Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2100/18.1T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
DECLARAÇÃO INEXATA
CONTRATO DE MÚTUO
HIPOTECA
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
ANULABILIDADE
NEXO DE CAUSALIDADE
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
Data do Acordão: 02/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Ao incumprimento (e respetivas consequências), por parte do segurado, do dever pré-contratual de declarar com exatidão o risco aplicam-se as normas legais em vigor no momento da celebração do contrato de seguro.
II - Declaração do risco que visa permitir ao segurador avaliar as circunstâncias que influem no risco e calcular o prémio, razão pela qual o art. 429.º do CCom sanciona(va) com a invalidade o contrato de seguro em que tenha havido uma declaração de risco inexata ou reticente.
III - Sanção que se deve considerar como sendo a anulabilidade.
IV - Anulabilidade que tem como únicos requisitos:
- ter o tomador/segurado prestado declarações inexatas ou reticentes (respeitantes a factos ou circunstâncias);
- serem tais factos ou circunstâncias conhecidos do tomador/segurado; e
- terem tais declarações inexatas ou reticentes podido influenciar a decisão de contratar ou as condições do contrato de seguro celebrado.
V - Não exigindo o art. 429.º do CCom (como requisito de anulabilidade) a existência/prova de qualquer nexo de causalidade entre o facto ou circunstância omitidos ou inexatamente declarados e o facto ou circunstância que determinou o sinistro.
VI - À não inclusão, no concreto contrato de seguro celebrado, das cláusulas constantes das CCG das condições gerais do seguro (atingidas pela inobservância das regras pré-negociais dos arts. 5.º a 8.º do DL 446/85), segue-se a subsistência do concreto contrato de seguro sem tais cláusulas, sendo-lhe aplicável o que na lei se dispõe sobre o dever pré-contratual de declarar o risco sem inexatidões e reticências e sobre o sancionamento previsto para o incumprimento de tal dever pré-contratual.
Decisão Texto Integral:





Proc. 2.100/18.1T8STR.E1.S1
6.ª Secção

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – Relatório
AA, reformado, residente na rua………., instaurou contra Fidelidade – Companhia de Seguros S.A., com sede em Lisboa, a presente ação declarativa de condenação, sob a forma do processo comum, pedindo que a R. seja “condenada liquidar à Caixa Geral de Depósitos, na sua qualidade de beneficiário designado, os montantes que se mostrarem em dívida relativamente aos contratos de mútuo por si celebrados com esta entidade, e ainda condenada a indemniza-lo das quantias que entretanto se viu obrigado a pagar à CGD e liquidadas no art. 11.º (€ 2.450,00 e €10.926,55), acrescidas dos juros vencidos e vincendos contados à taxa legal, e nas prestações que for pagando à mesma CGD, acrescidas de juros à taxa legal, enquanto a R. não liquidar os referidos empréstimos (…), cuja liquidação relega para a fase de liquidação”
Alegou, em síntese, ter celebrado, em 04/02/2005, com a CGD, em conjunto com o seu cônjuge, dois contratos de mútuo com hipoteca nos montantes de € 23.000,00 e € 102.000,00; tendo ambos, na mesma data, aderido a um seguro de vida – em que é seguradora a R. Fidelidade e em que é tomador a CGD – para garantir à CGD o pagamento dos referidos empréstimos, em caso de morte ou invalidez das pessoas seguras.
Sucede que entretanto, em consequência de insuficiência renal que lhe foi posteriormente diagnosticada, ficou o A. a padecer de uma incapacidade permanente global que foi fixada, em 26/11/2013, em 70%, o que veio a determinar a sua passagem à situação de reformado por invalidez.
Uma vez que, a seu ver, se trata de risco coberto pelo seguro celebrado, comunicou a sua referida situação de incapacidade à R., participando-lhe o sinistro, mas esta, após solicitar documentação médica, recusou efetuar qualquer pagamento à CGD, tendo procedido à anulação do contrato de seguro, com o argumento do A., aquando da sua celebração, ser já portador da doença cuja evolução veio a determinar a sua incapacidade e de que não teria celebrado o contrato de seguro, com a inclusão da cobertura de invalidez, se tivesse conhecido o facto que, negligentemente, lhe foi omitido pelo A.

A R. contestou.
Alegou, no que ora interessa, que, quando da adesão ao seguro de grupo, o A. preencheu questionário sobre o seu estado de saúde, em que negou padecer de qualquer doença, sendo certo que, como era o seu conhecimento, lhe havia sido, em 2001, quando tinha 32 anos de idade, diagnosticada Doença Renal Poliquística Autossómica Dominante (DRPAD), no contexto de um episódio de cólica renal, sofrendo o pai e a sua irmã da mesma patologia (e tendo o pai tido necessidade de técnica dialítica desde os 42 anos); e que, se a R. soubesse de tal patologia já diagnosticada ao A., a adesão ao seguro de grupo seria aceite com exclusão das coberturas de invalidez e com agravamento de 300% relativamente ao risco morte, pelo que é adesão anulável nos termos do art.º 429.º do Código Comercial.
Alegou ainda que não se verificou o risco coberto, uma vez que a Invalidez Absoluta e Definitiva por doença está definida, nas condições gerais do seguro, como “limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria que incapacite a pessoa segura para o exercício de qualquer atividade remunerada, necessitando de uma terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária.”; e o A. não se encontra em tal situação.
E concluiu pela total improcedência da ação e pela sua absolvição de todos os pedidos.

