Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
157-E/1996.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
SUB-ROGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
PROVA DO PAGAMENTO
Data do Acordão: 01/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS (PROVA DOCUMENTAL) - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / TRANSMISSÃO DE CRÉDITOS E DE DÍVIDAS / SUB-ROGAÇÃO.
DIREITO DOS SEGUROS - ACIDENTES DE VIAÇÃO / FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL / INSTITUTO DE SEGUROS DE PORTUGAL.
Doutrina: - Alberto dos Reis, Processo de Execução, I, p.221.
- Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, p.88.
- Antunes Varela, Miguel Beleza e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 509, nota de pé de página.
- Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, “Código de Processo Civil”, Anotado, I, p.118.
- Vaz Serra, na RLJ, 99, p.360.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 306.º, N.º1, 309.º, 311.º, N.ºS 1 E 2, 363.º, N.º2, 371.º, N.º1, 395.º, 498.º, N.º2, 593.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 56.º, N.º1, 684.º-A, N.º1.
DL N.º 291/2007, DE 21.8: - ARTIGOS 47.º, N.º3, 54.º, N.ºS 4 E 6.
DL N.º 522/85, DE 31-12: - ARTIGO 25.º.
DL N.º289/2001, DE 13-11: - ARTIGO 4.º, N.º5.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 13.4.2000, REVISTA N.º200/00, 7.ª SECÇÃO; 23.5.2000, REVISTA N.º 438/00, DA 6.ª SECÇÃO; 20.2.2001, REVISTA N.º 11/2001, DA 1.ª SECÇÃO; 17.12.2002, REVISTA N.º 3540/02, DA 1.ª SECÇÃO; 21.1.2003, REVISTA N.º 4110/02, DA 1.ª SECÇÃO; DE 8.11.2005, REVISTA N.º 2723/05, DA 6.ª SECÇÃO; 10.9.2009, REVISTA N.º262/09.8YFLSB, DA 7.ª SECÇÃO; E 16.3.2011, REVISTA N.º 3180/04.2TJVNF.P1.S1, DA 7.ª SECÇÃO.
-DE 9.11.2006, REVISTA N.º2849/06, DA 2.ª SECÇÃO; 22.10.2009, REVISTA N.º 501/09.5YFLSB, DA 2.ª SECÇÃO; 25.3.2010, REVISTA N.º2195/06.0TVLSB.L1.S1.
-DE 4.11.1999, NA CJ 1999, III, 77 E 19.6.2012, PROCESSO N.º 82-C/2000.C1.S1, ESTE DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
1 . O dies a quo da contagem do prazo prescricional relativamente ao direito que assiste ao FGA, emergente de sub-rogação por ter satisfeito a indemnização relativa a acidente de viação, corresponde ao do pagamento.

2 . Prima facie e por analogia, tal prazo é o fixado no n.º2 do artigo 498.º do Código Civil.

3 . Mas, se o direito do FGA estiver reconhecido por sentença transitada em julgado ou outro título executivo, vale o prazo prescricional de vinte anos previsto no artigo 309.º deste código, exceto quanto às prestações vincendas (nestas se incluindo os juros vincendos) que é de 5 anos.

4 . A sentença em que se condenam solidariamente o FGA e os responsáveis civis a pagarem indemnização ao lesado constitui reconhecimento para estes efeitos, dado o disposto no artigo 56.º, n.º1 do Código de Processo Civil.

5 .  As certidões emitidas pelo Instituto de Seguros de Portugal nos termos do n.º5 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º289/2001, de 13.11, atestando o pagamento de indemnizações aos lesados pelo FGA, constituem documentos autênticos e fazem prova plena de tal pagamento.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - Por apenso à execução para pagamento de quantia certa movida pelo Fundo de Garantia Automóvel contra AA, veio este deduzir oposição.

Sustentou a sua ilegitimidade, a não validade do título quanto a si, a litispendência e a prescrição do crédito.

                      

O FGA impugnou o alegado.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgaram improcedentes as exceções de ilegitimidade, litispendência e prescrição e se determinou o prosseguimento da execução.

II – Apelou o executado com êxito, porquanto o Tribunal da Relação de Guimarães - considerando prescrito o direito invocado pelo exequente - julgou procedente a oposição e extinta a ação executiva.

III – Pede revista o FGA.

Conclui as alegações do seguinte modo:

1 . O direito do exequente FGA, por estar reconhecido em sentença, prescreve no prazo de vinte anos;

2 . Tendo em conta a data da ocorrência da sub-rogação e a data da propositura da acção executiva, o direito do exequente não está prescrito;

3 . O tribunal a quo violou os artigos 593.º e 311.º do Código Civil.

