Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
158/09.3GBAVV-B.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: ESCUTAS TELEFÓNICAS
MÉTODOS PROIBIDOS DE PROVA
PROIBIÇÃO DE PROVA
RECURSO DE REVISÃO
Data do Acordão: 03/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO ESPAÇO - PROVA / MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA - RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS.
Doutrina:
- Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III, Lisboa, 1958, p. 36.
- Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1983, p. 302; Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, p. 7.
- Emílio Gomez Orbaneja e Vicente Herce Quemada, Derecho Procesal Penal, 10.ª Edição, Madrid, 1984, p. 317.
- Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.ª Edição, 1974 – Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, pp. 42 a 45.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, de Coimbra Editora, 2007, volume I, p. 498,
- José Maria Rifá Soler e José Francisco Valls Gombau, Derecho Procesal Penal, Madrid, Iurgium Editores, p. 310.
- Luís Osório de Oliveira Batista, no Comentário ao Código de Processo Penal Português, Coimbra Editora, 1934, 6.º volume, pp. 402-403.
- Simas Santos/Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 2.ª edição, p. 129; Recursos em Processo Penal, 7.ª edição, 2008, pp. 207, 209.
- Vicente Gimeno Sendra, Derecho Procesal Penal, Editorial Colex, 1.ª Edição, 2004, p. 769.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 6.º, 126.º, N.ºS 1 A 3, 187.º, N.º1 E N.º2, 449.º, N.º1, ALS. D) E E), 453.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 29.º, N.º6, 32.º, N.º1 E N.º8.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 376/2000, DE 13-07-2000, PROCESSO N.º 379/99-1.ª SECÇÃO, PUBLICADO IN BMJ N.º 499, P. 88.
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20-04-2005, PROCESSO N.º 135/05-3.ª, PUBLICADO IN CJSTJ, 2005, TOMO 2, P. 179.
-DE 02-04-2008, 14-05-2008, 03-09-2008, 10-12-2008, 11-02-2009, 01-07-2009, 17-09-2009, DE 24-02-2010, DE 10-03-2010, DE 19-05-2010, DE 10-03-2011, DE 07-09-2011 (TRÊS), DE 12-10-2011, DE 15-12-2011, DE 21-03-2012 (DOIS), DE 11-04-2012, DE 9-01-2013 E DE 30-01-2013, POR NÓS RELATADOS NOS RECURSOS DE REVISÃO N.º S 3182/07, 700/08, 1661/08, 3069/08, 3930/08, 319/04.1GBTMR-B.S1, 1566/03.9PALGS-A.S1, 90/08.8SJLSB-A.S1, 106/04.7TATNV.C1.S1, 281/03.8GTCTB.S1, 482/91.0GBVRM-A.S1, 717/04.0TABRG-A.S2, 22/05.5ZRFAR-B.E1.S1, 286/06.7PAPTM-C.E1.S1, 11/04.7GASJM-C.S1, 157/08.2GCACB-A.S1, 561/06.0PBMTS-A.S1, 715/07.2PPPRT.C-S1, 365/11.9PULSB-A.S1, 709/00.9JASTB-J.S1 E 2/00.7TBSJM-A.S1.
-DE 10-03-2011, PROCESSO N.º 482/91.0GBVRM-A.S1, DE 07-09-2011 (TRÊS), DE 12-10-2011, DE 21-03-2012 (DOIS), DE 11-04-2012, PROCESSOS N.º 717/04.0TABRG-A.S2, N.º 22/05.5ZRFAR-B.E1.S1, N.º 286/06.7PAPTM-C.E1.S1, N.º 11/04.7GASJM-C.S1, N.º 561/06.0PBMTS-A.S1, N.º 715/07.2PPPRT.C-S1, N.º 365/11.9PULSB-A.S1, E JÁ POSTERIORMENTE À ENTRADA DO PRESENTE RECURSO DE REVISÃO, NOS ACÓRDÃOS DE 9-01-2013, PROCESSO N.º 709/00.9JASTB-J.S1 E DE 30-01-2013, PROCESSO N.º 2/00.7TBSJM-A.S1.
-DE 24-04-2008, PROCESSO N.º 4373/07-5.ª SECÇÃO; DE 11-02-2009, PROCESSO N.º 4215/04 - 3.ª SECÇÃO; DE 17-09-2009, PROCESSO N.º 1566/03.9PALGS-A.S1- 3.ª SECÇÃO; DE 28-10-2009, PROCESSO N.º 109/94.8TBEPS-A.S1 - 3.ª SECÇÃO ; DE 26-11-2009, PROCESSO N.º 103/01.4TBBRG-G.S1 - 5.ª SECÇÃO; DE 8-04-2010, PROCESSO N.º 12749/04.4TDLSB-A.S1- 5.ª SECÇÃO; DE 24-03-2011, PROCESSO N.º 520/00.7TBABT-B.S1 - 3.ª SECÇÃO; DE 18-05-2011, PROCESSO N.º 140/05.0JELSB-N.S1 - 3.ª SECÇÃO; DE 20-10-2011, PROCESSO N.º 665/08.5JAPRT-E.S1 - 3.ª SECÇÃO; DE 2-05-2012, PROCESSO N.º 177/03.3GGLSB-B.S1 - 3.ª SECÇÃO; DE 09-01-2013, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 709/00.9JASTB-J.S1; DE 03-10-2012, PROCESSO N.º 379/10.6GACSC-B.S1-5.ª SECÇÃO; DE 05-07-2012, PROCESSO N.º 911/10.5TBOLH.E1.S1-5.ª.
Sumário :
I - A jurisprudência do STJ tem vindo a pronunciar-se de modo uniforme no sentido de que as provas proibidas, a que alude a al. e) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, devem ter sido descobertas já depois da decisão a rever.

II - No caso, a utilização de métodos de prova alegadamente proibidos nada tem de novo, pois desde a data da prática dos factos que o recorrente tinha conhecimento que o seu telefone estava ligado a uma rede espanhola e tendo ficado inteirado das escutas desde a data em que conheceu a acusação, nunca colocou a questão da invalidade do despacho do JIC que ordenou as escutas, nem nos recursos anteriores foi suscitada tal nulidade.

III - Como o uso e a valoração das provas alegadamente proibidas não relevam nesta sede de revisão de sentença, pois que não foram descobertas posteriormente à decisão condenatória, é de julgar improcedente o recurso interposto pelo condenado.
Decisão Texto Integral:        
No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 158/09.3GBAVV, do Tribunal Judicial da Comarca de Arcos de Valdevez, integrante do Círculo Judicial de Viana do Castelo, foi submetido a julgamento, para além de outros oito arguidos, AA, identificado nos autos.

        Por acórdão do Colectivo competente, datado de 27 de Janeiro de 2011, constante de fls. 101 a 133 deste processo, escusadamente repetidas de fls. 134 a 166, foi deliberado, condenar o arguido em referência, pela autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, com referência às Tabelas I-B e I-C, anexas ao mesmo diploma, na pena de 8 anos de prisão, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 7 meses de prisão, e realizado o cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos e 4 meses de prisão.

        O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que por acórdão de 11-07-2011, constante de fls. 167 a 218, julgou improcedente o recurso interposto por este arguido e manteve o acórdão condenatório.

        De novo inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que pelo acórdão de 23-11-2011, constante de fls. 219 a 237, julgou improcedente o recurso e manteve o acórdão confirmatório, o qual transitou em julgado em 12-12-2011, conforme a certidão de fls. 100.

                                                           *****    

      O arguido interpôs o presente recurso extraordinário de revisão em 29 de Agosto de 2012, apresentando a motivação de fls. 2 a 99, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição integral, incluindo realces):

a) O direito à revisão de sentença encontra consagração constitucional no artigo 29.° da Constituição da República Portuguesa, versando em concreto sobre «Aplicação da lei criminal», no domínio dos direitos, liberdades e garantias, exactamente inserido no Título II, subordinado à epígrafe “Direitos, liberdades e garantias”, e a partir da primeira revisão constitucional - Lei Constitucional n.° 1/82, de 30 de Setembro -, no Capítulo I, sob a epígrafe "Direitos, liberdades e garantias pessoais".

b) Através do mecanismo processual da revisão de sentença, procura-se alcançar a justiça da decisão: “Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e, através dela, a justiça, o legislador tem que escolher. O grau em que sobrepõe um ao outro é questão de política criminal. Variam as soluções nas diferentes legislações. Mas o que pode afirmar-se resolutamente é que em nenhuma se adoptou o dogma absoluto do caso julgado frente à injustiça patente, nem a revisão incondicional de qualquer decisão transitada. Se aceitamos pois, como postulado, que a possibilidade de rever as sentenças penais deve limitar-se, a questão que doutrinalmente se nos coloca é onde colocar o limite” - Emílio Gomez Orbaneja e Vicente Herce Quemada, Derecho Procesal Penal, 10.a Edição, Madrid, 1984, pág. 317 (a autoria do capítulo respeitante aos recursos é do 1.° Autor).

c) Mais do que meros interesses individuais, são ponderosas razões de interesse público que ditam a existência desta última garantia, cuja teleologia se reconduz em fazer prevalecer a justiça (material, real ou extraprocessual), sobre a segurança jurídica -José Maria Rifa Soler e José Francisco Valls Gombau, Derecho Procesal Penal, Madrid, Iurgium Editores, pág. 310.

d) A Lei n.° 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007, introduziu três novas alíneas ao n.° 1 do referido artigo 449.°, com a redacção seguinte:

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.°s 1 a 3 do artigo 126.°;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça".

