Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S2470
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
CONTRATO DE TRABALHO
DIRECTOR
DESPEDIMENTO ILÍCITO
NORMA IMPERATIVA
EQUIDADE
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ200901210024704
Data do Acordão: 01/21/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
I – A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços assenta em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado); e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
II – O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.
III – Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se a proporcionar um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
IV – A subordinação jurídica, característica fundamental do vínculo laboral e elemento diferenciador do contrato de trabalho, implica uma posição de supremacia do credor da prestação do trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem, a que o trabalhador deve obediência.
V – Para alcançar a identificação da relação laboral, é fundamental proceder à análise da conduta dos contraentes na execução do contrato, recolhendo do circunstancialismo que o envolveu indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado ou do modelo da prestação de serviço, por modo a poder-se concluir, ou não, pela coexistência no caso concreto dos elementos definidores do contrato de trabalho.
VI – Ao trabalhador, que pretenda fazer valer direitos emergentes de um contrato de trabalho, incumbe, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar os elementos de facto constitutivos da relação laboral, ou seja, que exerce para outrem uma actividade remunerada, sob a autoridade e direcção daquele que beneficia dessa actividade.
VII – É de qualificar como de trabalho o contrato pelo qual o Autor foi admitido ao serviço da Ré, para desempenhar o cargo de Director de Recursos Humanos, mediante uma remuneração mensal ilíquida de € 5.863,12, em 14 meses por ano, neles se incluindo os subsídios de férias e de Natal, tendo sido acordado como local de trabalho a sede da Ré, um período normal de trabalho semanal de 40 horas, e diário de 8.00 horas (com início às 9.00 horas, termo às 18.00 horas e intervalo para descanso das 12.00 horas às 13.00 horas) e isenção de horário de trabalho, tendo sido atribuído ao Autor um gabinete próprio, com equipamento informático e a respectiva password de acesso, um cartão magnético com o número sequencial em relação aos cartões atribuídos aos empregados da Ré, constatando-se também que no exercício das suas funções o autor tinha como superiores hierárquicos o Director Geral e o Conselho de Administração da Ré e como subalternos os membros da equipa de colaboradores que integram a Direcção de Recursos Humanos.
VIII – A tal conclusão não obsta a autonomia técnica própria das funções que exercia o Autor, nem as circunstâncias, de carácter formal, de ter sido acordado, no primeiro mês de vigência do contrato, que, para efeito de quitação das retribuições pagas, o Autor apresentaria, como veio a ocorrer, facturas ou recibos verdes, emitidos pela sociedade unipessoal de que era sócio-gerente e único suporte, e de a Ré não efectuar os descontos legais para a segurança Social e o Fisco.
IX – Os tribunais só podem resolver segundo a equidade (artigo 4.º do Código Civil): a) quando haja disposição legal que o permita; b) quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível; c) quando as partes tenham previamente convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à cláusula compromissória.
X – Quanto à determinação das importâncias devidas em consequência de despedimento ilícito não se verifica qualquer das situações referidas no mencionado artigo 4.º, sendo que, em tal matéria, não é consentido o recurso a juízos de equidade, em face do disposto no artigo 13.º da LCCT (Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro), preceito de natureza imperativa (artigo 2.º, n.º 1, da LCCT).
XI – Diversamente, no que toca à indemnização por danos não patrimoniais, o artigo 496.º, n.º 3, 1.ª parte, do Código Civil, consagra expressamente o apelo à equidade.
XII – O Autor sofreu danos de ordem moral que justificam a tutela do direito, no circunstancialismo em que se apura que a Ré afixou na sua sede uma “Comunicação Interna”, na qual anunciava que o Autor deixava de exercer as funções na mesma, sem mais qualquer explicação ou esclarecimento, no dia seguinte foi executado o bloqueamento e interditado o acesso ao funcionamento do computador que lhe estava atribuído, tendo, no final do dia, quando o Autor saía das instalações da Ré, sido abordado pelos elementos da Segurança e, ao contrário do costume, foi por estes revistado, bem como o carro (do Autor) em que se fazia transportar e, posteriormente, no dia seguinte, quando se apresentou ao serviço, por ordens da Ré foi impedido de entrar nas suas instalações, tendo a imagem e dignidade do Autor sido afectados pelos comportamentos da Ré, vendo-se obrigado a recorrer aos favores de empréstimos junto de amigos e familiares para poder satisfazer e cumprir os seus compromissos e pagamento das despesas pessoais e familiares.
XIII – Na sobredita situação, desconhecendo-se as condições económicas das partes e assumindo particular relevância a gravidade da culpa e da ilicitude dos factos, bem como a intensidade da ofensa ao sentimento de auto-estima e os consequentes sofrimentos de ordem psíquica, que demandaram apoio médico especializado, mostra-se adequada a indemnização ao Autor de € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. AA instaurou, em 28 de Junho de 2005, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra M... A... G..., Lda., pedindo:

- Se declare válido e em vigor o contrato de trabalho celebrado pelas partes em 9 de Setembro de 2002 e ilícito o despedimento de que foi alvo;
- Se condene a Ré:
- A reintegrá-lo na categoria profissional de Director de Recursos Humanos, acrescida da promoção a Director Geral (Adjunto/Subdirector Geral), tudo sem perda de quaisquer direitos ou regalias, nomeadamente, carreira profissional e antiguidade ou a indemnizá-lo conforme o Autor vier a optar;
- A pagar-lhe todas as retribuições que deixou de receber desde o despedimento até à data da propositura da acção e as que, desde tal data até à decisão judicial final, normalmente receberia;
- A pagar-lhe a retribuição correspondente ao trabalho prestado no mês de Setembro de 2003 e a dois dias de trabalho prestado no mês de Outubro de 2003, bem como os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano de admissão, e a retribuição correspondente a férias não gozadas do ano de 2003 e respectivo subsídio, tudo acrescido de juros, contados a partir da citação;
- A regularizar a situação do Autor na Segurança Social, com a inscrição como trabalhador da Ré, com efeitos a partir da sua admissão, e com o pagamento de todas as contribuições em dívida, acrescidas de juros de mora e coimas a que houver lugar;
- No pagamento de quantia não inferior a € 15.000,00, a título de indemnização por danos morais, acrescida dos juros à taxa legal desde a citação;
- No pagamento, a título de sanção compulsória, na previsão de que a Ré venha a ignorar a decisão a proferir nos autos, de quantia diária a estabelecer pelo Tribunal, não inferior a € 350,00;

Alegou, para tanto, que, em 9 de Setembro de 2002, foi admitido, com a categoria de Director de Recursos Humanos, para exercer a sua profissão sob a autoridade e direcção da Ré, tendo sido verbalmente acordado, entre o mais: a retribuição mensal ilíquida de € 5863,12, em 14 meses por ano, neles se incluindo os subsídios de férias e de Natal; o período normal de trabalho semanal de 40 horas e diário de 8 horas (início às 9:00 e saída às 18:00 horas, com intervalo das 12:00 às 13:00 horas), e o regime de isenção de horário de trabalho (à semelhança dos demais Directores da Ré); que a Ré impôs, como condição para o admitir que, para efeito de quitação das retribuições pagas, apresentasse facturas ou recibos verdes dos valores equivalentes às retribuições pagas, o que o Autor aceitou; que a Ré nunca o inscreveu na segurança social, nem efectuou as correspondentes contribuições e pagamentos; que exerceu as suas funções por ordem e no interesse da Ré, encontrando-se integrado na estrutura hierárquica desta, e executou as funções e tarefas que lhe foram atribuídas em conformidade com a sua categoria e cargo, tendo, a partir de 4 de Julho de 2003, passado a representar o Director Geral da Ré nas faltas e impedimentos deste; que, após uma reunião de trabalho com o Conselho de Administração da Ré, no dia 29 de Setembro de 2003, em que lhe foi transmitido que contavam com ele para integrar outra Direcção, foi confrontado, no dia seguinte, com o texto de uma comunicação interna a ser afixada para conhecimento de todos os colaboradores, na qual se anunciava que o Autor deixava de exercer as suas funções na Ré, sem qualquer outra indicação ou justificação, e, apesar de ele ter manifestado a sua discordância, tal comunicado foi afixado no dia 1 de Outubro de 2003; que, tentando resolver a sua situação, foi-lhe bloqueado o acesso ao computador que lhe estava atribuído; que, nesse mesmo dia, foi revistado, ele e o seu carro, por seguranças, a mando da administração da Ré, e, no dia 2 de Outubro de 2003, quando se apresentou nas instalações desta, foi impedido pelos seguranças de entrar, com base em instruções da Ré; que, tendo posteriormente tentado contactar por escrito a Ré, nunca obteve qualquer resposta, sendo que esta conduta da Ré configura o seu despedimento, de forma ilícita: e que a conduta da Ré causou-lhe danos morais que devem ser indemnizados em quantia não inferior a 15.000,00 euros.

Na contestação, a Ré, impugnando os fundamentos da acção, alegou, no essencial, que entre as partes foi estabelecida uma relação comercial de prestação de serviços, em regime de outsourcing, mediante o pagamento mensal de € 5.863,12 acrescido de IVA à taxa legal de 19%, através da sociedade “P... - C..., U..., Lda.”, da qual o Autor é sócio-gerente e cujo objecto social é, entre outros, a consultoria de gestão; que, em Julho de 2003, Autor e Ré tentaram alargar o âmbito da prestação de serviços, mas tal experiência terminou nesse mês, sendo que, numa reunião que teve lugar em 29 de Setembro do mesmo ano, o Autor e a Administração da Ré acordaram fazer cessar imediatamente o dito relacionamento comercial.

Lavrado despacho saneador e elaborada a condensação, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente:

1. Declarou o tribunal incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido relativo à regularização da situação do Autor na Segurança Social;

2. Declarou ilícito o despedimento do Autor levado a cabo pela Ré e condenou-a a pagar-lhe:

a) A quantia total de € 337.505,59, a título de retribuições, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, vencidos até à data da sentença, acrescida das quantias que se vencerem até trânsito em julgado da sentença;

b) A quantia de € 35.178,72, a título de indemnização por antiguidade;

c) Uma indemnização por danos morais no montante de € 15.000,00;

d) Juros de mora vencidos e vincendos, às respectivas taxas legais em cada momento em vigor para créditos civis, desde a data do vencimento de cada uma das prestações quanto às retribuições, desde a data da citação relativamente à indemnização por antiguidade, e desde a data da prolação da sentença relativamente aos danos não patrimoniais.

3. Condenou, ainda, a Ré a pagar ao Autor e ao Estado Português, em partes iguais, uma sanção pecuniária compulsória no montante diário de € 350,00, por cada dia de atraso no cumprimento do pagamento das mencionadas quantias, após trânsito em julgado desta decisão.”

2. A Ré apelou, arguindo a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, e impugnado-a, quanto à qualificação do contrato que vigorou entre as partes como contrato de trabalho e quanto à existência de fundamentos para a condenação em indemnização por danos não patrimoniais e ao respectivo montante, apontando à mesma decisão “falta de equidade”.

