Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A1360
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOREIRA CAMILO
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
ALEGAÇÕES
PRAZO
REGIME DE BENS DO CASAMENTO
DANOS PATRIMONIAIS
ALIMENTOS
ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
TERCEIROS
Nº do Documento: SJ200307080013601
Data do Acordão: 07/08/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 1435/02
Data: 10/30/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : I - Segundo o nº. 3 do artigo 698º do CPC, se tiverem apelado ambas as partes, o primeiro apelante tem ainda, depois de notificado da apresentação da alegação do segundo, direito a produzir nova alegação, no prazo de 20 dias, mas somente para impugnar os fundamentos da segunda apelação.
II - Tal preceito corresponde ao nº 4 do anterior artigo 705º, que se encontrava integrado num sistema onde os recorrentes e os recorridos tinham prazos distintos e sucessivos para alegar (nº 2 do mesmo artigo).
III - Como hoje isso não acontece, uma vez que todos os recorrentes e recorridos alegam simultaneamente dentro do mesmo prazo (ressalvada a situação de haver recurso independente e recurso subordinado) - artigo 698º, nº. 4 -, o actual nº. 3 do artigo 698º não tem razão de ser, só existindo ainda por manifesto lapso do legislador, pelo que deverá, logo que possível, ser revogado, sem embargo de, enquanto se mantiver em vigor, os tribunais terem de o acatar.
IV - Na verdade, não se vislumbra qualquer vantagem em o juiz - que, exceptuando o caso de se estar perante um recurso independente e um recurso subordinado (artigo 682º), profere, em princípio, um despacho único a admitir os recursos de ambas as partes - ter de declarar quem é o primeiro e quem é o segundo dos apelantes, a fim de se dar cumprimento ao anacrónico regime que resulta do nº. 3 do artigo 698º.
V - Entre os danos patrimoniais que o responsável pela produção do acidente de viação está obrigado a indemnizar, contam-se os chamados danos patrimoniais resultantes da perda de remunerações do trabalho.
VI - Excepcionalmente, em casos de morte, a lei reconhece o direito a indemnização de danos patrimoniais futuros iure proprio às pessoas que podiam exigir alimentos do lesado directo ou àquelas pessoas a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural - artigo 495º, nº. 3, do C.C..
VII - Nesta situação se encontra o cônjuge de uma vítima mortal, independentemente de estarem casados segundo o regime da separação de bens, tendo em atenção o dever de assistência resultante do casamento (artigos 1672º, 1675º e 1676º do C.C.).
VIII - Para exercitar tal direito, não é necessário provar que se recebia alimentos, bastando apenas demonstrar que se estava em situação de, legalmente, os poder vir a exigir e a previsibilidade dos mesmos, nos termos do artigo 564º, nº. 3, do C.C..
IX - O cálculo da perda de alimentos, a fazer com recurso à equidade (artigo 566º, nº. 3, do C.C.), constitui uma operação delicada, de difícil solução, na medida em que obriga a fazer apelo a situações hipotéticas e tem de se alicerçar em dados problemáticos, tais como a idade da vítima, o tempo provável da sua vida activa, a evolução das despesas alimentares em função do aumento do custo de vida, a evolução dos salários, a taxa de juro e a própria idade do beneficiário de alimentos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (1):

I - No Tribunal Judicial da Comarca de Porto de Mós, A, em acção com processo sumário, para efectivação da responsabilidade civil, emergente de acidente de viação, intentada contra a "Companhia de Seguros B, S.A.", pediu que, com a procedência da acção, seja a Ré condenada a pagar-lhe a indemnização de 139.162.450$00 e os juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento, na sequência de um acidente de viação ocorrido no dia 3 de Setembro de 1997, na Batalha, de que resultou a morte de C, marido da Autora.
Contestou a Ré, pugnando pela improcedência da acção.
Houve resposta.
A final, foi proferida sentença, segundo a qual a acção foi julgada parcialmente procedente, decidindo-se condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de 64.162.450$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 10% até 17.04.1999 e de 7% desde então, até integral e efectivo pagamento, absolvendo-se a Ré do demais peticionado.
Inconformados com tal decisão, dela apelaram Autora e Ré, sendo ambos os recursos admitidos por despacho de 09.10.2001, o qual foi notificado às partes por cartas registadas expedidas a 15 do mesmo mês.
Em 12.11.2001, a Autora apresentou as suas alegações, tendo a Ré oferecido as suas "Alegações e Contra-Alegações" em 12.12.2001.

Contra-alegou a Autora, suscitando, como questão prévia, a tempestividade do oferecimento das alegações da parte contrária.
Foi proferido o despacho de fls. 171 e 172, a julgar deserto o recurso interposto pela Ré, por considerar que as alegações foram oferecidas intempestivamente.
Interpôs a Ré recurso de agravo deste despacho.

Na Relação de Coimbra, foi proferido acórdão, segundo o qual se decidiu:
a) Julgar parcialmente procedente a apelação da Autora, alterando-se a sentença recorrida no sentido de as quantias de 500.000$00 e de 1.000.000$00 que a ela foram atribuídas a título de danos não patrimoniais serem, respectivamente, alteradas para 1.000.000$00 e 2.000.000$00, atribuindo-se ainda à mesma o direito à indemnização que se vier a apurar em execução de sentença pelos danos provocados pela morte de seu marido em relação à perda do seu, dela, emprego.
b) Conceder provimento ao agravo da Ré, revogando-se o despacho recorrido, no sentido de não ser julgada deserta a sua apelação.
c) Julgar parcialmente procedente a apelação da Ré, revogando-se a sentença recorrida na parte em que a mesma foi condenada a pagar à Autora a quantia de 57.000.000$00, ficando antes aqui condenada, a título de lucros cessantes, no pagamento aludido na decisão da apelação anterior.
Irresignada, interpôs a Autora dois recursos - agravo e revista -, os quais foram admitidos.

Neste Supremo Tribunal, e face ao disposto no nº. 1 do artigo 722º do Código de Processo civil (CPC), foi proferido despacho a determinar o processamento dos autos como um único recurso de revista, onde se conhecerá das questões suscitadas no recurso de agravo.
A recorrente apresentou alegações e respectivas conclusões, pedindo que se revogue o acórdão recorrido (na parte em que decidiu que as alegações da Ré foram tempestivamente apresentadas), julgando-se deserto o recurso de apelação interposto pela Ré para o Tribunal da Relação de Coimbra, e que se atribua à recorrente a quantia indemnizatória de 130.000.000$00, a título de danos patrimoniais.
A recorrida contra-alegou, defendendo a confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II - Ao abrigo do disposto no nº. 6 do artigo 713º, aqui aplicável por força do artigo 726º, ambos do CPC, remete-se para a fundamentação de facto constante do acórdão recorrido, a qual aqui se dá por reproduzida.
III - 1. A primeira questão a dilucidar prende-se com a matéria do agravo interposto pela Ré para o Tribunal da Relação do despacho que julgou deserto o seu recurso de apelação, com fundamento na apresentação extemporânea das respectivas alegações.
Para apreciação desta questão, releva a seguinte factualidade:
- A Autora interpôs recurso de apelação em 25.09.2001.
- A Ré interpôs a sua apelação em 26.09.2001.
- Os recursos foram recebidos, como apelação, por despacho de 09.10.2001, notificado a ambas as partes por cartas registadas remetidas em 15.10.2001.
- A Autora apresentou a sua alegação em 12.11.2001, tendo notificado a contra-parte por carta registada de 09.11.2001.
- A Ré veio apresentar a sua alegação e contra-alegação em 12.12.2001.

2. Na 1ª instância, entendeu-se que, ao contrário do que sustenta a Ré, o disposto no artigo 698º, nº. 3, do CPC não eximia aquela do ónus de apresentar as alegações do seu recurso no prazo de 30 dias.
Aí, pode ler-se:
"Com efeito, salvo o devido respeito por opinião diversa, a leitura que a ré faz do preceito contido no nº. 3 do artigo 698º do Código de Processo Civil - e que é sustentada também por Ribeiro Mendes, em Recursos do Código de Processo Civil Revisto, pág. 70 - não tem suporte no texto da lei.
Este normativo, na sua parte final, é expresso ao referir que a faculdade aí conferida - ao primeiro apelante - de produzir novas alegações tem como único fim o de poder-se impugnar os fundamentos da segunda apelação, não afastando, portanto, a regra contida no artigo 698º, nº. 2 do Código de Processo Civil".
Diferente foi o entendimento da Relação, em cujo acórdão se escreveu:
"No caso vertente, e porque ambas as partes ficaram parcialmente vencidas na sentença final, ambas recorreram, de forma independente - art. 682º, nº. 2 do CPC.
Passando, assim, a haver, simultaneamente, dois apelantes e dois apelados.
Sendo a A. a primeira apelante, já que o seu recurso deu entrada em Juízo em primeiro lugar.
Cumprindo esta o seu ónus de alegação, já que tempestivamente a apresentou - artºs. 690º, nº. 1 e 698º nº. 2, ambos do CPC.
Tendo também a Ré apelante cumprido o seu respectivo ónus, já que, de igual modo, alegou em prazo - cfr. artº. 698º, nº. 3 do mesmo Código, ao caso aplicável.
Pois, notificada que foi da apresentação da alegação da A. por carta registada remetida em 9/11/01 - presumindo-se a notificação postal feita em 12/11/01, segunda-feira (artº. 254º, nº. 2 do mesmo diploma legal) - tinha, a partir de então, o prazo de 30 dias para alegar e contra-alegar em conjunto, tendo a primeira apelante, depois de notificada desta alegação/contra-alegação, o prazo de 20 dias, mas só para impugnar os fundamentos da alegação - citado artº. 698º, nº. 3.
Não sendo feliz a redacção deste aludido normativo, não pode ser outra a sua interpretação, a de o mesmo se aplicar ao caso de ambas as partes serem simultaneamente apelantes e apelados.
Havendo que se presumir que o intérprete consagrou a solução mais acertada e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados - artº. 9º, nº. 3 do CC.
Sendo esta a posição, defendida já no domínio do Código Revisto, pelos consagrados processualistas Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. III, p. 249 e Ribeiro Mendes, "Os Recursos no CPC Revisto", p. 70. Escrevendo o ora primeiramente citado, e a propósito:
"O nº. 3 encara outra realidade: a de terem apelado ambas as partes.
Neste caso as alegações serão apresentadas pela ordem seguinte:
Em primeiro lugar alega, no prazo de 30 dias, o primeiro apelante, devendo considerar-se tal o que primeiro interpôs recurso (segundo a ordem de apresentação do respectivo requerimento).
Seguidamente alegará o segundo, também em 30 dias, a contar da notificação da apresentação do primeiro recorrente, para sustentar a sua apelação e contraminutar a do litigante contrário.
Finalmente - e com o prazo de 20 dias - é admitido o primeiro recorrente a alegar, contrariando o recurso em que é recorrido".
Sem tal interpretação, que também julgamos ser a correcta - e por isso a ela aderimos - não faz qualquer sentido o nº. 3 em apreço, não se podendo concordar com a doutrina defendida por Amâncio Ferreira, in Recursos em Processo Civil, nota 230, p. 138, a pugnar pela erradicação de tal normativo, por o mesmo não ter razão de ser. Pois, da forma que entendemos ser a legal, se procura a condensação das respectivas tramitações, de forma a conseguir-se uma tramitação quanto possível unitária.
Sendo esta, aliás, a doutrina já defendida no CPC antes de revisto, onde o seu artº. 705º, nº. 4 apresentava redacção semelhante - cfr. Castro Mendes, Recursos, p. 179.
Tendo a lei actual modificado o sistema dos prazos - prazo único em vez de sucessivo - para a hipótese de haver vários recorrentes ou vários recorridos representados por advogado diferente - cfr. antigo artº. 705º, nº. 2 e actual artº. 698º, nº. 4.
O que não contende com o caso vertente - o de haver dois recorrentes e dois (simultaneamente) recorridos, ao qual se aplicará, como já visto, o artº. 698º, nº. 3 (antigo artº. 705º, nº. 4).
Já de igual modo se dispondo e se entendendo no domínio do CPC de 1939 - cfr. A. dos Reis, CPC Anotado, vol. V, p. 443".

3. Segundo o nº. 2 do artigo 698º do CPC, "O recorrente alega por escrito no prazo de 30 dias, contados da notificação do despacho de recebimento do recurso, podendo o recorrido responder, em idêntico prazo, contado da notificação da apresentação da alegação do apelante".
"Se tiverem apelado ambas as partes, o primeiro apelante tem ainda, depois de notificado da apresentação da alegação do segundo, direito a produzir nova alegação, no prazo de 20 dias, mas somente para impugnar os fundamentos da segunda apelação" - nº. 3 do mesmo artigo.
Como interpretar este normativo legal?
O Código de 1939 nada dispunha acerca do caso para alegar quando houvesse pluralidade de apelantes ou de apelados.
Tendo a Comissão Revisora notado esta omissão, propôs que se adoptasse, para a hipótese, a solução do prazo distinto e sucessivo, desde que os recorrentes ou recorridos fossem representados por advogados diferentes, o que foi aprovado e ficou constituindo o nº. 2 do primitivo artigo 705º.
A Reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº. 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei nº. 180/96, de 25 de Setembro, em vigor desde 1 de Janeiro de 1997, adoptou, porém, a solução do prazo único, como resulta do nº. 4 do referido artigo.
Contudo, o nº. 3 prevê outra situação: a de terem apelado ambas as partes.
Nesta situação, refere o Conselheiro Amâncio Ferreira, no seu Manual dos Recursos em Processo Civil, 2ª edição revista, actualizada e ampliada, escreve, a fls. 169, nota 320, "O preceito do nº. 3 do art. 698º, onde se contém a disciplina referida no texto, corresponde ao nº. 4 do anterior artº. 705º, que se encontrava integrado num sistema onde os recorrentes e recorridos tinham prazos distintos e sucessivos para alegar (nº 2 do anterior artº. 705º). Como hoje isso não acontece, uma vez que todos os recorrentes e recorridos alegam simultaneamente dentro do mesmo prazo, os segundos a seguir aos primeiros (artº. 698º, nº. 4), o actual nº. 3 do artº. 698º não tem razão de ser e deve ser erradicado na melhor oportunidade, sem qualquer prejuízo para as partes, nas vestes de recorridas, por poderem responder à impugnação dos adversários como recorrentes na contra-alegação que elaborarem, no prazo de 30 dias contado da notificação da apresentação da alegação daqueles, nos termos do nº. 2 do mesmo preceito. Quando tal ocorrer o processo deixará de jazer inutilmente por mais 20 dias na secretaria judicial do tribunal recorrido, a aguardar uma nova contra-alegação do primeiro apelante que nunca surgirá, porque ele já anteriormente teve oportunidade de responder ao segundo apelante, no prazo de 30 dias em que se produzem as contra-alegações, de harmonia com o que se dispõe na 2ª parte do nº. 2 do artº. 698º.
Discorda-se, assim, de Lopes do Rego quando, para salvar o preceito, em manifesto desrespeito da lei, recupera o sistema anterior de ordenação dos apelantes por parte do juiz".

Não vislumbramos qualquer vantagem em o juiz - que, exceptuando o caso de se estar perante um recurso independente e um recurso subordinado (cfr. artigo 682º), profere, em princípio, um despacho único a admitir os recursos de ambas as partes - ter de declarar quem é o primeiro e quem é o segundo dos apelantes, a fim de se poder dar cumprimento ao anacrónico regime que resulta do citado nº. 3 do artigo 698º.
Daí que entendamos que haverá necessidade de revogar a norma em causa.
Só que, enquanto tal não suceder, terá de admitir-se o sistema de prazos aí contemplado, do qual se infere, como única interpretação possível, que o segundo apelante, ou seja, o recorrente que apresentou o requerimento de recurso em segundo lugar, poderá aguardar a notificação das alegações do primeiro apelante (aquele que primeiramente apresentou o requerimento de interposição de recurso) - alegações a apresentar no prazo de 30 dias - para, no mesmo prazo de 30 dias a contar dessa notificação, oferecer as suas alegações, quanto ao seu recurso, e as suas contra-alegações, no tocante ao recurso da parte contrária, tendo depois o primeiro apelante um prazo de 20 dias, a partir da sua notificação das alegações e contra-alegações da outra parte, para impugnar os fundamentos da segunda apelação.

