Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1847/08.5TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
CONHECIMENTO NO SANEADOR
CASO JULGADO MATERIAL
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE
CADUCIDADE
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA VIGÊNCIA, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS - DIREITO DA FAMÍLIA / FILIAÇÃO / ESTABELECIMENTO DA FILIAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / EXCEPÇÕES ( EXCEÇÕES ) / DESPACHO SANEADOR / SENTENÇA ( EFEITOS ).
Doutrina:
- Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 714, 715, 718 e 719.
- Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, Edições Ática, 1961, p. 150; Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, páginas 174, 177 e 186.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 10.º, N.º 3, 289.º, N.º2, 329.º, 342.º, N.º2, 1817.º, N.º1, 1873.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 96.º, 487.º, N.º 2, PARTE FINAL, 493.º, N.º 3, 510.º, N.º 1, ALÍNEA B), 671.º, N.º1, 673.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 91.º, 571.º, 576.º, 595.º, 619.º, 621.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 26.º, N.º1.
LEI N.º 14/2009, DE 01-04: - ARTIGO 3.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 08/06/2010; DE 20/06/2012, PROCESSO N.º 241/07.0TTLSB.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ; E DE 20/09/2012.


-*-

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 23/2006, DE 10-01, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 28, SÉRIE I-A, DE 08/02/2006,
-DE 6/3/2010, EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .
Sumário :
1. As exceções perentórias, como fundamentos de defesa, traduzem-se em questões fundamentais, preliminares em relação ao thema decidendum, delimitando, negativa e internamente, a pretensão deduzida pelo autor.

2. A decisão que verse sobre a procedência ou improcedência de uma exceção perentória inscreve-se no domínio da relação material controvertida e pode ser proferida imediatamente no despacho saneador, se o estado do processo o permitir sem necessidade de mais provas, mesmo que, quando julgada improce-dente a exceção, o processo deva prosseguir para conhecimento da existência do direito em causa.

3. Ainda que a eficácia do caso julgado material incida nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença, alcança também os fundamentos e as questões que nela se entroncam, enquanto limites objetivos dessa decisão.

4. A decisão interlocutória que julgue improcedente uma exceção perentória vale, desde o respetivo trânsito em julgado, com o alcance de limite objetivo, negativo, do caso julgado material que vier a recair, a final, sobre a pretensão deduzida.

5. No caso vertente, tendo sido julgada, em sede de saneador, improcedente a exceção de caducidade do direito de a A. investigar a paternidade do R., tal decisão impede que essa questão seja novamente apreciada no processo, valendo como limite objetivo da decisão final.    

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório

1. AA (A.) instaurou, em 25/06/ 2008, junto das Varas Cíveis de Lisboa, ação declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra BB (R.), a pedir que aquela seja declarada como filha deste, alegando, em síntese, que:

. A A. nasceu em 5 de Março de 1961, tendo sido registada como filha de CC, sem menção da paternidade; 

. Porém, a A. foi concebida no contexto das relações sexuais ocorridas entre o R. e a mãe daquela, que então trabalhava como empregada doméstica interna na casa dos pais do R., no período que decorreu entre 5 de maio e 5 de setembro de 1960.

. O R., então confrontado com a gravidez da mãe da A., assumiu a paternidade, mas a família daquele expulsou-a de casa, não permitindo que tal assunção se concretizasse;

. Entretanto, a A., após o seu nascimento, viveu com a avó materna até aos sete anos, depois com a mãe no período escolar e, mais tarde, com um tio e padrinho, só saindo de casa quando casou, nunca a mãe da A. tendo esclarecido a identidade do seu pai. 

2. O R. apresentou contestação, impugnando os factos alegados pela A. e invocando ainda a caducidade, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 1817.º aplicável por força do art.º 1873.º do CC, considerando que a ação só fora intentada em 25 de Junho de 2008.

3. A A. replicou quanto à matéria da exceção, sustentando que “hoje, como mulher e mãe, pretende ver a sua identidade reconhecida, já que a falta de reconhecimento por parte do seu pai sempre a marcou e afetou negativamente”.

4. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, em que se julgou improcedente a exceção de caducidade deduzida, sendo, de seguida, selecionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória.

5. Entretanto, o R. interpôs recurso daquela decisão para a Relação de Lisboa, no âmbito do qual se decidiu recusar a aplicação do art.º 3.º da Lei n.º 14/2009, de 01-04, por inconstitucionalidade material fundada na violação do princípio da confiança.

6. Interposta revista dessa decisão, o STJ manteve o acórdão recorrido na parte em que confirmou a sentença da 1.ª instância, sem, porém, se pronunciar sobre a referida inconstitucionalidade, por entender que tal questão se encontrava prejudicada.