Tendo a Relação de Lisboa confirmado integralmente a sentença, veio a Ré pedir revista, cuja alegação rematou com as seguintes conclusões, posteriormente completadas, a convite do relator, com a indicação de terem sido violadas as normas dos artigos 4.º, 1152.º e 1154.º, todos do Código Civil:

«1 - O caso sub judice reconduz-se à questão de saber se a relação jurídica estabelecida entre as partes assume a natureza de um contrato de prestação de serviços, ou de um contrato de trabalho;

2 - Os elementos que verdadeiramente distinguem o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços são a subordinação e a autonomia;

3 - Não existe nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso;

4 - No caso concreto as partes ajustaram um contrato de prestação de serviços remunerado por um valor elevado, acrescido de IVA, pago à sociedade unipessoal de que o Recorrido é sócio-gerente e que emitiu mensalmente os inerentes recibos de quitação;

5 - Em face dos factos dados como assentes, o Tribunal “a quo” deveria ter decidido que o contrato celebrado verbalmente entre o Recorrente e Recorrido foi um contrato de prestação de serviços de consultoria de gestão, reformulação e optimização de processos aplicado aos recursos humanos;

6 - Só após a entrada da acção em Tribunal é que o Recorrido passou a reivindicar a qualidade de trabalhador subordinado e a falar em despedimento ilícito;

7 - O relacionamento comercial entre Apelante e Apelado durou apenas 1 ano e 23 dias;

8 - Pela cessação desse relacionamento o Tribunal “a quo” determinou a condenação da Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de € 387.684,31 (ou seja em moeda antiga 77.723 contos);

9 - Não pode deixar de chamar-se a atenção do Tribunal “ad quem” para a falta de equidade da presente situação;

10 - O Recorrido sustentou o seu pedido da indemnização por danos morais num conjunto de afirmações meramente conclusivas;

11 - Não foram juntos aos autos quaisquer relatórios clínicos, nem quaisquer documentos comprovativos de despesas médicas ou medicamentosas, assim como não foi arrolado qualquer médico como testemunha ou solicitada perícia médica, que comprovassem o alegado pelo Recorrido;

12 - O Recorrido apenas contraiu um empréstimo bancário após o início da colaboração comercial entre as partes, cuja prestação mensal era só de € 54,46;

13 - Os factos dados como provados não são idóneos a fundamentar a condenação da Recorrente em indemnização por danos morais e - muito menos - no elevadíssimo valor fixado;

Termos em que dando V. Exas. provimento ao recurso, deverá a Recorrente ser absolvida de todos os pedidos como é de JUSTIÇA.»

O recorrido contra-alegou para defender a confirmação do acórdão e, neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se, em parecer a que as partes não reagiram, no sentido de ser negada a revista.

Nas conclusões da alegação vêm suscitadas as seguintes questões:

1.ª – Qualificação da relação jurídica que vigorou entre as partes: contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviço (Conclusões 1 a 6);

2.ª – Falta de equidade da condenação (Conclusões 7 a 9);

3.ª – Direito a indemnização por danos não patrimoniais e respectivo montante (Conclusões 10 a 13);

Corridos os vistos, cumpre decidir.


II

1. O acórdão impugnado fixou a matéria de facto provada nos seguintes termos:

«1) A relação contratual entre A. e Ré começou em 09-09-2002 [alínea A) dos factos assentes];

2) O A. prestava serviços nas instalações da Ré [alínea B) dos factos assentes];

3) A prestação efectuada pelo A. a favor da Ré era remunerado mediante o pagamento mensal de € 5.863,12 acrescido de IVA à taxa de 19% [alínea C) dos factos assentes];

4) O A. emitiu as facturas que fazem docs. 2 a 12 da p.i. [alínea D) dos factos assentes];

5) A Ré jamais procedeu à inscrição do A. na Segurança Social nem procedeu a qualquer “retenção na fonte” do respectivo imposto referente ao rendimento [alínea E) dos factos assentes];

6) O A. fez exames clínicos no âmbito da Higiene e Segurança no Trabalho – Medicina do Trabalho na S...., Centro de S... M... L..., Lda., com sede na Rua ...., ..., ... Esqº, ......... Lisboa, nomeadamente análises clínicas e electrocardiograma [alínea F) dos factos assentes];

7) O A. enviou à Ré a carta cuja cópia faz doc. 36 da p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, à qual a Ré não respondeu [alínea G) dos factos assentes];

8) E enviou à Ré a carta cuja cópia faz doc. 40 da p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido [alínea H) dos factos assentes];

9) A Ré não pagou ao A. o valor correspondente à prestação por este efectuada no mês de Setembro de 2003, nem ao proporcional referente ao mês de Outubro de 2003 [alínea I) dos factos assentes];

10) A Ré não concedeu o gozo efectivo nem pagou ao A. nem os proporcionais de férias e respectivo subsídio nem os proporcionais de subsídio de Natal do ano da admissão e não permitiu o gozo efectivo de férias, que se venceriam em Janeiro de 2003, nem pagou as mesmas nem o respectivo subsídio [alínea J) dos factos assentes];

11) O A. é sócio-gerente da sociedade P... – C..., U..., Lda [alínea L) dos factos assentes];

12) O objecto social da sociedade é, entre outros, a consultoria de gestão, reformulação e optimização de processos (alínea M) dos factos assentes);

13) A referida sociedade foi matriculada em 16-01-2002 na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, sob o n.º .... [alínea N) dos factos assentes];

14) A Ré concedeu ao A. um cartão magnético com o n.º .... [alínea O) dos factos assentes];