O A. replicou, alegando não ter tido conhecimento, por nunca lhe terem sido apresentadas ou explicadas, das condições gerais do seguro de grupo a que aderiu.

Foi realizada a audiência prévia, proferido despacho saneador – que considerou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

Instruído o processo e realizada a audiência de julgamento, o Exmo. Juiz proferiu sentença, em que julgou a ação procedente, condenando a Ré “a pagar à Caixa Geral de Depósitos os montantes que se mostrarem em dívida relativamente aos contratos de mútuo celebrados entre o Autor e o seu cônjuge em 04 de Fevereiro de 2005, até ao limite do capital em dívida que em 03 de Julho de 2015 era de €17.318,26 e €76.802,36; a pagar ao Autor as quantias que entretanto este se viu obrigado a pagar à Caixa Geral de Depósitos, que em 29 de Junho de 2018 eram de €2.450,54 e €10. 926,55, acrescidas de juros vencidos e vincendos contados à taxa legal desde a citação até integral pagamento, e ainda as prestações que o Autor, entretanto for pagando, acrescidas de juros à taxa legal, cuja liquidação se remete para execução de sentença”.

Inconformada com tal decisão, interpôs a R. recurso de apelação, o qual foi julgado procedente, absolvendo-se a R. seguradora dos pedidos formulados pelo A.”

Inconformado, agora, o A., interpõe o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que, invertendo o decidido, repristine o decidido em 1.ª Instância, julgando a ação procedente.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
“I- O ora Recorrente intentou contra a Recorrida ação em que solicitava a condenação da mesma no pagamento à CGD dos montantes que se mostrarem em dívida relativamente aos contratos de mútuo que celebrara com esta entidade, e ainda, a pagar ao ora Recorrente as quantias que o mesmo foi pagando desde o sinistro, acrescidas de juros à taxa legal, porquanto celebrara com a R. ora Recorrida, contrato de seguro que cobria os montantes reclamados, em consequência da sua invalidez, verificada em 26.11.2013.
O Tribunal de Santarém julgou a ação procedente por provada e condenou a Seguradora aqui Recorrida no pedido.
Inconformada a ora Recorrida desta sentença interpôs recurso para o T. R. Évora.
Por acórdão datado de 10.09.2020, este Tribunal julgou o recurso procedente e absolveu a ora Recorrida dos pedidos formulados pelo Autor.
É desta decisão que se vem recorrer por se discordar com a mesma.
II- Com efeito, conforme consta na sentença proferida pelo Tribunal de Santarém a R., ora Recorrida, “escorada no artigo 429º do Código Comercial, invoca a anulabilidade do contrato de seguro com fundamento na prestação de declarações inexatas por parte do Autor (omitindo doença pré-existente), com influência na aceitação da proposta, com base no artigo 2º, nº 5.3 ”Condições Gerais” (vide artigos 16º a 44º da Contestação e pontos 2.1.11 a 2.1.20 da factualidade dada como provada).”
De acordo ainda com a mesma sentença “constatamos que de facto o Autor prestou declarações inexatas quanto ao seu estado de saúde e antecedentes familiares, omitindo a pré-existência de doença (vide 2.1.11 a 2.1.19), o que de acordo com o artigo 2º ponto 5.3 das Condições Gerais (vide fls. 65 in fine) constitui uma cláusula de exclusão da cobertura do contrato de seguro, fundamento no qual a Ré fundamenta a anulabilidade do mesmo”.
Continuando:
“Contudo como resulta do ponto 2.2.1 a Ré não logrou provar “que tenha sido apresentadas as explicações ao Autor das condições Gerais do Contrato de Seguro”, pelo que a referida cláusula de exclusão não é oponível ao Autor”.
Diferentemente o Tribunal da Relação de Évora entendeu que a anulabilidade não resulta da estatuição de qualquer cláusula contratual, atento o disposto no artigo 429º do C. Comercial, bastando à Seguradora alegar e provar que a omissão ou a declaração inexata influenciou a sua decisão de contratar ou os termos em que o fez, irrelevando a verificação de nexo de causalidade entre os factos omitidos e o sinistro.
III- Ora, se uma das partes não conhecia as condições do contrato porque a parte que estava obrigada a comunicá-las não o fez, como pode essa parte ser afetada com a anulação do mesmo por quem, vindo agora invocar condição que não lhe deu a conhecer, afirma que se soubesse teria contratado de modo diferente.
IV- Resultando provado por um lado que a A. ora Recorrida não apresentou as condições gerais do contrato de que agora se pretende fazer valer para dizer que se soubesse da doença teria proposto outras condições ao Recorrente, não pode a mesma socorrer-se do artigo 429º do C. Comercial para invocar a anulabilidade do contrato, contrariamente ao decidido no acórdão de que ora se recorre, e em sentido contrário ao que foi decidido pelo Tribunal de 1ª instância; por outro lado, não tendo resultado provado, contrariamente ao que alegou a ora Recorrida, que tal doença evoluiu para a que deu caso à invalidez, conclui-se que mal andou também a decisão que o Recorrente põe em crise ao desvalorizar esta necessidade de nexo causal – neste sentido vide acórdão do T. R. de Guimarães de 29.10.2015, disponível na net. (…)”