4. Infere-se, assim, que, nesta parte, não colhem as conclusões da recorrente, pelo que terá de confirmar-se a decisão da Relação que revogou o despacho que julgou deserto o recurso de apelação da Ré, considerando-se tempestivamente apresentadas as respectivas alegações.

IV - 1. A questão que importa agora conhecer reporta-se ao montante da indemnização a título de danos patrimoniais, como compensação pelos rendimentos que a Autora deixou de auferir em virtude do óbito de seu marido e da situação de desemprego que o falecimento do mesmo para si acarretou.
Na petição inicial, a Autora reclamou uma verba de 130.000.000$00.
Na sentença proferida na 1ª instância, entendeu-se equitativo fixar-se esta indemnização em 57.000.000$00, apenas como compensação pelo dano patrimonial comprovado a título de lucros cessantes originados pela perda de rendimentos que a morte da vítima terá causado à Autora, não se tendo considerado quaisquer danos directamente sofridos pela própria Autora, com a perda de emprego, pelo facto de, tendo embora a Autora logrado demonstrar que, à data, exercia, igualmente nos EUA, as funções de governanta, que viria a perder como consequência do óbito do seu marido, não se ter provado que a mesma auferisse, a título próprio, qualquer rendimento, designadamente em valor equivalente ao do falecido, a que acresceria, na alegação respectiva, a quantia anual de $200 US dólares.
No seu recurso para a Relação de Coimbra, a Autora peticionou de novo os 130.000.000$00.
Por sua vez, a Ré, na sua apelação, defendeu que não se provou que a vítima contribuísse para o sustento da Autora ou para as despesas da casa, pelo que não tem direito a qualquer verba a título de lucros cessantes, e que, de qualquer modo, a indemnização pelos lucros cessantes, tendo em conta critérios utilizados na 1ª instância, nunca seria a fixada, mas metade, isto é, 28.500.000$00, quantia esta que é claramente exagerada e ao arrepio da nossa jurisprudência e da nossa realidade.
A Relação de Coimbra considerou que não se verifica qualquer dano patrimonial comprovado a título de lucros cessantes originados pela morte da vítima, relacionados com a perda de rendimentos que o infeliz evento terá causado à Autora, pelo que, nesta parte, não pode proceder a pretensão da Autora.
Na verdade - segundo o acórdão recorrido -, sendo a Autora casada com o malogrado C no regime de separação de bens, conservando, assim, cada um dos cônjuges o domínio e a fruição de todos os seus bens presentes e futuros, podendo deles dispor livremente - artigo 1735º do Código Civil -, caracterizando-se o regime da separação por uma efectiva autonomia de patrimónios encabeçados pelos dois cônjuges, quer no que respeita ao domínio, fruição e administração dos bens, quer no que concerne à sua alienação e oneração (Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, vol. IV, pág.447), e não tendo a Autora alegado sequer que, não obstante a separação, vivia a expensas do produto do trabalho de seu marido, tendo, assim, em consequência da morte deste, perdido o rendimento que lhe era devido por via dos deveres de cooperação e de assistência a que o casamento os vinculava (cfr. artigos 1674º e 1675º do Código Civil), antes, pelo contrário, tendo alegado e provado em parte que trabalhava no mesmo local do trabalho de seu marido - a casa de D -, só não provando que ganhava o mesmo ordenado que seu marido, conclui-se que se não verifica qualquer dano patrimonial comprovado a título de lucros cessantes originados pela morte da vítima, relacionados com a perda de rendimentos que o infeliz evento terá causado à Autora.
Por outro lado, tendo em conta que, à data do acidente, ela se encontrava empregada, sendo então governanta pessoal de D, e, com a morte do marido, perdeu o emprego e a posição de governanta, tendo voltado para Portugal, onde se encontra desempregada, o acórdão recorrido considerou que aqui haverá um dano para a Autora, tendo sido a súbita morte do C, devido à conduta culposa do segurado da Ré, sua causa adequada, mas que, não tendo o Tribunal dados suficientes para fixar a indemnização devida, desconhecendo-se quanto é que a Autora ganhava em tal ocupação, qual a natureza do contrato, qual a idade normal da reforma, quanto é que a mesma poderá eventualmente já estar a perceber a este título, por que razão não consegue emprego em Portugal, sabido que o serviço doméstico tem aqui, em princípio, procura superior à oferta, etc., e sendo certo que o recurso à equidade não significa, de modo algum, recurso à arbitrariedade, terá de ser relegada para execução de sentença a fixação da indemnização que a este título será devida à Autora.