(O preceito em causa tem-se mantido inalterado nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal operadas pelo Decreto-Lei n.° 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.° 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.° 115/09, de 12 de Outubro e pela Lei n.° 26/2010, de 30 de Agosto).

e) As escutas telefónicas constituindo, embora, um meio de obtenção de prova, não deixam de ser simultaneamente um meio de prova, dado que regularmente efectuadas uma vez transcritas no processo passam a constituir prova documental.

f) Os novos casos de revisão incluídas no CPP, operada pela penúltima alteração, não são mais do que a consagração legal de soluções há muito existentes no direito comparado (Art.°. 449°., n.°1 al. e) f) e g) do CPP) ou, pelo menos defendidas pela doutrina mais reputada (Art.°. 449°., n.°1 al. e) e f) do CPP) ou pela jurisprudência (art°. 449°., n°. 1 ai. f) do CPP.

g) O acórdão agora objecto do recurso de revisão, na sua fundamentação, socorreu-se de provas proibidas nos termos do artigo 126°, n.° 3 do CPP, sendo este o argumento que o requerente/arguido AA se socorre para levar a V.Ex.as., Senhores Conselheiros, o presente recurso de revisão. (Art.°. 449°., n.° 1 al. e) do CPP).

h) A violação de proibições de prova, constitui o primeiro e - no contexto do direito comparado - o mais inovador dos novos casos de revisão. Integrando a reabilitação contemporânea dos errores in procedendo_ e o consequente renascimento da velha querela mulitatis medieval, o reconhecimento crescente do imprescindível contributo da bondade do processado para a bondade do resultado final e seguindo as propostas da doutrina nacional e internacional, o legislador consagrou, finalmente, mais esta causa legal de quebra do caso julgado.

i) Na doutrina nacional, a consagração de uma causa de revisão que incluísse a violação de proibições de prova, era há muito, reclamada. Era o caso de José Manuel Damião da Cunha, no livro “O caso julgado., p. 771; Paulo Sousa Mendes in “ O Processo Penal p. 100/101; e depois, no livro "As Proibições de Prova..., p. 151; Francisco Aguilar, “Dos conhecimentos fortuitos...,p. 89, nota 365).

j) A escuta telefónica é, um meio de obtenção de prova cujo regime jurídico se encontra consagrado nos artigos 187.° e 188.° do Código de Processo Penal, e utilizado no decurso de um processo penal, com o fim de recolher provas da prática de crimes de especial gravidade, limitativo dos direitos fundamentais dos cidadãos, e como tal objecto de prévia autorização ou ordem do Juiz de Instrução Criminal.

k) As escutas telefónicas só são legítimas quando a intercepção e gravação são realizadas pelos OPCS, com ordem ou autorização do juiz. E por conseguinte, as referidas autoridades públicas têm de respeitar os requisitos e condições de admissibilidade previstos na lei, legitimadores deste meio de obtenção de prova.

l) O impetrante deste recurso de revisão invoca que as escutas telefónicas que foram autorizadas pelo juiz de instrução e usadas na fundamentação do acórdão condenatório ao seu número de telefone com um número de uma operadora espanhola estão feridas de nulidade, pois que se trata de um telefone espanhol, com utilização e facturação sedeadas em Espanha e que, portanto, o senhor Juiz de Instrução não era competente para autorizar as respectivas escutas, as quais apenas poderiam ser legalmente autorizadas na sequência da formalização de um pedido de auxílio judiciário internacional, designadamente, por aplicação do disposto nos artigos 17° a 20° da Convenção Relativa ao Auxílio Mútuo em Matéria Penal entre os Estados Membros da União Europeia, concluída em 2000.

m) Assim, as chamadas efectuadas de e para o telefone em causa e “usadas” para fundamentar a decisão condenatória contra o aqui requerente/arguido deviam ser declaradas sem qualquer valor probatório, nos termos do disposto art.° 126.°, n.° 3, do CPP.

n) Com efeito, o acto de ordenar as referidas escutas telefónicas ao arguido AA, pelo Juiz de Instrução, foi praticado sem apoio de tratado, convenção ou regra internacional (cf. art.° 6.° da citada convenção).

o) Na prática, as escutas acima referidas, foram realizadas sem despacho judicial válido, porque quem ordenou tais escutas telefónicas, não tinha competência [absoluta] para o fazer.

p) A utilização das escutas acima referidas como meio de prova elevou-a à categoria de prova proibida.

q) Saber quando é que um facto ou uma prova são novos continua, ainda hoje, a depender da corrente interpretativa adoptada pelo juiz e, muitas vezes, corresponde a um claro arbítrio do poder judicial (Neste sentido Von KARNEBEEK “on parle de fait nouveau mais rien nest plus difficile à definir” e Meyer, JURGEN, Zum Begriff...p. 7 e KAUFMANN, INKA..., Baden, Baden, Nomos, 2005, p. 146).

r) Esta é a grande questão que a determinação do âmbito normativo da revisão propter nova convoca, ou seja, a da novidade dos elementos apresentados.

s) Entre nós, apesar da incompreensível limitação constante do Art.°. 453°., n.°2, do CPP, parece estar, há muito, consolidado - quer no seio da doutrina, quer junto da jurisprudência - o entendimento segundo o qual, para efeitos de revisão, o novum é, pelo menos, constituído pela prova noviter producta. Nas paradigmáticas e credíveis palavras de EDUARDO CORREIA, «não deixam na revisão de ser novos os factos ou elementos de prova pela circunstância de serem conhecidas ou poderem ter sido deduzidos pelo réu na altura própria do processo: ponto é, tão só, que tivessem sido ignorados pelos juízes». É que «seria inadmissível fazer perder a honra ou a liberdade a um inocente, só porque ele não contrariou por todos os meios ao seu alcance a injustiça da acusação de que foi alvo... A culpa ou responsabilidade do condenado na condução do processo e, portanto, no erro judiciário poderá, de facto, importar, nos termos gerais, consequências sobre a indemnização patrimonial que, de outra forma, lhe seria devida, nunca, porém, transformar um inocente em criminoso». Da mesma forma, segundo MANUEL CAVALEIRO DE FERREIRA: «a omissão de apresentação de testemunhas de defesa, não é nunca motivo de rejeição duma revisão. Seria absurdo. Não o é, se a omissão se deve ao defensor, e não ao arguido. E não o é, se se deve ao arguido, na medida em que a deficiência involuntária ou voluntária da defesa acarreta como resultado uma sentença injusta. Nenhuma omissão processual pode ser punida com uma condenação injusta». Ponto é, tão só, repetindo as palavras de EDUARDO CORREIA, que tenham sido ignoradas pelos juízes.

t) Em abono desta tese mais generosa (para efeitos de revisão o novum equivale à prova noviter cognita) costuma alegar-se, desde logo, que nos sistemas processuais concretos, o carácter acusatório ou inquisitório é um valor que só, tendencialmente, é realizado e que, por isso, deverá ser procurado e analisado com consciência das suas limitações.

De uma determinada estrutura processual penal, não poderíamos retirar consequências tão drásticas para a justiça individual, em particular, quando - como acontece em Portugal - está em causa o direito fundamental à revisão da sentença penal condenatória injusta (Art.°. 29°., n.°6, da CRP). O desejável cunho acusatório do processo, incluindo da revisão, não pode precludir o exercício desse direito fundamental. O acusatório, enquanto forma historicamente concebida para uma melhor prestação do arguido, não se pode virar contra ele, deixando-o numa situação pior do que aquela em que ele estaria, se tivesse sido escolhida outra dinâmica processual: é uma garantia de defesa que foi pensada para proteger o arguido e não para o prejudicar. «a justiça prima e sobressai acima de todas as demais considerações, o direito não pode querer e não querer a manutenção duma condenação, em homenagem á estabilidade de decisões judiciais, a garantia dum mal invocado prestígio ou infalibilidade do juízo humano, à custa de postergação de direitos fundamentais dos cidadãos, transformados então cruelmente em vítimas ou mártires duma ideia mais do que errada, porque criminosa da lei e do direito.