A R. respondeu, sustentando, em síntese, que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma processual ou substantiva, designadamente, as referidas pelo A/recorrente, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.
Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II. Fundamentação de Facto
II – A – Factos Provados
1. Entre a Ré e a Caixa Geral de Depósitos foi celebrado um contrato de seguro do ramo vida grupo, o qual é titulado pela apólice nº ……06, através do qual aquela assumiu o risco de Morte por Doença ou Acidente e os riscos complementares de Invalidez Absoluta e Definitiva por Doença e de Invalidez Total e Permanente por Acidentes de clientes que com esta celebrassem contrato de empréstimo para a compra de habitação própria e respetivos fiadores, desde que estes aderissem ao dito contrato.
2. No dia 04 de Fevereiro de 2005, o Autor, conjuntamente com o seu cônjuge BB, celebrou com a Caixa Geral de Depósitos dois contratos de mútuo com hipoteca nos montantes de €23.000,00 (vinte e três mil euros) e €102.000,00 (cento e dois mil euros), respetivamente, que se destinavam, o primeiro à liquidação do saldo em dívida de um crédito concedido pelo Banco de Investimento Imobiliário, S.A., o qual, por sua vez, se havia destinado à construção de habitação própria e permanente dos mutuários, e o segundo a obras do mesmo imóvel.
3. No mesmo dia, e na sequência dos contratos de mútuo referidos no ponto anterior, o Autor e sua mulher aderiram ao contrato de seguro referido no ponto 1., tendo as adesões tomado os números ……60 e ……64.
4. No art.º 3.º das condições particulares do referido contrato de seguro, enunciam-se os riscos cobertos da seguinte forma:
“1. O contrato de seguro abrange as seguintes garantias:
a) Garantia Principal – Morte por doença ou acidente
i) Garantia de Morte por Doença tem um período de carência de 3 anos
b) Garantia Complementar – Invalidez Absoluta e Definitiva por Doença
i) A garantia corresponde à antecipação de 100% do capital seguro.
ii) Esta garantia tem um período de carência de três anos
c) Garantia Complementar – Invalidez Total e Permanente por Acidente
Considera-se inválida a Pessoa Segura que apresente um grau de desvalorização igual ou superior a 50% de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes.
A garantia corresponde à antecipação de 100% do capital seguro 1. (…)” [Vide doc. de fls. 38 a 42 e 60v a 62v].
5. No art.º 1 das “Condições Gerais” do referido contrato estão definidos os conceitos de “Invalidez Total e Permanente” e Invalidez Absoluta e Definitiva” nos seguintes termos:
“Invalidez Total e Permanente
A limitação funcional permanente sem possibilidade de melhoria em que, cumulativamente, estejam preenchidos os seguintes requisitos:
a) A Pessoa Segura fique completa e definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões.
b) Corresponda a um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em Condições Particulares, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes;
c) Seja reconhecida previamente pela Instituição de Segurança Social pela qual a Pessoa Segura se encontra abrangida ou pelo Tribunal de Trabalho ou, caso a Pessoa Segura não se encontra abrangida por nenhum regime ou Instituição de Segurança Social, por Junta Médica;
Invalidez Absoluta e Definitiva
A limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria que incapacite a Pessoa Segura para o exercício de qualquer atividade remunerada, necessitando de uma terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária.”
6. Em 01/01/2015 o capital seguro para a adesão nº ……..60 era de €17.633,86.
7. Na mesma data o capital seguro para a adesão nº ………64 era de €78.202,09.
8. Em 03 de Julho de 2015 encontravam-se em dívida à Caixa Geral de Depósitos os valores de €17.318,22 e €76.802,36, respetivamente.
9. Desde 03 de Julho de 2015 até 29/06/2018 os valores pagos pelo Autor ascendiam a €2.450,54 e €10.926,55, respetivamente.
10. No referido contrato de seguro os beneficiários são: pelo capital em dívida até ao limite do capital seguro irrevogável a favor da Caixa Geral de Depósitos S.A. e pelo eventual remanescente para o capital seguro a Pessoa Segura.
11. Aquando das duas adesões o ora Autor preencheu dois boletins de adesão, cada um com o seu questionário sobre o seu estado de saúde.
12. Nessas declarações sobre o seu estado de saúde perguntava-se se o ora Autor “é portador de qualquer incapacidade ou defeito físico” e “se teve ou tem qualquer doença”, tendo o ora Autor respondido “Não” a ambas as perguntas.
13. Perguntava-se aí se “o seu estado de saúde atual é perfeito”, tenho o ora Autor respondido “Sim”.
14. Quanto a antecedentes pessoais, perguntava-se “se sofre ou sofreu de qualquer das seguintes perturbações ou doenças”, tendo o ora Autor respondido que “Não” a todas as questões, incluindo “hipertensão arterial”, “reumatismo, gota, espondilose” e “doenças do rim ou bexiga (nefrite, pedra do rim)”.
15. Perguntado sobre “Exames complementares (informe quando fez, porquê e os resultados)” o ora Autor respondeu “Não” quanto a “análises”, “radiografias”, electrocardiogramas” e “outros”.
16. Tendo aposto em 04/02/2005 a sua assinatura no final de cada uma das Declarações de Estado de Saúde.
17. Em 2001, quando o ora Autor tinha 32 anos de idade, foi-lhe diagnosticada Doença Renal Poliquística Autossómica Dominante (DRPAD) no contexto de um episódio de cólica renal.
18. O Autor sabia que o seu pai e a sua irmã sofreram da mesma patologia, tendo o pai do Autor tido necessidade de técnica dialítica desde os 42 anos e a irmã, aparentemente apenas com atingimento hepático.
19. Quando preencheu as declarações clínicas em Fevereiro de 2005 o Autor sabia que em 2001 lhe havia sido diagnosticada DRPAD, num contexto de cólica renal, assim como sabia que já era portador de litíase renal e quistos renais.
20. Se a Ré soubesse da patologia que havia sido diagnosticada ao ora Autor em 2001, quando este tinha 32 anos, as adesões propostas apenas teriam sido aceites com exclusão das coberturas de invalidez e com agravamento de 300% relativamente ao risco morte.
21. Em 2013 foi diagnosticada ao Autor insuficiência renal, tendo iniciado Hemodiálise em 17/09/2013.
22. Em consequência da insuficiência renal foi-lhe atribuída em 26/11/2013 uma incapacidade permanente de 70%, tendo o Autor ficado incapacitado de exercer qualquer atividade remunerada.
23. A partir de 13 de Novembro de 2013 foi atribuída ao Autor uma pensão por invalidez relativa, que em Janeiro de 2015 era de €482,40.
24. O Autor foi transplantado em 22 de Janeiro de 2017, tendo-lhe sido atribuída em 12/07/2018 uma incapacidade permanente de 54,1%.
25. Em consequência da insuficiência renal que o afetou, o Autor está incapacitado de exercer a sua profissão de mecânico de automóveis.
26. O Autor não tem aptidões e conhecimento para exercer qualquer outra atividade, para além de mecânico de automóveis.
27. Comunicou tal facto à seguradora, assim como o facto de, entretanto, ter sido reformado com base na mesma incapacidade, de modo que a seguradora pagasse à Caixa Geral de Depósitos os montantes de capital garantido em ambos os contratos de mútuo à data em que foi determinada a sua invalidez.
28. Através do escrito de fls. 75v a 76 datado de 22/12/2016, que a Ré enviou e o Autor recebeu, aquela comunicou-lhe a não aceitação do sinistro, com o fundamento no facto de que “…a doença poliquística cuja evolução veio a referir a causa da invalidez que atualmente o afeta, já se verificava à data de adesão ao contrato de seguro” referindo, ainda que, mesmo que essa patologia não fosse pré-existente, “…também não seria de proceder ao pagamento da indemnização, uma vez que a incapacidade de que é portador também não preenche os requisito exigidos contratualmente, uma vez que pela documentação clínica enviada não ficou comprovado que necessita de ajuda de terceira pessoa para conseguir efetuar os atos da sua vida diária”
29. No referido escrito a Ré propôs ao Autor a alteração do contrato de seguro, consubstanciada na exclusão da exclusão da cobertura de invalidez e no agravamento de 50% na cobertura de morte devida à patologia renal, dando ao Autor um prazo de 15 dias para aceitar a proposta, sob pena de, não o fazendo, cessar o contrato de seguro.
30. O Autor respondeu a este escrito através da ilustre mandatária, onde não se pronunciou sobre a proposta de alteração do contrato, referindo que desconhecia em absoluta ser portador de qualquer doença.
31. Através do escrito de fls. 44 e 45, enviado pela Ré ao Autor em 30 de Junho de 2017, e que este recebeu, a Ré manteve a recusa do sinistro e procedeu à anulação do contrato de seguro.

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II – B Factos não Provados
Não se provou:
a) Que tenham sido apresentadas ou explicadas ao Autor as condições gerais do contrato de seguro juntas a fls. 63 a 68.
b) Que a insuficiência renal diagnosticada ao Autor em 2013 foi consequência directa da DRPAD (Doença Renal Poliquística Autossómica Dominante) diagnosticada em 2001.

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III – Fundamentação de Direito
O presente recurso de revista – sendo o objeto dum recurso delimitado, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelas respetivas conclusões, nos termos dos artigos 635º/4 do CPC – respeita a um caso em que houve incumprimento do dever pré-contratual de declaração do risco na adesão a um seguro de grupo, suscitando-se a questão de dever (ou não) ser exigível o nexo causal (como requisito de anulabilidade) entre o facto ou circunstância omitidos ou inexatamente declarados e o facto ou circunstância que determinou o sinistro; e a questão do regime aplicável em resultado das cláusulas constantes das CCG das condições gerais do seguro se considerarem excluídas do contrato singular de seguro celebrado.
Em resumo, decorre da matéria de facto assente, que o A. e a esposa contraíram, em 04/02/2005, dois mútuos hipotecários junto da CGD, tendo, por causa de tais mútuos hipotecários, celebrado conexos contratos de seguro, em que é seguradora a aqui R. Fidelidade, em que é tomador do seguro a CGD, em que as pessoas seguras são o A. e a esposa e em que é beneficiário irrevogável (a pessoa a favor de quem reverte a prestação da seguradora decorrente do contrato de seguro), pelo capital em dívida, em caso de morte ou invalidez das pessoas seguras, a CGD.
Sucedendo – é aqui que se situa o litígio – que, segundo o A./recorrente invoca, sofreu doença que lhe determinou invalidez absoluta e definitiva, ou seja, ocorreu um evento futuro e incerto coberto pelo seguro a que aderiu, recusando-se a seguradora, a aqui R./recorrida, a cobrir o risco assumido e a proceder ao pagamento do capital mutuado em dívida.
Temos pois, contextualizando os factos, que o A. e a esposa, ao celebrarem contratos de crédito, foram chamados a aderir ao seguro de grupo celebrado pelo banco mutuante com a seguradora aqui R., mais exatamente ao Seguro de Vida Grupo (cujas condições particulares se encontram juntas de fls. 60 a 62), tendo assim aderido, como consta dos certificados individuais de fls. 81 verso a 84, a um seguro de vida que, em termos de coberturas, abrangia a morte dos segurados e, complementarmente, a invalidez total e permanente por acidente e a invalidez absoluta e definitiva por doença dos segurados.
Sendo nesta última cobertura complementar – invalidez absoluta e definitiva por doença – que se situa o litígio.
Cujo desfecho, desde já se antecipa, depende da lei que lhe é aplicável.
Como resulta dos factos, o A. aderiu ao seguro de grupo em causa em 04/02/2005, tendo, entretanto, antes da data do sinistro invocado pelo A., ocorrido em 2015, entrado em vigor, em 01/01/2009, a Lei do Contrato de Seguro (aprovada pelo DL 72/2008, de 16-04).
Lei esta cujo diploma preambular contém 3 normas (os artigos 2.º, 3.º e 4.º) de direito transitório sobre a sua aplicação no tempo, normas essas em que, em linha com o disposto no art. 12.º/1 e 12.º/2/1.ª parte do C. Civil, se estabelece (no seu art. 2.º) que a nova LCS se “aplica aos contratos de seguro celebrados após a entrada em vigor do presente DL, assim como ao conteúdo de contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, com as especificidades constantes dos artigos seguintes”, ou seja, em relação aos contratos de seguro celebrados antes de 01/01/2009 (como é o caso do dos autos), observa-se a distinção, constante do art. 12.º/2 do C. Civil, entre as normas que versam sobre a validade ou os efeitos dos factos constitutivos do contrato de seguro, em que são aplicáveis as normas vigentes na lei antiga, e as normas que regulam o conteúdo da relação contratual, abstraindo-se dos factos a que lhe deram origem, em que lei nova é imediatamente aplicável (aos contratos de seguro celebrados antes da entrada em vigor de tal lei nova).
O que significa que à questão sob litígio se aplica a lei antiga (as normas legais em vigor no momento da celebração do contrato), uma vez que estão em causa as consequências (em termos de invalidade contratual e/ou de alteração/cessação contratual) que ambas as leis (antiga e nova), cada uma ao seu modo, associam ao incumprimento, por parte do segurado, do dever de declarar com exatidão o risco, antes do início do contrato; conclusão esta – de à questão sob litígio se aplicar a lei antiga – reforçada pelo art. 3.º do referido diploma preambular, em que também se dispõe que “nos contratos de seguro com renovação periódica, o regime jurídico do contrato de seguro aplica-se a partir da primeira renovação posterior à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, com exceção das regras respeitantes à formação do contrato, nomeadamente as constantes dos artigos 18.º a 26.º (…) do regime jurídico do contrato de seguro” (estando, na lei nova, as consequências do incumprimento do referido dever pré-contratual nos arts. 24.º a 26.º da LCT).
