Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
258/09.0TBSCR.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ADMISSIBILIDADE DA REVISTA
DUPLA CONFORME
PLURALIDADE DE PRETENSÕES
CONTRATO PROMESSA
MORA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
BOA FÉ CONTRATUAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CONTRATO PROMESSA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS / AMPLIAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 410.º, N.º 3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 682.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 06/07/2004, PROCESSO N.º 04B1311, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 10/10/2012, PROCESSO N.º 29/09.3TBCPV.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. Havendo reconvenção, a existência do requisito da dupla conformidade deverá, em princípio, ser analisada separadamente em relação aos segmentos decisórios que se pronunciaram sobre a acção e a reconvenção, salvo se ocorrer uma situação de incindibilidade entre a matéria de tais pretensões, por estar a decisão de ambas irremediavelmente ligada

2. A cláusula de contrato promessa, em que se estipulou que os RR. suportariam as prestações do crédito bancário contraído pelos AA. para pagamento da quantia do sinal entregue até á realização da escritura tem de ser interpretada em consonância com o princípio da boa fé, em termos de aos RR. apenas cumprir assumir tais encargos em situações de normalidade e enquanto lhes puder ser imputado o atraso na consumação do negócio definitivo, interrompendo-se tal obrigação a partir do momento em que o atraso na consumação do negócio se puder imputar a comportamento dos promitentes compradores.

3. A prolação de decisão a decretar a execução específica, peticionada na acção, implica  a aquisição processual de factos demonstrativos da consignação em depósito, no prazo fixado, do remanescente do preço devido, bem como da existência de licença de utilização dos imóveis cuja propriedade será transmitida.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA e mulher, BB, intentaram contra CC e DD acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, para execução específica do contrato promessa de permuta de uma moradia de tipologia T3 por uma fracção autónoma de tipologia T2, pedindo que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos réus faltosos quanto à transmissão para os autores do direito de propriedade da referida moradia, mediante o pagamento por estes do remanescente do preço ajustado.

Para fundamentarem a sua pretensão, alegaram, em síntese, que celebraram com os réus, em 13/9/2001, um contrato promessa de permuta, mediante o qual as partes prometeram trocar um apartamento T2, pertencente aos autores, por uma moradia T3 que os réus estavam a construir, pagando o remanescente do preço.

O preço estipulado foi €219,471,07 (na altura correspondia a 44.000.000$00).

Para pagamento do preço, para além do apartamento, os autores prometeram entregar aos réus duas prestações no montante de €64.843,70 cada (na altura correspondiam a 13.000.000$00 cada).

A primeira prestação foi entregue, a título de sinal e princípio de pagamento, na data da concessão do crédito bancário aos autores.

A segunda prestação seria entregue na data da escritura.

Os réus comprometeram-se a pagar as prestações bancárias devidas pelos autores em consequência do empréstimo pedido para pagamento do remanescente do preço da moradia, até à data da celebração da escritura definitiva.

A escritura definitiva deveria ser celebrada até finais de Dezembro de 2001 e as partes convencionaram a possibilidade de execução específica do contrato.

Sucede que os réus não cumpriram o contrato promessa, na medida em que não pagaram as prestações do crédito bancário concedido aos autores, não marcaram a escritura definitiva no prazo estipulado, nem entregaram a moradia aos autores - que mantêm interesse na celebração do contrato prometido.


Contestaram os réus, invocando, desde logo, a excepção de caso julgado: na verdade, já existiria uma sentença transitada, proferida no processo 158/03.7TBSCR, a julgar improcedente o pedido de execução específica do mesmo contrato, aí formulado também pelos autores contra os réus. Para além disso, alegaram que a mora na celebração do contrato prometido se deveu aos autores e que, por tal facto, os réus, após terem feito uma interpelação admonitória aos autores, perderam o interesse na celebração do contrato prometido.

Deduziram ainda e em reconvenção os seguintes pedidos: que seja declarado que os autores por sua culpa não cumpriram nem podem cumprir o contrato de permuta e que os réus têm direito a fazer sua a quantia de €64.843,70 que receberam a título de sinal.

Subsidiariamente, para o caso do Tribunal entender que o contrato prometido ainda pode ser cumprido, os réus deduziram vários outros pedidos reconvencionais, tendentes ao reconhecimento dos direitos emergentes da permuta e ao ressarcimento de danos alegadamente sofridos com a não realização tempestiva da escritura.

Os autores replicaram, mantendo a sua posição.

Finda a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença do seguinte teor:

I. Julgo procedente por provada a excepção de caso julgado e em conformidade absolvo os réus da instância relativamente aos pedidos formulados pelos autores na presente acção.

II. A absolvição da instância acima declarada obsta a que o Tribunal conheça dos pedidos reconvencionais formulados subsidiariamente.

!II. Julgo improcedentes por não provados os pedidos reconvencionais formulados a título principal e absolvo os autores dos mesmos.