2. Segundo o nº. 3 do artigo 495º do Código Civil, no caso de lesão de que proveio a morte, têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
Não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites do que tiver por provado - artigo 566º, nº. 3, do mesmo diploma.
Desde já, teremos de responder à seguinte questão: sendo a Autora casada com o infeliz C segundo o regime da separação de bens, e não tendo ela alegado nem, consequentemente, provado que vivia a expensas do produto do trabalho do marido, poderá, com base no citado artigo 495º, nº. 3, ser-lhe atribuída uma indemnização a títulos de lucros cessantes, ou seja, por danos futuros?

A nossa jurisprudência não é pacífica neste ponto.
Segundo os acórdãos deste STJ proferidos nas revistas nº.s 1052/99 e 1030/99, da 6ª Secção, em 11.01.2000 (Sumários de Acórdãos Cíveis do STJ, Edição Anual - 2000, páginas, 17 e 18, respectivamente), a lei reconhece, nos casos de morte, excepcionalmente o direito a indemnização de danos patrimoniais iure proprio às pessoas que podiam exigir alimentos do lesado directo.
Também o acórdão de 22.05.2001 do mesmo Tribunal proferido na Revista nº. 25/01, da mesma Secção (Sumários ..., Edição Anual - 2001, pág. 166), refere que, para exercitar o direito de indemnização a alimentos do artigo 495º, nº. 3, do C.C. não é necessário provar que se recebia alimentos, basta demonstrar que se estava em situação de, legalmente, os poder vir a exigir e a previsibilidade dos mesmos, nos termos do artigo 564º, nº. 3, do C.C..
Algo diferente é a posição assumida no acórdão de 07.06.2001, proferido na Revista nº. 634/01, da 2ª Secção (citada Edição, pág. 217).
Aí se diz que o nº. 3 do artigo 495º do C.C., como norma excepcional, é, em princípio, insusceptível de aplicação analógica.
Mais refere que não basta, por isso, a simples invocação da qualidade ou status de cônjuge sobrevivo para, de pronto e de modo automático, ser atribuída ao invocante uma indemnização a esse título: esta só pode ser exigida por danos efectivos - que não pelos meramente potenciais - da cessação da prestação de alimentos, podendo, porém, o tribunal atender aos danos futuros que sejam previsíveis, atribuindo, desde logo, um determinado quantum indemnizatório se já dispuser de elementos factuais que, com razoável dose de verosimilhança, lhe permitam determinar que tais danos são desde já previsíveis.

3. Posto isto, diremos que o facto de a Autora, independentemente do regime de bens do casamento, poder exigir alimentos do marido, em cumprimento do dever de assistência (cfr. artigos 1672º, 1675º e 1676º do Código Civil), leva-nos à conclusão de que, efectivamente, e face à morte de seu marido, ela tem direito a indemnização, ao abrigo do disposto no citado artigo 495º, nº. 3.
Só que - e como bem se refere nos dois primeiros acórdãos citados -, o cálculo da perda de alimentos é sempre uma operação delicada, de solução difícil, na medida em que obriga a fazer apelo a situações hipotéticas e tem de alicerçar-se em dados problemáticos, tais como a idade da vítima, o tempo provável de vida activa da mesma, a evolução das despesas alimentares em função do aumento do custo de vida, a evolução dos salários e a taxa de juro, a própria idade dos beneficiários de alimentos.
Por outro lado, não podemos olvidar que as duas situações em causa nos presentes autos - indemnização a título de danos patrimoniais como compensação pelos rendimentos que a Autora deixou de poder auferir em virtude do óbito de seu marido e da situação de desemprego que o falecimento do mesmo para si acarretou - estão interligadas, isto é, a fixação de um montante indemnizatório pela perda de rendimentos do falecido marido terá de ter em consideração o que é atribuído à recorrente pela perda de eventuais rendimentos do emprego que tinha.
Atenta tal interligação, iremos fixar um valor que contemple as duas situações, de modo a evitar-se a necessidade de futura liquidação parcial em execução de sentença, o que nos é permitido aqui fazer face aos termos constantes das alegações da recorrente, a qual peticiona novamente os 130.000.000$00 globais referidos na petição inicial.

