Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | CATARINA SERRA | ||
Descritores: | ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA LIQUIDAÇÃO INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO EQUIDADE | ||
Data do Acordão: | 11/07/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / LIQUIDAÇÃO – PROCESSO EM DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA. | ||
Doutrina: | - Giuseppe Chiovenda, Istituzioni di diritto processuale civile, tomo I — I concetti fondamentali, la dottrina delle azione, Napoli, Jovene, 1933, p. 42. - José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º - Artigos 1.º a 361.º, Coimbra, Almedina, 2018 (4.ª edição), p.706 e ss. - Manuel A. Carneiro da Frada, “A equidade ou a 'justiça com coração' – A propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in: Forjar o Direito, Coimbra, Almedina, 2015, p. 656 e 675-676. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 358.º A 361.º E 609.º, N.º 2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 3-02-2009, PROCESSO 08A3942 - DE 22-02-2011, PROCESSO 81/04.8TBVLF.C1.S1 - DE 10-01-2013, PROCESSO 1346/10.5TBT.S1; - DE 17-11-2015, PROCESSO 480/11.9TBMCN.P1.S1 - DE 21-03-2019, PROC. 4966/17.3T8LSB.L1.S1, TODOS IN HTTP://WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: - DE 9-05-2017, PROCESSO 2440/13.6TBLRA.C1, IN HTTP://WWW.DGSI.PT | ||
Sumário : | I. Estando provados os requisitos do enriquecimento sem causa, a exacta medida do enriquecimento e do empobrecimento não constitui facto essencial à condenação na obrigação de restituição, em conformidade com o artigo 609.º, n.º 2, do CPC. II. O incidente de liquidação, regulado nos artigos 358.º a 361.º do CPC, é o instrumento próprio para apurar ou tornar líquido o pedido genérico bem como o pedido específico que não seja possível confirmar enquanto tal. III. Sendo o incidente de liquidação o instrumento que melhor assegura que o sujeito obtém aquilo – tudo aquilo mas só aquilo – a que tem direito, o recurso à equidade deve ser subsidiário. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. RELATÓRIO
AA intentou a presente acção declarativa comum contra BB, ambos com os demais sinais constantes dos autos, pedindo que se declare que a situação de união de facto estabelecida entre autora e réu e iniciada em 1980 cessou a partir de 2009 e se declare que todo o património adquirido durante a vigência dessa união de facto (composto pelo prédio urbano sito na Rua …, em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4…7/19…9) foi feito com economias de ambos os membros da união de facto e que qualquer deles tem direito a metade, condenando-se o réu a entregar à autora metade do valor de tal património. Alegou, em síntese, que viveu em união de facto com o réu entre 1982 e 2009, a qual cessou por vontade deste, e o mencionado prédio foi adquirido com economias de ambos na constância dessa união. O réu contestou, alegando, em suma, que o prédio urbano foi apenas adquirido por si com meios próprios e deduziu pedido reconvencional, no qual peticiona que se reconheça o direito de propriedade em exclusivo sobre o prédio urbano, que se condene a autora a entregar a importância de € 68.400,00 relativa à utilização do imóvel que vem fazendo desde Março de 2008 e o valor de €600,00 por cada mês de utilização que do mesmo fizer, abstendo-se de praticar atos sobre o prédio sem autorização, nomeadamente não alterando a estrutura do mesmo e mantendo-o na sua forma original A autora apresentou réplica, na qual impugnou os factos, concluindo pela improcedência do pedido reconvencional, e pediu a condenação do réu como litigante de má fé em multa e indemnização e que se reconheça direito de retenção sobre o prédio urbano para pagamento da quantia correspondente a metade do valor do imóvel. Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi indeferida a ampliação do pedido e proferido despacho saneador, após o que foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, sem que tenha sido apresentada reclamação. Realizado o julgamento foi proferida a competente sentença, cujo dispositivo se transcreve. “A) - julgar a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência: - declaro que autora e réu viveram em situação de união de facto no período compreendido entre 1982 e 2009, situação que cessou nessa data; - declaro que o património adquirido durante a vigência dessa união de facto, correspondente ao prédio urbano, sito na Rua …, nº …, em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº4..7/19…9 e inscrito na matriz predial urbana sob o artº8294 daquela freguesia, foi feito com as economias de ambos os membros da união de facto; - declaro que a autora tem direito a metade do valor desse prédio urbano, na quantia de €130.000,00 (cento e trinta mil euros), deduzida a quantia de Esc. 270.000 (duzentos e setenta mil escudos) atualizada de acordo com os índices