Acresce que a estrutura acusatória do processo não implica, necessariamente, a disponibilidade da prova e, muito menos, a possibilidade do seu efectivo exercício.

u) Entre nós - como na generalidade dos sistemas europeus continentais - não funciona um sistema de contraditório puro, que, com inteira passividade de um juiz árbitro, reconheça uma verdade formal, resultante da mera vontade das «partes» e imponha verdadeiros ónus ou preclusões de prova. A inexistência de mecanismos legais, que tutelem as investigações privadas efectuadas pelo defensor ou pelas partes impede o exercício do direito de se defender provando e vicia as bases de um efectivo contraditório.

v) Investigar a responsabilidade do condenado na omissão da produção de provas essenciais à sua própria absolvição não seria, em termos práticos, uma tarefa fácil. A culpa tanto pode resultar de uma conduta do próprio arguido que, de forma consciente ou inconsciente, adultera ou omite factos ou provas essenciais para a sua defesa, como do seu defensor que, por erro de cálculo ou mesmo negligencia no patrocínio, adopta uma estratégia processual incorrecta. Aliás, não seria difícil contornar o obstáculo, solicitando ao Ministério Público a invocação oficiosa do erro.

w) A própria raiz inquisitória da revisão (recuperar os instrumentos gnoseológicos perdidos pelo juiz) parece ser um argumento suplementar para a aceitação generalizada da prova noviter cognita como novum e confirma o dever judicial de proferir uma decisão justa, independentemente do bom uso que o condenado tenha feito dos seus poderes probatórios. Depois de comprovada a injustiça, deixa de ser importante descobrir quem é o responsável: importa apenas eliminá-la. Não está só em causa um interesse privado. O Ministério Público também deve - em representação do interesse público - requerer a revisão contribuir para a reposição da justiça. A responsabilidade do erro não pode ser, exclusivamente, empurrada para cima do mais fraco: o condenado.

x) Restringir, aquela orientação aos casos em que o arguido conhece os factos ou as provas, mas desconhece a sua relevância para o julgamento, em que por um qualquer motivo atendível os despreza apesar de serem importantes ou em que está impossibilitado de os apresentar, é esquecer o principal: a indisponibilidade dos interesses em causa. Ninguém tem o direito de se deixar condenar. Segundo a lúcida e feliz síntese do Supremo Tribunal de Justiça, redigida há mais de sessenta anos, mas ainda actual, “ no processo civil, estão em causa direitos que podem ser renunciados, e que, portanto, o seu titular pode, facultativamente defender ou deixar de defender. Mas aqui, no processo penal, domina o interesse social e está em causa a liberdade individual, da qual ninguém pode voluntariamente privar-se, com ou sem o propósito de favorecer o verdadeiro culpado”. Mas a manutenção de uma condenação injusta também é uma " situação extremamente violenta do ponto de vista jurídico" cfr Processo 07P4840, acessível em www.dgsi.pt e Acórdão de 8 de Março de 1940, RT(1940), p. 153.

y) A consagração da revisão da sentença penal condenatória, nos casos de utilização de métodos proibidos de prova (Art.°. 449°., n.° 1, al. e), do CPP) ou de sentença vinculativa do Estado português, proferida por uma instância internacional que seja inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça (Art.°. 449°., n.°1, al. g), do CPP) nomeadamente por violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (v.g. o seu Art.°. 6º.) ou do direito comunitário, só veio reforçar este entendimento.

z) Por tudo exposto, considera o arguido, requerente deste recurso de revisão, que se encontram preenchidos todos os pressupostos para o mesmo ser admitido e julgado procedente.

aa) O acórdão agora objecto de revisão, violou o preceituado nos artigos 126.°, n.° 3 e 187°. ambos do CPP.

      Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por decisão que decida em conformidade com as conclusões alinhadas e a fundamentação das mesmas contidas nestas alegações.

                                                              *******

     O Ministério Público junto do Tribunal a quo apresentou resposta, nos termos constantes de fls. 239 a 243, concluindo:

I - Vem o presente recurso de revisão, interposto com fundamento no art° 449°, n° 1, als e) e g) do CPP.

II - O juiz deste processo que autorizou as escutas telefónicas usadas como meio de prova que fundamentaram a condenação do ora recorrente, tinha competência para autorizar tais conversações, como claramente resulta do disposto no art° 187°, n° 2, do CPP.

III - Com efeito, verifica-se qualquer um dos pressupostos aí previstos - o local onde foram feitas as intercepções e a sede da entidade que investigou - ambos sitos em Portugal.

IV - Não se mostra, assim, verificado, nem de facto nem de direito, manifestamente, o pressuposto de revisão previsto no art° 449°, n° 1, al. e).

V - Também não se vislumbra qualquer aplicabilidade da al. g) do mesmo artigo atrás citado ao caso concreto dos autos, uma vez que nenhuma decisão de instância internacional existe.

VI - Acresce que, em nosso entender, mesmo que, por mera hipótese, se admitisse - o que não é o caso - que havia incompetência do juiz português quanto à autorização das escutas, nem assim se verificaria o uso de prova proibida, pois estes meios de provas são admissíveis, quer em Portugal quer em Espanha.

VII - A justeza e legalidade da decisão mantém-se intocada.

VII - Os meios de prova usados para fundamentar a condenação do arguido são legítimos e foram legalmente autorizados pela autoridade judicial competente.

VIII - Não se mostram violados o disposto no art° 126°, n° 3 e 187°, do CPP.

Termos em que, nestes e nos demais de direito, deve o presente recurso de revisão ser julgado totalmente improcedente.

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     Seguidamente, o Exmo. Juiz do Tribunal “a quo” lavrou informação, nos termos do artigo 454.º do Código de Processo Penal, a fls. 244, nestes termos:

      “AA, condenado nos autos do processo à margem referenciados, veio apresentar recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido nos autos, ao abrigo do disposto na alínea e), do n.° 1, do artigo 449.° do Código de Processo Penal.

     O Recorrente fundamentou o seu recurso nos termos exarados na Ref. 249341, que aqui se considera integralmente reproduzidos. (…).

      O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto, tudo nos termos exarados na Ref. 249887, que aqui se considera integralmente reproduzida.

     Não foi requerida a produção de qualquer prova nem tal se afigura pertinente, atento o disposto no o artigo 453.°, do Código de Processo Penal.

      Analisados os fundamentos do recurso apresentado e as respectivas conclusões entendemos que o mesmo deve manifestamente improceder, tal como refere o Ministério Público em resposta doutamente fundamentada. A tramitação dos autos obedeceu ao legalmente estatuído, nomeadamente, no que ao caso interessa, ao disposto no artigo 187.°, n.° 2 do Código de Processo Penal.

       Em face do exposto, é nosso entender que é manifesto que deve improceder o pedido de revisão (…)”

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    A Exma. Procuradora-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, a fls. 255, escreveu: “Visto (nada a acrescentar ao entendimento já defendido pelo Ministério Público)”.      

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    Colhidos os vistos, realizou-se a conferência a que alude o artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

    O objecto do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas da motivação apresentada pelo recorrente, não havendo neste recurso extraordinário lugar, por razões óbvias (em causa está apenas a fixação da matéria de facto), a qualquer conhecimento oficioso.

     Questão a apreciar.

     A única questão a apreciar prende-se com a aferição da verificação do fundamento de admissibilidade da revisão de sentença previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal – utilização de provas proibidas –, sendo este o fundamento em que o requerente fundamenta o pedido; a referência à alínea g) do mesmo preceito na conclusão y) é apenas instrumental, de carácter argumentativo, não se verificando de todo no caso presente.

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     Como dizia Luís Osório, Comentário ao Código de Processo Penal, volume VI, pág. 403, versando a revisão sempre sobre a questão de facto, visa-se pela mesma não um reexame nem uma reapreciação de anterior julgado, mas, sim e antes, uma nova decisão assente em novo julgamento do feito com apoio em novos dados de facto, “não se trata de uma revisão do julgado, mas de um julgado novo sobre novos elementos”.
     A revisão versa apenas sobre a questão de facto, como concluem LH-SS, Recursos em Processo Penal, 7.ª edição, 2008, p. 209.
     Vejamos a matéria de facto dada por provada, tal como emerge do acórdão condenatório.

       Factos provados

      (Segue-se a transcrição apenas dos factos referentes ao ora recorrente, uma vez que a sua conduta, para além de posse de arma proibida, se circunscreveu a venda de haxixe e cocaína a BB, conforme fls.10/6 do acórdão, aqui fazendo fls. 110/6).