4. Compreendendo o dever de indemnizar não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, e podendo, na respectiva fixação, o tribunal atender aos danos futuros desde que previsíveis, temos que, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados - artigos 564º e 566º, nº. 3, do Código Civil.
O que agora aqui está em causa é, precisamente, um pedido de réditos futuros pela privação da respectiva fonte.
Por isso, há-de, em consequência, fazer-se apelo a critérios de probabilidade a projectar em termos de normalidade da vida.
Como critério de determinação dos danos futuros correspondentes à perda da capacidade de ganho, designadamente em casos como este, em que tal perda foi motivada por falecimento, sempre com as correcções que as circunstâncias do caso equitativamente aconselham, tem-se por adequado, instrumentalmente, lançar mão da conjugação das regras respeitantes à determinação de uma indemnização fixada em renda (seguros de vida), com as que regem a determinação do valor das pensões sociais (a partir do nível dos rendimentos de trabalho), conjugando quanto se estabelece nos artigos 567º do Código Civil, 17º do Decreto-Lei nº. 522/85, de 22.12, e 26º da Lei nº. 28/84, de 14.08 (cfr. acórdão deste STJ de 28.10.1992, in BMJ nº. 420, pág. 544).
Daí que, neste caso, as atribuídas pensões se tomem como referência a considerar.
De qualquer forma, o que importa é encontrar um capital susceptível de produzir rendimento equivalente ao perdido pelos lesados, sem que se traduza no seu enriquecimento.
Para tanto, fórmulas como as referidas na sentença da 1ª instância constituem também instrumentos úteis à formulação do juízo de equidade a que alude a lei e à uniformização de critérios.
No entanto, já o acórdão deste Tribunal de 28.09.1995 (CJ - Acórdãos do STJ -, Ano III, Tomo III, pág. 36) afasta o recurso a quaisquer tabelas ou fórmulas, confiando preferentemente no prudente arbítrio do tribunal, com recurso à equidade, solução que também se nos afigura mais adequada, sem embargo de se reconhecer o papel adjuvante que o recurso a tabelas ou fórmulas possa ter.

Assim, vejamos os factos apurados que aqui relevam:
- A Autora e o C casaram um com o outro em 21.01.1978;
- O C faleceu com 42 anos de idade;
- À data do acidente, trabalhava na cidade de Nova Iorque, nos USA, onde era empregado, como "assistente pessoal" de D, auferindo então as seguintes remunerações em US dólares: salário base - $34.500; beneficiário de trabalho em grupo - $3.078; benefício do cargo - $25.800;
- Para 1998, estavam projectados os seguintes vencimentos anuais: salário base - $36.050; benefício de empregado de grupo - $3.202; benefício do cargo - $25.800, correspondendo o benefício do cargo à valorização de algumas regalias a que tinha direito, pois habitação, gás, electricidade, água, refeições e uniformes eram facultados por D e acresciam aos restantes vencimentos em numerário;
- A Autora era, ao mesmo tempo, governanta pessoal de D;
- Com a morte do C, a Autora perdeu o emprego e a posição de governanta e voltou para Portugal, encontrando-se desempregada;
- A Autora, à data da morte de seu marido (03.09.1997), tinha 57 anos de idade.
Tendo em conta tudo isto, bem como os factos de a Autora não ter logrado provar que auferisse qualquer remuneração na actividade que desempenhava, desconhecendo-se, assim, se e quanto ganhava em tal ocupação, qual a natureza do contrato, qual a idade normal da sua reforma (não esqueçamos que ela hoje tem cerca de 64 anos de idade, pois nasceu a 26.07.1939), e de se estar perante uma compensação económica para ela poder fazer face à sua subsistência com toda a dignidade, tendo em atenção os proventos que o agora dissolvido casal auferia, antolha-se-nos como perfeitamente adequada e equitativa a verba de 30.000.000$00, ou seja, € 149.639,36 (cento e quarenta e nove mil seiscentos e trinta e nove euros e trinta e seis cêntimos), com juros, às taxas legais, desde a citação (17.11.1998).

