimento;
- tais delitos ocorrem com alguma frequência, e releva o interesse público de protecção de personalidades em desenvolvimento, no aspecto da sua sexualidade, bem como o alarme e a repugnância social que causam;
é evidente que contra o regime da suspensão da execução da pena se erguem considerações de prevenção geral, enquanto, por outro lado, ao nível da prevenção especial, o já longo lapso de tempo decorrido sobre os factos, sem anotação subsequente de facto criminoso, e a avançada idade do arguido (agora de 76 anos) levam a crer que a recaída não sucederá, sendo de ponderar os malefícios que representaria, nesta fase muito avançada da sua vida, uma pena de privação de liberdade em estabelecimento prisional, de haver por desproporcionada.
III - A filosofia do art. 44.º do CP, preceito de natureza inovadora, introduzido pela Lei 59/2007, de 04-09, que permite a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, assenta numa evidente reacção contra os consabidos inconvenientes das penas curtas de prisão, essencialmente o seu n.º 1, e, também, em compreensíveis razões humanitárias, o seu n.º 2, situando-se a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão do delinquente, que se pretende evitar, pela fractura com o ambiente familiar, social e profissional que representaria.
IV - Assim, porque, no caso concreto, tal forma de cumprimento da pena de prisão não deixará de responder às prementes finalidades de prevenção geral – pela gravosa limitação ao jus ambulandi que acarreta – e às mais atenuadas finalidades de ressocialização do arguido, condena-se este na pena de 2 anos de prisão, que será executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização através de meios técnicos de controle à distância [em lugar da pena de 2 anos de prisão efectiva que lhe havia sido imposta na 1.ª instância].
Decisão Texto Integral:

Acordam em audiência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

Em P.º Comum com intervenção do tribunal colectivo sob o n.º 378/02.1GACBC , do Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto, foram submetidos a julgamento AM e MG, vindo , a final , a ser condenados, sendo aquele como autor material de um crime continuado de abuso sexual sobre crianças , p . e p . pelos art.ºs 172.º n.º 1 , 30.º n.º 2 e 79.º , do CP , na pena de prisão de 2 anos .

I . Inconformado com o teor da decisão recorrida interpõs o arguido recurso, para a Relação de Guimarães, que o endereçou a este STJ , apresentando as seguintes conclusões:

A decisão de não suspender a execução da pena significa o descrédito do legislador relativamente a uma possível recuperação do agente que praticou crimes da natureza do que foi imputado ao recorrente .

Significa , ainda , que fica sempre a pairar a suspeita de poder continuar os mesmos crimes por que foi condenado .

Inconsidera a ausência de antecedentes criminais e a idade avançada enquanto factores decisivos para suspender a pena noutros crimes .

A prática reiterada de determinados factos não constitui motivo fundado e sério para acreditar que o agente voltará a praticar novos crimes , tanto mais que o tribunal recorrido entendeu haver uma realização plúrima no quadro de ma solicitação exterior diminuindo consideravelmente a culpa.

Dizer-se que o arguido não teve qualquer atitude de arrependimento representa uma conclusão sem qualquer apoio na prova , porque não quis prestar declarações que nada o podem desfavorecer .

Sobre os factos já decorreram mais de 6 anos , sem ter havido notícia do cometimento posterior de qualquer crime .

Atendendo à sua personalidade , que atingiu uma idade razoável sem conflitualidade , à sua integração sócio – familiar e económica , à sua conduta anterior e posterior aos factos , às circunstâncias deste , é possível fazer um prognóstico favorável , e concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão , realizam os fins das penas , pelo que se deve suspender , sujeita a regras de conduta , o que se peticiona.

O acórdão recorrido fez uma errada interpretação preceito do art.º 50.º , do CPP ( “ rectius” CP) .

II . O M.º P:º em 1.º instância defendeu a confirmação do decidido .

III . Colhidos os legais vistos , cumpre decidir, considerando que se provaram os factos seguintes :

Desde data não concretamente determinada mas, seguramente, desde há cerca de 8 anos, a arguida MG manteve na sua posse, em sua casa, situada no lugar de ..., Cavez, concelho de Cabeceiras de Basto a espingarda de caça, de marca Brevete, com o n.º 67630, calibre 14 mm, de dois canos lisos sobrepostos, com o comprimento de 69,5 cm, com coronha e guarda-mato em madeira, sendo o comprimento da arma de 114 cm, a qual possui, no cano, as inscrições “67630” e na parte de metal da coronha “MANU ARM – (BREVETE) – (FRANCE – ETRANGER)”, tendo a mesma sido apreendida naquele mesmo local por agentes da Polícia Judiciária no dia 02 de Novembro de 2004.