7. Seguidamente, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, no qual se julgou não ser inconstitucional o n.º 1 do art.º 1817.º do CC, na parte em que admite a prescrição do direito a investigar a paternidade, dando-se provimento ao recurso e determinando-se a reforma do acórdão do STJ, quanto à questão de constitucionalidade.

8. Por sua vez, o STJ, reformando o referido acórdão, ainda assim negou a revista, concluindo que a ação era tempestiva e que devia prosseguir.

9. Realizado o julgamento, foi proferida sentença final, em 07/11/2013, a julgar a ação procedente e, por consequência, a declarar a A. filha do R. e a sua avoenga paterna.        

10. Mais uma vez inconformado, veio o R. apelar dessa decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, circunscrevendo o objeto do recurso à questão da caducidade, sobre o que foi proferido o acórdão de fls. 241-250, datado de 03/07/2014, a negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

11. Desta feita, veio o R. interpor revista a título excecional, ao abrigo do art.º 672.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC, a qual foi considerada admissível nos termos desta última alínea conforme o acórdão de fls. 288 a 294 proferido pela formação dos juízes deste Supremo Tribunal prevista no n.º 2 do indicado normativo.

12. O R./Recorrente apresentou alegações, em que formula as seguintes conclusões:

1.ª – A presente revista tem natureza excecional, face ao disposto no n.º 1 do artigo 672.º do CPC;

2.ª - A apreciação da questão decidenda é claramente necessária para uma melhor e mais segura aplicação do Direito, e os interesses em jogo são de particular relevância social;

3.ª - A tese dominante na jurisprudência alicerça-se em fundamentos que não têm a consistência sólida, no plano da axiologia normativa, para sustentar a doutrina da imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade, nem se contem na linha delimitadora do acórdão n.º 23/2006 do Tribunal Constitucional;

4.ª - A questão decidenda - ser ou não ser a ação de investigação caducável ou prescritível - toca as fronteiras e a essência de direitos de personalidade na vertente da identidade de cada pessoa, e tal circunstância de per si merece dos Tribunais lhe atribuam uma densidade irrecusável no âmbito de "uma melhor aplicação do direito", reforçando argumentos, apontando motivações no quadro de referência a valores, dilucidando questões e aprofundando o Direito;

5.ª - Direito melhor fundamentado significa Direito melhor aplicado. E não está excluído liminarmente a este Tribunal responder aos argumentos em que se louva a corrente jurisprudencial dominante, ou então que os reforce, numa atitude dignificadora da função de julgar;

6.ª - A natureza da questão decidenda resulta de um processo intelectivo de indução sociológica com ponto de partida na consideração de interesses individuais - o da identidade da pessoa - e com ponto de chegada na esfera colectiva e social. Esta a constituir a projeção sócio-lógica dos referidos interesses individuais;

7ª - O acórdão n.º 23/2006 do Tribunal Constitucional apenas declarou a inconstitucionalidade do artigo 1817.º do CC, na medida em que esta norma previa um prazo de caducidade para a propositura da ação de investigação de paternidade com a extensão de dois anos contados da maioridade do investigante;

8.ª - Fora desse círculo de restrição, a norma do artigo 1817.º do CC continuou incólume, embora a carecer de uma integração ou interpretação jurisprudencial ou legislativa do alcance da caducidade das referidas ações. Mas uma coisa é certa: dos termos do acórdão n.º 23/2006 do Tribunal Constitucional não resulta só por si a imprescritibilidade das ditas ações judiciais;

9.ª - Nem as normas constitucionais invocadas pela corrente jurisprudencial dominante impõem tal solução;

10.ª - Daí que as razões invocadas nesta corrente jurisprudencial dominante - não repristinação de qualquer norma anteriormente vigente, direito a conhecer a paternidade como direito inviolável e ou imprescritível, a dignidade da pessoa humana com prevalência sobre o direito do investigado à sua reserva de identidade pessoal - não sejam suficientemente fortes;

11.ª - Os argumentos alinhados pressupõem liminarmente e sem razão que o art.º 1817.º do CC, por força do acórdão n.º 23/2006 do Tribunal Constitucional, tenha ficado ferido de inconstitucionalidade material total e absoluta. E já se viu que não;

12.ª - E se assim é então o acórdão n.º 23/2006 não tem vocação positiva para repristinar qualquer norma, já que a norma do art.º 1817.º do CC continua em vigor, fora do círculo de hipóteses em que foi considerada inconstitucional;

13.ª – E, por isso, a decretada inconstitucionalidade do art.º 1817.º do CC não deixa sem prazo de caducidade as ações de investigação de paternidade;