15) A Ré mandou imprimir os cartões a que se reporta o doc. 21 da p.i. para posterior distribuição a todas as pessoas com quem o A. passou a contactar profissionalmente na qualidade de Director de Recursos Humanos da Ré [alínea P) dos factos assentes];

16) No dia 29 de Setembro de 2003 houve uma reunião de trabalho entre A. e a Administração da Ré [alínea Q) dos factos assentes];

17) Era o A. que, de forma autónoma, tomava as grandes decisões no quadro das políticas e objectivos da R na Área/Matéria de Recursos Humanos. e, na esfera da sua responsabilidade, colaborava na elaboração de decisões a tomar a nível do Conselho de Administração da R. [alínea R) dos factos assentes];

18) O A participava na elaboração e/ou controlo da política e objectivos globais da R., procedendo ao estudo e/ou participando na elaboração de projectos de alteração da estrutura organizativa da R., com vista ao consequente enquadramento dos respectivos trabalhadores [alínea S) dos factos assentes];

19) Era o A. que concebia, preparava para apreciação, discussão e decisão, a nível do Conselho de Administração da R., as Ordens de Serviço Internas/Comunicações Internas e as mandava executar controlando a execução das mesmas através da hierarquia definida pela R., nomeadamente elaborando Instruções de Serviços [alínea T) dos factos assentes];

20) Era o A. que superintendia no planeamento, organização e coordenação das actividades directamente dependentes do Director de Recursos Humanos da R. e concebia e preparava e difundia os Ordens de Serviço/Comunicações Internas da Ré próprias das matérias da área dos Recursos Humanos da Ré [alínea U) dos factos assentes];

21) Era o A. que, em representação da R., procedia à selecção de candidatos a trabalhadores a admitir na R., estudava e decidia a forma de contratação (a termo, sem termo, etc.) e respectivas condições contratuais individuais, definindo os conteúdos dos contratos a celebrar e outorgando-os em nome e representação da R. [alínea V) dos factos assentes];

22) Era o A. que procedia ao enquadramento e classificação dos empregados da R. [alínea X) dos factos assentes];

23) Apreciava as justificações das faltas (dias completos ou partes destes) dos trabalhadores da R. e decidia das qualificações das mesmas para todos os efeitos legais respectivos [alínea Y) dos factos assentes];

24) Coordenava a elaboração e aprovava os mapas de férias dos trabalhadores em conjunto com os respectivos Directores de Área e o Director Geral da Ré, bem como as respectivas alterações e consequente execução [alínea Z) dos factos assentes];

25) Controlava e aprovava o processamento dos conteúdos dos pagamentos de salários/retribuições dos trabalhadores da R. e coordenava as relações com as entidades articuladas com os contratos de trabalho: Segurança Social, Empresas de Higiene e Segurança no Trabalho, etc. [alínea AA) dos factos assentes];

26) Para e no exterior, o A. representava a R., incumbindo-lhe, entre outras, tomar opções, nomeadamente junto do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social no que respeita à intervenção desta na R. no âmbito da respectiva competência inspectiva [alínea BB) dos factos assentes];

27) Junto do IDICT - Instituto de Desenvolvimento e Inspecção da Condições de Trabalho, nomeadamente os respectivos Serviços Centrais, como a Inspecção-Geral do Trabalho e Direcção de Serviços de Prevenção de Riscos Profissionais [alínea CC) dos factos assentes];

28) Junto dos Tribunais de Trabalho, muitas vezes com poderes especiais, para prestar as competentes declarações em tentativas de conciliação, confessar os pedidos, desistir e transigir [alínea DD) dos factos assentes];

29) Junto de Estruturas Representativas dos Trabalhadores da Ré, designadamente os respectivos Sindicatos, respondendo directamente e assumindo funcionalmente a responsabilidade das decisões da política de Pessoal da Ré [alínea EE) dos factos assentes];

30) Junto de Advogados e outras entidades representantes dos trabalhadores da Ré nos mais diversos assuntos [alínea FF) dos factos assentes];

31) Junto das associações de empresários do sector de actividade da Ré, nomeadamente a APIGRAF [alínea GG) dos factos assentes];

32) Junto de entidades fornecedoras de bens e serviços destinados ao Pessoal da R, designadamente a S..., L..., S..., S... [alínea HH) dos factos assentes];

33) Era o A. que exercia, por delegação da Ré, o poder disciplinar sobre os trabalhadores desta e, dentro dessa competência, executava vários procedimentos da matéria disciplinar incluídos na fase do Inquérito Preliminar própria do Processo Disciplinar [alínea II) dos factos assentes];

34) Era o A. que, por incumbência da R., procedia à discussão e negociação das condições de cessação por acordo de contratos individuais de trabalho [alínea JJ) dos factos assentes];

35) A partir de 4 de Julho de 2003, o A passou, também, em acumulação com as funções acima sumariamente descritas, a representar o Director Geral da R, Sr. J... M...., nas faltas e impedimentos deste, o que aconteceu, efectivamente, a partir dessa data, logo no seu imediato período de férias [alínea LL) dos factos assentes];

36) No âmbito destas novas competências, foi atribuída ao A. a responsabilidade de responder e decidir a nível superior interno da R. as reclamações apresentadas pelos clientes desta [alínea MM) dos factos assentes];

37) Ainda por via desse novo acréscimo de funções e responsabilidades, o A. passou a participar regularmente nas reuniões de produção e a colaborar com os gestores e departamento comercial da R e, no âmbito deste, nas relações com os clientes desta [alínea NN) dos factos assentes];