Contra-alegou o opoente, pugnando pela manutenção do decidido.

Para a hipótese de ser julgada improcedente a exceção da prescrição, ampliou o objeto do recurso em ordem a ser julgada procedente a exceção da ilegitimidade ativa por – segundo sustenta - não estar demonstrado que o exequente tenha pago ao lesado a quantia exequenda.

Sobre esta ampliação, pronunciou-se o opoído, sustentando a sua própria legitimidade.

IV – Importa, pois, saber se prescreveu o direito que o FGA pretende exercer no processo executivo.

Respondendo-se negativamente, haverá ainda que tomar posição sobre se, quanto a este, procede, pelos fundamentos invocados, a exceção da ilegitimidade.

V – Vem provada a seguinte matéria de facto:

Foi apresentado requerimento executivo nos seguintes termos:

“Por sentença de 10 de Junho de 1999, proferida no âmbito do processo sumário n.º 157/1996, da Secção única deste Tribunal, o ora executado e ora exequente foram condenados solidariamente ao pagamento das seguintes quantias:

I) 757.792$00 a pagar ao A. BB;

II)135.808$00 a pagar ao Centro Regional de Segurança Social do Norte;

III)A quantia que se vier a liquidar em execução de sentença relativa aos danos decorrentes do acidente em apreço, correspondente à perda de capacidade aquisitiva, às deslocações efectuadas entre Amares e Porto e aos danos materiais verificados no motociclo supra referido, cfr. doc. n.º 1 que ora se junta e se reproduz para todos os efeitos legais.

Ora, o Autor BB, por apenso à acção supra mencionada, deduz incidente de liquidação.

Não conformado com tal liquidação, o réu AA, vem deduzir embargos de executado, e, em 18 de Outubro de 2002, o Tribunal decide liquidar as quantias em: 13.851,39€ os danos correspondentes á perda da capacidade aquisitiva do exequente BB;

ii)7.743,95€ os danos verificados no seu motociclo;

iii)79,81 as despesas relativas às deslocações entre Amares e Porto;

4)O ora exequente pagou a quantia a que foi condenado solidariamente com o executado - cfr. doc. n.º 3 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Com efeito, tem assim legitimidade o FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, para intentar a presente acção contra o aqui executado.

Assim, tem o exequente a haver do executado a quantia de € 26.132,41 (vinte e seis mil cento e trinta e dois euros e quarenta e um cêntimos) correspondente às quantias a que foi condenado no processo principal, bem como no apenso B, bem como os juros legais contados desde da interpelação até integral pagamento, que na data de pagamento, 2.12.2002, perfaziam a quantia de €11.237,92(onze mil duzentos e trinta e sete euros e noventa e dois cêntimos).

O que perfaz a importância de € 37370,33 (trinta e sete mil trezentos e setenta euros e trinta e três cêntimos). (…).”

As quantias foram liquidadas pelo exequente em 2/12/2002.

O requerimento executivo foi apresentado em 28.7.2010 (facto constante de folhas 132).

VI -

Conforme o n.º1 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31.12 – ainda aplicável ao presente caso - satisfeita a indemnização por parte do Fundo de Garantia Automóvel, fica este sub-rogado nos direitos do lesado.

A sub-rogação pressupõe o cumprimento que é uma das formas de extinção da obrigação e daí as discussões sobre a natureza daquela. Seguimos, todavia, em interpretação do artigo 593.º, n.º1 do Código Civil, a orientação mais comum, dita mesmo clássica, de considerar aberta uma brecha na dogmática de que o cumprimento extingue a obrigação, e consequentemente, o nosso entendimento vai no sentido de que tem lugar, não uma extinção, mas uma transmissão do direito.

Permanecendo o mesmo direito, ainda que com alteração subjetiva, o instituto fica diferenciado do chamado “direito de regresso”. Este encerra, na verdade, o nascimento dum direito novo e não a manutenção do primitivo.

Já Vaz Serra, porém, escreveu na RLJ, 99, 360, que:

“ A sub-rogação supõe o pagamento… e, portanto, o terceiro que paga pelo devedor só se subroga nos direitos do credor com o pagamento. Enquanto não o faz, não é sub-rogado e não pode, por isso, exercer os direitos do credor.”

E, mais adiante:

“É que o eventual sub-rogado, enquanto não efectuar o pagamento, não tem crédito contra o terceiro responsável (crédito cujo montante será determinado pelo pagamento que fizer), e não tem sequer um crédito já existente mas ainda inexigível.”

Conjugando este entendimento com o disposto no artigo 306.º, n.º1 do Código Civil, temos uma primeira ideia:

O “dies a quo” da contagem do prazo prescricional corresponde ao do pagamento, não relevando para estes efeitos, a data do acidente.