     Foi dado por assente:     

     «(...) Desde data não concretamente apurada de 2008 até 1 de Setembro de 2009, o arguido BB adquiriu ao arguido AA, por diversas vezes, a troco de dinheiro, quantidades concretamente não apuradas de cocaína e de haxixe. O arguido BB destinava tais estupefacientes a revenda (...).

     Para aquele negócio, o arguido BB contactava pelo seu aludido telemóvel o arguido AA (que tinha o número da rede espanhola, XXXXXXXXXX), e encontravam-se em locais que combinavam, em Monção, geralmente ermos, como em Calvário, Poutadas, na lixeira desactivada e junto ao cemitério de Mazedo.

     No dia 1 de Setembro de 2009, foram apreendidos ao arguido AA um saco com 1,039 g de cocaína, um saco com 12,284 g de cocaína, uma balança digital, um telemóvel “Nokia” n° XXXXXXXXXX, € 3.200,00 em notas do Banco Central Europeu, o veículo automóvel “Audi” XX-XX-XX e uma espingarda marca “Canna Cromata”, n.° 92938.

     O arguido AA pretendia vender aquela cocaína.

     O veículo automóvel apreendido ao arguido AA, de sua propriedade, era por ele usado nas deslocações para os locais onde efectuava os aludidos negócios de compra e venda de estupefacientes com o arguido BB.

     O dinheiro apreendido ao arguido AA era fruto da venda de estupefacientes. Os demais objectos que lhe foram apreendidos eram essenciais para a actividade de preparação, acondicionamento e venda de estupefacientes, sendo a balança para a respectiva pesagem.

     A espingarda apreendida ao arguido AA, da classe D, não se encontrava manifestada ou registada em seu nome, e o mesmo não tinha licença para detenção ou uso e porte de arma. (...)

    Todos os arguidos actuaram querendo e sabendo que, com as descritas condutas, distribuíam, cediam, proporcionavam a outrem e compravam, com o objectivo de vender a quem lhes aprouvesse e aparecesse, os produtos estupefacientes em causa, o que fizeram com intuitos lucrativos e egoísticos, cientes de que tal não lhes era legalmente permitido e que a mera detenção de droga é punível por lei, pois não eram possuidores de qualquer autorização legal para o efeito.

     Os arguidos BB e AA sabiam que a detenção daquelas armas de fogo carecia de autorização legal, e deliberadamente omitiram o cumprimento dessa obrigação.

     Todos os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei. (...)

     O arguido AA ganha € 1.200,00 por mês como empresário de construção civil, a companheira está desempregada e vivem em casa própria, com dois filhos menores. Na sua freguesia, é tido como trabalhador.

     Os arguidos (...) e AA não têm antecedentes criminais. (...)».

   Factos não provados

   Quanto ao arguido AA, foi dado por não provado:

«que os adquirentes da cocaína apreendida ao arguido fossem em número indeterminado;

que o arguido seja consumidor ocasional de cocaína e de haxixe;

que os produtos estupefacientes por si adquiridos se destinassem ao seu consumo;

que o arguido tenha herdado a arma apreendida de seu pai, e que a utilizasse ocasionalmente na caça».

       Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto consta:

       «O tribunal assentou a sua convicção na análise crítica de toda a prova produzida, à luz das regras da experiência comum; concretizando esta afirmação, cabe referir que, ao contrário das habituais dificuldades de apuramento dos factos neste tipo de crime, a investigação policial aqui levada a cabo - com destaque para as vigilâncias, articuladas em tempo real com as escutas telefónicas - e a desassombrada prova testemunhal dos compradores "a retalho" dos estupefacientes permitiu aos julgadores ficarem com uma visão clara, sem hiatos e dinâmica, dos factos tal como constam da matéria provada. (...)

      As intervenções de vários agentes da autoridade foram explicadas nos respectivos depoimentos, que esclareceram as circunstâncias em que ocorreram as diligências por eles efectuadas: (...) CC (da vigilância de fls. 1767 e das buscas e apreensões ao arguido AA, de fls. 535/536 e 552/553) (...)

      Foram também úteis, para concluir dos resultados das buscas e apreensões e chegar à identificação dos objectos e produtos encontrados, os demais elementos que aqueles agentes recolheram nas referidas diligências, como fotografias e exames dos objectos apreendidos, testes rápidos aos produtos estupefacientes, documentos e registo de veículos usados pelos arguidos, leitura da memória de telemóveis dos buscados (sublinhado nosso) e documentos bancários (fls. 11 a 13 do apenso ao vol. 1 e, nos autos principais, fls. 9,10,17 a 19, 21/22,27-A, 42, 43, 101, 201, 268, 269, 273, 319, 482 a 487, 495 a 509, 515, 519 a 528, 537/538, 543 a 545, 559 a 570, 573,604 a 613,661 a 663, 910,1072 a 1075,1120 a 1126 e 1748 a 1751). (...)

     Foram ainda de grande utilidade, porque abundantemente ilustrativas da forma como os arguidos desenvolviam a actividade, a sua frequência e a sua clientela, todas as conversações e comunicações transcritas nos apensos de escutas. (...)

     Revelam também grande grau de organização - já nem precisando de mencionar as substâncias (resultando serem duas diferentes - haxixe e cocaína - das conversas entre ambos e dos produtos vendidos pelo arguido BB) ou os locais de encontro, e sendo até, muitas vezes, o vendedor (o arguido AA) que telefona ao comprador (o arguido BB), o que demonstra um cálculo do ritmo das vendas aos consumidores e, consequentemente, da necessidade de nova droga – os contactos abundantes (ao longo de menos de um mês!), a horas desencontradas e nunca sem resultados (mostrando que era fácil arranjar o “produto”) entre os arguidos BB e AA (no apenso 7, a fls. 51, 62/63,75/76,111,112/113,132, 225/226, 229, 233,247/248 - ficando demonstrado que a entrega se concretizou a fls. 249/250 - 266, 270, 271, 291, 313, 315, 323, 324 e 325).

     O depoimento do investigador DD, (…), serviu, enquanto sustentado, nas vigilâncias e nas escutas (em relação às quais explicitou o significado dos termos de gíria usados para designar os estupefacientes), para situar toda a actividade dos arguidos e a concatenação entre eles, já patente na análise das escutas pelo tribunal: (...) e o fornecimento, pelo arguido AA, de cocaína e de haxixe ao arguido BB

      Apreciando.
    Como nota introdutória, dir-se-á que a presente pretensão recursiva reporta-se a condenação transitada em julgado em 12-12-2011, alegadamente injusta, por factos ocorridos entre data não concretamente apurada de 2008 até 1 de Setembro de 2009.
   
      Vejamos se no caso concreto se justifica a invocação do fundamento de revisão previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal.
     
      Na exposição introdutória que se fará, seguir-se-á de muito perto o que se contém nos acórdãos de 02-04-2008, 14-05-2008, 03-09-2008, 10-12-2008, 11-02-2009, 01-07-2009, 17-09-2009, de 24-02-2010, de 10-03-2010, de 19-05-2010, de 10-03-2011, de 07-09-2011 (três), de 12-10-2011, de 15-12-2011, de 21-03-2012 (dois), de 11-04-2012, de 9-01-2013 e de 30-01-2013, por nós relatados nos recursos de revisão n.º s 3182/07, 700/08, 1661/08, 3069/08, 3930/08, 319/04.1GBTMR-B.S1, 1566/03.9PALGS-A.S1, 90/08.8SJLSB-A.S1, 106/04.7TATNV.C1.S1, 281/03.8GTCTB.S1, 482/91.0GBVRM-A.S1, 717/04.0TABRG-A.S2, 22/05.5ZRFAR-B.E1.S1, 286/06.7PAPTM-C.E1.S1, 11/04.7GASJM-C.S1, 157/08.2GCACB-A.S1, 561/06.0PBMTS-A.S1, 715/07.2PPPRT.C-S1, 365/11.9PULSB-A.S1, 709/00.9JASTB-J.S1 e 2/00.7TBSJM-A.S1.