38) Ainda por via destas novas competências, o A. foi incumbido de proceder ao estudo do funcionamento da Recepção e à análise do circuito, organização, métodos, processamento de documentação com vista à respectiva alteração, desenvolvimento e melhoramento de procedimentos [alínea OO) dos factos assentes];

39) O A. foi admitido para trabalhar ao serviço da R. em 9 de Setembro de 2002, com o esclarecimento de que ao A. foi atribuído um gabinete próprio, com equipamento informático fornecido pela R., tendo-lhe sido emitida uma password para aceder ao mesmo (art.º 1.º da Base Instrutória);

40) Tendo ficado acordado, por contrato verbal entre as partes, entre outras, a seguintes condições contratuais:

- Local de trabalho: a sede da Ré;

- Categoria e cargo a desempenhar, na Ré: Director de Recursos Humanos;

- Remuneração mensal ilíquida de € 5 863,12 (Cinco mil oitocentos e sessenta e três euros e doze cêntimos), em 14 meses, por ano, incluindo-se neles, os Subsídios de férias e de Natal;

- Período normal de trabalho semanal de 40 horas, e período normal de trabalho diário de 8 horas, com início às 09 horas e saída às 18.00 horas, com intervalo das 12 horas às 13 horas para refeição e descanso e Isenção de Horário de Trabalho (à semelhança dos demais directores da Ré);

- Pagamento das referidas retribuições, no último dia útil de cada mês, por transferência bancária (art.º 2.º da Base Instrutória);

41) Durante o primeiro mês após a celebração do contrato referido em 2.º, ficou acordado entre as partes que, para efeito da quitação das retribuições pagas, o A. deveria apresentar facturas ou “recibos verdes” – a que se alude em D) – dos valores equivalentes às retribuições pagas, o que o A. satisfez, mediante documentação emitida por uma sociedade unipessoal cujo suporte é o próprio A., designada por Psion – Consultoria Unipessoal, Lda. (art.º 3.º da Base Instrutória);

42) Ao A. foi atribuído um cartão contendo um número – n.º 1431 – sequencial com os cartões atribuídos aos empregados da R. (art.º 5.º da Base Instrutória);

43) Na escala hierárquica interna da R. o A. tinha como órgão hierárquico superior o Director Geral e o Conselho de Administração da Ré e como subalternos a equipa de colaboradores que integram a Direcção de Recursos Humanos (art.º 6.º da Base Instrutória);

44) As funções descritas em R) a OO) foram por ordem e no interesse da Ré (art.º 7.º da Base Instrutória);

45) No dia seguinte, 30 de Setembro de 2003, no período de trabalho da parte da tarde, foi apresentado ao A., pelo Presidente do Conselho de Administração da R., o texto de um projecto de uma “Comunicação Interna” a afixar nas instalações desta e destinada” a todos os colaboradores da R.” no qual se anunciava que o ora A. “deixa de exercer as suas funções na M... A... G..., SA:”, sem mais qualquer explicação, esclarecimento ou referência ao contexto da supra mencionada reorganização de serviços e/ou referida mudança do A. de Área funcional (art.º 9.º da Base Instrutória);

46) No dia seguinte, 1 de Outubro de 2003, logo de manhã quando o A. se apresentou ao trabalho, constatou, de imediato, que a sobredita “Comunicação Interna” afinal se encontrava afixada nas paredes das instalações da M..., com o exacto texto que lhe fora apresentado no dia anterior pelo Presidente do Conselho de Administração, sem qualquer alteração (art.º 11.º da Base Instrutória);

47) Durante esse dia e no decurso da respectiva jornada de trabalho, sem qualquer aviso, explicação, esclarecimento e sem justificação lógica, técnica ou qualquer outra, foi executado o bloqueamento e interditado o acesso ao funcionamento do computador que está distribuído/atribuído ao A. para o normal exercício das suas tarefas diárias, com a retirada da “palavra-chave”/“password” de acesso ao sistema informático da R. (art.º 13.º da Base Instrutória);

48) No final desse mesmo dia de trabalho, quando o A. saía das instalações da R., foi abordado pelos elementos da Segurança e, ao contrário do costume, foi por estes revistado, bem como o carro do A. em que o A. se transportava (art.º 14.º da Base Instrutória);

49) Tudo isto se passou na presença de várias pessoas (art.º 15.º da Base Instrutória);

50) No dia seguinte, 2 de Outubro de 2003, quando o A. se apresentou ao serviço, foi com muita surpresa e verdadeiro espanto que verificou que o não deixavam entrar nas instalações da R. Efectivamente, foram os próprios “seguranças” que disseram ao A. que “tinham instruções da R. para não mais o deixarem entrar” (art.º 16.º da Base Instrutória);

51) Perante a insistência do A., os ditos “seguranças” afirmaram que iriam contactar o gabinete do Director-Geral da R., o qual, segundo os “seguranças” referiram, através da sua secretária anunciou que “não tinha tempo para o atender e que poderia agendar uma reunião para discutir o assunto para a próxima semana” (art.º 17.º da Base Instrutória);

52) A imagem e a dignidade pessoal do A. ficaram severamente atingidas por via dos comportamentos em apreço da R. e, por causa directa e necessária dos mesmos o A. passou, de imediato, a ter perante a vida uma atitude diferente do ponto de vista psicológico e até físico do que lhe era natural e habitual, deixando de ser uma pessoa alegre e motivada para a vida profissional e extra-profissional, isto é, também na sua vida diária com os seus amigos e familiares, e até a necessitar de apoio médico especializado (art.º 18.º da Base Instrutória);

53) A situação descrita atirou o A., de imediato, para a forçada situação de ter de recorrer aos favores de empréstimos junto de amigos e familiares para poder satisfazer e cumprir os seus compromissos e pagamentos das despesas pessoais e familiares (art.º 19.º da Base Instrutória);

54) O A. assumiu compromissos de encargos a contar com a regularidade, certeza e segurança que lhe foram asseguradas/incutidas a respeito do seu contrato com a R. logo aquando da sua admissão na R. (art.º 20.º da Base Instrutória);

55) O cartão referido em O) visava permitir ao A. o livre acesso às instalações da Ré, sem necessidade da “segurança”, e o mesmo servia igualmente para obtenção de refeições no refeitório da R. (art.º 21.º da Base Instrutória).»

Não tendo a decisão proferida sobre a matéria de facto sido impugnada e não se verificando qualquer das situações a que se refere o artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, é com base no quadro factual descrito que hão-de ser resolvidas as questões acima enunciadas.

2. Da qualificação do contrato:

Tratando-se de qualificar uma relação jurídica constituída em Setembro de 2002 [factos 1) e 39)], que não perdurou para além do dia 2 de Outubro de 2003 [factos 45) a 51)], há que atender à disciplina legal do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48 408, de 24 de Novembro de 1969, uma vez que o Código do Trabalho, que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003, não se aplica à valoração de factos totalmente passados anteriormente à sua entrada em vigor (artigos 3.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1, parte final, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto).

2. 1. As instâncias desenvolveram pertinentes considerações genéricas sobre a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, reflectindo a orientação pacífica da doutrina e da jurisprudência, que aqui se acolhem.

Com vista ao enquadramento da concreta relação que vigorou entre as partes importa registar os traços mais significativos daquela orientação.

A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, definidos, aquele no artigo 1152.º do Código Civil — cujo texto foi reproduzido no artigo 1.º da LCT) a que, com irrelevantes alterações corresponde o artigo 10.º do Código do Trabalho — e o último no artigo 1154.º do Código Civil, assenta, como se observou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 23 de Fevereiro de 2005 (Documento n.º SJ200502230022684, em www.dgsi.pt) — cuja exposição, pelo seu valor elucidativo, aqui, seguiremos de perto –, em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado); e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).

Assim, o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.

Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se a proporcionar um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.

Nem sempre, através do critério do objecto do contrato, surge, com nitidez, a distinção entre as duas figuras, já que, frequentemente, não se consegue determinar se a obrigação assumida foi a de “prestar uma actividade”, própria do contrato de trabalho, ou se a obrigação consiste em “proporcionar certo resultado”, própria do contrato de prestação de serviço: todo o trabalho visa a obtenção de um resultado e este não existe sem aquele.

Por isso, em última análise, é o relacionamento entre as partes – a subordinação ou autonomia – que permite atingir aquela distinção.

Tratando-se, em qualquer caso, de um negócio consensual, é fundamental, para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, averiguar qual a vontade revelada pelas partes, quando definiram as condições em que se exerceria a actividade — ou seja, quando definiram a estrutura da relação jurídica em causa — e proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no âmbito daquela relação jurídica.

Quanto à vontade das partes, há que indagar, à luz das regras dos n.os 1 e 2 do artigo 236.º do Código Civil, quais as opções jurídicas relevantes de quem tenha celebrado o contrato questionado, qual o sentido dessa vontade.

A subordinação jurídica, característica fundamental do vínculo laboral e elemento diferenciador do contrato de trabalho, implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem, a que o trabalhador deve obediência [artigo 20.º, n.º 1, alínea c), da LCT].

A cargo da entidade patronal estão os poderes determinativo da função e conformativo da prestação de trabalho (artigo 39.º, n.º 1, da LCT), ou seja, o poder de dar um destino concreto à força de trabalho que o trabalhador põe à sua disposição, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na sua organização empresarial, quer determinando-lhe singulares operações executivas, traduzindo-se a supremacia da entidade patronal, ainda, nos poderes regulamentar (artigo 39.º, n.º 2, da LCT) e disciplinar (artigos 26.º e segs. da LCT).

A determinação da existência de subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-se mediante a análise do comportamento das partes e da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica.

Como se observou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Março de 2001, lavrado no Processo n.º 3918/00 e sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos/Secção Social, a subordinação “traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar, globalmente, em concreto, e na sua interdependência, sendo os mais significativos: i) a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; ii) o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; iii) existência de controlo do modo da prestação do trabalho; iv) obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; v) propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; vi) retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; vii) exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade”. E “pode comportar diversos graus, não sendo incompatível com a verificação de alguma margem de autonomia do trabalhador, quer no que se refere à forma de produção do trabalho, quer à sua orientação, desde que não colida com os fins últimos prosseguidos pelo empregador”.

A subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo, muitas vezes, a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador.

A utilização do critério do relacionamento entre as partes suscita muitas vezes dificuldades no juízo qualificativo, por exemplo, em situações que contêm elementos enquadráveis em diferentes figuras contratuais por se situarem em zonas de fronteira entre o contrato de trabalho e outras espécies de contratos, para cuja execução é necessária a prestação da actividade intelectual ou manual de alguém, sobretudo nos casos de maior autonomia técnica, em que é mais difícil clarificar os espaços de auto e heterodeterminação e, assim, descortinar qual o tipo de relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).

É, assim, fundamental, para alcançar a identificação da relação laboral, proceder à análise da conduta dos contraentes na execução do contrato, recolhendo do circunstancialismo que o envolveu indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado ou do modelo da prestação de serviço, por modo a poder-se concluir, ou não, pela coexistência no caso concreto dos elementos definidores do contrato de trabalho.

