Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02P2122
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CARMONA DA MOTA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Nº do Documento: SJ200206270021225
Data do Acordão: 06/27/2002
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 3156/02
Data: 05/24/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário : «Importa analisar a forma como a jurisprudência tem interpretado os crimes mais frequentes, ou seja, os dos arts. 21.º, 25.º e 26.º. Embora timidamente enunciado, teve o legislador o propósito de não «meter no mesmo saco» todos os traficantes, distinguindo entre os casos «graves» (art. 21.°), os muito graves (art. 24.°), os pouco graves (art. 25.º) e os de gravidade reduzida (art. 26.°), redução essa motivada no fundo pela condição de toxicodependente do agente. Pois bem: a jurisprudência esvaziou quase completamente os arts. 25.º e 26.°, remetendo para o art. 21.° a generalidade das situações. Para tanto, faz uma interpretação «contra legem» do art. 25.º. Com efeito, estabelece este artigo que se aplica às situações em que «a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade» das drogas. A interpretação que parece mais consentânea com o texto (e com a epígrafe do artigo) é a de que o legislador quis incluir aqui todos os casos de menor gravidade, indicando exemplificativamente circunstâncias que poderão constituir essa situação. Assim, será correcto considerar-se preenchido este crime sempre que se constate a verificação de uma ou mais circunstâncias que diminuam consideravelmente a ilicitude, como poderá ser, por exemplo, uma quantidade reduzida de droga, ou esta ser uma «droga leve», ou quando a difusão é restrita, etc. O crime do art. 25.º é para o pequeno tráfico, para o pequeno «retalhista» de rua» (Eduardo Maia Costa, Direito penal da droga, RMP 74-103, ps. 114 e ss.)
Decisão Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Arguido/recorrente: A (1)

1. OS FACTOS (2)

No dia 30Ago01, pelas 9:45, na Rua do Sol a Chelas, em Lisboa, indivíduos com aspecto de consumidores de produtos estupefacientes abeiravam-se do arguido, entregando dinheiro a um indivíduo de etnia cigana e recebendo daquele pequenas embalagens. O arguido tinha consigo quarenta e quatro embalagens de plástico incolor contendo 6,018 g de heroína e vinte e quatro embalagens de plástico incolor, contendo 5,154 g de cocaína, bem como a quantia de 8500 escudos. O arguido conhecia a natureza e características estupefacientes dos produtos referidos, que detinha na sua posse e que destinava a comercializar na Rua do Sol a Chelas, com a intenção de obter uma contrapartida económica. Agiu livre e voluntariamente, bem sabendo que tal conduta era proibida e punível por lei. O arguido é consumidor de heroína e cocaína há 16 anos. Antes de preso vivia com a mãe e um tio. Tem a 4.ª classe. Sofrera já as seguintes condenações transitadas em julgado: a) por acórdão de 6/10/94, proferido no proc. 21/84 da 1ª Secção da 8ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática em 8/8/93, de um crime de homicídio na forma tentada, a pena de 3 anos de prisão; b) por acórdão de 9/1/95 proferido no proc. 186/94 da 3ª secção da 5ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática em 31/5/94 de um crime de roubo, na pena de 7 meses de prisão.


2. a condenação

Com base nestes factos, a 3.ª Vara Criminal de Lisboa (3), em 18Fev02, condenou A, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes (art. 21.º do dec. lei 15/93), na pena de 4 anos e 9 meses de prisão:

Da matéria de facto apurada resulta que o arguido incorreu na prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art. 21º n.º 1 do Dec. Lei 15/93 de 22/1, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a esse diploma. Dispõe o art. 21º n.º 1 do citado Dec. Lei que "Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos". Ora, resultou provado que o arguido tinha na sua posse 44 embalagens com o peso líquido de 6,018 gramas de heroína e 24 embalagens com peso líquido de 5,154 gramas de cocaína, as quais destinava a comercializar, mediante contrapartida económica de montante não apurado. Resultou, ainda, provado que o arguido conhecia as características dos produtos que lhe foram apreendidos. Mostram-se, pois, preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos da punibilidade do crime pelo qual o arguido vem acusado. Na determinação da medida concreta da pena a impor ao arguido ter-se-á em conta a sua culpa, as exigências de reprovação e de prevenção do crime, bem como as demais circunstâncias referidas no art. 71º do Cód. Penal, designadamente, que o arguido agiu com dolo directo, o grau de ilicitude do facto é o normal na prática de crimes da natureza dos presentes autos, sendo as necessidades de prevenção geral elevadíssimas, atenta a proliferação de ilícitos criminais deste tipo e as repercussões sociais a nível de saúde pública e ainda de outro tipo de criminalidade associada ao consumo de estupefacientes. Ter-se-á, ainda, em conta que o arguido é também ele consumidor de produtos estupefacientes, tem antecedentes criminais, é de modesta condição sócio-económica.

3. O RECURSO

3.1. Inconformado, o arguido (4) recorreu em 27Fev02 ao STJ, pedindo a sua condenação - como traficante/consumidor (art. 26.º do dec. lei 15/93) - numa pena mais leve:

O Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro pressupõe uma determinada tipologia de traficantes: os grandes traficantes (art.s 21º e 22º em conjugação com algumas das circunstâncias agravantes do art. 24º); os médios e pequenos traficantes (art. 25º) e os traficantes consumidores (art. 26º). O enquadramento dos elementos de facto com o tipo de crime e, neste caso, com a "qualidade do agente" não pode ser subsumida ao tipo legal do art. 21º do Decreto-Lei 15/93, mas sim ao tipo legal do art. 26º do mesmo diploma legal. Da leitura do acórdão recorrido, não parecem suscitar-se dúvidas quanto à qualificação do arguido como traficante-consumidor, não sendo de modo algum enquadráveis os factos como se de um agente - grande traficante - se tratasse, como foi considerado pelo acórdão que ora se coloca em crise. Existe assim, uma ilegal subsunção da matéria fáctica à tipificação criminal. Um dos princípios basilares do Código Penal reside na compreensão de que toda a pena tem que ter como suporte axiológico normativo uma pena concreta ("nulla poena sine culpa"). O nosso Código Penal "aderiu" à denominada "Teoria da Margem de Liberdade", pela qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa), e um limite máximo (ainda adequado à culpa), intervindo os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e, sobretudo, da prevenção especial) dentro destes limites. Nas palavras do autor do projecto de 1963 "é claro que, em absoluto, a medida da pena é uma certa; simplesmente qual seja exactamente é coisa que não poderá determinar-se, tendo, pois, o aplicador que remeter-se a uma aproximação que, só ela, justifica aquele "spielraum" dentro do qual podem ser decisivas considerações derivadas da prevenção" (Eduardo Correia, BMJ 149-72). A mesma ideia traduzem os art.ºs 71º e 72º do Código Penal, ou seja, a culpa é a culpa do facto sem deixar de se atender à personalidade e às perspectivas de socialização do agente. Na determinação da medida concreta da pena deve o juiz atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. Como elementos de individualização da pena temos: 1 - A Ilicitude e dentro desta três elementos fundamentais: a) O grau de violação ou perigo de violação do interesse ofendido; b) O número de interesses ofendidos e suas consequências; c) A eficácia dos meios de agressão utilizados. 2 - A Culpa que atende designadamente a sete factores: a) Grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) Grau de intensidade da vontade criminosa; c) Sentimentos manifestados na preparação do crime; d) Motivos determinantes da prática do crime; e) Conduta anterior à prática do crime; f) Conduta posterior à prática do crime; g) Personalidade do agente. Por último há que atender à Influência da Pena sobre o Agente, tendo em consideração as condições pessoais e a situação económica deste. É da aplicação destas regras e elementos que se constrói o percurso que leva à determinação da medida da pena. Assim, quanto à Ilicitude, o ora recorrente é consumidor de heroína e cocaína há 16 anos. Com a sua conduta - entrega de pequenas embalagens de plástico incolor - o recorrente não visava o lucro, pois os proventos por si obtidos tinham por finalidade única e exclusiva a aquisição de produtos estupefacientes para o seu consumo. Ao ora recorrente não foram apreendidos objectos normalmente relacionados com o tráfico, nomeadamente balanças e moinhos, nem lhe foram apreendidos objectos em ouro que denunciam um tráfico de maior gravidade que aproveita as necessidades dos consumidores. Quanto à Culpa, o ora recorrente tem 30 anos de idade, é de modesta condição económica e social, antes de preso vivia com a mãe a quem ajudava na venda ambulante e não se dedicava à venda reiterada de produtos estupefacientes. Quanto à influência da pena sobre o agente, o ora recorrente é consumidor de heroína e cocaína há 16 anos, tem 30 anos de idade e é de modesta condição económica e social. Ao ser aplicada, ao ora recorrente, a pena de quatro anos e nove meses de prisão há uma clara violação do disposto no art. 71º do Código Penal.

3.2. O MP (5), na sua resposta de 19Mar02, manifestou-se pelo improvimento do recurso:

O crime de tráfico de estupefacientes, em qualquer das modalidades definidas no art. 21º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22/01, é um crime de perigo abstracto ou presumido, pelo que não se exige para a sua consumação a existência de um dano real e efectivo, consumando-se com a simples criação de um perigo ou risco de dano para o .bem protegido - a saúde pública. Tal crime não exige, nos seus elementos tipificadores, que a detenção da droga se destine à venda, bastando a simples detenção ilícita da mesma ou proporcioná-la a outrem ainda que a título gratuito; desde que o estupefaciente não se destine na totalidade ao consumo do próprio agente, o crime de tráfico de estupefacientes está perfectibilizado, e por isso é irrelevante que a droga pertença ou não ao arguido. E irrelevante é também que o agente procure lucro ou outras vantagens, bem como saber a quem foi a droga vendida, por quantas vezes, as quantidades exactas, o preço. Assim, provando-se o mero acto material de detenção da droga, mas não se provando a intenção de consumo da sua totalidade pelo detentor, o acto será considerado como preenchendo o tipo legal do crime de tráfico do art. 21º, n.º 1 do mesmo diploma. Defende o recorrente configurar a respectiva conduta o tipo do crime de tráfico privilegiado do art. 26º do citado diploma legal. Tal só pode acontecer quando se tiver por finalidade exclusiva conseguir droga para consumo pessoal do próprio agente. Ora, esta finalidade exclusiva não se provou, atenta a factualidade dada como provada e não provada no douto Acórdão recorrido, pese embora o arguido tivesse assumido na sua contestação que se encontrava na disposição de proceder à venda de produtos estupefacientes, mas apenas para subsidiar o seu consumo e não para obter lucros. O facto de se ter provado que o recorrente é consumidor de heroína e cocaína há 16 anos, tal circunstância não é inequívoca no sentido de que todo o lucro resultante da venda dos estupefacientes que o arguido detinha fosse por ele aplicado na aquisição desses produtos exclusivamente para o seu consumo pessoal. Importa referir que ficou provado que o arguido recorrente conhecia a natureza e características estupefacientes dos produtos que detinha na sua posse - 44 embalagens contendo heroína com o peso líquido de 6,018 g. e 24 embalagens contendo cocaína com o peso líquido de 5,154 g - e que os destinava a comercializar na Rua do Sol a Chelas, com a intenção de obter uma contrapartida económica. Assim, por não estar provado que a venda de droga pelo recorrente tivesse por finalidade exclusiva obter produtos estupefacientes para seu consumo pessoal, não pode configurar a respectiva conduta o tipo do crime de tráfico privilegiado do art. 26º do Dec.-Lei n° 15/93, de 22/01, pelo que, atenta a factualidade apurada, não podia o recorrente deixar de ser - como foi - condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21º, n.º 1, do mesmo diploma legal, afigurando-se-nos, por isso, ser improcedente o recurso, nesta parte. Correspondendo ao crime em apreço a moldura penal abstracta de 4 a 12 anos de prisão, não pode dizer-se que a pena concretamente aplicada - 4 anos e 9 meses de prisão - seja exagerada, excessiva ou desproporcionada à culpa revelada, o que prova que o tribunal colectivo valorou concretamente o circunstancialismo apurado. O grau de culpa foi elevado e nada de abonatório para o recorrente se provou em tema de sentimentos manifestados na comissão do crime por que veio a ser condenado, nem quanto aos fins ou motivos determinantes. E ficou provado que o recorrente agiu com dolo directo, com a vontade livre e consciente, bem sabendo da ilicitude da sua conduta. Vem o recorrente invocar em seu beneficio que o tribunal "a quo" não valorizou convenientemente algumas das circunstâncias que a seu favor deporiam. Mas sem razão, já que tais circunstâncias foram já suficientemente tidas em conta em sede de determinação e escolha da medida da pena.