A arguida MG não é possuidora de qualquer licença que a habilite a utilizar ou transportar qualquer tipo de arma.

Com a sua conduta, tinha a arguida MG a vontade livre e a perfeita consciência de estar detendo e usando a arma de fogo acima referida sem ser titular de habilitação legal para a sua detenção, uso e porte, bem sabendo que tal conduta é proibida e punida por lei.

Pelo menos desde meados do ano de 1999 que o arguido AM, sempre que encontrava na rua os menores CS - nascido em 19/04/1991 - e SL, irmã deste - nascida em 05/11/1993 -, lhes acenava insistentemente, fazendo-se notar, conhecer e, gradualmente, ganhar a confiança destas duas crianças.

Tais factos sucediam, normalmente, no lugar de ..., freguesia de Cavez, Cabeceiras de Basto, durante o dia.

Em data que não se pôde apurar com exactidão mas que aconteceu durante o mês de Outubro ou Novembro de 1999, o arguido AM acenou ao menor CS que se encontrava na via pública e pediu-lhe para que este o acompanhasse a um campo de milho que ficava ali perto.

Tendo o menor anuído a esta solicitação, o arguido AM levou-o para o interior do campo de milho acima indicado e, uma vez neste local, exibiu-lhe o seu órgão genital e friccionou-o na frente do menor, até que ejaculou para o chão. Após, em jeito de recompensa, o arguido entregou ao menor quantia equivalente a € 2,50.

Em outras cinco ocasiões ocorridas em datas que não se puderam apurar dos dois anos seguintes, em ..., Cavez, Cabeceiras de Basto, o arguido AM acenou ao menor CS que se encontrava na via pública e pediu-lhe para que este o acompanhasse, ao que este menor anuiu.

Na primeira destas ocasiões, o menor acompanhou o arguido até uma corte de gado abandonada e nas quatro seguintes até campos, cultivados ou não.

Uma vez nestes locais, o arguido exibia ao menor o seu órgão genital e pedia-lhe que o friccionasse, o que o menor fazia até que o arguido ejaculava para o chão. De cada vez, em jeito de recompensa, o arguido entregou ao menor a quantia de € 2,50 ou equivalente.

Em data que não se pôde apurar com exactidão, perto do estabelecimento comercial de café denominado Queiroz, em ..., Cavez, Cabeceiras de Basto, o arguido AM acenou à menor SL que se encontrava na via pública a jogar à bola com o seu irmão, acima identificado, mas esta não o acompanhou.

O arguido AM agiu sempre por forma livre, consciente e voluntária, movido pela excitação ou satisfação do seu instinto lascivo, apesar de saber que as condutas que protagonizou ofendiam os mais elementares princípios da moral sexual e atentava contra a liberdade de determinação sexual do menor referido, bem sabendo que o mesmo tinha menos de 14 anos de idade. Tinha, ainda, perfeito conhecimento do carácter proibido de tais actos.

Os arguidos AM e MG vivem em união de facto, sendo esta viúva e aquele solteiro.

São ambos reformados, auferindo a segunda um pensão de cerca de € 130,00.

A arguida tem o 3º ano de escolaridade.

Nada consta dos seus certificados de registo criminal.

Não se provaram quaisquer outros factos.

IV. A convicção probatória do Tribunal decorreu , transcreve-se , em parte , dos depoimentos de :

SC, mãe dos menores, que declarou que a certa altura começou a constar na localidade onde vivem que o arguido chamava pelo seu filho CS e o levava para “entre o milho”; durante um tempo ela não soube de nada, mas achava estranho o menino andar sempre com dinheiro; relativamente à sua filha, não foi muito constado; quando se descobriu, o menino contou tudo, mas a filha sempre disse que nunca foi ao chamado do arguido;

JO, professor do menor CS, que declarou que a funcionária MA, auxiliar de acção educativa, lhe comunicou que constava na localidade que o menor estaria a ser vítima de abusos sexuais por parte do arguido; chamou os pais do menor à escola, que lhe disseram que já tinham ouvido falar; julga que as próprias crianças na escola também já comentariam estes factos;

MA, auxiliar de acção educativa da escola frequentada pelo menor declarou, apenas que as crianças diziam na escola que o arguido as chamava, mas que nunca viu nada;