E a lei antiga – a norma legal em vigor no momento da celebração do contrato – é o que, à época da adesão do A. ao seguro de grupo, se dispunha no art. 429.º do C. Comercial, que, marcado pelo respetivo contexto histórico do seu surgimento (1888), estabelecia um regime bastante favorável ao segurador.
Dizia-se no referido art. 429.º do C. Comercial que “toda a declaração inexata, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”, sancionando-se assim “pesadamente” as declarações inexatas ou reticentes do tomador/segurado.
Sendo o seguro um contrato pelo qual a seguradora cobre determinados e concretos riscos – o risco é essencial ao contrato de seguro (é para a cobertura dum determinado risco que as partes contratam, sendo o prémio calculado em função de tal determinado risco) e não há sequer seguro válido sem risco – todos os factos e circunstâncias que possam influenciar no risco desempenham um papel preponderante na economia do contrato de seguro.
Factos e circunstâncias (relevantes para a análise do risco que se pretende que o segurador cubra) em relação aos quais o tomador/segurado se encontra em posição mais favorável para os identificar – porque relativos ao próprio segurado, a um bem seu ou a uma situação, de algum modo consigo relacionada – razão pela qual se entendia (e entende, cfr. arts. 24.º a 26.º da LCS) ter o tomador/segurado o dever pré-contratual de os declarar ao segurador; factos e circunstâncias – declaração de risco do tomador/segurado – em cuja probidade e lealdade o segurador tem que confiar (para fixar as condições do contrato e o alcance das suas obrigações), até por o segurador, em face do volume de declarações que recebe e da dispersão geográfica dos riscos, não poder escrutinar a exatidão da declaração de risco do tomador/segurado.
Daí que a declaração do risco, caraterizada como uma obrigação prévia ao contrato, seja normalmente referida como uma das obrigações fundamentais do tomador/segurado, uma vez que é a partir de tal declaração de risco que o segurador avalia as circunstâncias que influem no risco e calcula o prémio; aqui se situando a lógica e racional do art. 429.º do C. Comercial: o segurador baseia toda a sua prestação nas declarações do tomador/segurado, nas quais deve ter toda a confiança, pelo que declarações inexatas ou reticentes do tomador/segurado merecem ser sancionadas pesadamente.
Sancionamento que a jurisprudência dominante mais recente[1] “atenuou”, entendendo – face ao carácter privado dos interesses que a concreta invalidade visa tutelar, em razão do disposto no art. 429.º do C. Comercial constituir um afloramento do erro vício da vontade (a que a lei, nos termos gerais, associa a anulabilidade do negócio) e atenta a circunstância do CC de 1867, vigente à data da entrada em vigor do C. Comercial, utilizar a terminologia “nulidades absolutas” e “nulidades relativas”, sendo a estas (a que hoje, no C. Civil de 1966, corresponde a anulabilidade) que o art. 429.º se quereria reportar – que se deve considerar que se está perante uma “mera” anulabilidade e que as declarações inexatas ou reticentes do tomador/segurado merecem ser sancionadas com a “mera” anulabilidade do contrato de seguro.
Anulabilidade que, porém, face à letra do art. 429.º do C. Comercial, tem tão só como requisitos:
 - ter o segurado/tomador prestado declarações inexatas ou reticentes (respeitantes a factos ou circunstâncias);
 - serem tais factos ou circunstâncias conhecidos do segurado/tomador; e
 - terem tais declarações inexatas ou reticentes podido influenciar a decisão de contratar ou as condições do contrato de seguro celebrado.
Requisitos estes que, fora de qualquer dúvida, se verificam no caso sob revista, a ponto de não ser exatamente na não verificação de algum de tais 3 requisitos que o A./recorrente baseia a sua divergência com o decidido na Relação.
Consistindo a declaração de risco, num seguro de vida, na informação relativa ao estado de saúde da pessoa a segurar, o A/recorrente, como resulta dos pontos 12 a 16 dos factos provados, respondeu sempre “não” às diversas perguntas do questionário sobre doenças de que pudesse padecer (e “sim”, quanto se perguntou se “o seu estado de saúde atual é perfeito”), sendo certo que sabia que, 4 anos antes, lhe havia sido diagnosticada Doença Renal Poliquística Autossómica Dominante (DRPAD), no contexto de um episódio de cólica renal, que também sabia que já era portador de litíase renal e quistos renais e que ainda sabia que o seu pai e a sua irmã sofriam da mesma patologia, tendo o pai tido necessidade de técnica dialítica desde os 42 anos.
É pois indiscutível que prestou declarações inexatas sobre factos e circunstâncias por si conhecidas; tornando despiciendas, no caso, quaisquer considerações adicionais, quer sobre o papel do questionário na declaração de risco, ou seja, se a existência do questionário, por mais exaustivo que seja, não exime o tomador/segurado da obrigação de comunicar à seguradora outros factos e circunstâncias com influência sobre o risco, quer sobre o dever de declaração do risco incluir todos os factos e circunstâncias conhecidas ou que um segurado diligente com capacidade normal não devesse desconhecer, uma vez que as suas respostas inexatas – e não meramente reticentes – a concretas perguntas do questionário sobre facto e circunstâncias por si conhecidas afastam toda a relevância e utilidade de tais considerações.