4. tráfico menor (JURISPRUDÊNCIA DO STJ):

Embora a heroína seja a mais perniciosa das chamadas drogas clássicas, a detenção de 1,46 g dessa substância por um arguido que actuava sozinho, por sua conta e risco, comprando pequenas doses, de que consumia metade e vendia a restante, a outros toxico-dependentes, de tal sorte que, em 5 meses, vendeu cerca de 17,3 gramas do referido produto (tanto quanto consumiu, no mesmo período), e a quem, também, só foram encontradas uma tesoura, uma navalha e vários plásticos - que usava para dividir e embalar a droga em doses individuais -, não pode deixar de se qualificar como crime de tráfico de menor gravidade.
20-10-1999, Proc. n.º 918/99 - 3.ª Secção
Leonardo Dias, Virgílio Oliveira, Mariano Pereira, Armando Leandro

Tendo-se apenas provado que o arguido detinha 0,610 gramas de heroína, a ele pertencentes, o crime pelo mesmo cometido é tão só o previsto pelo art. 25.º do DL 15/93 de 22-01.
17-11-1999 Proc. n.º 1007/99 - 3.ª Secção
Brito Câmara, Martins Ramires, Armando Leandro, Leonardo Dias

O crime de tráfico de menor gravidade fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração em conjunto de diversos factores, alguns deles exemplificativamente indicados na norma: meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
24-11-1999 Proc. n.º 937/99 - 3.ª Secção
Martins Ramires, Lourenço Martins, Leonardo Dias, Armando Leandro

Estando provado que a actividade do arguido, embora tenha perdurado durante cerca de seis meses e com certa habitualidade, diz respeito a quantidades muito diminutas, já que ele adquiria duas ou três "quartas" de heroína e cocaína duas a três vezes por semana - que correspondem a uma média semanal de 1,5 g das referidas substâncias -, das quais consumia parte, cerca de um terço, e vendia a terceiros a restante, tais factos permitem que funcione o regime privilegiado do art. 25.º, al. a), do DL 15/93.
24-11-1999 Proc. n.º 1029/99 - 3.ª Secção
Martins Ramires, Armando Leandro, Virgílio Oliveira, Mariano Pereira

Para se aquilatar do preenchimento do tipo legal do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, haverá de se proceder a uma "valorização global do facto", não devendo o intérprete deixar de sopesar todas e cada uma das circunstâncias a que alude aquele artigo, podendo juntar-lhe outras.
07-12-1999 Proc. n.º 1005/99 - 3.ª Secção
Lourenço Martins, Virgílio Oliveira, Leonardo Dias Armando Leandro

Perante a moldura penal abstracta imposta pelo art. 25.º do DL 15/93, não deve entender-se o "tráfico de menor gravidade" como tráfico de gravidade necessariamente diminuta. IV - A tipificação do art. 25.º, do DL 15/93, parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21.º e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma indicada em primeiro lugar. A significação dos factos provados - o arguido detinha dezanove embalagens de heroína com o peso (líquido) global de 0,607 g, que destinava à venda a terceiros, com fins lucrativos; vendeu substâncias estupefacientes a consumidores de determinada cidade onde era conhecido por aqueles como vendedor de tais produtos; era consumidor de heroína e encontrava-se em tratamento num CAT; vivia sozinho numa casa sem quaisquer condições de higiene - considerados na sua globalidade complexiva, interpretados à luz do espírito do sistema legal, que o princípio da proporcionalidade inspira, permite concluir que estamos perante uma actividade de pequeno tráfico, de ilicitude consideravelmente menos grave do que aquela que é pressuposto do tipo do art. 21.º do DL 15/93 e, deste modo, o crime praticado é o do art. 25.º daquele diploma.
15-12-1999 Proc. n.º 912/99 - 3.ª Secção
Armando Leandro, Leonardo Dias, Virgílio Oliveira, Mariano Pereira

Resultando dos autos que a arguida, condenada em autoria singular, detinha heroína para venda no dia 18-02-1998, que a quantidade de heroína detida pela arguida e destinada à venda foi de 0,620 g e que, para além do referido, não foi apreendido à arguida qualquer outro produto estupefaciente, nem qualquer bem ou artigo habitualmente relacionado com a actividade própria dos traficantes de droga; tudo aponta para que essa conduta integre um crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25 do DL 15/93 de 22-01.
09-12-1999 Proc. n.º 939/99 - 5.ª Secção
Guimarães Dias, Oliveira Guimarães, Dinis Alves, Costa Pereira

Nada no preceituado no art. 25, do DL n.º 15/93, de 22/01, inculca que o factor "quantidade", referido como exemplo padrão na consideração da sensível diminuição da ilicitude susceptível de privilegiar o crime de tráfico, se revista de valor decisivo e preponderante, ou por si só determinante, para a formulação de tal juízo. Por outras palavras, todos os sobreditos elementos padrão têm de ser articulados entre si e ponderados numa visão global, informada e preenchida pelos meios utilizados e pelas modalidades ou circunstâncias da acção.
23-03-2000 Proc. n.º 54/2000 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães, Costa Pereira, Abranches Martins

Integra a prática de um crime p. e p. no art. 25.º do DL n.º 15/93, de 22/01, a conduta de quem, a troco de heroína e de cocaína, de que era consumidor, sendo conhecedor das características e propriedades de tais produtos e da proibição legal da sua conduta, desde o início de 1996 e até Novembro do mesmo ano, permite aos seus co-arguidos guardar produto estupefaciente num seu estabelecimento comercial, para posterior venda por aqueles.
30-03-2000 Proc. n.º 1175/99 - 5.ª Secção
Guimarães Dias, Oliveira Guimarães, Dinis Alves, Costa Pereira

Perante a quantidade diminuta da heroína detida (0,340 g), sendo reduzidos ao mínimo os meios utilizados e destinando-se as verbas obtidas aos fins atrás referidos, a ilicitude do facto surge consideravelmente diminuída, integrando-se a respectiva conduta na previsão do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01.
17-05-2000 Proc. n.º 260/2000 - 3.ª Secção
Flores Ribeiro, Brito Câmara, Lourenço Martins, Pires Salpico

A quantidade de 0,078 g de heroína é diminuta. A sua detenção pelo arguido, apresentando-se tal actuação, face aos factos provados, como isolada, integra a prática do crime do art. 25.º, al. a), do DL 15/93.
28-06-2000 Proc. n.º 113/2000 - 3.ª Secção
Pires Salpico, Leal-Henriques, Armando Leandro, Virgílio Oliveira

É de subsumir na previsão do crime de tráfico de menor gravidade a conduta em que se prove que os meios utilizados são os habituais nestas situações (uma deslocação ao Casal Ventoso), em que as drogas adquiridas (cocaína e heroína) são de quantidades pouco relevantes e destinadas a serem repartidas por duas pessoas, e em que a actuação dos arguidos se confina a uma parceria ocasional e rudimentar.
15-06-2000 Proc. n.º 172/2000 - 5.ª Secção
Dinis Alves, Abranches Martins, Hugo Lopes, Costa Pereira

O art. 25.º do DL 15/93 tem na sua base o reconhecimento de que a intensidade das circunstâncias pertinentes à ilicitude do facto não encontra na moldura penal normal (do art. 21.1), pela sua gravidade diminuta, acolhimento justo, equitativo, proporcional.
12-07-2000 Proc. n.º 266/2000 - 3.ª Secção
Virgílio Oliveira, Flores Ribeiro, Mariano Pereira, Brito Câmara