     Com o presente recurso pretende o recorrente se autorize a revisão do acórdão condenatório, transitado em julgado, proferido no processo principal.
    Consiste a revisão num meio extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento.
    Como se assinala no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/2000, de 13-07-2000, proferido no processo n.º 379/99-1.ª secção, publicado in BMJ n.º 499, pág. 88, trata-se de recurso com uma natureza específica, que no próprio plano da Lei Fundamental se autonomiza do genérico direito ao recurso garantido no processo penal pelo artigo 32.º, n.º 1. 
    O direito à revisão de sentença encontra consagração constitucional no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, versando em concreto sobre «Aplicação da lei criminal», no domínio dos direitos, liberdades e garantias, exactamente inserido no Título II, subordinado à epígrafe “Direitos, liberdades e garantias”, e a partir da primeira revisão constitucional - Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro -, no Capítulo I, sob a epígrafe “Direitos, liberdades e garantias pessoais”.
    Trata-se de preceito que contém o essencial do “regime constitucional” da lei criminal. 
    Releva para o nosso caso, o n.º 6 deste preceito, que reconhecendo e garantindo o direito a revisão, estabelece: “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos”.
    Este n.º 6, acrescentado ao artigo 29.º pela Lei Constitucional n.º 1/82, mais não é do que a reprodução do n.º 2 do primitivo artigo 21.º da Constituição da República, inserto então em norma que versava sobre “Responsabilidade civil do Estado”, procurando responder a reparação de caso de erro judiciário, fora do plano da prisão preventiva ilegal ou injustificada, e constante já do artigo 2403.º do Código Civil de 1867 e do artigo 690.º do Código de Processo Penal de 1929, no que respeita ao plano específico da “indemnização ao réu absolvido” (a revisão era então versada nos artigos 673.º a 700.º).
    O aludido n.º 6 reconhece e garante: (a) o direito à revisão de sentença; e b) o direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos no caso de condenações injustas.
     Como se pode ler em Constituição da República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, Coimbra Editora, 2007, volume I, pág. 498, «É um caso tradicional de responsabilidade do Estado pelo facto da função jurisdicional o ressarcimento dos danos por condenações injustas provadas em revisão de sentença».
    Através do mecanismo processual da revisão de sentença, procura-se alcançar a justiça da decisão: “Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e, através dela, a justiça, o legislador tem que escolher. O grau em que sobrepõe um ao outro é questão de política criminal. Variam as soluções nas diferentes legislações. Mas o que pode afirmar-se resolutamente é que em nenhuma se adoptou o dogma absoluto do caso julgado frente à injustiça patente, nem a revisão incondicional de qualquer decisão transitada. Se aceitamos pois, como postulado, que a possibilidade de rever as sentenças penais deve limitar-se, a questão que doutrinalmente se nos coloca é onde colocar o limite” – Emílio Gomez Orbaneja e Vicente Herce Quemada, Derecho Procesal Penal, 10.ª Edição, Madrid, 1984, pág. 317 (a autoria do capítulo respeitante aos recursos é do 1.º Autor).
    Mais do que meros interesses individuais, são ponderosas razões de interesse público que ditam a existência desta última garantia, cuja teleologia se reconduz em fazer prevalecer a justiça (material, real ou extraprocessual), sobre a segurança jurídica – José Maria Rifá Soler e José Francisco Valls Gombau, Derecho Procesal Penal, Madrid, Iurgium Editores, pág. 310.
    Admitindo que a sentença judicial não tem o alcance de modificar a realidade do direito substantivo, transformando por misericordiosa ficção o injusto em justo, deverá tirar-se a consequência de que nenhuma decisão judicial seria definitiva e irrevogável.
    Contra esta consequência se move, porém, a necessidade de segurança jurídica que, em largo limite, assim é chamada a restringir a justiça – Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III, Lisboa, 1958, pág. 36; de modo concordante, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.ª Edição, 1974 – Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, págs. 42 a 45.
    A reparação da decisão, condenatória ou absolutória, reputada de materialmente injusta, pressupõe que a certeza, a paz e a segurança jurídicas que o caso julgado encerra (a justiça formal, traduzida em sentença transitada em julgado), devem ceder perante a verdade material; por esta razão, trata-se de um recurso marcadamente excepcional e com fundamentos taxativos – Vicente Gimeno Sendra, Derecho Procesal Penal, Editorial Colex, 1.ª Edição, 2004, pág. 769.
    Conforme escreveu Eduardo Correia, in A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1983, pág. 302, “o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto” (em registo semelhante ver, do mesmo Autor, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, pág. 7).
    Figueiredo Dias (loc. cit., pág. 44) afirma que a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, “o que não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser, só, no fundo, a força da tirania”.
    Nas palavras de Luís Osório de Oliveira Batista, no Comentário ao Código de Processo Penal Português, Coimbra Editora, 1934, 6.º volume, págs. 402-403: “O princípio da res judicata pro veritate habetur é um princípio de utilidade e não de justiça e assim não pode impedir a revisão da sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos de alcançar. (…) A revisão tem a natureza de um recurso. (…) A revisão é um exame do caso quando surgem novos e importantes elementos de facto. Pode assim dizer-se que se não trata de uma revisão do julgado, mas de um julgado novo sobre novos elementos”.
    Para Simas Santos/Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 2.ª edição, pág. 129, o legislador, “com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”, consagrou a possibilidade de revisão das sentenças penais, limitando a respectiva admissibilidade aos fundamentos taxativamente enunciados no art. 449.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
    Segundo os mesmos Autores, in Código de Processo Penal Anotado, II volume, págs. 1042/3, e Recursos em Processo Penal, 7.ª edição, 2008, p. 207 “O recurso extraordinário de revisão apresenta-se como um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”.
    Nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-04-2005, processo n.º 135/05-3.ª, publicado in CJSTJ, 2005, tomo 2, pág. 179, o recurso extraordinário de revisão consagrado no artigo 449.º e seguintes do CPP apresenta-se como uma válvula de segurança do sistema, modo de reparar o erro judiciário cometido, sempre que, numa reponderação do decidido, possa ser posta em causa, através da consideração de factos-índice, taxativamente enumerados naquele normativo, seriamente a justiça da decisão ou do despacho que ponha termo ao processo.
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    Nos termos do artigo 449.º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto:
    1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
    a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
    b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
    c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
    d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

    A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007, introduziu três novas alíneas ao n.º 1 do referido artigo 449.º, com a redacção seguinte:
    e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;
    f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
    g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça”.
    (O preceito em causa tem-se mantido inalterado nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/09, de 12 de Outubro e pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto-19.ª alteração).

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    O recorrente invoca, como fundamento da pretendida revisão, a alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal.
    Cumpre aferir se o caso presente integra o fundamento de revisão de sentença assinalado, indagando se estamos face a recurso a meios proibidos de prova.
   
    
         Questão única – Do fundamento de revisão previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal – recurso a provas proibidas

      Relembrando, estabelece o artigo 449.º do CPP no n.º 1, alínea e), que a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.º s 1 a 3 do artigo 126.º.

     Estabelece o artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República:

     São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
   Estabelece o artigo 126.º do Código de Processo Penal (Métodos proibidos de prova):

1 – São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.

2 – São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:

a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;

 b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;

c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;

d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;

e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.

3 – Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
4 – Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo.

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     O fulcro do recurso é a alegada violação de proibição de prova, no domínio das escutas telefónicas, o que é expresso nas conclusões e), g) a p), maxime, l), m), n), o) e p), e concretizando o recorrente na conclusão aa) a violação do preceituado nos artigos 126.º, n.º 3 e 187.º do CPP.

 

      Defende o recorrente que a decisão da primeira instância ao apoiar-se nas escutas telefónicas realizadas sem despacho judicial válido, usou uma prova proibida por lei.

      O núcleo da argumentação do recorrente vem exposto a fls. 69/70, onde após referir o disposto no artigo 187.º, n.º 1, do CPP, afirma o que é transposto in totum para as conclusões das alíneas l), m), n), o) e p), terminando a fls. 70 por afirmar: Podemos então concluir que a decisão da primeira instância ao apoiar-se nestas escutas telefónicas usou uma prova proibida por lei.

      A questão da novidade  

        

      Nas conclusões q) a x) o recorrente versa o conceito de novo, de prova nova.

      Começa a versar a questão da “novidade”, a fls. 70, dizendo: «Na verdade, segundo a jurisprudência do STJ, de que são paradigmáticos os Acórdãos de 28.10.2009, 26.11.2009, 20.11.2011 e 24.3.2011, entre outros, o recurso de revisão apoiando-se no art.° 449.°, n.° 1 al e) do CPP (como aliás em outras alíneas deste artigo) da sentença condenatória, transitada em julgado, com tal fundamento, só é possível quando se «descobrir» que serviram de fundamento à condenação provas proibidas.

       Ora, e no entendimento destes acórdãos o uso do verbo «descobrir» significa que se está perante algo que na altura da audiência de julgamento não seria possível reconhecer, ou por ser então totalmente desconhecido que a prova fora obtida por método proibido ou por ter mudado a lei, passando a considerar proibido certo método de obtenção de prova que na altura era lícito».

      De seguida, o recorrente versa sobre o conceito de novidade na perspectiva do fundamento da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, espraiando-se ao longo de fls. 71 a 82, transcrevendo de forma integral o que consta de acórdãos por nós relatados entre 10-03-2011 e 11-04-2012 (pois neste não está presente referência ao acórdão de 27-04-2011, que é feita a fls. 79), o que é feito prescindindo de apontar a fonte.

    Todavia, do confronto do texto da motivação do presente recurso com o dos acórdãos por nós proferidos (482/91.0GBVRM-A.S1, 717/04.0TABRG-A.S2, 22/05.5ZRFAR-B.E1.S1, 286/06.7PAPTM-C.E1.S1, 11/04.7GASJM-C.S1, 157/08.2GCACB-A.S1, 561/06.0PBMTS-A.S1, 715/07.2PPPRT.C-S1, 365/11.9PULSB-A.S1), muito facilmente se concluirá pelo seguidismo usado a par e passo, como se verifica da exposição, forma de identificação dos acórdãos, locais de publicação quando é o caso, a presença de sublinhado de uma limitação, a fls. 72, de reticências, a fls. 72, do uso de itálico, como novidade e também para ele, a fls. 73, ratio, a fls. 74, novidade e novos, a fls. 79, posterior descoberta, a fls. 81, os textos intercalados, o grafismo.

      Toda a jurisprudência enunciada versa sobre a descoberta de novos factos ou meios de prova, pressuposto do fundamento de revisão da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º.

      A “controvérsia presente” é a controvérsia acerca desse pressuposto, em alinhamento por nós usado com tal linguagem pela primeira vez no acórdão de 10-03-2011, proferido no processo n.º 482/91.0GBVRM-A.S1, e a partir daí, presente com naturais actualizações nos acórdãos de 07-09-2011 (três), de 12-10-2011, de 21-03-2012 (dois), de 11-04-2012, por nós relatados nos recursos de revisão n.º 717/04.0TABRG-A.S2, n.º 22/05.5ZRFAR-B.E1.S1, n.º 286/06.7PAPTM-C.E1.S1, n.º 11/04.7GASJM-C.S1, n.º 561/06.0PBMTS-A.S1, n.º 715/07.2PPPRT.C-S1, n.º 365/11.9PULSB-A.S1, e já posteriormente à entrada do presente recurso de revisão, nos acórdãos de 9-01-2013, processo n.º 709/00.9JASTB-J.S1 e de 30-01-2013, processo n.º 2/00.7TBSJM-A.S1.

      Refere o recorrente a fls. 82 que o acórdão de 12-10-2011, de que fomos relator no processo n.º 11/04.7GASJM-C.S1, «não é tão rigoroso no preenchimento de tal requisito da “novidade”».

      E para o justificar transcreve dois parágrafos do sumário do seguinte teor:

“III - Sobre o conceito de «facto novo» ou «elemento novo de prova» para efeitos de revisão, entende-se que não é necessário o desconhecimento por parte do recorrente, bastando que os factos ou meios de prova não tenham sido tidos em conta no julgamento que levara à condenação, para serem considerados novos.

IV - Todavia, esta orientação tem a seguinte limitação: os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia representá-los, serão invocáveis em sede de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente para a omissão antes da sua apresentação (o recorrente terá de justificar essa omissão, explicando porque é que não pôde e, eventualmente, até porque entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal)”

     Acontece que a posição que adoptamos sobre a “novidade” do facto ou meio de prova não é a expressa nos pontos III e IV do sumário.

     Em primeiro lugar, o sumário não é de nossa responsabilidade e o transcrito reportar-se-á a parte do acórdão em que se faz narrativa das posições sobre o ponto e sua evolução.

    Em segundo lugar, a verdade é que adoptamos a solução oposta, como de resto facilmente se vê da parte final do mesmo acórdão de 12-10-2011, onde consta o seguinte: 

    “O recurso de revisão fundamentado na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP exige que se descubram novos factos ou meios de prova, descoberta essa que pressupõe, obviamente, um desconhecimento anterior de certos factos ou meios probatórios, agora apresentados. Atendíveis serão apenas os factos e meios que advieram ao conhecimento do apresentante em data posterior, não estando o recorrente dispensado da alegação do conhecimento superveniente.    

    Conclui-se que nenhum dos meios de prova ora apresentados é novo na concepção da jurisprudência maioritária supra citada, que adoptamos, não se mostrando que com tal entendimento se viole ou postergue qualquer direito de defesa, incluído o direito a este recurso extraordinário, uma vez que em tempo oportuno o arguido teve a possibilidade de esgrimir todos estes argumentos, que nada têm de novo, não se ferindo qualquer garantia constitucional de defesa”.

                                                             ******

      Esclarecido este ponto, avancemos para o que tem sido entendido neste Supremo Tribunal como descoberta no seio da alínea e), ou seja, descoberta de recurso a provas proibidas.

        A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a pronunciar-se de modo uniforme no sentido de que as provas em causa devem ter sido descobertas já depois da decisão a rever, podendo citar-se os acórdãos que seguem, não se incluindo o acórdão de 24-02-2011, proferido no processo n.º 121/00.0GBGDL-B.S1-5.ª, in CJSTJ 2011, tomo 1, p. 203, o qual pronunciou-se em caso em que fora alegada apenas a incompetência funcional do departamento da Polícia Judiciária que investigou o caso. 

      Podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:

Acórdão de 24-04-2008, processo n.º 4373/07-5.ª Secção

      O art. 449.° do CPP, na al. d) do seu n.º 1, contempla a possibilidade de revisão, no caso em que, novos factos ou novos meios de prova, “de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”. E na al. e) prevê-se a possibilidade de revisão quando “se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.°s 1 a 3 do art. 126.°”.

    A lei não esclarece como é que podem ser descobertas as provas proibidas. Nem exige, como o fez na al. a) do n.º 1, que as provas proibidas assim tenham sido consideradas em decisão transitada em julgado. O que nos parece certo é que, por um lado, os novos factos ou novos meios de prova, referidos na al. d) não podem confundir-se com facto ou provas que sirvam para se concluir pela utilização de provas proibidas. Se assim fosse, a previsão da al. e) seria inútil.

    O recurso extraordinário de revisão não pode transformar-se numa investigação sobre se houve ou não uso de uma hipotética prova proibida, a partir da simples afirmação de que ela foi utilizada. Seria esse um meio relativamente simples de se ultrapassar, sem justificação bastante, o efeito de caso julgado das decisões. Por isso é que a utilização de meios de prova proibidos tem que se mostrar à partida patente, clara, com a interposição do recurso de revisão. Só assim se explica que o art. 453.º do CPP tenha reservado a produção de prova para a s situações da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP e para mais nenhuma. Acresce que sempre se teria que apreciar em que medida é que a prova eventualmente proibida foi fundamento da condenação e se, portanto, sem essa prova, a mesma condenação não teria tido lugar à mesma. 
Acórdão de 11-02-2009, processo n.º 4215/04 - 3.ª Secção 
Apesar da alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º não exigir que as provas tenham sido consideradas proibidas por uma outra sentença transitada em julgado (como ocorre com a alínea a) do preceito em análise relativamente aos meios de prova falsos), a garantia constitucional do respeito pela segurança e a certeza do caso julgado, e a confiança que devem merecer as decisões judiciais, impõem que este fundamento de revisão não possa considerar-se verificado com a mera invocação de que a decisão de facto incluída na sentença que se pretende rever se baseou em provas proibidas, mostrando-se necessário que tal afirmação seja densificada com elementos que a demonstrem, com segurança, aquando da interposição do recurso de revisão, dado que, nos casos em que o fundamento de revisão for o previsto na alínea e), não há lugar à fase de produção de prova prevista no artigo 453.º do Código de Processo Penal para os casos da alínea d).
   Este acórdão acompanha o anterior reproduzindo o último parágrafo supra transcrito.

Acórdão de 17-09-2009, processo n.º 1566/03.9PALGS-A.S1- 3.ª Secção
      Neste acórdão por nós proferido em caso de abuso sexual de criança, com a invocação da utilização de um depoimento manipulado na decisão da matéria de facto, que baseou a condenação do recorrente, foi seguida de perto a doutrina dos dois anteriores acórdãos.
 

Acórdão de 28-10-2009, processo n.º 109/94.8TBEPS-A.S1 - 3.ª Secção 

      Quanto ao fundamento de revisão previsto na al. e) do n.º 1 do art. 449.º, fundamento introduzido pela Lei 48/2007, de 29-08 – provas proibidas –, observar-se-á que o texto legal não estabelece como seu requisito integrante a mera ocorrência de condenação baseada em provas proibidas. Com efeito, ao dispor que a revisão de sentença é admissível quando se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º, a lei estabelece como requisito, a par de condenação baseada em provas proibidas, a circunstância de esse vício só vir a ser conhecido posteriormente à condenação. Não basta, pois, à verificação deste pressuposto de revisão de sentença a ocorrência de condenação baseada em provas proibidas tout court.

     A imposição de que o uso ou utilização e a valoração de provas proibidas só releva em matéria de revisão de sentença quando descobertos posteriormente, tem a sua justificação na excepcionalidade da revisão, na restrição grave que a mesma admite e estabelece ao princípio non bis in idem na sua dimensão objectiva, ou seja, ao caso julgado enquanto instituto que garante a segurança e a certeza da decisão judicial, a intangibilidade do definitivamente decidido pelo tribunal. Na ponderação de interesses que sempre implica a resolução do conflito existente entre o valor do caso julgado e a admissibilidade de revisão de uma sentença, o legislador de 2007, possibilitando a quebra daquele perante um vício decisório resultante da utilização e valoração de provas proibidas, no entanto, entendeu limitá-la aos casos em que da ocorrência da anomalia probatória só posteriormente à condenação se deu conta.

      Assim, se à data da condenação já era conhecida, maxime pelo condenado, a existência de prova ou provas proibidas e, apesar disso, se formulou juízo condenatório com base nelas, em defesa do caso julgado material, da estabilidade da decisão, valor essencial do Estado de Direito enquanto garante da segurança jurídica, não é admissível a revisão da respectiva sentença. De outro modo estar-se-ia a transformar o instituto de revisão de sentença em outro grau de recurso, postergando totalmente, em clara e frontal violação da Constituição, o princípio non bis in idem na sua dimensão objectiva.

Acórdão de 26-11-2009, processo n.º 103/01.4TBBRG-G.S1 - 5.ª Secção

     O depoimento de co-arguido em processo conexo não é permitido, salvo se nele consentir expressamente (art. 133.º do CPP). O não acatamento dessa disposição não constitui uma nulidade do acórdão, mas uma irregularidade do depoimento, que deve ser arguida pelos interessados no próprio acto (art. 123.º do CPP), se nele estiverem presentes, ou, caso contrário, nos três dias posteriores a terem sido notificados para os termos do processo. Na verdade, os métodos proibidos de prova são apenas os indicados no art. 126.º do CPP e não parece caber nesta disposição a violação do art. 133.º, n.º 2, do CPP.

     Mas, mesmo que se considere, como alguns o fazem, que há nesses casos uma prova obtida com intromissão na vida privada, na situação em apreço desconhece-se se foi ou não violado o disposto no art. 133.º do CPP, nomeadamente, o seu n.º 2. Na verdade, o facto de não constar das actas que as ditas testemunhas consentiram expressamente em prestar depoimento, depois de avisadas de que poderiam não o fazer, não significa que tal não tenha efectivamente ocorrido. As actas só fazem prova plena do que nelas está escrito e não do que nelas está omitido.

     A revisão da sentença condenatória, transitada em julgado, com tal fundamento, só é possível quando se «descobrir» que serviram de fundamento à condenação provas proibidas. Ora, o uso do verbo «descobrir» significa que se está perante algo que na altura da audiência de julgamento não seria possível reconhecer, ou por ser então totalmente desconhecido que a prova fora obtida por método proibido ou por ter mudado a lei, passando a considerar proibido certo método de obtenção de prova que na altura era lícito.

     No presente caso, porém, o recorrente tinha conhecimento, na altura do julgamento, de que as pessoas em causa eram co-arguidos em processos conexos e, por outro lado, o art. 133.º do CPP só foi alterado pela Lei 48/2007 num pequeno segmento, irrelevante para o caso, pois que no n.º 2 o legislador acrescentou a frase «mesmo que já condenados por sentença transitada em julgado», no mais mantendo a disciplina anterior. Assim, não se «descobriu» nenhum método proibido de prova que tenha servido para fundamentar a condenação do recorrente. Também não há qualquer evidência de que tenha sido violado o disposto no art. 133.º, n.º 2, do CPP. O recorrente na altura não invocou tal violação e poderia tê-lo feito.

    A abundância de outras provas contra o recorrente, que não as eventualmente feridas de nulidade, demonstram que não estamos colocados perante dúvidas graves na justiça da sua condenação. É, pois, de não autorizar a revisão da sentença condenatória.

Acórdão de 8-04-2010, processo n.º 12749/04.4TDLSB-A.S1- 5.ª Secção
      Não cabe no âmbito de um recurso de revisão verificar se foi ou não feita prova de determinado facto que consta da sentença condenatória, com o erróneo fundamento de que a falta de prova, ainda que manifesta, equivale ao uso de um método proibido de prova, pois esta última situação só se verifica se estiver abrangida por um ou por vários dos casos taxativamente enunciados no art. 126.º do CPP.
Ainda que fosse exacto que a não suspensão da pena à recorrente teve por fundamento (erróneo) o trânsito em julgado da condenação anterior, mesmo assim não haveria fundamento para a revisão da sentença, pois estaria em causa a (eventual) injustiça “da pena” e não sérias dúvidas sobre a justiça da “condenação”.
      Acresce que se estivesse provado na sentença condenatória que já ocorrera o trânsito, o que era um dado inexacto, não haveria um uso de método proibido de prova, mas um erro de julgamento, sindicável no recurso ordinário que a lei faculta ao condenado. Em qualquer caso, o uso de método proibido de prova tem de ser “descoberto” depois de transitada a condenação, o que não aconteceu no presente caso.

Acórdão de 24-03-2011, processo n.º 520/00.7TBABT-B.S1 - 3.ª Secção 

      O recurso de revisão não se destina a ajuizar dos termos de produção de um determinado meio de prova efectivado na altura própria no decurso da audiência e julgamento e da forma como foi valorada a prova, para isso servem os recursos ordinários, mas a descobrir que serviram de fundamento à revisão provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º.

      O recurso de revisão como recurso extraordinário não é um recurso ordinário, nem sucedâneo deste, pelo que perante provas legalmente permitidas e valoradas que serviram de suporte a determinada decisão, e que veio a transitar em julgado, não pode infirmar-se essa decisão com fundamento nessas provas, em sede de recurso extraordinário de revisão, nem alegar-se a inconstitucionalidade das mesmas, se o caso julgado não se encontra posto em causa por decisão vinculativa do TC, nos termos do art. 282.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, nem se posteriormente à mesma decisão não existiu qualquer descoberta de que as provas produzidas foram obtidas de forma legalmente proibida.

Acórdão de 18-05-2011, processo n.º 140/05.0JELSB-N.S1 - 3.ª Secção

      Independentemente das considerações que possam ser formuladas a respeito da natureza e amplitude do fundamento, a «categoria» ou o conceito de «provas proibidas» que podem ser fundamento do recurso de revisão são enunciadas por clara remissão para o regime dos métodos proibidos de prova, como constam das definições categoriais do art. 126.º do CPP.

      As provas proibidas são as obtidas mediante meios que por natureza são ilegítimos, alguns constituindo mesmo infracção criminal, e que, por isso, inquinam total e absolutamente qualquer elemento que tenha sido adquirido com tal grau de violação de regras e princípios fundamentais.

      Nada tem que ver com o regime específico das «provas proibidas» a utilização no processo de meios que, embora afectando direitos fundamentais, podem assumir legitimidade se foram respeitados pressupostos materiais e procedimentais na aquisição, pelo que, sendo tal ocorrente no caso dos autos, é de negar a pretendida revisão.

Acórdão de 20-10-2011, processo n.º 665/08.5JAPRT-E.S1 - 3.ª Secção

      A al. e) do n.º 1 do art. 449.º, que contém fundamento de revisão introduzido pela Lei 48/07, de 29-08 – provas proibidas –, não estabelece como seu requisito integrante a mera ocorrência de condenação baseada em provas proibidas. Com efeito, ao dispor que a revisão de sentença é admissível quando se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º, a lei estabelece como requisito, a par da condenação baseada em provas proibidas, a circunstância de esse vício só vir a ser conhecido posteriormente. Não basta, pois, à verificação deste pressuposto de revisão de sentença a ocorrência de condenação em provas proibidas tout court.

      A imposição de que o uso ou utilização e a valoração de provas proibidas só releva em matéria de revisão de sentença quando descobertos posteriormente, tem a sua justificação na excepcionalidade da revisão, na restrição grave que a mesma admite e estabelece ao princípio non bis in idem na sua dimensão objectiva, ou seja, ao caso julgado enquanto instituto que garante a segurança e a certeza da decisão judicial, a intangibilidade do definitivamente decidido pelo tribunal.

      Se à data da condenação já era conhecida, maxime pelo condenado, a existência de prova ou provas proibidas e, apesar disso, se formulou juízo condenatório com base nelas, em defesa do caso julgado material, da estabilidade da decisão, valor essencial do Estado de direito enquanto garante da segurança jurídica, não é admissível a revisão da respectiva sentença. De outro modo, estar-se-ia a transformar o instituto de revisão de sentença em outro grau de recurso, postergando totalmente, em clara e frontal violação da CRP, o princípio non bis in idem na sua dimensão objectiva.

Acórdão de 2-05-2012, processo n.º 177/03.3GGLSB-B.S1 - 3.ª Secção

      A estabilidade do caso julgado constitui princípio de referência para a segurança e estabilidade das relações definidas através de uma decisão judicial definitiva; o enfraquecimento e a quebra do princípio só poderão, por isso, ocorrer em circunstâncias que se lhe sobrepõem no plano dos valores, e que, em si, justificam axiologicamente essa sobreposição.

      Nos diversos fundamentos de recurso de revisão, enunciados em numerus clausus, a previsão da al. e) do n.º 1 do art. 449.º do CPP revela especificidade (e excepcionalidade), que no essencial associa dois pressupostos: a posterioridade e a novidade dos elementos que integram o fundamento, e a afectação que a revelação posterior pode provocar no juízo sobre a justiça da decisão. Assim, este fundamento do recurso de revisão pressupõe, para além da condenação baseada em provas proibidas, que a natureza da prova ou as circunstâncias da inquinação, só tenham sido verificadas ou conhecidas posteriormente à decisão de condenação (cf. Acs. do STJ de 20-10-2011, Proc. n.º 665/08.5JAPRT, e de 24-04-2008, Proc. n.º 4373/07).

      A natureza de «provas proibidas» a que se refere o fundamento da al. al. e) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, exige uma leitura material de integração com os critérios essenciais enunciados no art. 126.º do CPP. As «provas proibidas» são «as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas»; nesta categoria estão incluídas as provas com perturbação da liberdade de vontade ou de decisão, através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos; perturbação da capacidade; de promessa de vantagem legalmente inadmissível; intromissão na vida privada, no domicílio ou na correspondência, ou nas telecomunicações fora dos casos previstos na lei.

      As causas de afectação da prova enunciadas no art. 126.º do CP remetem, todas elas, para violações insuportáveis, que contendem e afectam a própria dignidade da pessoa, e que constituem sempre condutas absolutamente proibidas; as provas obtidas em tais circunstâncias são sempre, por isso, também «absolutamente proibidas» (não assumindo tal natureza a prova obtida mediante meio legalmente admitido ou admissível, cuja regularidade processual poderia ter sido considerada e discutida na decisão condenatória).

      No caso concreto, o recorrente, com pleno conhecimento de que tinha sido submetido a uma colheita de sangue na sequência de um acidente de viação, começou por suscitar a validade da mesma por alegada deficiência procedimental da recolha de sangue e perante o insucesso da sua pretensão, e após o trânsito da sentença, ressuscita a questão relativa à invalidade do meio de prova – desta feita sob a alegação de que não lhe foi facultada a possibilidade de recusa. Não suscitou, pois, atempadamente, para que provocasse a pronúncia das instâncias (nesta última vertente) e que, até, permitisse o reexame constitucional da interpretação acolhida, limitando-se, após o trânsito, a apodar tal meio de «proibido».     Com efeito, no processo da condenação o arguido apenas questionou a regularidade técnica dos procedimentos de colheita, não tendo invocado que a colheita tenha sido realizada sem o seu consentimento.

      Deste modo, invocando agora o (novo) fundamento, o recurso de revisão não constituiria mais do que um outro grau de recurso, que apenas repõe fundamentos próprios da discussão do processo da condenação ou do objecto dos recursos ordinários admissíveis. Em conclusão, nenhum dos pressupostos para a procedência da revisão concorre no caso: nem se verifica a posterioridade ou novidade da revelação, pois a discussão sobre a prova em causa foi objecto da decisão da condenação e do recurso que sobre tal decisão recaiu; e não se trata de qualquer prova cuja admissibilidade não possa ser, como foi, juridicamente sustentada e aceite.
      No mesmo sentido, o acórdão de 09-01-2013, proferido no processo n.º 709/00.9JASTB-J.S1, por nós relatado em caso de tráfico de estupefacientes e alegado uso de prova proibida com depoimento de agente infiltrado.

     No acórdão de 03-10-2012, processo n.º 379/10.6GACSC-B.S1-5.ª Secção, foi versada questão relacionada com busca domiciliária, fazendo-se distinção entre nulidades e provas proibidas.
      
       Revertendo ao caso concreto.

      Em causa a incompetência do juiz de instrução português para autorizar as escutas ao telefone do recorrente com um número de um telefone espanhol, que careceria de pedido de auxílio judiciário internacional, tendo as intercepções sido realizadas sem despacho judicial válido.

      No presente caso, a utilização de métodos de prova alegadamente proibidos nada tem de novo, pois desde a data da prática dos factos que o recorrente tinha conhecimento de que o seu telefone, através do qual contactava com o comprador BB, estava ligado a uma rede espanhola, tendo tido conhecimento das escutas desde a data em que ficou conhecer a acusação, sendo certo que nunca colocou a questão de invalidade do despacho do juiz de instrução que ordenou as escutas, certo sendo que nos recursos anteriores nunca foi suscitada tal nulidade.

       No recurso interposto para a Relação de Guimarães as questões suscitadas, como se alcança das conclusões A. a U. - fls. 169 a 170 verso – foram: nulidade da decisão proferida por falta de fundamentação da matéria de facto dada como provada e por falta de exame crítico da prova, e ainda por violação do princípio in dubio pro reo, invocação de existência dos vícios das alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, pretendendo com a invocação da última impugnar matéria de facto – cfr. fls. 189 e verso. 

    Anota-se que no que respeita a escutas telefónicas ao recorrente aprouve na ocasião dizer apenas o que consta das conclusões que seguem:

G. O Acórdão não analisou o teor das conversas telefónicas, através das respectivas transcrições.

H. Não cita o Acórdão as folhas das transcrições onde se encontram as referências feitas nos apensos das escutas, com concretizações possíveis nem com a respectiva análise crítica.

I. Não se baseia o Acórdão em real e efectiva leitura e análise dos dados disponíveis, não indica nem dia nem hora nem data em que tiveram lugar.

    E na conclusão Q. refere [(…) (E as conversas telefónicas em que interveio o recorrente não foram ouvidas em Audiência). (…)].

    No recurso interposto para o STJ o recorrente limitou-se a invocar a nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação em matéria de apreciação e exame crítico das provas, conforme conclusões a fls. 219 a 220 verso.

    Significa o exposto que no recurso para a Relação o recorrente tinha em vista apenas o teor das escutas e suas transcrições, nunca tendo tido necessidade de atacar o meio de prova na sua génese, não colocando em causa a validade do despacho judicial que ordenou a realização das escutas, que não foi agora descoberto.

      Sob o título “Das escutas telefónicas – Admissibilidade”, preceitua o artigo 187.º, n.º 1, do CPP:

      A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes: (…), cabendo o tráfico de estupefacientes na alínea b).

      De acordo com o n.º 2, a autorização da escuta telefónica pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal.

      No caso, verificam-se estes requisitos, quer pelo lugar onde se efectuou a intercepção, no Minho, quer pela sede da entidade investigadora, Portugal.

      Acresce que a titularidade do telemóvel, do meio de comunicação utilizado, é do arguido, tendo o cliente, consumidor, cometido crime em Portugal, aplicando-se a lei processual portuguesa, de acordo com o artigo 6.º do CPP.

       Sobre caso de invocação de nulidade de escutas telefónicas autorizadas pelo TCIC a número de telefone com um número de uma operadora espanhola, por se tratar de um telefone espanhol, com utilização e facturação sedeadas em Espanha, colocando-se de igual modo a necessidade de formalização de um pedido de auxílio judiciário internacional, pronunciou-se o acórdão de 05-07-2012, processo n.º 911/10.5TBOLH.E1.S1-5.ª, afastando a nulidade.  

       Conclui-se assim que o uso e a valoração de provas alegadamente proibidas não relevam nesta sede de revisão de sentença, pois que não foram descobertas posteriormente à decisão condenatória.

       Improcede, pois, o fundamento invocado.

      Decisão



       Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto pelo condenado AA, denegando a pretendida revisão.

       Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 456.º, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, fixando-se a taxa de justiça, de acordo com os artigos 8.º, n.º 5 e 13.º, n.º 1 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril (artigos 1.º e 2.º) e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro), em 3 UC (unidades de conta).

       Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 14 de Março de 2013

Raul Borges (Relator)
Henriques Gaspar