2. Inconformados, apelaram os autores e subordinadamente os réus, impugnando, desde logo, o decidido quanto à matéria de facto; tal impugnação obteve provimento parcial, o que conduziu à estabilização do seguinte quadro factual:

1. Por escrito particular datado de treze de Setembro de 2001, os réus prometeram dar em permuta aos autores uma moradia de tipologia T3, à data ainda em construção mas implantada sobre terreno do prédio, de que os Réus eram proprietários, localizado ao Sítio …, freguesia do …, concelho de Santa Cruz, constituindo o prédio descrito sob o n.º … -..., da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, moradia essa composta por três quartos de dormir e duas casas de banho no piso superior, ligado ao rés-do-chão por escadaria, sendo o rés-do-chão composto por cozinha, sala de estar, casa de banho, arrecadação e a cave composta por garagem e casa de banho, à qual foi atribuído o valor 44 000 000$00 (equivalente a 219 471,07 euros) - alínea A.

2. Ficou ainda convencionado que a marcação das escrituras, de permuta ou de compra e venda, competiria aos réus e estes obrigados a, para tal efeito, enviarem aos ora autores carta registada com aviso de recepção com 15 dias de antecedência - alínea B.

3. Ficou do mesmo modo estabelecido e acordado que, independentemente da celebração da escritura, os réus ficavam obrigados a entregar concluída e pronta a habitar a moradia T3 aos ora autores e estes, por sua vez, a entregar aos réus a fracção autónoma até ao dia 15 de Dezembro de 2001 - alínea C.

4. Ficou, também, acordado e reciprocamente aceite que os réus suportariam as prestações do crédito contraído pelos autores para efeitos de pagamento do sinal acima mencionado do montante de 64 843, 72 euros até à celebração da escritura de permuta ou da escritura de compra e venda da fracção autónoma T2 - alínea D.

5. De acordo com a cláusula segunda do aludido contrato promessa, o apartamento que deveria ser entregue aos réus, tinha as seguintes características: "( ... ) uma fracção autónoma aos Apartamentos EE, na Travessa …, Garajau, tipo T2 localizada a leste das escadarias de acesso aos blocos Um e Dois composta por corredor, dois quartos de dormir, duas casas de banho, cozinha e sala de estar." - alínea E.

6. A moradia não foi entregue aos autores até 15 de Dezembro de 2001 - alínea F.

7. Os réus não procederam à marcação, nem interpelaram os autores para a celebração da escritura de venda da mesma moradia até finais de Abril de 2002 - alínea G.

8. A moradia encontra-se concluída e pronta a habitar, constituindo a fracção autónoma identifIcada pela letra "A" do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito sob o n." …/15072003 - freguesia do Caniço, na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz - alínea H.

9. Por conta de cujo preço acordado, os autores liquidaram aos réus o valor de 64.843,72 euros - alínea r.

10. Os autores intentaram contra os réus uma acção ordinária, que correu os seus termos pelo 1° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Cruz, sob o número 158/03.7 TBSCR, em que aqueles pediam a execução especifica do contrato promessa, pedido que foi julgado improcedente, sendo que nesses mesmos autos deu-se como provada, além do mais, a seguinte matéria: (i) "Aquando da outorga do documento referido em A), a fracção destinada aos Autores já se encontrava na fase final de construção" (resposta positiva ao artigo 610 da base instrutória); (ii) " ( ... ) sendo que nesta fase da construção já se encontravam concluídas e introduzidas alterações ao projecto inicial relativas ao vão da escada, à cobertura automóvel, aos pormenores arquitectónicos, à substituição das floreiras e à escada de acesso ao piso superior, quer em termos estéticos, quer em termos funcionais," (resposta positiva ao artigo 62° da base instrutória); (iii) "Tais alterações faziam parte do projecto de alterações, entretanto apresentadas na Câmara Municipal de Santa Cruz para aprovação" (resposta ao artigo 68 da base instrutória); (iv) "Os Autores prometeram comprar a referida moradia com tais alterações", (resposta positiva ao artigo 68° da base instrutória); (v) "( ... ) bem sabendo que as mesmas eram irreversíveis" (resposta positiva ao artigo 70° da base instrutória); (vi) " Os Autores exigiram a substituição da porta de entrada por uma janela de alto a baixo em alumínio", (resposta positiva ao artigo 71° da base instrutória); (vii) "Os Autores apresentaram várias reclamações junto da Câmara sobre a obra", (resposta positiva ao artigo 73° da base instrutória); (viii) "Em consequência de tais reclamações, o projecto de alteração de projectos apresentados pelos Réus na Câmara 1\1ur.J.cipal de Santa Cruz sofreu atrasos até que fossem decididas", (resposta com esclarecimento no artigo 74° da base instrutória); (ix) " A Autora comprometeu-se a formalizar a aquisição aos Réus de uma parcela de terreno na parte de três das moradias, para ampliação do seu logradouro", (resposta com esclarecimento ao artigo 76° da base instrutória); (x) "A Autora nunca concretizou tal aquisição, nem se demitiu de tal tarefa", (resposta positiva ao artigo 77° da base instrutória)"; (xi) "( ... ) atrasando assim a legalização e conclusão da moradia" (resposta positiva ao artigo 78° da base instrutória) - alínea J.

11. Com a improcedência da acção n° 158/03, os réus notificaram os autores para a realização da escritura definitiva - alínea L.

12. Nessa notificação, datada de 23 de Outubro de 2008, os réus avisaram expressamente os autores, de que se a escritura definitiva não fosse celebrada, aqueles "perderiam o interesse no referido contrato, e considerámo-lo, desde já, definitivamente incumprido." - alínea M.