Já não há lugar para se erigir como factor decisivo de qualificação (ao contrário do que acontecia na vigência do DL 430/83, de 13-12, cujo art. 24.º precisamente se epigrafava de "tráfico de quantidades diminutas") o da maior ou menor quantidade de droga: este factor será um entre os mais a considerar. O que importa, isso sim, é apurar, na falada análise, se de todo o conjunto da actividade do arguido emergem itens inculcadores de reiteração, habitualidade, intensidade, disseminação alargada ou sintomaticamente expressiva, ligações mais ou menos marcadas ao mundo dos estupefacientes ou ao seu mercado, carácter dos actos praticados e sua dimensão. Só deste apuramento pode partir-se para, com razoável segurança, se extremarem, entre si, o grande tráfico, o médio tráfico e o pequeno tráfico e, através dessa diferenciação, alcançar-se suporte para se afirmar se se trata ou não de um caso de ilicitude consideravelmente diminuída.
12-10-2000, Proc. n.º 170/2000 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães, Dinis Alves, Guimarães Dias, Costa Pereira

A quantidade e a qualidade da droga, continuando a ser factores importantes, não assumem actualmente, por si sós, o papel único e absoluto de ditarem a qualificação (ao contrário do que acontecia na vigência do art. 24.º do DL 430/83, de 13-12): aquela impõe a visão global das acções, só desta podendo dimanar a conclusão de que o tráfico de que se trate merece e justifica ser apodado como de menor gravidade. E também não é legítimo secundarizar considerações de justiça relativa nessa operação de qualificação, pois que, sem elas, não se torna possível e muito menos será seguro extremar, entre si, as situações de grande tráfico, de médio tráfico, de pequeno tráfico ou de tráfico ocasional ou acidental, em sede de, ajustadamente, se compatibilizarem a extensão e os efeitos das condutas com a medida das sanções que devam aplicar-se-lhes e com a dimensão da culpa dos respectivos agentes. Se a acção do arguido se desenvolveu por um período de tempo reduzido, não foi apoiada por grandes meios; se radicou visivelmente (ainda que não exclusivamente) em necessidades de consumo, se originou por modo patente na degradação do seu percurso de vida (do que lhe não cabe inteira responsabilidade), não mostra ligação a grandes ou a significativos circuitos ou meandros de tráfico, não revela ligações profundas com aquele meio e se apresenta-se artesanal nos moldes e pouco expressivo nas consequências, há que concluir que a mesma tem acolhimento na previsão do art. 25.º do DL 15/93.
19-10-2000, Proc. n.º 2803/2000 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães, Dinis Alves, Guimarães Dias, Carmona da Mota

No regime emergente do DL n.° 430/83 de 13 de Dezembro e no vigente DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, pressupõe-se uma certa tipologia de traficantes: os grandes traficantes (art.s 21.º e 22.º do último diploma citado), os médios e pequenos traficantes (art. 25.º do mesmo diploma), e os traficantes consumidores (art. 26.°). À natureza da punição (embora o legislador não tivesse aderido à conhecida distinção entre drogas duras e leves), também não é alheia a perigosidade da droga traficada: verifica-se alguma graduação, consoante a sua posição nas Tabelas I a III ou na Tabela IV anexas ao citado decreto-lei. Por outro lado, embora a lei não inclua a intenção lucrativa na definição do tipo legal, o certo é que ela não pode ser indiferente. Releva ainda para o enquadramento legal das condutas sob apreciação, o conhecimento da personalidade do arguido, do seu habitat - se era um dealer de apartamento ou de rua, se era um simples intermediário - e, em particular, se não era consumidor de droga, se era consumidor ocasional ou era já um consumidor habitual ou mesmo um toxicodependente. Tendo em conta que: - o arguido à data em que foi detido (23.01.98) era consumidor habitual de heroína, e por vezes, de cocaína, que injectava, consumindo em média cinco a sete doses diárias; - ia abastecer-se ao Casal Ventoso duas vezes por mês, onde comprava o produto a indivíduos que não foi possível identificar, para depois o consumir, e nos últimos seis meses antes da sua detenção, também dividia parte do produto adquirido da segunda deslocação mensal a Lisboa, em palhinhas, que vendia esporadicamente em número não superior a cinco ou seis, a consumidores que para o efeito o procurassem, ao preço de 1000 escudos cada; na busca ao local da sua residência foram encontradas 3,089 gramas de heroína e 0,236 gramas de cocaína, adquiridas nesse dia no Casal Ventoso, num total de 10 quarteiras de heroína e 1 quarteira de cocaína, tudo pelo preço de 27500 escudos; - é cantoneiro de limpeza, tem como habilitações literárias a 4.ª classe do ensino básico, e é pai de dois filhos, com 6 e 4 anos de idade, respectivamente, os quais se encontram a viver um, com a família da mãe, e o outro com a família do arguido; o conceito em branco de ilicitude consideravelmente diminuída inserido no art. 25.º, do DL 15/93, mostra-se, neste caso, preenchido.
30-11-2000 Proc. n.º 2849/2000 - 5.ª Secção
Pereira Madeira, Simas Santos, Costa Pereira, Abranches Martins

Estando provado que o arguido, já com 50 anos de idade, de bom comportamento anterior (sem quaisquer antecedentes criminais), foi encontrado uma única vez com 200,6 g de haxixe e não se tendo determinado que esta substância era para comercializar, os factos descritos não devem submeter-se ao tipo do art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, mas antes ao do art. 25.º do mesmo diploma. Naquele contexto, e tendo-se também em conta o modo de vida do arguido (vive sozinho, trabalha durante o verão num restaurante, como empregado de mesa, e durante o resto do ano faz trabalho de soldadura, recebendo ainda uma pensão de reforma por invalidez), é adequada a pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por um período de 3 anos.
24-01-2001 Proc. n.º 3826/00 - 3.ª Secção
Leal-Henriques, José Dias Bravo, Armando Leandro

Provando-se em sede de matéria de facto: - que o arguido, aquando da busca efectuada tinha na sua residência, 70,5 g de haxixe (peso líquido) e uma caixa metálica com resíduos do mesmo produto; - que conhecia a natureza e as características estupefacientes daquele produto (apesar de se tratar de uma droga considerada leve); - que tal produto lhe pertencia; - que o destinava à cedência a terceiros, mediante contrapartida monetária; - que nos 15 dias anteriores à sua detenção, procedeu a diversas vendas daquele produto, realizando com as mesmas 16000 escudos, deve esta factualidade ser subsumida no crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21.º, do DL 15/93, de 22/1.
18-01-2001 Proc. n.º 3573/00 - 5.ª Secção
Dinis Alves, Guimarães Dias, Carmona da Mota

O facto de se mostrar provado que o arguido "cedeu heroína, várias vezes e a diversas pessoas toxicodependentes, mediante contrapartida monetária" não exclui a aplicação do art. 25.º do DL 15/93. Sendo essas condutas típicas do crime de tráfico, é evidente que o tipo privilegiado do art. 25.º não deixa de prever um crime de tráfico de estupefacientes, só que de menor gravidade que o crime principal. Resultando dos factos provados que o arguido, consumidor da heroína, actuava sozinho, ia buscar a heroína - 15 a 20 "quartas" por semana, pelas quais pagava cerca de 50000 escudos - ao Casal Ventoso, normalmente de bicicleta, fazendo de cada "quarta" cerca de 5 ou 6 doses individuais, que vendia por 1000 escudos cada, actividade que se prolongou por cerca de sete meses, tendo sido surpreendido, no momento da sua detenção, na posse de 23 embalagens com 1,231 g daquele produto, tendo cedido 0,110 g, em duas embalagens, à sua co-arguida (num total que não atinge 2 gramas), sendo a dependência de tal produto que o impelia para esse "comércio", no intuito dominante de a alimentar, apesar da qualidade da substância em causa, que, pela dependência que provoca no consumidor, é das drogas mais prejudiciais do mercado, revela aquela actuação uma ilicitude consideravelmente diminuída, integrando-se na disposição do mencionado art. 25.º.
14-02-2001 Proc. n.º 4210/00 - 3.ª Secção
Lourenço Martins, Leal-Henriques, Armando Leandro, Pires Salpico (vencido)

Embora o arguido tenha sido detido na posse de 21,572 gramas de heroína (em 78 embalagens) e 2,505 gramas de cocaína (em 14 embalagens), provando-se que tais produtos não lhe pertenciam, que não seria o arguido a disseminá-lo (ainda que soubesse que se destinavam a ser distribuídos por terceiros), que a sua vantagem neste "negócio" se cifrava em 15000 escudos, e não decorrendo da matéria de facto provada que tal comportamento correspondesse a uma actuação que viesse a ser desenvolvida de forma continuada no tempo, significa isso que a ilicitude do respectivo comportamento pode ter-se como "consideravelmente diminuída", e como tal, subsumível no âmbito do art. 25.º do DL 15/93, de 22/01.
15-03-2001 Proc. n.º 242/01 - 5.ª Secção
Guimarães Dias, Pereira Madeira, Carmona da Mota, Simas Santos

Haverá que aferir se no caso a "imagem global do facto" que se consegue extrair da matéria considerada como provada encontra na moldura penal do art. 21.º do DL 15/93 urna resposta justa ou proporcional, ou se, pelo contrário, circunstâncias existem, designadamente por referência aos elementos normativos do art. 25.º, susceptíveis de revelarem uma intensidade da ilicitude muito menor à pressuposta por aquela norma, e como tal, a justificar uma punição que logicamente lhe fique aquém.
01-03-2001 Proc. n.º 122/01 - 5.ª Secção
Guimarães Dias, Carmona da Mota, Pereira Madeira, Simas Santos

Apesar de o arguido ter efectivamente praticado alguns dos actos descritos no art. 21.º, do DL 15/93, de 22-01 - proporcionando ao co-arguido (qual chauffeur particular) o transporte ao local em que este ia adquirir a droga, de três em três dias e, no regresso, o transporte do mesmo e da droga adquirida (cerca de 5 g de heroína) -, de não ganhar com tal actividade, de cada vez, mais do que um "fumo" dessa substância e que, por outro lado, ao prestar aquele auxílio ao seu co-arguido, não pretender senão "conseguir substâncias para o seu uso pessoal", não é a sua conduta subsumível ao art. 26.º, n.º 1, do mesmo diploma (traficante-consumidor), porquanto a quantidade de droga que transportou/deteve no seu carro, em cada viagem de regresso, era bem superior à "necessária para o consumo médio individual durante um período de cinco dias", tanto mais que o arguido, ao longo dos nove meses por que se prolongou tal actividade o arguido recebeu do seu co-arguido, em pagamento da sua ajuda, cerca de 90 doses de heroína (cerca de 4,5 g). Todavia, porque a ilicitude do seu facto se mostra consideravelmente diminuída em razão da "modalidade e circunstâncias da acção" - pois que praticamente se limitou, sendo toxicodependente, a levar o co-arguido, de três em três dias, em troca de um "fumo" de heroína por viagem, ao encontro do fornecedor - valerá ao arguido o disposto no art. 25.º, do referido diploma legal (tráfico de menor gravidade).
10-05-2001 Proc. n.º 472/01 - 5.ª Secção
Carmona da Mota, Pereira Madeira, Simas Santos

Provado que os dois arguidos se deslocavam, em regra diariamente, ao Casal Ventoso, onde, em cada deslocação, cada um deles adquiria, em média, um grama de heroína, que depois dividia em 15 doses individuais, consumindo parte dessas doses e vendendo, em conjunto, as restantes, à razão de 1000 escudos, actividade que perdurou cerca de 34 dias, não é patente que os meios utilizados, as circunstâncias da acção, a qualidade da droga implicada e a quantidade de droga movimentada minimizem tanto a ilicitude do facto que essa diminuição possa ter-se como "considerável" para efeitos de, no quadro do tipo privilegiado do art. 25.º do DL 15/93 de 22-01, "se mostrar consideravelmente diminuída".
21-06-2001 Proc. n.º 863/01 - 5.ª Secção
Carmona da Mota, Pereira Madeira, Abranches Martins, Hugo Lopes

A actuação do arguido patenteia uma organização e logística incipientes, numa actividade isolada, posto que a heroína - de que o arguido foi surpreendido na posse de 1,208 g - seja uma das drogas mais prejudiciais. Não havendo indicação do período anterior a que se reportasse a actividade de tráfico, a ilicitude, consideravelmente diminuta, no tipo legal do art. 25.º do dec. lei 15/93. Apreciada a conduta na globalidade, revela-se um pequeno traficante, também dependente de droga, na qual sobreleva esta dependência e a subsequente actividade que proporcione o alimento da mesma. No condicionalismo descrito, a pena a aplicar não deve exceder 2 anos e 6 meses de prisão, não sendo configurável a sua suspensão, que nem sequer vem pedida.
10-10-2001 Proc. N.º 2446/01 - 3.ª Secção
Lourenço Martins, Armando Leandro, Pires Salpico (vencido)

I - Quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime-tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta II - Depois, nos tipo privilegiado e qualificado, vem definir os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base conduzindo a outros quadros punitivos. III - E só a verificação afirmativa, positiva desses elementos atenuativo ou agravativo é que permite o abandono do tipo simples. IV - Verifica-se o crime de tráfico de menor gravidade, quando dos meios utilizados, da modalidade ou nas circunstâncias da acção, da qualidade ou na quantidade das plantas ou substâncias, resulte uma considerável diminuição da ilicitude do facto, como acontece quando o arguido vendeu heroína durante 1 dia e até às 13 horas do dia seguinte, em tráfico de rua, detendo 20 embalagens com um total líquido de 1,845 g e 4700 escudos em dinheiro proveniente de vendas de estupefaciente efectuadas nesse dia.
18-10-2001 Proc. n.º 1188/01 - 5.ª Secção
Simas Santos, Abranches Martins, Hugo Lopes, Oliveira Guimarães

I - O tráfico de menor gravidade (art. 25.º do DL 15/93) pressupõe que a ilicitude do facto - aferida, nomeadamente, pelos meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das substâncias - se mostre consideravelmente diminuída. II - A interpretação que parece mais consentânea com o texto (e com a epígrafe) do art. 25.º do DL 15/93 é a de que o legislador quis incluir aqui todos os casos de menor gravidade, indicando exemplificativamente circunstâncias que poderão constituir essa situação. Assim, será correcto considerar-se preenchido este crime sempre que se constate a verificação de uma ou mais circunstâncias que diminuam consideravelmente a ilicitude, como poderá ser, por exemplo, uma quantidade reduzida de droga, ou esta ser uma droga leve, ou quando a difusão é restrita, etc. O crime do art. 25.º é para o pequeno tráfico, para o pequeno retalhista de rua» (Eduardo Maia Costa, Direito Penal da Droga, RMP, 74).
31-01-2002 Proc. n.º 4264/01 - 5ª secção
Carmona da Mota, Pereira Madeira, Simas Santos, Abranches Martins

Tendo a actividade de tráfico de rua levada a cabo pelo arguido implicado, apenas, 0,292 g de «heroína» (ainda por «passar») e 42500 escudos em dinheiro (já realizado na «heroína» já «passada»), a ilicitude do facto, porque consideravelmente diminuída (tendo em conta a singeleza dos meios utilizados no retalho de rua em geral e neste em particular, a reduzida quantidade [do princípio activo] da droga já transaccionada ou ainda por transaccionar e a qualidade da droga implicada - que, de «heroína»/«princípio activo», após os «cortes» operados em cada passo do seu atribulado percurso, já teria, ao chegar ao consumidor, muito pouco), repudia a (gravosa) penalidade abstractamente prevista pelo art. 21.º do DL n.º 15/93 e se basta com a penalidade (privilegiada) do art. 25.º, prevista para os casos, «porventura de gravidade ainda significativa», em que «a medida justa da punição não tem resposta adequada dentro da moldura penal geral» (STJ 15-12-1999, recurso 912/99-3).
14-02-2002 Proc. n.º 4444/01 - 5.ª Secção
Carmona da Mota, Pereira Madeira, Simas Santos, Abranches Martins

I - Não deve entender-se o "tráfico de menor gravidade" previsto no art. 25.º, do DL 25/93, de 22-01, como tráfico de gravidade necessariamente diminuta. II - A tipificação do referido art. 25.º parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e a frequência desta), encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do art. 21.° do mesmo diploma e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no art. 25º. Resposta que nem sempre seria viável e ajustada através dos mecanismos gerais de atenuação especial da pena (arts. 72.° e 73.°, do CP), cuja possibilidade de aplicação não podia ter deixado de estar presente no espírito do legislador ao decidir-se pelo tipo privilegiado do mesmo art. 25º.
20-03-2002 Proc. n.º 121/02 - 3.ª Secção
Armando Leandro, Virgílio Oliveira, Flores Ribeiro, Lourenço Martins
I - O «retalho» de meio grama diário de «heroína» (cujo «princípio activo»/«diacetilmorfina», no pressuposto - generoso - de um grau de pureza de 20%, não ultrapassaria 0,1g, quantidade que corresponde, segundo a Portaria n.º 94/96, de 26-03, a, tão só, uma dose média individual diária), durante pouco mais de dois meses, não reclama a (gravosa) penalidade abstractamente prevista pelo art. 21.º do DL 15/93. II - Em tais circunstâncias, a ilicitude do facto, porque consideravelmente diminuída (tendo em conta - para além das pequenas quantidades envolvidas e da qualidade da droga implicada, que, de «heroína»/«princípio activo», após os «cortes» operados em cada passo do seu atribulado percurso, já teria, ao chegar ao consumidor, muito pouco - a singeleza dos meios utilizados no retalho de rua em geral) bastar-se-á com a penalidade (privilegiada) do art. 25.º, prevista para os casos, «porventura de gravidade ainda significativa», em que «a medida justa da punição não tem resposta adequada dentro da moldura penal geral». III - Aliás, o art. 25.º do DL 15/93 constitui «uma regra especial de medida judicial da pena, que envolve tão só a modificação do tipo em sede de pena, ou simplesmente uma regra de aplicação de pena». IV -«Se a questão do limite ou da moldura da culpa está plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, já não o estará a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo em todo desproporcionada» (Figueiredo Dias, Direito Penal II, p.197).
07-03-2002 Proc. n.º 355/02 - 5.ª secção
Carmona da Mota, Pereira Madeira, Simas Santos, Abranches Martins


5. tráfico menor (DOUTRINA)

Importa analisar a forma como a jurisprudência tem interpretado os crimes mais frequentes, ou seja, os dos arts. 21.º, 25.º e 26.º. Embora timidamente enunciado, teve o legislador o propósito de não «meter no mesmo saco» todos os traficantes, distinguindo entre os casos «graves» (art. 21.°), os muito graves (art. 24.°), os pouco graves (art. 25.º) e os de gravidade reduzida (art. 26.°), redução essa motivada no fundo pela condição de toxicodependente do agente. Pois bem: a jurisprudência esvaziou quase completamente os arts. 25.º e 26.°, remetendo para o art. 21.° a generalidade das situações. Para tanto, faz uma interpretação «contra legem» do art. 25.º. Com efeito, estabelece este artigo que se aplica às situações em que «a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade» das drogas. A interpretação que parece mais consentânea com o texto (e com a epígrafe do artigo) é a de que o legislador quis incluir aqui todos os casos de menor gravidade, indicando exemplificativamente circunstâncias que poderão constituir essa situação. Assim, será correcto considerar-se preenchido este crime sempre que se constate a verificação de uma ou mais circunstâncias que diminuam consideravelmente a ilicitude, como poderá ser, por exemplo, uma quantidade reduzida de droga, ou esta ser uma «droga leve», ou quando a difusão é restrita, etc. O crime do art. 25.º é para o pequeno tráfico, para o pequeno «retalhista» de rua.
Eduardo Maia Costa, Direito penal da droga, RMP 74-103, ps. 114 e ss.


6. REQUALIFICAÇÃO DOS FACTOS

6.1. O tráfico de menor gravidade (art. 25.º do dec. lei 15/93) pressupõe que a ilicitude do facto - aferida, nomeadamente, pelos meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das substâncias - se mostre consideravelmente diminuída.

6.2. No caso, o arguido foi surpreendido, na rua, na posse de 6,018 g de heroína (em 44 embalagens) e de 5,154 g de cocaína (em 24 embalagens), que «destinava a comercializar na Rua do Sol a Chelas, com a intenção de obter uma contrapartida económica». Porém, não terá chegado a comercializar nenhuma das embalagens que detinha para o efeito, já que se não provou que os 8500 escudos que tinha consigo «fossem provenientes da venda de produtos estupefacientes».

6.3. Não se provou, aliás, que o arguido já «em data anterior tivesse decidido proceder à venda de produtos estupefacientes» nem que, para tanto, «tivesse adquirido outras tais substâncias para, em momento posterior, as revender com lucro a terceiros».