de inflação à data do trânsito em julgado da sentença; - condeno o réu a entregar à autora a referida quantia; B) - julgar a reconvenção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência: - declaro que o réu é proprietário do prédio urbano sito na Rua …, nº …, em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 4…7/19…9 e inscrito na matriz predial urbana sob o artº 8294 da freguesia de …; C) - absolvo autora e réu do demais peticionado na ação e na reconvenção; D) - julgo improcedente, por não provado, o pedido de condenação do réu como litigante de má-fé e, em consequência, absolvo-o deste pedido”. Inconformado veio o réu BB interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora. Apreciando este recurso, acordaram os Exmos. Juízes Desembargadores deste Tribunal da Relação em “julgar parcialmente procedente a apelação e alterar a decisão recorrida, condenando o réu a restituir à autora a quantia que esta suportou com o pagamento do empréstimo referido em 18 dos factos provados, bem como as quantias que suportou com a reconstrução e ampliação do prédio referida em 21 dos factos provados, que se vier a liquidar em execução de sentença, por enriquecimento sem causa, mantendo no mais o decidido”. Inconformada, veio a autora AA, por sua vez, interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal. Na conclusão das suas alegações diz o seguinte: “1.- O Tribunal recorrido entendeu que 'tem razão o recorrente ao defender que apurando-se ter havido união de facto entre a A. e Réu, e que ambos contribuíram com os seus rendimentos para a construção e ampliação do imóvel, a Autora tem direito a ser ressarcida do quantum efectivamente disponibilizado, reduzindo-se o montante que o Réu lhe deverá entregar a título de compensação de enriquecimento sem causa aos montantes que efectivamente comprovou. Porque se desconhece qual o montante que a Autora e o Réu liquidaram, em conjunto do empréstimo relativo ao imóvel, bem como o que aquela despendeu nessa reconstrução, cessada que foi a união de facto em 2009, deve o Réu restituir à Autora, na proporção de metade, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, por enriquecimento sem causa, relativa ao valor total pago por ambos, por ser esse o exacto montante que traduz o empobrecimento da Autora e que corresponde ao enriquecimento do Réu, ou seja, ser esse o valor indevidamente recebido.' 2.- Atentos os contornos do caso 'sub judice' é manifesto não ser possível apurar 'o exacto valor' do contributo de A. e R. para 'a reconstrução e ampliação para um edifício de habitação e comércio, a que corresponde o processo de obras nº 135/98 Câmara Municipal de …' 3. A decisão em crise, a manter-se, é inexequível e logo imprestável. 4. No caso vertente é patente que o enriquecimento do R. resulta da valorização do prédio com as obras realizadas por si e pela A., não sendo possível distribuir a contribuição de cada um, devendo fixar-se o valor da compensação/indemnização devida à A., com recurso à equidade nos termos do artigo 4º do Código Civil, mas tendo por base os valores apurados na perícia e que a proporção de contribuição de cada um foi de 50%, sobretudo considerando que o R. fica com um imóvel e a A. apenas poderá receber um montante monetário. 5. Tudo razões para revogar a decisão recorrida e manter a sentença da 1ª instância”. O réu contra-alegou, pugnando pela manutenção do Acórdão recorrido. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a questão (única) a decidir, in casu, é a de saber se a autora / ora recorrente tem direito a metade do valor do imóvel pertence ao réu / ora recorrido.
* II. FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido: 1 - A autora é divorciada. 2 - O réu é solteiro. 3 - Autora e réu viveram em comunhão de mesa, leito e habitação, como se marido e mulher se tratassem, no período entre 1982 e 2009. 4 - Primeiro habitando em …, depois em …, no Bairro do …, em casa arrendada pela autora, local onde esta vive actualmente. 5 - Por último, habitando o prédio urbano, sito na Rua …, em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o nº4…7/19…9, inscrito na matriz predial urbana de …, sob o artº 8294. 6 - Dessa vivência em comum nasceram dois filhos, CC, nascido em … .01.1982 e DD, nascida em … .02.1985. 7 - Durante o período referido em 3. autora e réu estiveram separados, por período não concretamente apurado, entre os anos de 1997 e 1999. 8 - Altura em que o réu viveu em …, com EE, em comunhão de mesa, leito e habitação, como se fossem marido e mulher. 9 - Dessa vivência em comum nasceu um filho, FF, nascido em … .12.1997. 10 - Por vezes, o réu pernoitava na camarata da PSP de …, onde então prestava serviço. 11 - Durante o período em que autora e réu viveram juntos ambos contribuíam com os rendimentos do seu trabalho para as despesas da vida conjunta, nomeadamente as de alimentação, de vestuário, médicas e medicamentosas e de habitação. 