14.ª - As declarações de princípios filosóficos enformadores da Constituição não impõem apoditicamente a imprescritibilidade das ações de investigação de paternidade. A identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1 e 3 da CRP) e a identidade genética não impõem tal solução, embora esta não contrarie os ditos princípios inseridos na Constituição. E está bem de ver que a metodologia de análise é a que parte da legislada e vigente regra da caducidade das referidas ações para os princípios filosóficos apontados, e verificar se estes têm a força suficiente, para em movimento mental "descendente" impor a inconstitucionalidade da prescritibilidade das ações de investigação. E é óbvio que não têm;

15.ª - A lei ordinária tem assim competência para, no quadro constitucional vigente, estabelecer prazos de caducidade às ações de investigação de paternidade;

16.ª - A ordem jurídica portuguesa estabelece um prazo máximo ordinário de prescrição: 20 anos. E este foi ultrapassado largamente pela recorrida;

17.ª - Daí que a declaração de inconstitucionalidade do art.º 1817.º do CC, ainda que interpretada no seu alcance máximo admissível, não possa afetar a situação jurídica do investigado, blindada pelo decorrer do prazo da prescrição ordinária máximo de vinte anos. É o valor da segurança jurídica a que tem de prestar-se preito de vassalagem;

18.ª - Os aperfeiçoamentos científicos dos exames de ADN não predicam a favor da imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade. Destas podem ser meios instrumentais, mas nunca causa de fixação de qualquer regime jurídico da caducidade. A imprescritibilidade das ditas ações não decorre desses aperfeiçoamentos e a caducidade das referidas ações está prevista e continua vigente na ordem jurídica portuguesa;

19.ª - Daí o acórdão do Tribunal Constitucional de 06/03/2010 proferido sobre recurso do ora recorrente, e que está nos autos, decidindo que não está ferida de inconstitucionalidade a tese que propugna a prescritibilidade ou caducidade das ações de investigação.

20.ª - E esta é mais uma razão de peso para que a presente revista seja admitida com carácter de excecionalidade.

21.ª - Daí a Lei n.º 14/2009, ao dar nova redação interpretativa e integradora ao artigo 1817.º do CC, e que pressupõe que na "mente legislatoris" da referida Lei estava pressuposta a ideia da prescritibilidade das ações de investigação de paternidade, mesmo depois da prolação do acórdão n.º 23/2006 do Tribunal Constitucional, sendo embora certo que a aplicação desta Lei ao presente processo esteja vedada por decisão do Tribunal Constitucional.

22.ª - Por isso, à A., ora recorrida, não foi coarctada qualquer expetativa de uma inexistente normatividade sobre a imprescritibilidade das ações de investigação;

23.ª - A valoração dos direitos de personalidade, nos quais se inscreve a identidade pessoal e genética da pessoa humana, não deve prevalecer sobre os prazos de caducidade que nunca foram abolidos do sistema jurídico criado pelo CC, nem pelo acórdão n.º 23/2006 do Tribunal Constitucional;

24.ª - O acórdão recorrido violou, por isso, por erro de interpretação e aplicação a norma do artigo 1817.º do CC.

25.ª - O despacho saneador de fls. 84 que julgou procedente a exceção de caducidade invocada pela A. não transitou em julgado como se demonstra do historial do presente processo.

26.ª - A questão da caducidade da ação não é assim questão esgotada, como decidiram as Instâncias.

27.ª - O acórdão recorrido desrespeita o referido acórdão do Tribunal Constitucional de 06/03/2010, violando frontalmente a norma do artigo 80.º, n.º 1, da Lei n.º 85/89 de 7 de Setembro;

28.ª - A investigante tomou conhecimento da identidade de seu pai pelo menos desde a sua maioridade, pois como referiram testemunhas por ela arroladas e ouvidas em audiência de julgamento, no meio social da mãe toda a gente sabia que o recorrente era seu pai biológico.

29.ª - Daí que não seja merecedora de proteção jurídica a atitude da investigante em ter intentado a acção em 25/06/2008, nem que invoque o respeito pela vontade da mãe, falecida em 05/03/2001, de se “não mexer no assunto”, pois que a A., aqui recorrida, deveria ter intentado a ação no prazo de dois anos a contar do conhecimento, que efectivamente teve, de quem era seu pai.

30.ª - O bloqueio psicológico imposto por sua falecida mãe, com o ser respeitável, não foi causa de suspensão ou interrupção da prescrição ou caducidade da acção.

31.ª - Não se podendo aplicar a Lei n.º 14/2009, terá de respeitar-se a norma do artigo 1817.º do CC, na sua formulação à data da acórdão n.º 23/2006 do TC, contando-se o prazo de dois anos a partir da cognoscibilidade ou efetivo conhecimento pela investigante da identidade de seu pai.