6.4. E se também se não provou «que os proventos a obter com a venda de estupefacientes se destinassem exclusivamente à aquisição de droga para seu consumo», é, todavia, plausível que o arguido - sendo «consumidor de heroína e cocaína há 16 anos» - os destinasse, em boa parte, a financiar o seu próprio consumo.

6.5. Restará aferir se a «quantidade» e a «qualidade» das drogas detidas impedirão - ou não - a qualificação da ilicitude do facto, na sua «imagem global», como «consideravelmente diminuída». Para tanto haverá que ter em conta, desde logo, que, segundo a Portaria 94/96 de 26Mar (que o estabeleceu com base nos «dados epidemiológicos referentes ao uso habitual»), o limite quantitativo máximo, do respectivo princípio activo (diacetilmorfina e cloridrato de cocaína), para cada dose média individual diária de heroína e cocaína é, respectivamente, de 0,1 e 0,2 g. E, por outro lado, o (último) estádio de comercialização em que a droga apreendida foi apreendida, pois que, após os «cortes» operados em cada passo do seu atribulado percurso, já teria, ao chegar ao consumidor, (proporcionalmente) muito pouco do correspondente princípio activo. Daí que, apesar do peso do «produto» (6,018 g de «heroína» e 5,154 g de «cocaína»), este, no pressuposto (generoso) de um grau de pureza de 15%, não deteria mais que 0,9 g de diacetilmorfina e de 0,8 g de cloridrato de cocaína, correspondentes a nove doses médias individuais diárias de «heroína» e a quatro doses médias individuais diárias de «cocaína»).

6.6. Será, pois, de repudiar (no contexto da redução da pena pedida em recurso) a qualificação (como «tráfico comum») do «tráfico de rua» em cujo «flagrante» o arguido foi surpreendido em 30Ago01. Já que, tendo essa «actividade» implicado, não mais que 1 g de diacetilmorfina e de 1 g de cloridrato de cocaína, correspondentes, no máximo, a dez doses médias individuais diárias de «heroína» e a cinco doses médias individuais diárias de «cocaína», a ilicitude do facto (6), porque consideravelmente diminuída (tendo em conta a singeleza dos meios utilizados no retalho de rua em geral e neste em particular, a nula quantidade de droga já transaccionada, a reduzida quantidade do princípio activo da droga por transaccionar e a qualidade da droga encontrada ao arguido - que, de «princípio activo», após os «cortes» operados em cada passo do seu atribulado percurso, já teria, nesse estádio, bem pouco), não se coaduna com a (gravosa) penalidade abstractamente prevista pelo art. 21.º do dec. lei 15/93, bastando-se, antes, com a penalidade (privilegiada) do art. 25.º, prevista para os casos, «porventura de gravidade ainda significativa», em que «a medida justa da punição não tem resposta adequada dentro da moldura penal geral» (STJ 15-12-1999, recurso 912/99-3) (7).

6.7. Operando enfim a «valoração global do facto», na consideração (jurisprudencial) (8) de que

· «A tipificação do art. 25.º do DL 15/93 parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21.º e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma indicada em primeiro lugar»,
· «Haverá que aferir se a "imagem global do facto" encontra na moldura penal do art. 21.º do DL 15/93 urna resposta justa ou proporcional, ou se, pelo contrário, circunstâncias existem, designadamente por referência aos elementos normativos do art. 25.º, susceptíveis de revelarem uma intensidade da ilicitude muito menor à pressuposta por aquela norma, e como tal, a justificar uma punição que logicamente lhe fique aquém»,
· «Nada no preceituado no art. 25, do DL n.º 15/93, de 22/01, inculca que o factor "quantidade", referido como exemplo padrão na consideração da sensível diminuição da ilicitude susceptível de privilegiar o crime de tráfico, se revista de valor decisivo e preponderante, ou por si só determinante, para a formulação de tal juízo, pois que todos os sobreditos elementos padrão têm de ser articulados entre si e ponderados numa visão global, informada e preenchida pelos meios utilizados e pelas modalidades ou circunstâncias da acção»,
· «Já não há lugar para se erigir como factor decisivo de qualificação (ao contrário do que acontecia na vigência do DL 430/83, de 13-12, cujo art. 24.º precisamente se epigrafava de "tráfico de quantidades diminutas") o da maior ou menor quantidade de droga, um factor um entre os mais a considerar, importando, isso sim, apurar, nessa análise, se de todo o conjunto da actividade do arguido emergem itens inculcadores de reiteração, habitualidade, intensidade, disseminação alargada ou sintomaticamente expressiva, ligações mais ou menos marcadas ao mundo dos estupefacientes ou ao seu mercado, carácter dos actos praticados e sua dimensão, só deste apuramento se podendo partir para, com razoável segurança, se extremarem, entre si, o grande tráfico, o médio tráfico e o pequeno tráfico e, através dessa diferenciação, alcançar-se suporte para se afirmar se se trata ou não de um caso de ilicitude consideravelmente diminuída»,
· «O art. 25.º do DL 15/93 tem na sua base o reconhecimento de que a intensidade das circunstâncias pertinentes à ilicitude do facto não encontra na moldura penal normal (a do art. 21.1), pela sua gravidade diminuta, acolhimento justo, equitativo, proporcional»,

poderá concluir-se «que estamos perante uma actividade de pequeno tráfico, de ilicitude consideravelmente menos grave do que aquela que é pressuposto do tipo do art. 21.º do DL 15/93 e que, deste modo, o crime praticado é o do art. 25.º daquele diploma».


7. A MEDIDA DA PENA

7.1. Caberá agora determinar - no âmbito da pena privilegiada do art. 25.a do dec. lei 15/93 («prisão de um a cinco anos») - a medida concreta da pena. Ora, «só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido à suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação de delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida» (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 55). Mas «em caso algum pode haver pena sem culpa ou a medida da pena ultrapassar a medida da culpa» (princípio da culpa), «princípio que não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização» (§ 56).

7.2. No caso, as exigências (art. 40.1 do CP) de «reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida» apontam para uma «moldura penal» - não contrariada pelo «princípio da culpa» - de dois a três anos de prisão. Neste espaço - de incidência da «ideia de prevenção especial positiva ou de socialização» - haverá (consideradas a idade - 29 anos - do arguido, o peso do seu passado penal (9) e suas condições de vida) (10) que individualizar/concretizar a pena, fixando-a em «dois anos e meio de prisão».