13. A escritura definitiva não foi outorgada no dia dezassete de Novembro do ano de 2008 - alínea N.

14. Passados alguns dias, os autores enviaram urna carta aos réus, marcando nova data, para a realização da escritura pública - alínea O.

15. Mas também nesta data, os réus não assinaram a escritura definitiva - alínea P.

16. O apartamento dos autores tem unicamente uma casa de banho - alínea Q.

17. Os autores suportaram o valor das prestações para pagamento do sinal referido em I) entre 3/1/2003 e 19/4/2012 , no montante de €30.274,61 euros - resposta ao quesito 1.

18. Por outro lado, o apartamento dos autores apresentava a seguinte situação: (i) focos de humidade na cozinha, no hall de entrada e na sala junto ao tecto, a sul; (ii) mobiliário da cozinha apresenta notória degradação nomeadamente na zona da pia; (iii) pavimento apresenta razoável estado de conservação, com excepção da zona da entrada para o quarto de dormir virado a Sul, onde alguns tacos estão levantados/deteriorados; (iv) fissura na parede de separação da varanda com a fracção contígua. (v) todas as paredes carecem de pintura - resposta ao quesito 4.

19. Entre 1/1/12 e 31/8/06, os réus pagaram ao Banco FF, S.A., 70.601,94 euros de juros e 2.793,97 euros de imposto de selo, quantias referentes à conta caucionada n° 2660/0565/2109 - resposta ao quesito 9.

20. A ré, desde a outorga do contrato promessa, tem conhecimento, por ter estado na mesma, que a fracção dos autores tem apenas uma casa de banho e uma arrecadação e que se tratava de uma fracção usada - resposta ao quesito 14.

21. Os autores retificaram a inscrição matricial e a descrição predial no sentido de ali constar que a fracção a permutar apenas tem uma casa de banho - resposta aos quesitos 15 e 16.


3. Passando a apreciar as questões jurídicas suscitadas pelos recorrentes, o acórdão recorrido começou por afastar a verificação da excepção de caso julgado, afirmando, nomeadamente:

Decorre, assim, desta decisão que o tribunal não apreciou a quem devia ser imputada a mora no cumprimento do contrato promessa (se aos autores, se aos réus), concluindo que, não podendo apreciar o pedido de diminuição/redução do preço estabelecido no contrato promessa, estava afastada a apreciação da peticionada execução específica do contrato.

Assim, o caso julgado que se formou relativamente à absolvição dos réus quanto pedido de execução específica formulado na 1a ação, abrange apenas os fundamentos relacionados com a questão da diminuição/redução do preço. Ou seja, ficou definitivamente julgado que os autores não mais poderão demandar os réus pretendendo uma diminuição/redução do preço convencionado.

Porém, como a sentença não se pronunciou fundamentadamente sobre a quem imputar a mencionada "situação objectiva de mora" quanto ao incumprimento do contrato promessa, não ficou abarcado pelo caso julgado o pedido de execução específica também formulado nesta ação invocando como causa de pedir a mora dos réus, ora apelados.

Por conseguinte, e contrariamente ao decidido na sentença recorrida, não se entende que o pedido de execução específica esteja abrangido pelo caso julgado material formado na 1.a ação.

A mesma conclusão há que retirar relativamente ao pedido de pagamento do preço remanescente.

Por conseguinte, nem o pedido de determinação do remanescente do preço tem qualquer similitude com o pedido de redução do preço formulado na 1a ação, nem a causa de pedir que os sustenta é a mesma, dada a diversidade dos respetivos pressupostos factuais.

Passando de seguida a apreciar as questões substantivas suscitadas em sede de execução específica, considerou o acórdão recorrido:

Importa, porém, aferir se existe mora por parte dos réus, já que apenas perante esta pode proceder o pedido de execução específica do contrato promessa a pedido dos autores, considerando, ademais, que os autores reiteram que mantêm interesse na prestação, apesar do retardamento da prestação pelos réus, afastando, assim, a conversão da mora em incumprimento definitivo (artigo 8ü8.o, n." 1 do Código Civil).

Conforme acordado no contrato promessa competia aos réus a marcação da escritura definitiva, sendo que o prazo para a marcação foi fixado até finais de dezembro de 2001 (ou, na situação prevista no n." 5 da clausula 1.a, até finais de Abril de 2002, conforme consta da cláusula 5.° do contrato promessa), prazo este que os réus não cumpriram por não terem marcado a escritura até àquelas) datas), pelo que incorreram em mora, abrindo caminho à pretensão formulado pelos autores quanto à execução específica do contrato promessa (artigos 804.° e 830.°, n." 1 e 3, do Código Civii).

Porém, os réus posteriormente vieram a marcar a escritura para o dia 17/11/2008, interpelando os autores para comparecerem, sob pena de perderem interesse no negócio.

Independentemente do caráter admonitório desta interpelação, considerando que os autores não se encontravam em mora (artigo 808.°, n.? 1, do Código Civil), remetendo mais uma vez para os pontos 51 a 56 da sentença, o certo é que os autores compareceram no dia aprazado e decorre dos factos provados (cfr. o que acima se transcreveu quanto ao teor do documento lavrado pela notária nesse dia) que a escritura definitiva não se celebrou por terem surgido divergências quanto a dois aspetos: a fração dos autores, a permutar naquele ato, ter apenas uma casa de banho (e não duas como consta do contrato promessa) e apresentar vários defeitos.