32.ª - Ou então considerar-se, por recurso à analogia, dada a isomorfologia das situações jurídicas de prescrição e caducidade, que o prazo de propositura da presente ação era de vinte anos a contar da maioridade da A., e que esta sem motivo atendível, não observou.

33.ª - Termos em que deve a presente revista ser excecionalmente admitida e ao recurso ser concedido provimento, revogando-se o acórdão recorrido com as legais consequências, designadamente a de a ação ser julgada improcedente por estar ferida de caducidade, e o recorrente absolvido do pedido.

13. Não foram apresentadas contra-alegações.


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

        

II – Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso, no que aqui releva, é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, e 639.º, n.º 1, do CPC, na atual redação.

Dentro desses parâmetros, o objeto do presente recurso incide sobre as seguintes questões:

(i) – Em primeira linha, a questão de saber se a decisão proferida sobre a invocada exceção de caducidade em sede do despacho saneador e confirmada pelo STJ se encontra esgotada com alcance de caso julgado – conclusões recursórias 25.ª e 26.ª;

(ii) – Subsidiariamente, a questão da invocada caducidade – conclusões 7.ª a 19.ª, 21.ª a 24.ª e 27.ª a 33.ª.


De referir que a questão prévia sobre a admissibilidade do presente recurso de revista a título excecional, equacionada nas conclusões 1.ª a 6.ª e 20.ª, se encontra já resolvida em sentido positivo, conforme o acórdão proferido a fls. 288 a 294 pela formação do coletivo de juízes deste Supremo Tribunal prevista no n.º 2 do art.º 672.º do CPC.


III – Fundamentação


1. Desenvolvimento processual relevante


Com relevo para a apreciação do objeto do presente recurso, destaca-se o seguinte desenvolvimento processual:

1.1. A presente ação foi instaurada em 25/06/2008 - cota do registo de entrada de fls. 2;

1.2. Na contestação, o R., além do mais, invocou a exceção de caducidade, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 1817.º aplicável por força do art.º 1873.º do CC;

1.3. Essa questão foi objeto de apreciação em sede do despacho saneador de fls. 84 a 92, datado de 23/10/2008, no âmbito do qual se considerou que, face à declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.º 1 do art.º 1817.º do CC, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006, de 10-01, a solução então vigente era a de que a ação de investigação da paternidade podia ser intentada a todo o tempo, julgando-se, por isso, improcedente a exceção deduzida;

1.4. O R. interpôs recurso dessa decisão, que subiu em separado, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa confirmado a decisão recorrida, decidindo ainda recusar a aplicação do art.º 3.º da Lei n.º 14/2009, de 01-04, por inconstitucionalidade material fundada na violação do princípio da confiança.

1.5. Do acórdão da Relação foi interposto recurso de revista, no âmbito do qual foi proferido acórdão, em 08/06/2010, a considerar que o direito ao conhecimento da ascendência biológica, como direito fundamental à identidade pessoal, é imprescritível e que o novo prazo de investigação da paternidade estabelecido na Lei n.º 14/2009, de 01-04, é também inconstitucional, tendo-se, por consequência, mantido o acórdão recorrido na parte em que confirmou a decisão da 1.ª instância, mas sem pronunciamento sobre a recusa de aplicação, por inconstitucionalidade material, do art.º 3.º daquela Lei, por tal questão ter ficado prejudicada pela decisão dada[1];

1.6. O R. interpôs recurso daquele acórdão para o Tribunal Constitucional, em que questionou a inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do art.º 1817.º do CC, na parte em que foi recusada a sua aplicação no segmento da admissibilidade de prescrição do direito a investigar a paternidade, tendo ali sido decidido, por acórdão de 06/03/2010, “não julgar inconstitucional a norma contida no n.º 1 do art.º 1817.º do CC, na parte em que admite a prescrição do direito de investigar a paternidade”, concedendo-se, consequentemente, “provimento ao recurso” e determinando-se a reforma do acórdão recorrido no tocante à questão de constitucionalidade[2];     

1.7. Na sequência disso, o STJ, por acórdão de 20/09/2012, procedeu à determinada reforma, mas, não obstante isso, considerou que, com a eliminação do nosso ordenamento jurídico da norma do n.º 1 do art.º 1817.º do CC, na parte em que previa um prazo de dois anos a partir da maioridade ou da emancipação do investigante, por efeito da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, operada pelo acórdão do TC n.º 23/2006, deixara de existir, até à data da entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, de 01/04, prazo para a ação de investigação da paternidade e que não se verificava, por efeito daquela inconstitucionalidade, qualquer lacuna da lei que levasse a criar norma consoante com o sistema. No mesmo acórdão, foi ainda considerado que a disposição transitória do art.º 3.º da Lei n.º 14/2009, que manda aplicar o novo prazo ali estabelecido às ações pendentes, é materialmente inconstitucional. Em face disso, o referido acórdão, negando a revista, julgou tempestiva a presente ação, mandando prosseguir os seus termos[3].  