Assim como é indiscutível, face ao que foi dado como provado no ponto 20 dos factos – segundo o qual, “se a R. soubesse da patologia que havia sido diagnosticada ao ora A. em 2001, quando este tinha 32 anos, as adesões propostas apenas teriam sido aceites com exclusão das coberturas de invalidez e com agravamento de 300% relativamente ao risco morte – que a referida declaração inexata do risco, por parte do R/recorrente, influiu nas condições do contrato de seguro, que seria, é certo, na mesma celebrado, mas que não incluiria a cobertura invalidez (que é justamente a que está no centro do litígio) e que teria, quanto à cobertura morte, um prémio alterado/agravado.
Enfim, as declarações inexatas do A/recorrente tiveram influência sobre as condições do contrato de seguro, tornando-o assim, à luz da lei vigente à data da sua celebração, passível de anulabilidade, nos termos do art. 429.º do C. Comercial.
É que – respondendo diretamente à questão colocada na revista – o art. 429.º do C. Comercial não exige a existência/prova de qualquer nexo de causalidade entre o facto ou circunstância omitidos ou inexatamente declarados e o facto ou circunstância que determinou o sinistro[2].
A hipótese do sinistro se ter ficado a dever, em caso de seguro de vida, a doença que não está diretamente relacionada (que nada tem a ver) com o facto ou circunstância omitidos ou inexatamente declarados é, à luz do art. 429.º do C. Comercial, irrelevante, ou seja, o nexo causal entre a inexatidão/omissão e o sinistro não é requisito de anulabilidade do contrato de seguro.
Para o art. 429.º do C. Comercial (e para a invalidade/anulabilidade do contrato de seguro, ali prevista) apenas importa que, em função de inexatidões/omissões nas declarações ou informações prestadas pelo tomador/segurado, não tenha havido um cálculo exato do risco e do prémio do seguro pelo segurador, estabelecendo um regime que, sem prejuízo de há muito estar ultrapassado o contexto histórico que o fundamentou e do mesmo ser bastante favorável ao segurador, a jurisprudência e doutrina dominantes acolheram[3].
Regime este que só é rejeitado com a entrada em vigor da lei nova (LCS), em que se estabelece, como requisito para o segurador poder invocar a não cobertura do sinistro, a causalidade entre o facto inexato ou omitido e a ocorrência do sinistro.
Efetivamente, passou a dispor-se no art. 26.º/4 da LCS que “se, antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexatidões negligentes:
a) O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexatamente;
b) O segurador, demonstrando que, em caso algum, teria celebrado o o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexatamente, não cobre o sinistro e fica apenas vinculado à devolução do prémio”.
Daí que, perante tal alteração introduzida pela lei atualmente em vigor, tenhamos começado por salientar que o desfecho do litígio depende da lei que lhe é aplicável: estando em causa as consequências do incumprimento do dever pré-contratual de declaração do risco, incumprimento que ocorre antes mesmo do contrato de seguro ser celebrado, aplicam-se-lhe as normas legais em vigor no momento da celebração do contrato e não a lei atualmente vigente, sendo certo que a diversidade dos respetivos regimes legais significa, no que aqui revela, desfechos opostos.
Efetivamente, como resulta da alínea b) dos factos não provados – em que se diz que não se provou que “a insuficiência renal diagnosticada ao Autor em 2013 foi consequência direta da DRPAD (Doença Renal Poliquística Autossómica Dominante) diagnosticada em 2001” – não se provou, no caso, o nexo causal entre a declaração inexata (não ter o A. revelado, na resposta ao questionário, a DRPAD) e o sinistro consistente na insuficiência renal e na correspondente, segundo o A/recorrente, invalidez absoluta e definitiva, porém, como se explicou, a prova de tal nexo causal não é requisito de anulabilidade do contrato de seguro, à luz do aplicável art. 429.º do C. Civil, sendo assim irrelevante, por não ser a lei aplicável, que tal nexo causal seja exigido pelo art. 26.º/4 da LCS (que, acrescenta-se, consagra, nos seus vários números, diversas soluções, não sendo nenhuma delas a invalidade do contrato de seguro, mas apenas a alteração do contrato ou a sua cessação ou a cobertura proporcional do sinistro ou ainda a sua não cobertura).
E vem isto – o cotejo entre os dois regimes legais – a propósito de, como os factos constantes dos pontos 28, 29 e 31 o revelam (e mais circunstanciadamente os documentos/escritos parcialmente extratados em tais pontos), a R. seguradora ter tido um comportamento bastante errático nas respostas que, ao longo do tempo, foi dando à participação de sinistro do A..