Corresponde tal modo de ver à Jurisprudência deste Tribunal que pode considerar-se agora pacífica – Ac.s de 13.4.2000, Revista n.º200/00, 7.ª Secção, 23.5.2000, Revista n.º 438/00, da 6.ª Secção, 20.2.2001, Revista n.º 11/2001, da 1.ª Secção, 17.12.2002, Revista n.º 3540/02, da 1.ª Secção, 21.1.2003, Revista       n.º 4110/02, da 1.ª Secção, de 8.11.2005, Revista n.º 2723/05, da 6.ª Secção, 10.9.2009, Revista n.º262/09.8YFLSB, da 7.ª Secção e 16.3.2011, Revista                    n.º 3180/04.2TJVNF.P1.S1, da 7.ª Secção.   

VII – O artigo 498.º, n.º2 do Código Civil dispõe que:

Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.

Como vimos, o direito de regresso não se confunde com o direito que assiste ao sub-rogado.

Contudo, tem sido constante a interpretação deste preceito por analogia, considerando-o aplicável aos casos de sub-rogação por parte do FGA que paga a indemnização.

Assim, os Ac.s deste Tribunal de 13.4.2000, Revista n.º 200/00, da 7.ª Secção, 9.11.2006, Revista n.º2849/06, da 2.ª Secção, 22.10.2009, Revista n.º 501/09.5YFLSB, da 2.ª Secção, 25.3.2010, Revista n.º2195/06.0TVLSB.L1.S1 e 16.3.2011 supra citado.

Nada temos a contrapor a tal interpretação, porquanto cremos subjazerem para o direito do sub-rogado as mesmas razões da fixação do prazo curto de prescrição que para o titular do direito de regresso.

E tanto subjazem as mesmas razões que o artigo 54.º, n.º6 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.8 - aqui trazido apenas como elemento de ponderação - veio a dispor expressamente nesse sentido.

VIII – Mas, chegados aqui, não podemos concluir, sem mais, que o prazo prescricional seja de três anos (sempre contados a partir da satisfação da indemnização).

É que, o direito do sub-rogado pode estar ou não estar reconhecido por sentença ou por outro título executivo.

Pode, na verdade, dar-se o caso de o FGA pagar extrajudicialmente a indemnização e vir exercer, depois, o direito que lhe assiste por força da sub-rogação e pode dar-se o caso – aliás muito frequente – de o vir exercer na sequência de condenação, com trânsito em julgado, solidária dele e do responsável civil. Além disso, nada obsta a que o venha executar, com base em sentença que o reconheça expressamente, o que é mais raro.

IX – Decerto que a questão que ora colocamos ficaria “in casu” prejudicada se se entendesse que a sentença que condena o FGA e o responsável civil, solidariamente, a pagar indemnização ao lesado não reconhecia o direito daquele emergente da sub-rogação.

Este entendimento poderia aceitar-se, pressupondo a rigidez quanto aos titulares dos direitos ou obrigações, porquanto a parte condenatória da sentença não se reporta a mais do que à condenação solidária do FGA e do responsável civil, nada conhecendo quanto ao direito daquele sobre este.

Mas determina o artigo 56.º, n.º1 do Código de Processo Civil, que, tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor. A sucessão – não distinguindo a lei – tanto pode ser “mortis causa” com “inter vivos” (assim Alberto dos Reis, Processo de Execução, I, 221 e Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, I, 118).

No caso, como o nosso, de condenação solidária do FGA e do responsável civil, estamos perante uma solidariedade imperfeita, porquanto, pagando, aquele fica sub-rogado nos direitos do lesado (artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 522/85).

Ou seja, com a sentença, reconheceu-se judicialmente um direito em que o lesado é credor e os FGA e responsável civil, devedores. O Fundo efetua o pagamento e, na relação creditícia, sucede ao lesado na posição de credor. Mantendo-se na parte passiva, o responsável civil.

Movendo processo executivo contra este, assiste-lhe legitimidade por força do dito n.º1 do artigo 56.º (neste sentido, os Ac.s deste Tribunal de 4.11.1999, na CJ 1999, III, 77 e 19.6.2012, processo n.º 82-C/2000.C1.S1, este disponível em www.dgsi.pt).

X – Tendo, então, como seguro que o crédito exequendo está reconhecido por sentença, há que considerar o disposto no artigo 311.º, n.º1 do Código Civil, valendo o prazo ordinário do artigo 309.º (ainda neste sentido, o Ac. de 19.6.2012, acabado de citar).