7.3. Não vem pedida a substituição da pena de prisão por «suspensão», mas a verdade é que - pois o art. 70.º do CP/95 manifesta «preferência pela pena não privativa da liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» - «o tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a 3 anos, terá sempre de fundamentar especificamente (...) a denegação da suspensão, nomeadamente no que toca ao carácter (...) desfavorável da prognose e (eventualmente) às exigências de defesa do ordenamento jurídico» (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, § 523). Ora, segundo o art. 50.1 do CP/95, «o tribunal suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir (11) que a simples (12) censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». No pressuposto, obviamente, de que, por um lado, o que aqui está em causa não é qualquer «certeza», mas a «esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda» (ob. cit., § 521) e de que, por outro, «o tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco - digamos: fundado e calculado - sobre a manutenção do agente em liberdade» (idem). Porém, «havendo razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não cometer crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada» (ob. cit., § 521). Acresce que «a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável (à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem» (ob. cit., § 520) «as finalidades da punição» (art. 50.1 e 40.1 do CP), nomeadamente «considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico» (ob. cit., § 520), pois que «só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto» (idem).

7.4. No caso - em que as condenações anteriores do arguido (uma delas por homicídio frustrado e outra por roubo) não serviram de suficiente advertência contra o crime - há, com efeito, razões sérias para duvidar (tanto mais que já há dezasseis anos que é consumidor dependente de heroína e só agora pediu, na cadeia, para se sujeitar a um programa de substituição por metadona) da capacidade do agente de não cometer crimes se for deixado em liberdade. Além de que, no caso, concorrem - para negar a suspensão - «considerações de prevenção geral» - ligadas com o alarme social que o tráfico de droga em geral produz no tecido social. Acresce, enfim, que a sua actual reclusão «parece estar a funcionar como estímulo ao corte no consumo».

8. CONCLUSÕES

8.1. «A interpretação que parece mais consentânea com o texto (e com a epígrafe) do artigo 25.º do dec. lei 15/93 é a de que o legislador quis incluir aqui todos os casos de menor gravidade, indicando exemplificativamente circunstâncias que poderão constituir essa situação. Assim, será correcto considerar-se preenchido este crime sempre que se constate a verificação de uma ou mais circunstâncias que diminuam consideravelmente a ilicitude, como poderá ser, por exemplo, uma quantidade reduzida de droga, ou esta ser uma «droga leve», ou quando a difusão é restrita, etc. O crime do art. 25.º é para o pequeno tráfico, para o pequeno «retalhista» de rua» (13).

8.2. A expressa incomprovação de que a conduta do arguido tinha «por finalidade exclusiva conseguir substâncias para uso pessoal» afasta a sua qualificação jurídico-criminal - ensaiada, não obstante, pelo recorrente na motivação do seu recurso - como «tráfico/consumo» (art. 26.1 do dec. lei 15/93).


9. DECISÃO

9.1. Tudo visto, o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em audiência, delibera - na parcial procedência do recurso de 27Fev02 do cidadão A - requalificar, como integrantes de um crime de «tráfico de menor gravidade» (art. 25.º do dec. lei 15/93), os factos fixados no tribunal a quo e, nessa medida, reduzir-lhe a pena aplicada em 1.ª instância a «dois anos e meio de prisão».

9.2. O recorrente - porque decaiu em parte - pagará as custas do recurso, com 3 (três) UC de taxa de justiça e 1 (uma UC) de procuradoria


Lisboa, 27 de Junho de 2002.
Carmona da Mota,
Pereira Madeira,
Simas Santos (com a declaração que junto),
Abranches Martins.


Declaração de Voto

«Votei a pena fixada neste STJ, mas com fundamento diverso. Com efeito, tenho entendido que só se deve afastar o crime típico simples e acolher o tráfico de menor gravidade quando da matéria de facto provada resulte positivamente uma situação reveladora de uma menor ilicitude; no caso, tal não resulta da factualidade assente, aliás lacunosa, surgindo antes um tráfico de rua, a duas mãos, com duas substâncias diferentes (cocaína e heroína), no total de cerca de 11 g.
No entanto, atenuaria especialmente a pena do arguido, face à sua dependência das drogas, longa de 16 anos, à sua situação sanitária (SIDA), bem como à sua disposição positiva para o futuro, como se retrata na nota 10 do acórdão, a que acresce a já referida nebulosidade da matéria de facto»).

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(1)Preventivamente preso entre 30Ago01 e 8Mai02, data em que foi afecto, para cumprimento de 160 dias de prisão subsidiária, ao processo abreviado 19/01.4SZLSB da 1.ª secção do 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa.
(2) «Não se provou que o arguido tivesse decidido, em data anterior a 30 de Agosto de 2001, proceder à venda de produtos estupefacientes na Rua do Sol a Chelas; que, para tanto, tivesse adquirido tais substâncias para, em momento posterior, as revender com lucro a terceiros; que a quantia monetária que tinha na sua posse fosse proveniente da venda de produtos estupefacientes; que os proventos obtidos com a venda de estupefacientes se destinassem exclusivamente à aquisição de droga para seu consumo».
(3) Juízes Guilhermina de Freitas, Agostinho Torres e João Paulo Decroock.
(4) Adv. Ana Valentim.
(5) Proc. Jashavantilal Hirgee.
(6) «O crime de tráfico de menor gravidade fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração em conjunto de diversos factores, alguns deles exemplificativamente indicados na norma: meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações» (STJ 24Nov99, recurso 937/99-3, Conselheiros Martins Ramires, Lourenço Martins, Leonardo Dias e Armando Leandro).
(7) «O art. 25.º do DL 15/93 tem na sua base o reconhecimento de que a intensidade das circunstâncias pertinentes à ilicitude do facto não encontra na moldura penal normal (do art. 21.1), pela sua gravidade diminuta, acolhimento justo, equitativo, proporcional» (STJ 12Jul00, recurso 266/00-3, Conselheiros Virgílio Oliveira, Flores Ribeiro, Mariano Pereira e Brito Câmara).
(8) Cfr., supra, n.º 4.
(9) Três anos de prisão em 6Out94 por homicídio tentado reportado a 08Ago93 e sete meses de prisão em 9Out95 por motivo de roubo cometido em 31Mai94. A que acresce a condenação em 21fev02 - e , por isso, já depois do crime ajuizado nestes autos - em 240 dias de multa ou, subsidiariamente, 160 dias de prisão (ora em cumprimento), por três crimes de ameaças perpetrados em 11Jul01.
(10) «Vendedor ambulante de etnia cigana. Na cadeia, onde é visitado pela mãe, tem-se mantido inactivo, mas já solicitou integração em programa de substituição de opiáceos por metadona. É portador de doença infecto-contagiosa. O seu percurso de vida tem sido condicionado pelo consumo de drogas e o agravamento do seu estado de saúde condiciona o seu futuro. A reclusão parece funcionar, no presente, como estímulo ao corte no consumo. Conta com o apoio da mãe, com quem voltará, quando sair da cadeia, a residir» (cfr. relatório social de 5Fev02).
(11) «Num juízo ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto e que atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto» (ob. cit., § 518).
(12) Ou, «se o tribunal o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição», «subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta» (art. 50.2 CP).
(13) Eduardo Maia Costa, Direito penal da droga, RMP 74-103, ps. 114 e ss.