Portanto, a questão que se coloca é se a justificação dos réus para não outorgarem a escritura definitiva faz cessar a mora dos réus, onerando em contrapartida os autores com o incumprimento do contrato promessa, impedindo-os, por um lado, de obterem ganho de causa quanto ao pedido de execução específica e, por outro lado, concede aos réus o direito de fazer seu o sinal que receberam, conforme os mesmos peticionam no pedido reconvencional formulado a título principal.

Na análise da questão importa considerar separadamente os supra citados fundamentos invocados pelos réus para a recusa na celebração da escritura definitiva.

Quanto ao primeiro fundamento (existência de uma casa de banho em vez das duas conforme mencionado no contrato promessa), a sentença recorrida enquadrou e analisou juridicamente a situação na promessa de coisa defeituosa (cfr. pontos 57 a 61), remetendo-se para o ali decidido, que nenhuma dúvida nos suscita e que, na verdade, os réus nem sequer contestam nas alegações de recurso, já que silenciam toda a argumentação expendida na sentença a propósito desta questão, sublinhando apenas o desconhecimento do réu.

Porém, é óbvia a irrelevância do desconhecimento do réu, porquanto o contrato promessa foi subscrito pelo dois réus, obrigando-os de igual modo, não podendo o réu escudar-se no seu desconhecimento do facto quando resultou provado que a ré dele tinha conhecimento desde a data da celebração do contrato promessa.

Quanto ao segundo fundamento para a recusa da celebração do contrato definitivo (degradação da fração a permutar) também esta circunstância não afasta a mora dos réus, porquanto não resulta do teor do contrato promessa qualquer cláusula que se reporte ao estado de conservação da fração, seja para condicionar a celebração da escritura a determinado estado de conservação/limpeza da fração, seja para determinar correções ao valor fixado á mesma.

O que ficou a constar da cláusula segunda do contrato foi apenas a descrição e caraterização genérica da referida fração, constando da cláusula terceira o valor fixado pelas partes, nada tendo sido convencionado sobre o estado de conservação da mesma, nem que o valor da mesma, ali mencionado, ficasse de alguma forma condicionado a qualquer ato inspetivo sobre o seu estado de conservação.


Não resultando dos factos provados que o estado de conservação da fração descrito no ponto 17 dos factos provados, à data da marcação da escritura, não se verificava já à data da celebração do contrato promessa, a recusa de celebração do contrato definitivo com esse fundamento, não assenta em qualquer convenção da partes, nem resulta que a postura negocial dos autores indicie que agiram infringindo as regras na boa-fé pré e/ou negocial ou que, por via da presente ação, pretendam exercer abusivamente o direito à execução específica (artigos 22P, 762.°, n.? 2 e 334.° do Código Civil).

Donde, e em conclusão, face à mora dos réus, assiste aos autores o direito de requerer a execução específica do contrato promessa de permuta em apreciação nestes autos.

Quanto ao preço acordado e forma de pagamento, resulta dos factos provados que ao valor da venda da moradia no montante de €219.471 ,07, há que deduzir o valor atribuído à fração permutada, no montante de €89.783,62, e ainda o valor entregue a título de sinal, no valor de €64.843,72, sendo que em relação a este valor os réus responsabilizaram-se pelo pagamento das prestações devidas à instituição bancária "até à escritura de permuta ou de compra e venda do prédio" (cfr. cláusula sétima do contrato promessa e ponto 3 dos factos provados), perfazendo esse valor, em 19/12/2012, a soma de €30.274,61, devendo os autores suportar o pagamento do remanescente do preço ainda em falta.

Assim sendo, o preço a suportar pelos autores corresponde a €64.843,73, devendo ainda ser levado em conta que em relação ao valor do sinal (em igual montante de €64.843,73) deve ser abatido valor de €30.274,61, bem como o valor das amortizações realizadas pelos autores até à prolação da decisão que julgue procedente o pedido de execução específica do contrato promessa em causa nestes autos.

Sucede, porém, que esse remanescente não é passível de ser calculado sem que os autores documentem nos autos os valores entretendo pagos (desde 19/04/2012 em diante), concedendo-se aos réus, ao abrigo do princípio do contraditório, a faculdade de se pronunciarem sobre os valores que vierem a ser apresentados.

Na verdade, sendo a sentença que julga procedente o pedido de execução específica uma sentença compósita: por um lado, e no segmento em que produz os efeitos da declaração negocial do faltoso, tem caráter constitutivo, e por outro lado, no segmento em que condena o promitente-comprador a pagar o preço em falta, tem caráter condenatório, a prolação dos dois segmentos decisórios tem de ocorrer em simultâneo.

O que decorre, aliás, do artigo 830.°, n." 5, do Código Civil, quando prescreve que nos contratos bilaterais ou sinalagmáticos em que é possível invocar a exceptio non adimpleti contractus, nos quais as obrigações estão ligadas entre si por um nexo de causalidade ou de correspetividade, sendo a exceptio um corolário do sinalagma funcional, a ação improcede se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal.