Nem contra isso se pode argumentar com o falado n.º4 do artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 291/2007. Não sendo, à partida, aqui aplicável por manifestas razões de direito intertemporal, podia dele lançar-se mão como norma interpretativa e, consequentemente, com efeito retroativo. Todavia, o preceito continua a deixar de fora os casos de reconhecimento do direito do FGA por sentença ou outro título executivo. Refere que “Aos direitos do Fundo de Garantia Automóvel previstos nos números anteriores é aplicável o n.º2 do artigo 498.º do Código Civil…” não afastando que prazo diferente se observe se tais direitos estiverem reconhecidos nos termos apontados. Só se dispusesse concretamente sobre os casos em que os direitos do Fundo estivessem reconhecidos, poderia ser tida por lei especial relativamente àquele n.º1 do artigo 311.º, derrogando esta porque geral. 

XI – Pretende o recorrido que, mesmo que se considere o prazo ordinário de vinte anos, de fora ficam os juros.

O alargamento do prazo contante do n.º1 do artigo 311.º abrange o prazo de cinco anos fixado no artigo anterior.

Àquele alargamento escapam, porém, por força do n.º2, as prestações ainda não devidas, nestas se incluindo os juros vincendos. A respeito deles continua a valer o prazo curto de cinco anos (neste sentido Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 88).

Assim, está prescrito o direito do FGA relativo aos juros que se venceram depois do prazo de cinco anos após o pagamento. Ou seja, depois de 2.12.2007.

XII – Nos termos do n.º1 do artigo 684.º - A do Código de Processo Civil importa agora conhecer da questão da legitimidade, objeto de ampliação do recurso.

Não na vertente, que já referimos, de sucessão na titularidade do crédito, mas – segundo sustenta o recorrido – por não se dever ter dado como provado o pagamento que assegura aquela.

XIII – Para o efeito, há que ter em conta que:

O exequente juntou uma certidão emitida pelo Instituto de Seguros de Portugal atestando tal pagamento;

Na 1.ª instância considerou-se este documento como autêntico e, consequentemente, os factos que continha – ainda que impugnados – como provados.

A Relação subscreveu este entendimento, para ele até remetendo.

XIV - O Decreto-Lei n.º 289/2001, de 13.11, aprovou o Estatuto do Instituto de Seguros de Portugal. Conforme o artigo 1.º deste, o IST é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, podendo, nos termos do n.º5 do artigo 4.º, “passar certidões de factos relacionados com as suas atribuições, nos termos da legislação aplicável”. E por força do n.º3 do artigo 47.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.8, os órgãos do IST asseguram a gestão do Fundo de Garantia Automóvel.

A definição de documentos autênticos consta do artigo 363.º, n.º2 do Código Civil: são os documentos exarados, com as formalidades legais pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública.

A este propósito, referem A. Varela, Miguel Beleza e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 509, nota de pé de página) que “são as leis orgânicas dos serviços a que pertencem as entidades documentadoras que definem, em princípio, o círculo de atividades que lhes é atribuído”.

Da natureza de pessoa coletiva de direito público, conjugada com a atribuição legal de “passar certidões” e com a gestão do FGA por parte dos seus órgãos, resulta que a certidão supra referida tem a natureza de documento autêntico.

Tendo tal natureza, há ainda que indagar, por força do n.º1 do artigo 371.º do mesmo código, se os factos que atesta foram praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, ou se foram por eles atestados com base na perceção da entidade documentadora.

Como vimos, os órgãos do ISP asseguram a gestão do FGA e, portanto, tem de se ter como assente que o pagamento atestado foi objeto de perceção por eles.

Nem releva contra esta construção, o facto de o documento emanar do órgão que supervisiona o pagador e não de outrem, nomeadamente do que recebeu o dinheiro.

O artigo 395.º do Código Civil ressalva de qualquer imposição a invocação ou impugnação por terceiros da prova do cumprimento e, mesmo que não ressalvasse, não impõe, em caso algum, que esta emane de quem recebeu. Normalmente emanará, relevando o documento de quitação, mas pode assim não ser.

  

Estamos, pois, perante um caso de prova plena como decidiram as instâncias.

XV – Face a todo o exposto, em provimento parcial da revista:

Julga-se procedente a exceção da prescrição quanto aos juros vencidos depois de 2.12.2007;

Julga-se improcedente quanto ao mais.

Mantém-se a decisão de legitimidade enquanto assentou no pagamento levado a cabo pelo opoído.

O recorrido pagará 9/10 das custas, nada pagando, por estar isento, o FGA.

Lisboa, 10 de Janeiro de 2013

João Bernardo (Relator)

Oliveira Vasconcelos

Serra Baptista