Resulta do escrito de fls. 75v a 76, datado de 22/12/2016, que a R. começou por dar ao A. uma resposta baseada em disposições da LCS, não aceitando cobrir o sinistro e propondo ao A. a alteração do contrato de seguro, consistente na exclusão da cobertura de invalidez e no agravamento de 50% na cobertura de morte devida à patologia renal, dando ao Autor um prazo de 15 dias para aceitar a proposta, sob pena de, “não respondendo ou rejeitando a proposta de alteração em causa, dentro do prazo que lhe foi conferido, o contrato cessar nos termos previstos no art. 26.º/2 do RJCS aprovado pelo DL 72/2008 (…)”; que, a seguir, após nova insistência do A., a R., através do escrito de fls. 44 e 45, datado de 30/06/2017, lhe disse que “tendo em consideração a rejeição da pessoa segura à nossa proposta de alteração, procedemos à anulação do contrato de seguro, nos termos previstos no art. 26.º/2 do RJCS aprovado pelo DL 72/2008”; e que, na contestação, datada de 30/09/2018, vem dizer que é aplicável o art. 429.º do C. Comercial[4] e que a adesão do A. ao contrato de seguro é anulável, “o que já declarou perante o A. e que aqui reitera para todos os efeitos legais”.
Todavia, não é a circunstância da R. ter baseado e invocado nas suas respostas o DL 72/2008 – também ele mal aplicado, uma vez que a situação, a ser-lhe aplicável a LCS, seria subsumível ao transcrito 26.º/4 da LCS e não ao invocado 26.º/2 da LCS – que faz deste o regime legal aplicável, assim como a declarada “anulação do contrato de seguro, nos termos previstos no art. 26.º/2 do RJCS”[5] não valerá como anulação nos termos do art. 429.º do C. Comercial.
O que também significa que o primeiro pedido de anulação do contrato de seguro, nos termos do art. 429.º do C. Comercial, apenas ocorre na contestação apresentada, em 30/09/2018, nos presentes autos, o que, todavia, não chega a suscitar autênticas questões quer de caducidade do direito à anulabilidade do seguro (tendo presente que a participação do sinistro foi efetuada em 26/06/2015, cfr. fls. 46), quer de tal anulabilidade estar sanada mediante confirmação, uma vez que, quanto à caducidade, não é desde logo a mesma de conhecimento oficioso (cfr. art. 333.º/1 do C. Civil) e o A. não a suscitou; e, quanto à confirmação, sem prejuízo de poder ser tácita (cfr. art. 288.º/3 do C. Civil), nada no comportamento da R. seguradora, embora algo errático, é concludente e revelador da renúncia ao direito (potestativo) de anulação nos termos do art. 429.º do C. Comercial.
Temos, pois, em conclusão, que bem andou o Acórdão recorrido ao anular, com fundamento no art. 429.º do C. Comercial, a relação jurídica contratual estabelecida com a adesão do A. ao seguro de grupo (celebrado entre a R. seguradora e o tomador/CGD) e a consequente e respetiva aceitação pelo R. seguradora.
Uma vez que, repete-se, não obsta a tal anulação o não se haver provado a existência de nexo causal entre a inexatidão/omissão da declaração de risco e o sinistro.
E uma vez que também não obsta a tal anulação a circunstância de tal relação contratual ter sido estabelecida a partir de cláusulas contratuais gerais e de, não se tendo provado que estas hajam sido devidamente apresentadas e explicadas, as mesmas se considerarem excluídas, nos termos do art. 8.º/a) do DL 446/85 (sobre as Cláusulas Contratuais Gerais), da concreta e individual relação contratual estabelecida.
Efetivamente, à não inclusão, no contrato celebrado, das cláusulas atingidas pela inobservância das regras pré-negociais, não se segue a não subsistência do contrato, mas sim, de acordo com o art. 9.º do DL 446/85, a sua manutenção, “vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos”.
Assim, fossem quais fossem as exatas condições gerais, em Fevereiro de 2005, do seguro de grupo a que o A. aderiu[6], o certo é que deixaram de fazer parte da relação jurídica contratual estabelecida com o A., mas, mantendo-se esta relação jurídica subsistente, é-lhe aplicável – continua a ser-lhe aplicável – a lei, o mesmo é dizer tudo o que supra se referiu sobre o dever pré-contratual do tomador/segurado declarar o risco sem inexatidões e reticências e sobre o sancionamento previsto, na lei aplicável, para o incumprimento de tal dever pré-contratual.
Concretizando – e respondendo diretamente à questão colocada pelo recorrente – não é por as condições gerais conterem uma CCG que exclui da cobertura do seguro doenças pré-existentes quando não mencionadas na declaração de risco e de, conforme o referido, tal CCG ficar excluída do singular e concreto contrato celebrado que, ao arrepio da lei aplicável (o já abundantemente citado art. 429.º do C. Comercial), as inexatidões e reticências sobre o estado de saúde da pessoa a segurar (que é o que, num seguro de vida, constitui a declaração de risco) deixam de ter o sancionamento previsto, na lei aplicável, para o incumprimento de dever pré-contratual de declarar o risco sem inexatidões e reticências.
Sancionamento que, conduzindo, como é o caso e já se explicou, à invalidade do concreto contrato celebrado, prejudica que se aprecie se estamos perante sinistro que estaria coberto pelo contrato (isto é, se o risco coberto se verificou), ou seja, prejudica que se passe a, por interpretação[7], definir o que se deve entender por “invalidez absoluta e definitiva” (o risco invocado pelo A. como verificado).
É quanto basta para julgar improcedentes “in totum” as alegações do A/recorrente.