Como refere CALVAO DA SILVA, quando o promitente-comprador requer a execução específica da promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício ou fração, "o tribunal não deve proferir sentença, sem que aquele deposite o preço no prazo que lhe for fixado", acrescentando que "não é admissível ao tribunal pronúncia da sentença sob a condição de o promitente-comprador consignar em depósito o preço devido;

….

Por conseguinte, a prolação de sentença que produza os efeitos da declaração dos promitentes vendedores depende da prévia determinação do remanescente do preço e do seu depósito no prazo que o tribunal a quo venha a fixar, após aquela determinação, considerando a data provável da prolação da sentença.

Por conseguinte, e por estar em causa o desencadear de um incidente anómalo prévio àquela sentença, obedecendo ao princípio do contraditório, compete à 1. a instância tramitá-lo e, no final, emitir decisão no sentido da procedência ou improcedência do pedido de execução específica, levando em conta o decidido nestes acórdão quanto à verificação dos pressupostos da execução específica nos termos supra analisados.

Passando a apreciar a apelação dos RR, considerou a Relação:

Quanto ao pedido reconvencional formulado a título principal - que seja declarado que os autores por culpa sua não cumpriram o contrato promessa, o que concede aos réus o direito a fazer seu o sinal prestado - não procede o pedido considerando o já mencionado quanto à inexistência de mora dos autores, mas sim mora dos réus, o que os impede de obstarem, por um lado, ao pedido de execução específica do contrato promessa e, por outro lado, à retenção do sinal recebido (cfr. os já mencionados artigos 830.° e 442.°, n." 2, do Código Civil) – julgando, de seguida, identicamente improcedentes os pedidos reconvencionais deduzidos subsidiariamente

E o acórdão recorrido conclui com o seguinte conteúdo decisório:

a) Julgam procedente a apelação dos autores e, consequentemente, revogam a sentença recorrida, ordenando que a 1.a instância desencadeie o incidente de determinação (quantificação) do preço remanescente a pagar pelos autores AA e BB aos réus CC e DD, nos termos acima decididos, fixando aos autores um prazo para o seu depósito, de forma a posteriormente ao seu depósito, emitir sentença que substitua a declaração negocial dos réus nos termos peticionados pelos autores.

b) Julgam improcedente a apelação dos réus, absolvendo os autores de todos os pedidos reconvencionais.


4. Inconformados, interpuseram os RR. a presente revista, que encerram com as seguintes conclusões:

I - Recorrentes e recorridos celebraram no dia treze de Setembro do ano de dois mil e um, um contrato de permuta em que aqueles entregavam uma moradia no valor de 219 417,07 euros e recebiam em permuta, um sinal de € 64.843,72, mais uma fracção, tipo T 2 e ainda mais a quantia € 64.843,72;

II - Os recorridos ficaram de marcar o dia da escritura definitiva;

III - Mas logo no princípio do ano de dois mil e três, os recorrentes foram confrontados com a acção ordinária nº 158/03 do 1º Juízo do Tribunal de Santa Cruz, intentada pelos recorridos, em que estes exigiam a execução específica do contrato de permuta, mediante o pagamento de apenas € 124.000, 00 pela moradia daqueles (passava de 219 417, 07 euros para 124.000,00);

IV - Essa acção arrastou-se no tribunal durante cinco anos, em que os recorrentes queriam cumprir o contrato pelo preço ajustado e os recorridos queriam pagar apenas € 124.000,00 pela moradia daqueles;

V - Ao fim de cinco anos, a acção foi julgada improcedente, para alívio dos recorridos que durante esse período, nada puderam fazer, senão esperar pelo veredicto do tribunal;

VI - Logo que essa acção transitou em julgado os recorrentes notificaram os recorridos para a celebração da escritura definitiva;

VII - No momento da escritura constatou-se que a fracção dos recorridos tinha apenas uma casa de banho em vez das duas contratadas e estava num estado nauseabundo, como foi dado como provado nos factos 5, 18 e 20 da matéria assente;

VIII - Até ao dia de hoje, os recorridos não construíram a casa de banho em falta, nem limparam/repararam o apartamento;

IX - Os recorridos foram notificados com a cláusula admonitória de que os recorrentes perderiam o interesse no negócio se o mesmo não fosse integralmente cumprido por aqueles;

X - Por outro lado, só o facto, dos recorridos terem intentado a acção 158/03, em que pretendiam pagar apenas o montante de € 124.000, 00, demonstra que aqueles faltaram ao contrato prometido;

X - Face ao exposto, porque os recorridos faltaram ao cumprimento do contrato de permuta permitido, os recorrentes têm o direito a fazer seu o sinal que receberam, tudo com as legais consequências, devendo ser julgado procedente o pedido reconvencional.