Ao trabalhador, que pretenda fazer valer direitos emergentes de um contrato de trabalho, incumbe, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar os elementos de facto constitutivos da relação laboral, ou seja que exerce para outrem uma actividade remunerada, sob a autoridade e direcção daquele que beneficia dessa actividade.

2. 2. No caso que nos ocupa, surpreendem-se, na matéria de facto provada, elementos bastantes para se concluir pela existência de subordinação jurídica.

Com efeito:

– Por ocasião da admissão do Autor ao serviço da Ré, para desempenhar o cargo de Director de Recursos Humanos, foi acordado, como local de trabalho a sede da Ré, tendo sido atribuído ao Autor um gabinete próprio, com equipamento equipamento informático e a respectiva password de acesso [n.os 39) e 40) do elenco dos factos provados];
– Foi convencionada a remuneração mensal ilíquida de € 5.863,12, em 14 meses por ano, neles se incluindo os subsídios de férias e de Natal, remuneração a pagar por transferência bancária, no último dia útil de cada mês [n.º 40) do elenco dos factos provados];
– Foi estipulado o “período normal de trabalho semanal de 40 horas” e o “período normal de trabalho diário” de 8 horas, com início às 9:00 e saída às 18:00 horas, com intervalo das 12:00 às 13:00 horas para e descanso e “Isenção de Horário de Trabalho”, à semelhança dos demais directores da Ré [n.º 40) do elenco dos factos provados];
– Foi atribuído ao Autor um cartão magnético com o n.º 1431, sequencial em relação aos cartões atribuídos aos empregados da Ré [n.os 14) e 42) do elenco dos factos provados];
– No exercício das suas funções, tinha como superiores hierárquicos o Director Geral e o Conselho de Administração da Ré e como subalternos os membros da equipa de colaboradores que integram a Direcção de Recursos Humanos [n.º 43) do elenco dos factos provados].

Com base nestes factos, pode, sem dúvida, afirmar-se, em juízo conclusivo, que o Autor se achava inserido no modo de organização da actividade produtiva da Ré, sujeito ao cumprimento de horário previamente fixado, em local e com instrumentos por ela facultados, e obrigado ao cumprimento de directivas sobre as tarefas que lhe competiam no âmbito da actividade objecto do contrato, com uma retribuição fixada, não em função de determinados resultados ou de cada tarefa, mas do tempo em que disponibilizava a sua capacidade de trabalho.

A tal juízo não obsta a autonomia técnica própria das funções que exercia, nem as circunstâncias, de carácter formal, de ter sido acordado, no primeiro mês de vigência do contrato, que, para efeito de quitação das retribuições pagas, o Autor apresentaria, como veio a ocorrer, facturas ou recibos verdes, emitidos pela sociedade unipessoal de que era sócio-gerente e único suporte [n.º 41) do elenco dos factos provados], e de a Ré não efectuar os descontos legais para Segurança Social e o Fisco, que, podendo sugerir a inexistência de subordinação jurídica, não assumem, todavia, na apreciação global, relevância para afastar o modo convencionado de execução do contrato da figura de contrato de trabalho.

O facto de ao Autor não ter sido concedido o gozo efectivo de férias e de não lhe terem sido pagos subsídios de férias e de Natal — é isso o que consta do n.º 10) do elenco dos factos provados — não significa, por si, ou conjugado com os referidos aspectos formais, no contexto do apurado comportamento das partes decorrente do que fora convencionado, que fosse desejo de ambas afastar o nexo de subordinação revelado pelo teor do contrato celebrado e pela sua execução, mas tão só que a Ré não cumpriu tais obrigações.

De resto, ainda que o Autor se tivesse conformado, como alega a recorrente — o que não está demonstrado —, com a preterição daqueles efeitos típicos da relação de trabalho subordinado, de produção imperativa e prefixada por lei (e, no caso, convencionada), essa preterição não tem virtualidade para conferir à relação jurídica desejada, e efectivamente actuada, natureza diferente da do contrato de trabalho (cfr. Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, 2007, p. 138).

Também não é de atribuir significado relevante, para a qualificação do contrato, ao facto de, nas cartas que, pouco depois de extinta a relação entre as partes, enviou à Ré, o Autor não ter usado o vocábulo despedimento, falando apenas em esclarecer a respectiva situação e em cessação unilateral do contrato, visto que de tal atitude não pode retirar-se o reconhecimento por ele de que se tratou de um contrato de prestação de serviço.

Em suma, a apreciação global dos indícios relevantes aponta no sentido da qualificação da relação jurídica estabelecida entre Autor e Ré como contrato de trabalho.

Confirma-se, por conseguinte, o que, a propósito, foi decidido pelas instâncias e que suportou a condenação da Ré no pagamento ao Autor das importâncias correspondentes a indemnização por despedimento ilícito e retribuições vencidas e vincendas.

3. Da equidade:

Invoca a recorrente a “falta de equidade da presente situação e do carácter chocante assumido pela mesma”, uma vez que, pela cessação de um relacionamento que durou apenas 1 ano e 23 dias, foi proferida condenação do montante de € 387.684,31.

De acordo com o artigo 4.º do Código Civil, os tribunais só podem resolver segundo a equidade: a) quando haja disposição legal que o permita; b) quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível; c) quando as partes tenham previamente convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à cláusula compromissória.

E o artigo 8.º, n.º 1, do mesmo Código, dispõe que o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.

No caso, quanto à determinação das importâncias devidas em consequência de despedimento ilícito não se verifica qualquer das situações previstas no citado artigo 4.º, sendo que, em tal matéria, não é consentido o recurso a juízos de equidade, em face do disposto no artigo 13.º da LCCT (Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, aqui aplicável, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, parte final, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), preceito de natureza imperativa (artigo 2.º, n.º 1, da LCCT), à luz do qual o montante da respectiva condenação foi fixado.