AG, funcionária da mercearia da localidade, que declarou ter ouvido falar que o arguido chamava pelo CS;

SV, de 22 anos de idade, que declarou que quando era pequeno, num dia em que tinha ido à loja, parou para fazer as necessidades e veio o arguido por trás dele e agarrou-o; ele fugiu, mas o arguido insistiu em segui-lo, o que na altura o assustou; a mãe dele presenciou os factos; o arguido tinha por costume chamar várias crianças da terra;

MC, mãe da testemunha anterior, que declarou que um dia, ao anoitecer, viu o arguido a abraçar o seu filho - que tinha então 13 ou 14 anos – e a levá-lo para um sítio escondido; a testemunha interveio de imediato, assustada, por se ter apercebido que o arguido tinha intenção de molestar sexualmente o filho; o arguido tem fama na terra de chamar as crianças e ter com elas praticas sexuais .

V. A questão que nos autos se suscita extrapola o mero comentário do arguido segundo o qual o autor deste tipo de crimes está , à partida , inexoravelmente condenado a sofrer uma pena de prisão efectiva -qual pena fixa - qualquer que seja o condicionalismo provado em seu favor , para antes se deslocar , como verdadeiro e real pomo da discórdia , para a indagação sobre se os factos provados autorizam , como pretende , face à alegação inscrita na 11.ª conclusão , a suspensão da execução da pena de prisão de 2 anos , imposta pela prática de um crime continuado de abuso sexual sobre menor de 14 anos , p . e . pelos art.º 172.º n.º 1 e 30.º n.º 2 , do CP , com prisão de 1 a 8 anos .

Os factos assentes provam que o arguido , desde meados de 1999 , sempre que se cruzava , no lugar de ... , freguesia de Cavez , Cabeceiras de Basto , com os irmãos CS e SL , ambos Ca , nascidos a 19.4.91 e 5.11.93 , respectivamente , se insinuava junto deles , procurando ganhar-lhes a confiança .

Em data indeterminada de Outubro ou Novembro de 1999 , o arguido acenou ao menor , CS , no sentido de este o acompanhar a um campo de milho , ali perto , ao que o menor anuiu , começando o arguido por lhe exibir o seu órgão genital , friccionando-o à sua frente , ejaculando para o chão e , em jeito de recompensa , deu-lhe 2, 5 € .

Nos dois anos seguintes , em datas não apuradas , por 5 vezes , o arguido convidou o menor a acompanhá-lo , da primeira vez até uma corte de gado abandonada e das vezes seguintes até campos , e em todas as vezes , começando por exibir o seu órgão genital , pedindo ao menor que o friccionasse até ejacular , dando-lhe de cada vez 2,5 € de recompensa .

Uma vez , ainda , em data indeterminada , perto do café “ Queiroz “ , naquela localidade , acenou à menor SL no sentido de esta o acompanhar , o que não sucedeu .

Os actos sexuais , de relevo , praticados por cinco vezes , prolongaram-se no tempo , mais concretamente entre Outubro /Novembro de 1999 a 2001 , e tiveram como destinatários sempre o menor CS , de menos de 14 anos à data dos factos , além de que também acenou à irmã a acompanhá-lo, mas sem êxito .

VI. À saciedade resulta que o tempo não serviu para se deixar influenciar por contramotivos ético-jurídicos e sociais, por forma a desistir do seu propósito libidinoso, arrepiando caminho , para o que teve oportunidade , e ao reiterar , denota profunda insensibilidade aos valores ético-sociais de respeito que a vítima , menor entre os 8 e 10 anos , sem capacidade de compreensão do seu acto , incapaz de se autodeterminar sexualmente , facilmente atraída a partir da oferta de dinheiro , lhe devia merecer .

É , pois, portador de qualidades desvaliosas que refrangem ao nível da sua personalidade mais do que uma solicitação provinda do exterior a si , diminuindo-lhe a culpa ( cfr. Unidade e Pluralidade de Infracções , Prof. Eduardo Correia , pág. 251 ) , contra o que , indevidamente , se entende no acórdão recorrido , pois que os actos sexuais de auto-masturbação por uma vez , e por 5 vezes de masturbação , pelo menor , colhem explicação numa tendência endógena da sua personalidade .

O Colectivo , acolhendo a figura do crime continuado , hoje , por força da alteração introduzida pela Lei n.º 59/07 , de 4/9 , que o restringiu ao caso em que estejam causa bens eminentemente pessoais , salvo em se tratando de uma única vítima , suposto que concorram os seus indispensáveis pressupostos , aplicou ao arguido a pena de 2 anos de prisão pela prática de 1 crime de abuso sexual sobre criança , p. e p .pelo art.º 172.º n.º 1 , do CP , prisão que , nos termos do art.º 50.º , n.º 1 do CP , pode ser suspensa , sempre que aquela não exceda 5 anos ( face à lei nova , na reforma introduzida pela Lei n.º 59/2007 , de 4/9 ) se , atendendo à personalidade do agente , às condições da sua vida , à condição anterior e posterior aos factos e às circunstâncias deste se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição .

VII . Vem provado que o arguido não tem antecedentes criminais , o que nem sequer é bastante para lhe creditar bom comportamento anterior , significante , apenas , de que até à data dos factos não caíu nas malhas do poder judicial ; sobre a sua integração social , económica e familiar , apenas se comprova que vive em união de facto com a arguida MG e é reformado , e sobre a sua personalidade , enquanto relação de conformação existencial ético-jurídica , o arguido , alienando-se de padrões ético –morais impostos pelas regras de convivência, para satisfação da sua líbido , usando uma criança de pouca idade para assistir à sua auto-masturbação , em Outubro ou Novembro de 1999 e , por mais 5 vezes , ao longo de 2 anos seguintes , para o masturbar , sempre a troco de dinheiro , revela uma personalidade malsã , viciosa , à margem do respeito pelas crianças , merecedora de forte juízo de censura e digna da maior reprovação social .

O arguido não prestou declarações em audiência , mas esse seu silêncio , traduzindo o exercício de um direito –art.º 343.º n.º 1, do CPP - não o pode prejudicar , mas também em nada o beneficia , revertendo em “ privilegium odiosum “ contra si .

O facto de ter entre 69/71 anos na data dos factos isto não constitui circunstância que atenue a sua responsabilidade criminal , porque seria ver no idoso “ um subcidadão “ , para mais afirmando-se que agiu , voluntária livre e conscientemente , com pleno conhecimento de que a vítima tinha menos de 14 anos , sob pena de a decisão ser meramente simbólica e do juízo de censura ser excluído ou excessivamente mitigado –cfr. Ac. deste STJ , de 7.10.99 , BMJ 490 , 53 .

A acção típica de abuso sexual sobre menor de 14 anos representa “ … na imagem das democracias de comunicação , uma dimensão de negação alucinatória da ordem natural das coisas , uma desordem da natureza , um desequilíbrio cósmico que a cidade quer eliminar sem o referir , no dizer de Denis Sales –Le Delinquent Sexuel – cfr. Ac. deste STJ , P.º n.º 1526/04 , desta 3.ª Sec.

Nas representações sociais , o abuso sexual sobre crianças significa “ o mal absoluto “ , a presença do inumano no humano pelo uso irracional da liberdade de acção .

Os efeitos , graves , do facto variam em função da idade , personalidade da criança e natureza da agressão , podendo aquela permanecer perturbada por semanas , condicionando , mais gravemente , o seu comportamento sexual posterior e o seu nível de desenvolvimento , ligando-se a futuros sentimentos de traição , desconfiança , hostilidade , vergonha , culpa , auto-desvalorização , baixa auto-estima , distorção de imagem corporal , transtornos psicológicos “ border –line “ , desenvolvendo , ao nível psiquiátrico puro , “ stress “ póstraumático , depressão , disfunção sexual , quadros dissociativos ou conversivos ( histeria ) , dificuldades de aprendizagem , transtornos de sono , alimentares , obesidade , anorexia , bulimia , ansiedade e fobias .

Considerando a prática , com alguma frequência , de tais delitos entre nós – mas não só - , o interesse público de protecção de personalidades em desenvolvimento , no aspecto da sua sexualidade , sendo desejável que esta se afirme de forma harmónica e consciente que é afrontado , o alarme e a repugnância social que causam , evidente se torna que , para tranquilidade no tecido social e dissuasão de potenciais delinquentes , visto o quadro de extensos malefícios antecedente , que ultrapassam o interesse meramente individual , se impõe uma intervenção punitiva que pondere as sentidas “ considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico “ , segundo o Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime , pág. 344 -, por esta se limitando sempre o valor da socialização em liberdade .

Os elementos disponibilizados nos autos são escassamente sob a forma de ausência de registo de condenação no cadastro criminal e a sua idade , sendo que não foi a idade avançada que o impediu de , reiterada e intervaladamente , delinquir e voltar a fazê-lo , sem nunca interiorizar os malefícios do seu acto , arrepiando caminho .

Importa , no entanto , na parametrização da pena concreta , refrear os ímpetos punitivos da sociedade , a chamada “ histeria de massas “ contra abusadores sexuais de crianças , já que aquela , paradoxalmente , pelos mais díspares meios , favorece o desmando sexual , para , depois , exigir dos tribunais aquela exasperação punitiva , tantas vezes mais perniciosa ao desenvolvimento harmónico da personalidade na esfera social da vitima do que aos próprios agentes do crime , são palavras do Prof. Figueiredo Dias , in Comentário Conimbricense ao Código Penal , I , pág. 553 .

IX. O arguido, manifestando concordância expressa, não se opôs , sem abandonar , é certo , a tese da suspensão da execução da pena de prisão , ao cumprimento desta em regime de permanência na sua habitação , por força do art.º 44.º , do CP .

Este preceito , de natureza inovadora , introduzido na recente reforma penal pela Lei n.º 59/07 , de 4/9 , estatui que :

“ 1-Se o condenado o consentir , podem ser executados em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controle à distância , sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição :

a) A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano ;

b) O remanescente não superior a um ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação de liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção , prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação .

2 –O limite máximo previsto no número anterior pode ser elevado para dois anos quando se verifiquem , à data da condenação , circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselhem a privação da liberdade em estabelecimento prisional , nomeadamente :

a) Gravidez ;

b) Idade inferior a 21 anos ou superior a 65 ;

c) Doença ou deficiência graves ;

d) Existência de menor a seu cargo ;

e) Existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado .

3(…) :

a) ;

b) ;

4 (…) “ .

A filosofia do preceito assenta numa evidente reacção contra os consabidos inconvenientes das penas curtas de prisão , essencialmente o seu n.º 1 , e , também , em compreensíveis razões humanitárias , o seu n.º 2 , situando-se a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão do delinquente , que se pretende evitar , pela fractura com o ambiente familiar , social e profissional que representaria , verificados que sejam os seus pressupostos , mas sem deixar de prevenir-se a adequação desta pena substitutiva às finalidades das penas em geral .

X . Contra o regime de suspensão da execução da pena erguem-se as já mencionadas considerações de prevenção geral ( art.º 50.º n.º 1 , do CP ) , o sentimento colectivo de reprovação , particularmente mais incisivo nos meios rurais , no “ locus delicti” , porém ao nível de prevenção especial , de emenda cívica , o já longo lapso de tempo decorrido sobre os factos , sem anotação subsequente de facto criminoso e a sua avançada idade , agora de 76 anos , levam a crer que a probabilidade de recaída , de sucumbência , não se sucederá , sendo de ponderar os malefícios que representaria , nesta fase muito avançada da sua vida , uma pena de privação de liberdade em estabelecimento prisional , de haver por desproporcionada .

Esta vertente favorável na composição da pena contrabalança aquela finalidade pública da prevenção geral, desaconselhando a suspensão , que , ante a gravidade dos factos, se revelaria desprovida de utilidade , sem eficácia digna de relevo , um quase desperdício , não deixando de responder o cumprimento da pena de prisão permanentemente na sua habitação às prementes finalidades de prevenção geral, pela gravosa limitação ao “ jus ambulandi “que acarreta e às mais atenuadas finalidades de ressocialização do arguido .

Nesta conformidade se condena o arguido na pena de 2 anos de prisão , que será executada em regime de permanência na habitação , com fiscalização através de meios técnicos de controle à distância, improcedendo os inconvenientes invocados ao seu cumprimento da maneira ora decretada , sob o ângulo da necessidade de sujeição a tratamento médico e consequente deslocação ao exterior , mais uma vez o arguido tentando minimizar as consequências do desvalor do seu acto criminoso , cuja punição , sob pena de se subverter a sua razão de ser , gera inevitáveis incómodos .

XI . Nega-se , pois , provimento ao recurso , alterando-se , no entanto , o decidido em 1.ª instância , condenando-se na pena de 2 anos de prisão a cumprir permanentemente na sua habitação , com vigilância electrónica .

Taxa de justiça : 10 Uc,s .

XII . Comunique-se ao IRS .

Lisboa, 09 de Janeiro de 2008

Armindo Monteiro (relator)
Santos Cabral
Oliveira Mendes
Maia Costa