XI - O Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que os recorridos tinham o direito a requerer a execução específica do contrato prometido;

XII - Só que, apoiando-se na cláusula sétima do contrato prometido, o douto Acórdão considerou que os recorrentes teriam de pagar ao Banco todas as prestações do empréstimo que os recorridos contraíram quando pagarem o sinal de € 64.843, 72;

XIII -   Quer dizer, na lógica do douto Acórdão, os recorrentes recebiam o valor do sinal no montante de € 64.843,72, mas como este valor tinha origem num empréstimo que os recorridos tinham contraído junto do banco, aqueles pagavam as prestações devidas por esse empréstimo a essa instituição bancária;

XIV - Dito de outra forma, os recorrentes recebiam um valor a título de sinal, mas como depois pagavam esse montante ao Banco, ficavam sem o sinal;

XV - A interpretação da cláusula sétima do contrato em causa é no sentido de que os recorrentes adiantariam o valor das prestações de que depois seriam reembolsados;

XVI - Os recorrentes ainda pagaram as prestações entre Setembro de dois mil e um e Dezembro de dois mil e dois, mas deixaram de fazê-lo quando souberam que os recorridos iam avançar com uma acção para o Tribunal, como acabaram por fazer através dos autos 158/03;

XVII - E também aqui não se atribua culpa aos recorrentes porque estes estiveram cinco anos manietados pela acção nº 158/03 em que foram Réus e nada podiam fazer para o processo avançar;

 

XVIII - Logo, se este Tribunal entender que os recorridos têm direito á execução específica, a mesma deve ser decretada com justa composição do litigio, ou seja, os recorridos recebem a habitação no valor de € 219.471, 07 e os recorrentes recebem a fracção supra identificada, mais o montante de € 64.843, 72, uma vez que já receberam o sinal combinado, sendo certo que aqueles devem ainda ser ressarcidos das prestações que pagaram ao Banco entre o mês de Setembro do ano de dois mil e um e o mês de Dezembro do ano de dois mil e dois, apurando-se o seu valor antes da douta sentença a proferir;

XIX - Se este Tribunal Superior mantivesse em vigor o douto Acórdão ora recorrido, estava a permitir o enriquecimento dos recorridos no montante de 64.843,72 e o empobrecimento dos recorrentes, em idêntico valor;

XX - Se os recorridos tivessem o direito a exigir dos recorrentes o valor do empréstimo que aqueles contraíram junto do Banco para pagar o sinal de € 64.843, 72, pago aos recorrentes, estavam a actuar com abuso do direito, o que a moral e o direito, não podem permitir.

XXI -  O douto Acórdão, ao julgar procedente o recurso dos recorridos, nos termos em que o fez, violou, por erro de interpretação, os artigos 406º, 33° e 473º, todos do C Civil.

Nestes termos,

deve ser concedido provimento ao presente recurso, decretando-se que os recorridos faltaram ao cumprimento do contrato de permuta prometido, pelo que os recorrentes têm o direito a fazer seu o sinal que receberam, sendo julgado procedente o pedido reconvencional; Se for entendido, que os recorridos têm o direito a requerer a execução específica do presente contrato, então, a mesma deve ser decretada com justa composição do litigio, ou seja, os recorridos recebem a habitação no valor de € 219.471, 07 e os recorrentes recebem a fracção supra identificada, mais o montante de € 64.843, 72, uma vez que já receberam o sinal combinado, sendo certo que aqueles devem ainda ser ressarcidos das prestações que pagaram ao Banco entre o mês de Setembro do ano de dois mil e um e o mês de Dezembro do ano de dois mil e dois, apurando-se o seu valor antes da douta sentença a proferir, tudo com as legais consequências, como é de Justiça!


Os recorridos contra alegaram, suscitando, desde logo, quanto ao decidido em sede de pedido reconvencional, a questão da dupla conformidade do decidido pelas instâncias, pugnando ainda pela confirmação do teor do acórdão recorrido.


5. Na respectiva alegação, começam os recorrentes por questionar a decisão que julgou improcedente o pedido reconvencional, deduzido a título principal, procurando configurar como incumprimento definitivo do contrato promessa por parte dos AA. a ocorrência dos vícios que, na sua óptica, afectavam a fracção que devia ser permutada: inexistência de uma segunda casa de banho e deficiente conservação do locado.

Efectivamente, a improcedência de tal pretensão obteve juízos coincidentes na 1ª instância e na Relação – o que, desde logo, quanto à matéria de tal pedido reconvencional, é susceptível de ocasionar dúvidas fundadas sobre a ocorrência de uma situação de dupla conformidade, inibidora do acesso ao STJ.

Temos entendido que havendo reconvenção, a existência do requisito da dupla conformidade deverá, em princípio, ser analisada separadamente em relação aos segmentos decisórios que se pronunciaram sobre a acção e a reconvenção, salvo se ocorrer uma situação de incindibilidade entre a matéria de tais pretensões, por estar a decisão de ambas irremediavelmente ligada ( AC. de 10/10/12, proferido pelo STJ no P. 29/09.3TBCPV.P1.S1)

    Ou seja: num processo cujo objecto é integrado por várias pretensões que não devam ter-se por incindíveis o requisito da dupla conformidade carece de ser apreciado em relação a cada um de tais objectos ou pretensões dotadas de autonomia, podendo, por isso, o acesso ao STJ estar vedado quanto à matéria da pretensão que foi objecto de decisões estritamente  coincidentes das instâncias, sem prejuízo de ser interposta e admitida revista quanto à matéria das pretensões que mereceram decisões diversificadas em 1ª e 2ª instâncias.

