Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P3269
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS CARVALHO
Descritores: RECURSO
RECURSO PENAL
MATÉRIA DE FACTO
FACTOS GENÉRICOS
ÓNUS DA IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: SJ20081120032695
Data do Acordão: 11/20/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário :
I - O STJ tem reafirmado que o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes é um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
II - Conhecendo-se pela fundamentação da sentença o caminho lógico que, segundo a 1ª instância, levou à condenação do recorrente, deveria este ter-se limitado a sindicar os pontos de facto que nesse percurso foram erradamente avaliados, com a indicação das provas que impunham uma decisão diversa e com referência aos respectivos suportes técnicos.
III - Por outro lado, devia ter-se abstido de sindicar os factos que, embora provados, não são penalmente relevantes, por serem suposições, factos genéricos, simples ocorrências sem relevo, próprias do desenrolar da investigação que recolheu elementos indiciários até à descoberta do facto criminal e dos seus autores.

IV - Factos como, por exemplo, o n.º 9 (Nesta altura, o então suspeito M. V. revelou-se muito cuidadoso com a organização do encontro, uma vez que, antes de se reunir com os referidos indivíduos junto à Praça de Touros, local onde manusearam alguns volumes que se encontravam na mala do veículo Citroën C15, realizaram algumas inversões de marcha e percorreram algumas das mais estreitas e pacatas ruas da localidade de Santa Eulália, procurando detectar a presença de um qualquer dispositivo policial de vigilância) são insusceptíveis de fundamentar a aplicação ao arguido de uma pena e mesmo o seu grau de participação num eventual crime, pois, na verdade, os “referidos indivíduos” não são arguidos nos autos, terão sido suspeitos na investigação policial, como se desconhece o que continham os “volumes” ali mencionados.

V - Também certas referências a “aquisição de droga”, sem outra concretização, não passam de afirmações genéricas, insusceptíveis de contradita, pois não se sabe se houve uma verdadeira aquisição, se foi de estupefacientes, quando foi feita, a quem, o que foi efectivamente adquirido, se era mesmo heroína ou cocaína, etc. Por isso, a aceitação dessas afirmações como “factos” inviabiliza o direito de defesa que assiste ao arguido e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art.º 32.º da Constituição.
VI - O Tribunal da Relação, perante essas falhas, deveria ter convidado o recorrente a aperfeiçoar as conclusões do recurso (e só destas, pois já não lhe é permitido modificar a motivação, limite absoluto que não pode ser extravasado), antes de se pronunciar, como tem sido jurisprudência constante deste STJ e do Tribunal Constitucional, para permitir um segundo grau de recurso em matéria de facto.

Decisão Texto Integral: