Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B2087
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS BERNARDINO
Descritores: RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
INADMISSIBILIDADE
INDEMNIZAÇÃO
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
Nº do Documento: SJ200311230020872
Data do Acordão: 10/23/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário : No Cód. das Expropriações actualmente em vigor, e por força do seu artº. 66º/5, não cabe recurso para o STJ do acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização, exceptuados os casos - que são os enunciados nos nºs. 2, 3, 4 e 6 do artº. 678º do CPC - em que é sempre admissível recurso.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.
Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que é expropriante a Associação de Municípios do Vale do Douro Sul e expropriada a Paróquia de Lazarim, representada pela Junta de Freguesia de Lazarim, proferida a decisão arbitral que atribuiu à parcela em causa o valor de 6.650.000$00, e depositada esta quantia, foi, por sentença do Tribunal Judicial da comarca de Lamego, adjudicada à expropriante a propriedade de uma parcela com a área de 20.000 m2, a desanexar do prédio rústico sito na freguesia de Lazarim, concelho de Lamego, com a área total de 75.000 m2, inscrito na matriz cadastral sob o artº. 1-J e omisso na Conservatória do Registo Predial.
Da decisão arbitral foi interposto recurso pela expropriada, que, nas respectivas alegações, pugnou pela fixação da indemnização em 11.332.200$00 (€ 56.524,78).
A recorrida Associação de Municípios, notificada para responder, veio dizer que "aceita pagar o preço pretendido pelo expropriado (566$61/ m2)" e requerer a fixação de prazo para o pagamento do diferencial.
Notificada, veio a recorrente requerer, nos termos do artº. 24º do Cód. das Exp., a actualização do preço, de acordo com o índice de preços no consumidor, contado desde a data da declaração de utilidade pública, contida no despacho nº. 11.133/97, publicado no DR (II Série) de 14.11.97.
A expropriante opôs-se, entendendo não lograr aplicação o disposto no indicado artº. 24º, o qual pressupõe uma decisão final em sede de recurso.
Por decisão de 14.06.02, o Ex.mo Juiz do Tribunal Judicial da comarca de Lamego, deferindo o requerido, determinou que a expropriante procedesse ao depósito do quantitativo respeitante à actualização da indemnização, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor.
Do mesmo passo, o mesmo magistrado atribuiu à expropriada, a título de indemnização, a quantia de 11.332.200$00, acrescida da "actualização de acordo com o índice de preços no consumidor, contada desde a data da declaração de utilidade pública, deduzido o montante das custas".
Notificada desta decisão, a expropriante requereu a aclaração, para que fosse esclarecido se a actualização devia reportar-se à data da primeira declaração de utilidade pública (1997) ou à da segunda (2000).
O Exmo. Juiz, ouvida a expropriada, exarou despacho esclarecendo que a declaração de utilidade pública tida em vista na decisão era a contida no despacho nº. 11.133/97, supra aludido.
Recorreu a expropriante, de agravo.
E a Relação do Porto, divergindo do entendimento da 1ª instância, revogou o despacho recorrido e determinou que o valor da actualização do montante da indemnização, tendo em conta o índice de preços no consumidor, se reportasse à data da segunda declaração de utilidade pública.
Desta vez foi a expropriada que, não conformada, recorreu para este Supremo Tribunal, tendo o recurso sido admitido, como de revista.
A recorrente apresentou alegações e a recorrida contra-alegou.
Neste Supremo Tribunal pareceu ao relator, no exame preliminar a que alude o nº. 1 do artº. 701º do CPC, ser o recurso o próprio, e ter sido recebido no efeito devido, nada obstando ao conhecimento do seu objecto.
Foram, sequentemente, colhidos os vistos legais, após o que o processo foi apresentado ao relator para elaboração do projecto de acórdão.
Neste novo e mais aprofundado contacto com o processo, formou o relator a convicção de que não é, in casu, admissível recurso para este Supremo Tribunal, face ao disposto no artº. 66º, nº. 5 do Cód. das Exp., e que, por isso, importa julgar findo o admitido recurso, pelo não conhecimento do seu objecto.
Foi notificada a expropriada/recorrente, nos termos e para os fins do disposto no artº. 704º/1 do CPC, nada tendo alegado.
Cumpre apreciar e decidir.
2.
A questão da (in)admissibilidade de recurso para o STJ, em matéria de expropriações por utilidade pública, não é nova.
O Cód. das Exp. de 1976 dispunha, a propósito, no seu artº. 46º, nº. 1, o seguinte:
Na falta de acordo sobre o valor global da indemnização será este fixado por arbitragem, com recurso para os tribunais, de acordo com a regra geral das alçadas. Não haverá, porém, recurso das decisões da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.
Na vigência deste diploma veio, mais tarde, a ser proferido o Assento 7/79, de 24 de Julho, que fixou a seguinte regra:
É susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos gerais, o acórdão da Relação que em processo de expropriação por utilidade pública julgue sobre a forma de pagamento da indemnização fixada.
Daqui resultava, segundo entendimento que fez carreira, que só eram insusceptíveis de recurso para o STJ os acórdãos da Relação referentes ao valor da indemnização e ao valor da reversão de bens expropriados proferidos pelo juiz da comarca em recurso da decisão dos árbitros. Em todas as outras questões suscitadas em processo de expropriação era entendimento jurisprudencial dominante o de que se aplicava a regra geral do processo civil sobre a admissão de recursos em função do valor da alçada.
No Cód. das Expropriações de 1991, e ao contrário do que sucedia com o diploma anterior (Dec-lei 844/76), não existia norma que expressamente vedasse o acesso a este Tribunal. Na verdade, o seu artº. 37º, em tudo semelhante ao texto da 1ª parte do artº. 46º/1 do Código de 76, suprimiu o período final desse normativo, que expressis verbis afastava o "recurso das decisões das Relações para o Supremo Tribunal de Justiça". Esta alteração conduziu a que alguma jurisprudência e doutrina defendesse a admissibilidade de recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça, mesmo nos casos em que estava em causa o valor da indemnização, enquanto outros sustentavam que a norma citada não tinha tido em vista consagrar a admissibilidade de quatro graus de jurisdição no domínio da discussão litigiosa do montante da indemnização.
Em face destas posições divergentes, foi proferido um assento em 30.05.95, que só veio a ser publicado em 15.05.97, sob a designação de Acórdão 10/97, que estabeleceu a seguinte regra interpretativa:
O Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 438/91, de 9 de Novembro, consagra a não admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que tenha por objecto decisão sobre a fixação do valor da indemnização devida.
O Código vigente, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, e que entrou em vigor em 18.11.99, tomou posição expressa sobre a questão, estatuindo no seu artº. 66º, nº. 5:
Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida.
Com esta clara formulação, parece ter sido intenção do legislador afastar quaisquer dúvidas sobre a possibilidade de recurso para este Supremo Tribunal: salvo os casos em que é sempre admissível recurso - e que são os enunciados nos nºs. 2, 3, 4 e 6 do artº. 678º do CPC - não há recurso para o Supremo (seja qual for o valor da causa e o valor da sucumbência) do acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização.
Arreda-se, de forma inequívoca, a possibilidade de instituir, nesta matéria, e ao arrepio da regra tradicional do nosso direito, um regime excepcional de quatro graus de jurisdição, entendendo-se, assim, a decisão arbitral como decisão de natureza jurisdicional, e o tribunal de comarca como segunda instância judicial. Já foram facultados à expropriada três graus, através da decisão dos árbitros, da sentença do tribunal da 1ª instância e do acórdão da Relação, todos eles com incidência na fixação do valor da indemnização. A lei - o citado artº. 66º/5 - não quer uma quarta pronúncia sobre esta matéria.
Como refere F. Alves Correia (A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, in Rev. Leg. Jur., ano 132º, pág. 300, a controvérsia interpretativa sobre os graus de jurisdição em matéria de fixação do valor da indemnização já não tem razão de existir, face ao disposto naquele indicado preceito do Código de 99.
In casu, o acórdão da Relação de que foi interposto recurso decide directamente sobre a fixação da indemnização devida, ainda que apenas no segmento da actualização do respectivo montante.
E, por isso, de tal acórdão não é admissível recurso para este Supremo Tribunal, como flui do normativo acima transcrito.
E nem tal conclusão é prejudicada pelo facto de, no recurso, pretender a recorrente discutir uma questão de direito, e demonstrar que houve violação da lei substantiva ou adjectiva. Desde que o fundamento do recurso não seja nenhum dos indicados nos nº.s 2, 3, 4 e 6 do artº. 678º, já acima citado - como não é - não é admissível o recurso.
Não deixará ainda de referir-se - na esteira do acórdão deste Tribunal, de 31.05.01, proferido nos autos de recurso de agravo 3193/00, da 7ª Secção - que "a interpretação dos vários e sucessivos Códigos das Expropriações no sentido de as decisões que acima se referem não admitirem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça é conforme à Constituição da República, nomeadamente aos seus artºs. 13º e 20º, consoante o Tribunal Constitucional teve ocasião de julgar pelo acórdão nº. 259/97, publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 36º, pág. 681 e ss.".
Foi, pois, o presente recurso indevidamente recebido no tribunal a quo, não podendo este Supremo Tribunal conhecer do seu objecto.
3.
Termos em que, sem necessidade de mais alongadas considerações, se acorda, em conferência, em julgar findo o recurso, pelo não conhecimento do seu objecto.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça reduzida a metade, nos termos do artº. 19º/1.a) do CCJ.

Lisboa, 23 de Outubro de 2003
Santos Bernardino
Moitinho de Almeida
Ferreira de Almeida