12 - Possuindo uma conta bancária em que ambos eram titulares, domiciliada na CAIXA GG, com o nº 0…0. 13 - Apresentando em conjunto as respetivas declarações de rendimentos nomeadamente referentes aos anos de 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003. 14 - O pai do réu, em data não concretamente apurada, negociou a aquisição de um prédio urbano, sito na Rua …, em …, inscrito na matriz sob o artº1712, daquela freguesia. 15 - O réu celebrou contrato promessa de compra e venda com o anterior proprietário, em 20.04.1998, nos termos do qual prometia adquirir esse prédio urbano, pelo preço global de Esc.5.000.000$00, com sinal na quantia de Esc.270.000$00. 16 - O valor do sinal foi pago pelo réu com dinheiro que lhe foi dado pelo seu pai. 17 - Em 11.05.1998 o réu outorgou no Cartório Notarial de … uma escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, através da qual adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio urbano identificado em 15. 18 - Contraindo um empréstimo para pagamento do remanescente do preço, no valor de Esc.4.500.000$00, a ser pago através da conta bancária referida em 12. ou outra a indicar. 19 - O réu contraiu outro empréstimo no valor de Esc.6.500,000$00, que deu lugar a nova hipoteca sobre o referido prédio urbano (ap. 6 de 12.05.1999). 20 - O pagamento das últimas prestações dos empréstimos referidos em 18. e 19. foi realizado na íntegra pelo réu. 21 - No prédio urbano adquirido através da escritura pública referida em 17. autora e réu levaram a cabo a reconstrução e ampliação para um edifício de habitação e comércio, a que corresponde o processo de obras nº 135/98 da Câmara Municipal de … . 22 - A construção foi realizada faseadamente, consistindo na ampliação e reconstrução desse prédio, ficando concluída em 2003 a parte do prédio destinada a comércio, e, posteriormente em data não concretamente apurada, a parte habitacional. 23 - Prédio onde autora e réu viveram juntamente com os seus dois filhos. 24 - A autora explorou e explora um estabelecimento comercial de pastelaria (restauração e bebidas) denominado “HH” na parte do prédio destina a comércio. 25 - Não pagando qualquer contrapartida monetária ao réu. 26 - Estabelecimento comercial que foi explorado entre 2006 e 2007 pelo filho da autora e do réu. 27 - Autora e réu foram fiadores em empréstimo no valor de €22.500,00, contraído junto da Caixa GG, em 17.06.2003, através de escritura pública de hipoteca e fiança, outorgada no Cartório Notarial de … . 28 - O montante do empréstimo destinava-se à aquisição de uma viatura em nome do filho de ambos, CC, e à aquisição de materiais de construção para o prédio urbano. 29 - Ficando a hipoteca registada sobre o prédio urbano referido em 18. 30 - Os pagamentos dos empréstimos bancários contraídos pelo réu foram efetuados através da conta bancária referida em 12. e da conta bancária de que este era único titular, domiciliada na CAIXA GG, com o nº 0…0, com rendimentos de ambos. 31 - A vivência em comum entre autora e réu cessou por vontade deste. 32 - O qual se ausentou para o … em Novembro de 2009, passando ali a viver com II. 33 - O réu tem inscrita a seu favor a aquisição, por compra, do prédio urbano sito na Rua …, nº …, …, composto por dois pisos, destinado a habitação e comércio, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº4…7/19…9 e inscrito na matriz sob o artº8294 da freguesia de … . 34 - O prédio urbano tem um valor de mercado atual de €260.000,00 e o terreno de €86.000,00, correspondendo €130.000,00 à fração A, €66.000,00 à fração B e €64.000,00 à fração C. 35 - O valor locativo da parte comercial do prédio urbano é de €450,00 - perícia fls. 343/352. O DIREITO Apreciando a questão de fundo que (também) é suscitada no presente recurso, o Tribunal da Relação de Évora decidiu, como se viu atrás, revogar a sentença e condenar o réu a restituir à autora as quantias despendidas por esta e relacionadas com o pagamento do empréstimo e a reconstrução e a ampliação do prédio que se venham a liquidar em execução de sentença, com fundamento no enriquecimento sem causa. Para criar a sua convicção, o Tribunal a quo deu especial atenção ao que resultava de determinados pontos da matéria de facto, a saber: a) que autora e réu viveram em união de facto desde 1982 a 2009 (com uma interrupção entre 1997 a 1999); b) que durante esse período autora e réu contribuíam com os rendimentos do seu trabalho para as despesas da vida conjunta, possuindo uma conta bancária em que ambos eram titulares e apresentando em conjunto, em diversos anos, as respectivas declarações de rendimentos; c) que o prédio dos autos foi adquirido exclusivamente pelo réu em data em que não estava ainda a viver em união de facto com a autora, tendo contraído um empréstimo para pagamento do remanescente do preço; d) que autora e réu levaram a cabo a reconstrução e a ampliação, nesse imóvel, de um edifício de habitação e comércio. e) que o pagamento do empréstimo foi efectuado através da conta bancária comum e da conta bancária que o réu era único titular; e f) que o pagamento das últimas prestações dos empréstimos referidos foi realizado na íntegra pelo réu. Partindo dos factos descritos, o Tribunal a quo efectuou um percurso que passa pelos seguintes pontos essenciais: - a lei não reconhece a produção de quaisquer efeitos patrimoniais decorrentes dessa comunhão, ao contrário da união conjugal; - mas a comunhão de vida gerada pela união de facto implica, em regra, a contribuição de ambos os membros, com rendimentos do seu trabalho, para as despesas do lar e aquisição de bens, como é o caso de aquisição da casa para nela instalar a casa de morada de família; - tendo a autora pedido a restituição dos valores com base no enriquecimento sem causa e estando verificados os seus pressupostos (cfr. artigos 473.º e s. do CC), a autora tem um direito à restituição, mas este direito deve corresponder ao quantum que ela efectivamente disponibilizou; - não tendo a autora provado, como lhe competia (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC), a medida do seu empobrecimento e do correspondente enriquecimento do réu à sua custa, conforme determina o artigo 473.º do CC, não pode concluir-se, como na decisão recorrida, que a autora tem direito a metade do valor do imóvel, devendo a obrigação de restituição ser fixada em execução de sentença. Como é visível, a divergência entre as instâncias reside no facto de a primeira ter considerado que, no desconhecimento da concreta contribuição da autora para a liquidação do empréstimo e para as obras de reconstrução e ampliação do edifício, era admissível recorrer à equidade[1] e fixar de imediato o valor da obrigação de restituição a cargo do réu e de a Relação ter entendido que não. É essa também, justamente, a questão que está em causa no presente recurso: é admissível fixar logo o montante da obrigação de restituição ou deve o tribunal remeter a tarefa para liquidação ulterior? Sem dificuldades se conclui que a resposta é esta última, portanto, que assiste razão ao Tribunal recorrido. Desde logo, não devem existir dúvidas de que o desconhecimento da medida do enriquecimento e do empobrecimento não prejudica a condenação do réu em enriquecimento sem causa. Quer dizer: estando provados o enriquecimento e o empobrecimento, a sua exacta medida não constitui facto essencial à condenação na obrigação de restituição[2], dispondo o artigo 609.º, n.º 2, do CPC que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja liquidada”. A verdade é que a lei prevê um incidente próprio para resolver aquela indeterminação, ou seja, que serve, precisamente, para apurar ou tornar líquido o pedido genérico bem como o pedido específico que não seja possível confirmar enquanto tal[3] – o incidente de liquidação (antes designado “liquidação ulterior de sentença”), regulado actualmente nos artigos 358.º a 361.º do CPC[4]. Sem prejudicar, de forma alguma, o direito das partes à tutela jurisdicional efectiva[5], o mecanismo é o que melhor assegura que o sujeito obtém aquilo – tudo aquilo mas só aquilo – a que tem realmente direito. É oportuna a frase lapidar de Giuseppe Chiovenda, proferida no início do século XX: “[i]l processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha un diritto tutto quello e proprio quello ch'egli ha diritto di conseguire”[6]. Concluindo: o incidente de liquidação é aquele que propicia a solução (mais) ajustada à realidade, portanto, a solução (mais) justa. Nesta conformidade, o recurso à equidade para quantificar a obrigação é – deve ser – um recurso de ultima ratio[7], logo, só quando se mostre de todo impossível proceder à especificação da obrigação no incidente de liquidação é que se deverá recorrer a ela[8]. Num caso muito semelhante ao caso dos autos decidiu já este Supremo Tribunal de Justiça – no mesmo sentido. A decisão foi proferida no Acórdão de 10.01.2013, Proc. 1346/10.5TBTMR.C1.S1, dizendo-se: “[t]endo inquestionavelmente resultado provado que as obras (no prédio do réu) foram efectuadas pelo casal (…), assim também pela recorrente, sendo igualmente irrefutável que tais obras aumentaram o valor do prédio, não há obstáculo, ao contrário do entendido pela Relação, à condenação do réu a restituir à autora o valor do enriquecimento a liquidar em incidente próprio (artigo 661º, nº 2 do CPC)”[9]. * III. DECISÃO Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido. * Custas pela recorrente. * LISBOA, 7 de Novembro de 2019 Catarina Serra (Relator) Bernardo Domingos João Bernardo ________ [1] Aquele montante foi fixado na sentença dizendo-se que “se afigura justo e adequado que a autora tenha direito a metade do valor do bem imóvel, deduzido o montante pago a título de sinal pelo réu, com montante doado pelo pai” (sublinhados nossos). |