5. Resulta do exposto que procedem apenas parcialmente as conclusões da recorrente.

V - Do exposto podem extrair-se as seguintes conclusões:
1ª - Segundo o nº. 3 do artigo 698º do CPC, se tiverem apelado ambas as partes, o primeiro apelante tem ainda, depois de notificado da apresentação da alegação do segundo, direito a produzir nova alegação, no prazo de 20 dias, mas somente para impugnar os fundamentos da segunda apelação.
2ª - Tal preceito corresponde ao nº. 4 do anterior artigo 705º, que se encontrava integrado num sistema onde os recorrentes e os recorridos tinham prazos distintos e sucessivos para alegar (nº 2 do mesmo artigo).
3ª - Como hoje isso não acontece, uma vez que todos os recorrentes e recorridos alegam simultaneamente dentro do mesmo prazo (ressalvada a situação de haver recurso independente e recurso subordinado) - artigo 698º, nº. 4 -, o actual nº. 3 do artigo 698º não tem razão de ser, só existindo ainda por manifesto lapso do legislador, pelo que deverá, logo que possível, ser revogado, sem embargo de, enquanto se mantiver em vigor, os tribunais terem de o acatar.
4ª - Na verdade, não se vislumbra qualquer vantagem em o juiz - que, exceptuando o caso de se estar perante um recurso independente e um recurso subordinado (artigo 682º), profere, em princípio, um despacho único a admitir os recursos de ambas as partes - ter de declarar quem é o primeiro e quem é o segundo dos apelantes, a fim de se dar cumprimento ao anacrónico regime que resulta do nº. 3 do artigo 698º.
5ª - Entre os danos patrimoniais que o responsável pela produção do acidente de viação está obrigado a indemnizar, contam-se os chamados danos patrimoniais resultantes da perda de remunerações do trabalho.
6ª - Excepcionalmente, em casos de morte, a lei reconhece o direito a indemnização de danos patrimoniais futuros iure proprio às pessoas que podiam exigir alimentos do lesado directo ou àquelas pessoas a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural - artigo 495º, nº. 3, do C.C..
7ª - Nesta situação se encontra o cônjuge de uma vítima mortal, independentemente de estarem casados segundo o regime da separação de bens, tendo em atenção o dever de assistência resultante do casamento (artigos 1672º, 1675º e 1676º do C.C.).
8ª - Para exercitar tal direito, não é necessário provar que se recebia alimentos, bastando apenas demonstrar que se estava em situação de, legalmente, os poder vir a exigir e a previsibilidade dos mesmos, nos termos do artigo 564º, nº. 3, do C.C..
9ª - O cálculo da perda de alimentos, a fazer com recurso à equidade (artigo 566º, nº. 3, do C.C.), constitui uma operação delicada, de difícil solução, na medida em que obriga a fazer apelo a situações hipotéticas e tem de se alicerçar em dados problemáticos, tais como a idade da vítima, o tempo provável da sua vida activa, a evolução das despesas alimentares em função do aumento do custo de vida, a evolução dos salários, a taxa de juro e a própria idade do beneficiário de alimentos.

VI - Nos termos expostos, acorda-se em conceder parcialmente a revista e, em consequência, decide-se:
1. Revogar o acórdão recorrido, na parte em que decidiu não ter a Autora direito a indemnização por lucros cessantes originados pela morte de seu marido, relacionados com a perda de rendimentos que o infeliz evento terá causado à Autora, e em relegar para execução de sentença a fixação da indemnização pela situação de desemprego que aquele falecimento para si acarretou;
2. Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 149.639,36 (equivalente a 30.000.000$00), a título de indemnização por danos patrimoniais (lucros cessantes) sofridos com a perda de rendimentos causados com a morte do marido e com a perda de emprego que tal falecimento lhe acarretou, com juros, às taxas sucessivas legais, desde a citação até integral e efectivo pagamento;
3. Confirmar, no demais, o acórdão recorrido.
Custas a cargo da Autora e da Ré, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à Autora.

Lisboa, 8 de Julho de 2003
Moreira Camilo
Lopes Pinto
Pinto Monteiro
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(1) N.º 21