Não faz, pois, sentido o que a tal respeito vem alegado nas conclusões do recurso.

Diversamente, no que toca à indemnização por danos não patrimoniais, o artigo 496.º, n.º 3, 1.ª parte, do Código Civil consagra expressamente o apelo à equidade, havendo, por isso, que apreciar, no âmbito do conhecimento da impugnação do direito àquela indemnização, caso este venha a ser reconhecido, se as instâncias usaram de bom critério na determinação do respectivo montante.

4. Da indemnização por danos não patrimoniais:

4. 1. Considerou a sentença da 1.ª instância, tendo em conta a matéria de facto provada e o disposto nos artigos 496.º, n.os 1 e 3, e 494.º do Código Civil, ser incontestável a reparabilidade dos danos morais invocados pelo Autor, juízo este que mereceu a concordância do Tribunal da Relação, cujo acórdão salienta a assunção pela Ré de «comportamentos de todo injustificados face à posição do Autor no seio da empresa e enquanto seu funcionário de relevante nível hierárquico, sendo certo que podia e devia ter agido de outro modo. Com efeito, surge totalmente injustificado que a Ré/Apelante tenha determinado, a partir de determinada altura, o bloqueamento do acesso daquele aos meios informáticos que vinha utilizando na empresa; assim como tenha determinado que o mesmo fosse revistado, bem como ao veículo em que se fazia transportar, à saída das instalações da empresa por elementos da Segurança e na presença de várias pessoas; tenha determinado que lhe fosse vedado o acesso às próprias instalações da empresa e determinado que lhe fosse transmitido que “não tinha tempo para o atender e que poderia agendar uma reunião para discutir o assunto” quando o Autor/apelado pretendeu contactar o Director-Geral da Ré, sendo certo que, perante estas atitudes da Ré/apelante o Autor/Apelado se sentiu atingido na sua imagem e dignidade pessoal, deixando de ser uma pessoa alegre e motivada ao ponto de necessitar de apoio médico especializado e de ter de recorrer a favores em termos de empréstimos junto de amigos e familiares para poder satisfazer os seus compromissos e pagamentos de despesas pessoais e familiares, compromissos que assumira por contar com a regularidade, a certeza e a segurança que lhe foram asseguradas e incutidas com a celebração do contrato que estabeleceu com a Ré/Apelante».

A recorrente alega que o Autor sustentou o seu pedido num conjunto de afirmações meramente conclusivas; que não foram juntos aos autos quaisquer relatórios clínicos ou documentos comprovativos de despesas médicas e medicamentosas, nem arrolado qualquer médico como testemunha ou solicitada perícia médica; que o recorrido apenas contraiu, após o relacionamento entre as partes, um empréstimo bancário, cuja prestação mensal era de € 54,46; e, finalmente, que os factos dados como provados não são idóneos a fundamentar a condenação em indemnização por danos morais e — muito menos — no valor fixado.

Os factos referidos no trecho do acórdão impugnado que se transcreveu, alegados pelo Autor, constam dos n.os 45) a 54) do elenco da matéria de facto provada, traduzem realidades a cujo conhecimento se pode chegar através dos sentidos, sem o recurso a operações intelectuais, não sendo por isso de considerar-se “afirmações meramente conclusivas”.

A alegação relativa às provas que não foram requeridas e/ou produzidas não é, nesta fase processual, de atender, uma vez que não vem invocada a violação de regras de direito material probatório e, em face do disposto nos artigos 722.º, n.º 2 e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, só perante tal invocação é consentido ao Supremo Tribunal sindicar a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Ora, perante a matéria de facto constante dos referidos n.os 45) a 54), não pode deixar de concluir-se, como fizeram as instâncias, que os danos de ordem moral sofridos pelo Autor na decorrência dos comportamentos da Ré apresentam gravidade que justifica a tutela do direito, pois que não podem ter-se como simples incómodos normalmente advenientes da ruptura de um contrato de trabalho.

4. 2. No que respeita ao montante fixado para compensação dos danos não patrimoniais, a sentença da 1.ª instância, observou que o grau de culpa da Ré é muito elevado, por não assentar em qualquer comportamento ilícito do Autor, e que os ilícitos por ela cometidos demonstram um abuso da posição mais frágil do trabalhador sem qualquer consideração pela posição do mesmo, que o dano sofrido pelo Autor é, também grave, por ser do foro psíquico, e, nada se conhecendo sobre a situação económica das partes, concluiu ser justo o valor pedido pelo Autor, em consequência do que fixou a indemnização em € 15.000,00.

O Tribunal da Relação confirmou este juízo, sublinhando em reforço dele a posição ocupada pelo Autor no seio da empresa e o seu nível salarial, os comportamentos que teve de suportar e os danos que injustificadamente sofreu.

Afigura-se-nos que foram respeitados os critérios consignados nos citados preceitos do Código Civil, assumindo particular relevância — dado que, no caso, se desconhecem as condições económicas das partes —, a gravidade da culpa e da ilicitude dos factos, bem como a intensidade da ofensa ao sentimento de auto-estima e os consequentes sofrimentos de ordem psíquica que, de harmonia com os factos provados, demandaram apoio médico especializado.

Entende-se, pois, que foi equitativamente fixada a indemnização, pelo que, também, neste particular, improcede o recurso.


III

Por tudo o exposto, nega-se a revista.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 21 de Janeiro de 2009.

Vasques Dinis

Bravo Serra

Mário Pereira