1.8. Entretanto, foi proferido nos autos o despacho de fls. 147 a 150, datado de 25/05/2009, no qual, tendo em consideração a publicação da Lei n.º 14/2009, de 01/04, que alterou a redação do n.º 1 do art.º 1817.º do CC, para a eventualidade da sua aplicação ao caso, se determinou o aditamento à base instrutória dos factos alegados pertinentes ao conhecimento da invocada caducidade, tendo sido interposto recurso desse despacho, o qual, subindo em separado, foi julgado improcedente.

1.9. Posteriormente, foi proferido o despacho de fls. 184, datado de 12/09/2013, a decidir que, face ao teor do acórdão do Tribunal Constitucional, ficava sem efeito o aditamento feito à base instrutória relativo aos factos pertinentes à caducidade supervenientemente suscitada.


1.10. Na sentença final, ficou consignado que:

O R., através do seu Ilustre Mandatário, em sede de alegações sobre a matéria de facto, procurou reavivar a excepção de caducidade por si tempestivamente suscitada. Esta questão, todavia, mostra-se inteiramente esgotada, não sendo sequer lícito ao tribunal de primeira instância, em face das decisões das instâncias superiores já proferidas, voltar a debruçar-se sobre a mesma.


2. Factualidade dada como provada pelas Instâncias


Vem provada pelas Instâncias a seguinte factualidade:

2.1. AA nasceu em 5 de março de 1961 e foi registada apenas como filha de CC;

2.2. Entre 5 de maio e 5 de Setembro de 1960, a mãe da A. teve relações sexuais de cópula completa com o R.;

2.3. A A. nasceu fruto dessas relações.


3. Do mérito do recurso

3.1. Enquadramento preliminar

Estamos no âmbito de uma ação de investigação da paternidade, instaurada em 25/06/2008, e a questão fulcral que o Recorrente suscita neste recurso prende-se com a invocada exceção de caducidade, deduzida ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 1817.º, aplicável por via do art.º 1873.º do CC.

À data da propositura da ação, o normativo em foco estabelecia que:

A acção da investigação da maternidade (no caso da paternidade), só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.    

     À luz do critério formal constante do n.º 2 do art.º 298.º do CC para a classificação dos prazos estabelecidos neste Código, trata-se de um prazo de caducidade cujo início se conta a partir do momento fixado na lei, em consonância com o preceituado no art.º 329.º do mesmo diploma.

     Nessa conformidade, considerando que a A., nascida em 5 de março de 1961, atingiu a maioridade em 5 de março de 1979 e que a ação só foi proposta em 25/06/2008, estaria largamente ultrapassado o sobredito prazo de dois anos.

     Sucede que o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006, de 10-01, publicado no Diário da República n.º 28, Série I-A, de 08/02/2006, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, daquele normativo, aplicável por força do art.º 1873.º do CC, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade o investigante.

     Em face de tal supressão por inconstitucionalidade, suscitavam-se então duas orientações divergentes:

- uma, a sustentar que da eliminação daquele segmento normativo no nosso ordenamento jurídico não resultava a imprescritibilidade do direito de investigar a paternidade, mas que, em vez disso, determinava a superveniência de uma lacuna a preencher pela criação de uma norma ad hoc dentro do espírito do sistema, ao abrigo do n.º 3 do art.º 10.º do CC, tese esta sufragada no douto parecer jurídico junto a fls. 37 a 72;

- outra orientação, no sentido de que aquela eliminação significava a imprescritibilidade desse direito, aliás à semelhança do consagrado noutros ordenamentos jurídicos, fosse essencialmente pelo facto de a caducidade violar o direito ao conhecimento da ascendência biológica do investigante, como direito fundamental à identidade pessoal consagrado no art.º 26.º, n.º 1, da Constituição, fosse pura e simplesmente por de tal eliminação não resultar sequer a ocorrência de qualquer lacuna da lei.

    Ora, à data da propositura da presente ação, era este o estado da problemática sobre tal questão.

Foi neste contexto que a exceção da caducidade invocada pelo R., na contestação, foi julgada improcedente em sede do despacho saneador, proferido em 23/10/2008, com o fundamento em que a solução então vigente era a de que a ação de investigação da paternidade podia ser intentada a todo o tempo. Porém, dessa decisão foi interposto recurso paro o Tribunal da Relação de Lisboa.

Entretanto, foi publicada a Lei n.º 14/2009, de 01/04, para vigorar desde o dia seguinte ao da sua publicação, a dar, no que aqui releva, nova redação ao n.º 1 do art.º 1817.º do CC com o seguinte teor:

A acção de investigação da maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.

   Por sua vez, o art.º 3.º da mesma lei editou uma disposição transitória no sentido de mandar aplicar essa lei aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.

Foi nessas circunstâncias que o acórdão da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do recurso interposto, confirmou a decisão recorrida, decidindo ainda recusar a aplicação do art.º 3.º da Lei n.º 14/2009, de 01-04, por inconstitucionalidade material fundada na violação do princípio da confiança.

Interposto recurso de revista dessa decisão, o STJ, por acórdão proferido em 08/06/2010, considerou que o direito ao conhecimento da ascendência biológica, como direito fundamental à identidade pessoal, é imprescritível e que o novo prazo de investigação da paternidade estabelecido na Lei n.º 14/2009, de 01-04, era também inconstitucional, tendo-se, por consequência, mantido o acórdão recorrido na parte em que confirmou a decisão da 1.ª instância, mas sem se pronunciar sobre a recusa da aplicação, por inconstitucionalidade material, do art.º 3.º daquela Lei, por tal questão ter ficado prejudicada pela decisão dada.

Desta feita, o R. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional a questionar a inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do art.º 1817.º do CC, na parte em que foi recusada a sua aplicação no segmento da admissibilidade de prescrição do direito a investigar a paternidade.

No âmbito de tal recurso, o Tribunal Constitucional, por acórdão de 06/03/2010, decidiu “não julgar inconstitucional a norma contida no n.º 1 do art.º 1817.º do CC, na parte em que admite a prescrição do direito de investigar a paternidade”, concedendo, consequentemente, “provimento ao recurso” e determinando-se a reforma da decisão recorrida no tocante à questão de constitucionalidade.

Foi na sequência disso que o STJ, por acórdão de 20/09/2012, procedeu àquela reforma, mas considerou que, com a eliminação do nosso ordenamento jurídico da norma do n.º 1 do art.º 1817.º do CC, na parte em que previa um prazo de dois anos a partir da maioridade ou da emancipação do investigante, por efeito da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, operada pelo acórdão do TC n.º 23/2006, deixara de existir, até à data da entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, de 01/04, prazo para a ação de investigação da paternidade e que não se verificava, por efeito daquela inconstitucionalidade, qualquer lacuna da lei que levasse a criar norma consoante com o sistema. No mesmo acórdão, foi ainda considerado que a disposição transitória do art.º 3.º da Lei n.º 14/2009, que manda aplicar o novo prazo ali estabelecido às ações pendentes, é materialmente inconstitucional. Nessa base, foi negada a revista, julgando-se tempestiva a presente ação e mandando-se prosseguir os seus termos.

Em suma, o referido acórdão do STJ acatou o juízo de não inconstitucionalidade da norma em apreço, nos termos em que fora declarado pelo Tribunal Constitucional, mas, já no plano infraconstitucional, considerou que a eliminação do segmento normativo respeitante ao prazo de dois anos ali estabelecido, por virtude da inconstitucionalidade com força obrigatória geral, declarada pelo acórdão n.º 23/2006 desse mesmo Tribunal, não determinava a ocorrência de qualquer lacuna que devesse ser preenchida por norma ad hoc, nos termos do art.º 10.º, n.º 3, do CC. E, além disso, recusou a aplicação ao caso da norma transitória do art.º 3.º da Lei n.º 14/2009, aliás na esteira do que vinha também sendo jurisprudência do Tribunal Constitucional.

Por conseguinte, não é lícito afirmar, como defende o Recorrente, que o acórdão reformado do STJ tenha desrespeitado a decisão do Tribunal Constitucional contida no acórdão de 06/03/2010, na medida em que o juízo de não inconstitucionalidade do n.º 1 do art.º 1817.º do CC, no tocante a não afastar a imprescritibilidade do direito de investigar a paternidade, não impõe que devesse ser fixado um prazo de caducidade ou de prescrição por norma pretoriana ad hoc, deixando, no entanto, aberto o caminho a que tal pudesse ser entendido no quadro do sistema vigente ou à sua fixação por via legal.

De resto, a edição de uma norma pretoriana ad hoc supõe o reconhecimento de uma lacuna na lei, o que o acórdão reformado do STJ considerou não ocorrer, dentro dos seus limites de interpretação e aplicação normativa, sendo que aquele juízo de não inconstitucionalidade não impõe, por si só, a existência de uma tal lacuna.

Aqui chegados, independentemente da controvérsia que possa existir sobre a existência de uma tal lacuna ou sobre a aplicação retroativa ao presente caso da nova redação do n.º 1 do artigo 1817.º do CC, questões estas de que se ocupou o acórdão do STJ, de 20/09/2012, ao confirmar a decisão da 1.ª instância que julgou improcedente a exceção de caducidade invocada pelo R., a questão aqui prioritária é tão só a de saber se tal decisão é provida de alcance de caso julgado.


3.2. Quanto ao alcance da decisão proferida sobre a exceção de caducidade

Como já foi referido, a exceção de caducidade deduzida pelo R. na contestação foi objeto de apreciação no despacho saneador, no sentido da sua improcedência, o que acabou por ser confirmado pelo acórdão do STJ de 20/09/2012, já transitado em julgado, face ao que a sentença recorrida recusou nova apreciação dessa questão, tal como pretendia o R..

Todavia, o R. insistiu nessa apreciação em sede da apelação daquela sentença, mas o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão ora recorrido, negou provimento a esse recurso.

Continuando irresignado, veio novamente o R., na presente revista, persistir nessa apreciação, sustentando que do acórdão reformado do STJ, de 20/09/2012, resulta a revogação do despacho saneador na parte em que julgou a ação intentada em tempo, pelo que a questão de caducidade continuaria em aberto até à prolação da sentença final.


Vejamos.

Desde logo, mostra-se manifestamente insustentável a afirmação do Recorrente no sentido de que o indicado acórdão do STJ tenha revogado a decisão da 1.ª instância, proferida em sede do despacho saneador, que julgou improcedente a exceção de caducidade. Pelo contrário, aquele acórdão é bem explícito ao concluir que “a ação em causa é, pois, tempestiva, devendo, por isso, prosseguir os seus termos”, negando, consequentemente, a revista. Nem se divisa sequer qual o argumento com que o Recorrente, a partir do dispositivo daquele acórdão, infere a revogação da decisão da 1.ª instância.

Resta, pois, indagar o alcance dessa decisão, mormente em termos de caso julgado.


Ora, o artigo 96.º correspondente ao atual artigo 91.º, sob a epígrafe Competência do tribunal em relação às questões incidentais, estabelece que:

1 – O tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa.

2 – A decisão das questões e incidentes suscitados não constitui, porém, caso julgado fora do processo respectivo, excepto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia.     

A par disso, o artigo 510.º, n.º 1, alínea b), correspondente ao atual art.º 595.º do CPC, estatui que:

   O despacho saneador destina-se a:

   b) – Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.    

    E a parte final do n.º 3 do mesmo normativo consigna que tal despacho, na hipótese prevista na alínea b), fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença.

    Por sua vez, o n.º 1 do artigo 671.º correspondente, no essencial ao atual artigo 619.º do mesmo Código, sob a epígrafe Valor da sentença transitada em julgado prescreve que:

Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dela nos limites fixados pelo artigo 497.º e seguintes … Têm o mesmo valor que esta decisão os despachos que recaiam sobre o mérito da causa.

   E o artigo 673.º, correspondente ao atual artigo 621.º, no que aqui releva, sob a epígrafe Alcance do caso julgado, determina que:

A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)   


    No caso dos autos, como foi dito, estava em causa a exceção perentória de caducidade do direito de investigar a paternidade, por parte do investigante, a qual se fundava na alegação de um facto extintivo do direito que a A. pretendia fazer valer através da presente ação, nos termos conjugados do artigo 342.º, n.º 2, do CC e dos artigos 487.º, n.º 2, parte final, e 493.º, n.º 3, correspondentes, respetivamente, aos atuais artigos 571.º e 576.º do CPC. 

   Nessa medida, não sofre dúvida de que a decisão que verse sobre a procedência ou improcedência de tal exceção perentória se inscreve no domínio da relação material controvertida e que pode ser proferida imediatamente no despacho saneador, se o estado do processo o permitir sem necessidade de mais provas, nos termos previstos no citado artigo 510.º, n.º 1, alínea b), correspondente ao atual art.º 595.º do CPC, ainda que, quando julgada improcedente a exceção, o processo deva prosseguir para conhecimento da existência do direito peticionado.

    No caso vertente, o tribunal da 1.ª instância concluiu pela improcedência da exceção deduzida com base em meras razões de direito, sem necessidade de prova sobre os factos para tanto alegados, assim decidindo em sede de saneador, decisão que foi mantida pelo acórdão do STJ de 20/09/2012 já transitado em julgado.

    Coloca-se então aqui a questão de saber qual o valor dessa decisão interlocutória que julgou improcedente tal exceção.


Do quadro normativo acima exposto decorre que o caso julgado material recai sobre a decisão que tenha por objeto a relação material controvertida, seja em sede de sentença, seja em sede de despacho saneador, como se alcança das disposições conjugadas dos artigos 510.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, e 671.º, correspondentes, respetivamente, aos atuais artigos 595.º e 619.º do CPC.  