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IV - Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar a revista.
Custas pela A./recorrente.

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Lisboa, 23/02/2021


António Barateiro Martins (Relator)

Ana Paula Boularot

Fernando Pinto de Almeida


*O relator declara que, nos termos do art. 15.º-A do DL n. 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo DL n. 20/2020, de 1 de maio, o presente acórdão tem voto de conformidade dos Conselheiros adjuntos.

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Cfr., entre outros, Ac. STJ de 02/07/1997, in BMJ 469, págs. 477 e ss.; Ac. STJ de 04/10/1990, in BMJ 400, pág. 672 e ss; e Ac STJ de 08/06/2010, in ITIJ.
[2] Assim como é indiferente que o tomador/segurado, ao prestar a declaração inexata ou reticente, esteja de boa ou má fé; a má fé só releva, como consta do § único do art. 426.º do C. Comercial, para o segurador ter direito ao prémio.
[3] Cfr. Ac. STJ de 17/10/2006, Ac STJ de 27/05/2008, Ac. STJ de 30/10/2007 e Ac. STJ de 24/04/2007, todos in ITIJ; e J. C. Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro no Direito Português, págs. 76 a 81, e José Vasques, Contrato de Seguro, págs. 227 e 228..
[4] E junte umas condições gerais (fls. 63 a 68) que, pelo teor de muitas das cláusulas (que decalcam o conteúdo da LCS) e da referência nelas contidas a “Dez/2009”, não são certamente as que estavam em vigor no momento da adesão, em 2005, ao contrato de seguro de grupo.
[5] Sem que a LCS, em caso de omissões ou inexatidões negligentes, preveja sequer, como já se referiu, qualquer anulação do contrato e/ou que a mesma possa ser efetuada por declaração unilateral à parte contrária.
[6] E, como já referimos, nem seriam certamente as que a R. seguradora juntou.
[7] Uma vez que a definição constante das CCG ficou excluída do concreto e singular contrato celebrado.