    Ora, no caso dos autos – perante a decisão estritamente coincidente das instâncias acerca do pedido reconvencional, rejeitado integralmente pela sentença apelada e pelo acórdão recorrido com base nos mesmos fundamentos – pode efectivamente entender-se que aos RR. não era lícito recolocarem, no âmbito de uma revista normal, tal questão à apreciação do Supremo, questionando novamente o juízo de improcedência da reconvenção; e sendo certo que tal matéria, objecto da pretensão reconvencional, se apresenta como fundamentalmente autónoma relativamente às restantes questões controvertidas na presente revista – ou seja, a determinação do exacto valor pecuniário que, assente a existência de uma situação de mora imputável aos RR., deverá ser contrapartida da aquisição da propriedade operada através da sentença a proferir sobre o pedido de execução específica.

De qualquer modo, mesmo que se entendesse que, perante a especificidade do litígio, em que cada uma das partes trata de imputar à outra o incumprimento contratual, o juízo acerca da ocorrência do alegado incumprimento definitivo da obrigação de contratar, imputado aos AA., não devia considerar-se absolutamente autónomo e cindível da matéria dos pressupostos do direito à execução específica do contrato, peticionada pelos AA com base na mora imputada aos RR. e controvertida na presente revista, não se vê que o sentido decisório acolhido uniformemente pelas instâncias acerca da reconvenção mereça qualquer censura.

   Na verdade, como refere o acórdão recorrido, nada se tendo estipulado acerca do preciso estado de conservação da fracção usada a permutar, não pode considerar-se que as deficiências notadas na matéria de facto sejam de molde a legitimar a recusa dos RR na celebração do contrato definitivo de permuta; e o mesmo ocorre quanto à circunstância de, por evidente lapso decorrente do errado teor da matriz predial, se ter referido no texto do contrato promessa que a fracção a permutar teria 2 casas de banho, quando afinal apenas tinha uma casa de banho e um compartimento de lavandaria, sendo do conhecimento, pelo menos da R., desde o início, a real configuração do imóvel sem que os interessados tivessem alguma vez, na pendência da relação contratual ao longo dos anos, invocado ou pretendido extrair efeitos  da diferença entre as qualidades do prédio, asseguradas pelo respectivo proprietário, e as realmente existentes – só tardiamente invocada no momento da realização da escritura do contrato definitivo, como pretexto para a não realização desta, em clara contradição com as exigências decorrentes do princípio da boa fé contratual…


6. A segunda questão suscitada pelos recorrentes prende-se com a interpretação da cláusula 7ª do contrato promessa, em que se estipulou que os RR. suportariam as prestações do crédito bancário contraído pelos AA. para pagamento da quantia do sinal entregue até á realização da escritura de permuta ou de compra e venda do imóvel.

No acórdão recorrido, tal cláusula contratual foi interpretada no sentido de que tal obrigação assumida pelos RR. vigoraria até ao momento da prolação da decisão que julgasse procedente o pedido de execução específica, determinando-se, por isso, o respectivo apuramento, já que da matéria de facto apenas constava o valor suportado pelos AA. até 19/12/2012, no montante de €30.274,61.

   É contra tal decisão que se insurgem os recorrentes, notando que – a abater-se efectivamente tal montante pecuniário ao remanescente do preço a pagar como contrapartida da aquisição decorrente da execução específica - ficaria em causa o equilíbrio contratual, já que grande parte do sinal prestado seria anulada com a obrigação de os RR. assumirem, durante anos sucessivos, o valor das prestações bancárias que os AA têm vindo a satisfazer; e salientando que, ao menos durante a pendência da acção visando a redução do preço – iniciada em 2003 e julgada totalmente improcedente em 2008 – os RR. estiveram praticamente impossibilitados de providenciar pela marcação da escritura, atento o litígio pendente em juízo, com decisiva relevância para a definição dos valores pecuniários correspondentes à transacção imobiliária em discussão.

Saliente-se que a matéria litigiosa revela a existência de várias situações de mora, imputáveis aos contraentes, durante o longo período temporal da pendência da relação controvertida:

- assim, em primeiro lugar, confrontamo-nos com uma situação de mora imputável aos RR., ocorrida entre a data em que deveria ter-se realizado a escritura do negócio definitivo ( 15/12/01) e o momento em que os AA. desencadearam, em 2003, a acção tendente a obter a redução do preço da permuta, implicando relevante desvalorização da moradia que pretendiam adquirir;

- em segundo lugar, durante a pendência de tal acção, terminada apenas em 2008 com um julgamento de improcedência, verifica-se uma situação de mora imputável aos AA. que, sem fundamento suficiente, puseram em causa o equilíbrio patrimonial do negócio, inviabilizando a pendência de tal acção naturalmente a marcação da escritura pelo RR;

- finalmente, no período temporal posterior a Outubro de 2008, verifica-se uma situação de mora dos RR. que se recusaram a celebrar o negócio com o pretexto da existência de erro acerca das qualidades  da fracção e do deficiente estado de conservação desta – argumentos tidos por infundados para tal recusa  nas decisões conformes das instâncias que  julgaram improcedente o respectivo pedido reconvencional.

   Ora, como parece indiscutível, a referida cláusula 7ª tem de ser interpretada em consonância com o princípio da boa fé, em termos de aos RR. apenas cumprir assumir os encargos com o empréstimo contraído pelos AA. para pagamento do sinal em situações de normalidade e enquanto lhes puder ser imputado o atraso na consumação do negócio definitivo; na verdade, seria inconciliável com os ditames da boa fé que tal obrigação pudesse subsistir indefinidamente, mesmo durante o período temporal em que o atraso na consumação do negócio pudesse imputar-se a comportamento dos próprios AA., susceptível de inviabilizar, em termos razoáveis e adequados, a celebração da escritura, nos termos acordados.