Ora, segundo doutrina e jurisprudência correntes, embora a eficácia do caso julgado material incida nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença, alcança também os fundamentos e as questões que nela se entroncam enquanto limites objetivos dessa decisão, em conformidade com o preceituado no art.º 673.º, correspondente ao atual art.º 621.º do CPC, na parte em consigna que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.

Segundo os ensinamentos de Antunes Varela e outros, “a eficácia do caso julgado, como se depreende do disposto nos artigos 498.º e 96.º (CPC), apenas cobre a decisão contida na parte final da sentença (…), ou seja, a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor ou do réu, concretizada no pedido ou na reconvenção e limitada através da respectiva causa de pedir [4]. É o que se designa por “conceção restrita do caso julgado”, perfilhada na nossa lei[5].

Porém, nas palavras dos mesmos Autores, “embora se aceite que a eficácia do caso julgado não se estende aos motivos da decisão, é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado[6].

De igual modo, a força do caso julgado se estenderá às decisões das questões incidentais ou de defesa que entronquem na decisão do pleito[7].

Com efeito, as exceções perentórias traduzem-se em fundamentos da defesa suscetíveis de delimitar, negativamente, a pretensão deduzida pelo autor.

Conforme o doutrinado por Castro Mendes[8]:

  «Causa de pedir e excepções representam delimitações do pleito a decidir. Em todo o caso, há aqui uma diferença: é que a causa de pedir representa uma delimitação externa da matéria a decidir, as excepções uma delimitação interna. A causa de pedir delimita o assunto que o tribunal vai decidir, e ficará coberto pelo caso julgado; as excepções delimitam, dentro do assunto que o tribunal vai decidir, os pontos a ter em conta. E assim, produzido o caso julgado, podem-se fazer valer em nova acção outras causas de pedir não invocadas no pleito, relativas ao mesmo thema decidendum; mas não as excepções não invocadas contra a pretensão do autor.»   

Nas palavras do mesmo Autor[9], “a alegação pelo réu de uma excepção peremptória suscita no processo uma questão fundamental, preliminar em relação ao thema decidendum.” E, tendo o réu “o ónus da fundamentação exaustiva da sua defesa, em caso de rejeição desta, preclude-se a possibilidade de invocar outros meios de defesa (salvo, e em medida limitada, meios supervenientes”. Tal efeito preclusivo “apresenta-se portanto (…) como uma das bases do caso julgado material, e não como um instituto teleologicamente convergente, mas autónomo”

Nessa linha de pensamento, a procedência de uma exceção perentória determina a consequente decisão de improcedência da ação, sobre a qual se forma o caso julgado material, tendo por alcance objetivo o fundamento de procedência dessa exceção. Por sua vez, a decisão de improcedência de uma exceção perentória constitui também limite objetivo negativo do caso julgado material que se vier a formar no plano da decisão final sobre a pretensão deduzida.

    Significa isto que a decisão interlocutória que julgue improcedente uma exceção perentória, não obstante o disposto no art.º 96.º correspondente ao atual artigo 91.º do CPC, vale, desde o respetivo trânsito em julgado, com o alcance de limite objetivo, negativo, do caso julgado material que vier a recair, a final, sobre a pretensão deduzida   

    Em suma, no caso vertente, a questão da exceção de caducidade suscitada pelo R. foi decidida em sede do despacho saneador e confirmada pelo STJ por decisão já transitada em julgado, pelo que estava vedado ao juiz da sentença ocupar-se novamente dela, não incorrendo assim em vício de omissão de pronúncia e muito menos em qualquer erro de julgamento.

   Em face disso, encontra-se totalmente prejudicada a questão de fundo sobre a referida exceção.

       Termos em que improcedem as razões do recorrente.

          

IV - Decisão 

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.  

As custas do recurso ficam a cargo da Recorrente.

                           Lisboa, 26 de Março de 2015

                     

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

                           

                          Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria 

João Luís Marques Bernardo

________________
[1] Embora o acórdão do STJ aqui em referência não tenha sido junto a estes autos, o mesmo encontra-se acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[2] Também o acórdão do TC em referência não se encontra junto a estes autos, mas encontra-se acessível na Internet – http://www.tribunal constitucional.pt/tc/acordaos.
[3] O acórdão do STJ aqui em referência não foi também junto a estes autos, mas encontra-se acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.

[4] In Manual de Processo Civil, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 714/
[5] Ob. cit, p.p. 718 e 719. 
[6] Ob. cit. p. 715
[7] Vide neste sentido, acórdão do STJ, de 20/06/2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Sampaio Gomes, na Revista n.º 241/07.0TTLSB.L1.S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[8] Do Conceito de Prova em Processo Civil, Edições Ática, 1961, p. 150.
[9] In Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, páginas 174, 177 e 186.