   Ora, foi precisamente isto que ocorreu, como consequência da propositura pelos AA. da acção tendente a obter uma substancial redução do preço a pagar como contrapartida da aquisição da moradia, pretextando defeitos ou vícios desta que não lograram demonstrar em juízo, o que determinou a total improcedência da acção.

    Ou seja, a propositura – e a total improcedência – da referida acção de redução do preço constitui comportamento dos AA. que – ao questionarem sem fundamento bastante os termos contratualmente acordados para a consumação da transacção imobiliária em vista – inviabilizaram efectivamente a realização do negócio definitivo durante a pendência de tal causa, por facto que lhes é inteiramente imputável: e, assim sendo, constituiria violação da boa fé contratual pretender continuar a beneficiar da obrigação, assumida pela contraparte, de cobertura de encargos de um empréstimo bancário, quando a não realização da escritura ( que poria termo a tal obrigação ) é, afinal, plenamente imputável ao comportamento dos AA.

    Ora, tendo os RR. assumido as prestações devidas ao Banco entre Setembro de 2001 e Dezembro de 2002, como referem na conclusão XVI, apenas deixando de o fazer quando souberam que os recorridos iam avançar com a acção 158/03 – tem de concluir-se que assumiram a sua obrigação de cobertura dos encargos do empréstimo bancário durante o período temporal em que a mora na consumação do negócio lhes era imputável (não havendo obviamente qualquer fundamento para a restituição de tais quantias) – interrompendo, porém, o subsequente comportamento dos AA, ao porem em causa, sem fundamento consistente , as condições contratualmente acordadas para a transacção imobiliária, a obrigação assumida de suportar os encargos do mútuo contraído pela contraparte.

   E daqui resulta que a execução específica, peticionada nesta acção, deverá realizar-se nos termos contratualmente acordados, com base nos valores atribuídos a ambos os imóveis e descontado obviamente o valor do sinal entregue, cumprindo aos AA entregar o montante remanescente de €64.843,73, como prévia conditio da prolação da sentença constitutiva que decrete a execução específica.


7. Sucede, porém, que não é possível a imediata prolação de decisão a decretar a execução específica, peticionada pelos AA., simultaneamente com o julgamento da presente revista, por duas ordenas de razões, conexionadas com a aquisição processual de relevante matéria de facto:

- em primeiro lugar, porque, como se nota no acórdão recorrido, há necessidade de proceder à fixação de um prazo para os AA. depositarem a referida quantia, a título de remanescente do preço devido, só após a realização do depósito podendo ter lugar a prolação da sentença a decretar a peticionada execução específica do contrato de permuta – extravasando  tais diligências indispensáveis o âmbito das questões de direito a dirimir num recurso de revista;

- em segundo lugar, porque tal sentença constitutiva, envolvendo a transmissão da propriedade de ambos os imóveis, objecto da permuta, pressupõe que os mesmos disponham da licença de utilização – obstando a falta desta à procedência da acção de execução específica( Ac. STJ de 6/7/04, P. 04B1311); ora, no caso dos autos, para além de não se mostrar cumprido no documento que titula a promessa o disposto no art.410º, nº3, do CC, certificando-se a existência de tal licença, não se vislumbra que tal documento (embora referenciados nas alegações das partes) haja sido junto aos autos; e, assim sendo, tratando-se de exigência com carácter imperativo, por ser de interesse público , cabe ao tribunal, antes de proferir decisão decretando a execução específica, verificar, mesmo oficiosamente, se tal condição está efectivamente preenchida.


8. Nestes termos e pelos fundamentos apontados:

a) concede-se, em parte, provimento à revista, revogando o acórdão recorrido no segmento em que, interpretando a cláusula 7º do contrato como implicando a responsabilização irrestrita dos RR., até à celebração do negócio, pelos montantes pagos pelos AA. em consequência dos encargos do empréstimo bancário que contraíram para pagamento da quantia do sinal, determinou o apuramento, em incidente de determinação do preço, do remanescente a pagar pelos AA., confirmando-o em tudo o mais;

b) interpretando tal cláusula em conformidade com o princípio da boa fé, considera-se que a responsabilização assumida pelos RR. se deve ter por interrompida com a prática pelos AA. de facto ( propositura de acção visando a redução do preço convencionado em que inteiramente decaíram) que inviabilizou a realização da escritura, interrompendo-se, consequentemente, tal obrigação a partir de 2003, devendo, consequentemente, a pretendida execução específica ter como contrapartida o pagamento do valor residual estipulado no contrato promessa ( €64.843,73).

c) determina-se, ao abrigo do preceituado no art. 682º, nº3, do CPC a ampliação da matéria de facto, de modo a serem processualmente adquiridas as duas condições de que depende a prolação da sentença a decretar a peticionada execução específica, fixando-se prazo para os AA. consignarem em depósito aquela quantia e demonstrarem nos autos que os dois imóveis abrangidos pelo negócio dispõem de licença de utilização.

    Custas da revista por recorrentes e recorridos, na proporção de 1/3 para os primeiros e 2/3 para os segundos.


Lisboa, 29 de Outubro de 2015


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor