Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99A166
Nº Convencional: JSTJ00036393
Relator: GARCIA MARQUES
Descritores: DELIBERAÇÃO SOCIAL
RENOVAÇÃO
Nº do Documento: SJ199903230001661
Data do Acordão: 03/23/1999
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N485 ANO1999 PAG453
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 1659/97
Data: 09/29/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR COM - SOC COMERCIAIS.
Legislação Nacional: CSC86 ARTIGO 56 ARTIGO 62.
Sumário : I - Uma deliberação social renovatória deve respeitar o essencial do conteúdo da deliberação renovada, mas não deixa de ser uma nova deliberação.
II - Os efeitos jurídicos passam a imputar-se à deliberação renovada.
III - Na confirmação de deliberação a fonte de efeitos jurídicos é a própria deliberação inválida integrada ou complementada pelo acto confirmativo.
IV - Podem ser objecto de renovação quer as deliberações nulas por força das alíneas a) e b) do n. 1 do artigo 56 do C.S.C. e as deliberações anuláveis.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
A e mulher B intentaram acção com processo ordinário contra C, pedindo que se declare que a assembleia realizada em 22-12-94 foi irregularmente convocada e que a convocatória deixou de mencionar as cláusulas contratuais a "modificar, suprimir ou aditar", e ainda que se decrete a anulação das deliberações tomadas nessa assembleia e constantes da acta, nomeadamente a transformação da Ré em sociedade anónima, a representação do capital em 41500 acções, de mil escudos cada uma, a atribuir aos sócios, na proporção de uma acção por cada mil escudos da respectiva quota e a aprovação do texto do novo pacto social que ficou a constar de documento complementar, "devendo ser anulados e consequentemente destruídos os seus efeitos por força do exercício deste direito do A., e isto retroactivamente". Mais pedindo, subsidiariamente, que seja declarada a nulidade das deliberações em causa, destruindo-se tamém, por tal via, os efeitos das deliberações impugnadas, condenando-se ainda a Ré a ter de aceitar e reconhecer os efeitos, quer da anulação, quer das nulidades das deliberações.
Alegaram, em síntese, o seguinte: (a) O A. marido é sócio da Ré desde 13-04-84; (b) A gerência desta emitiu uma convocatória de Assembleia Geral, com data de 07-12-94, a qual foi enviada ao A. através de carta registada, tendo o envelope o carimbo de expedição com aquela data; (c) A dita assembleia seria realizada em 22 de Dezembro desse ano; (d) O A. não esteve presente nem representado na mesma; (e) A assembleia não foi convocada com 15 dias de antecedência; (e) As deliberações tomadas não foram precedidas dos elementos mínimos de informação.
Citada, a Ré veio contestar, alegando, em síntese que aceita que a assembleia não foi convocada com a antecedência mínima de 15 dias, sendo certo, no entanto, que estiveram à disposição dos AA. todos e quaisquer elementos de informação. Pede, em consequência, prazo razoável para deliberar sobre a renovação da deliberação.
Replicando, os AA. vêm dizer que só determinadas deliberações nulas são renováveis, o que não é o caso dos autos. Concluem como na p. i., pedindo ainda que seja decretada a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 22-12-94, no período anterior às eventuais deliberações renovatórias, com as legais consequências.
A Ré, além de alegar não ser devida réplica, veio opor-se à alteração da causa de pedir.
Realizou-se uma audiência preparatória, sem que se tivesse alcançado qualquer acordo das partes.
Proferido saneador-sentença em 4 de Junho de 1997, foi a acção julgada procedente, pelo que o Meº Juiz do processo declarou que a assembleia geral realizada em 22-12-94 foi irregularmente convocada, pelo que anulou as deliberações nela tomadas e constantes da acta, nomeadamente a da transformação da Ré em sociedade anónima, a representação do capital em 41500 acções de mil escudos cada uma e atribuídas aos sócios na proporção de uma acção para cada mil escudos da respectiva quota e de aprovação do texto do novo pacto social, sendo anulados e, consequentemente, destruídos os seus efeitos, mais declarando que, no caso presente, não são possíveis deliberações renovatórias - fls. 75 e segs.
Inconformada, a Ré apelou, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 29 de Setembro de 1998, julgado procedente o recurso, revogando a decisão da 1ª instância e absolvendo a Ré do pedido - fls. 110 e segs.
Agora, por sua vez, inconformados, trazem os AA. a presente revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:
1. As deliberações em causa foram tomadas em assembleia que não foi convocada com a legal antecedência.
2. As deliberações tomadas não foram precedidas dos elementos iniciais de informação.
3. A irregularidade da convocação fundamenta-se no artº 248º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais.
4. A escassez de elementos mínimos de informação fundamenta-se nos artigos 58º, nº 1, alínea c), e nº 4, alínea a), 377º, nº 8, e 132º, todos do CSC.
5. Nos termos do artº 62º, só as deliberações nulas por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 56º do C.S.C. podem ser renovadas.
6. No caso dos autos não estamos perante deliberações classificáveis de nulas nos termos das atrás citadas disposições legais.
7. As atrás citadas disposições legais visam deliberações tomadas em assembleia geral não convocada e tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios sem este direito de voto tenham sido convidados.
8. No caso dos autos estamos perante deliberações tomadas em assembleia irregularmente convocada e estas são apenas anuláveis nos termos do artº 58º, nº 1, alínea a) do C.S.C.
9. Porque os ora recorrentes tinham impugnado as deliberações dada a falta de fornecimento dos elementos mínimos de informação, logo, por este facto, jamais aquelas poderiam ser renovadas nos termos do citado artº 62º do C.S.C.
10. À data em que a recorrida solicita prazo renovatório subsistia invocação do vício traduzido na falta de fornecimento dos elementos mínimos de informação.
11. Atento o exposto, o Tribunal jamais poderia conceder à Ré - ora recorrida - o prazo que ela veio solicitar, dado que as deliberações impugnadas não eram e não são renováveis.
12. A renovação das deliberações de iniciativa da Ré ora recorrida é, pois, legalmente impossível.
13. A Ré recorrida jamais pode conseguir a sanação das deliberações objecto dos autos.
14. Aliás, os ora recorridos ( ) Sic, no texto. Trata-se, por certo, de lapso, pretendendo, segundo se crê, fazer-se referência aos "ora recorrentes".) em tempo, alteraram a causa de pedir e manifestaram interesse em obter a anulação das deliberações.
15. Relativamente, pelo menos, ao período anterior à deliberação renovatória, caso esta viesse a ser admitida, o que não é o caso.
16. O que a ora recorrida pode fazer é vir a convocar no futuro nova assembleia geral para discutir e deliberar sobre as matérias discutidas na assembleia de 22-12-94.
A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do acórdão impugnado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II
É a seguinte a matéria de facto dada como assente pelas instâncias:
- O A. é sócio da Ré, por escritura pública de 13/4/87, lavrada no Cartório Notarial de Pombal;
- - O A. ficou então com uma quota de 150000 escudos, sendo a mesma, actualmente, mercê dos aumentos, de 2740000 escudos;
- A qualidade de sócio do A. e o valor da quota são factos inscritos no registo;
- A gerência da Ré emitiu uma convocatória de Assembleia Geral e datou-a de 7/12/94;
- Esta declaração ou convocatória foi enviada ao A. através de carta registada, contendo o respectivo envelope carimbo de expedição dos CTT com data de 7/12/94;
- A convocatória tinha o seguinte texto:
"São por este meio convocados os sócios ... para uma Assembleia Geral a realizar na sede social, no dia 22 de Dezembro, pelas 9 h., com a seguinte ordem de trabalhos:
Transformação da C em sociedade anónima;
Se for deliberada a transformação, deliberar sobre o texto do novo pacto social.
Nota - Todos os elementos necessários para uma correcta apreciação, inclusive textos das propostas e do pacto social proposto, podem ser consultados na sede social, nas horas normais de expediente".
- Aos 22/12/94 teve lugar a reunião da assembleia geral;
- O A. não esteve presente, nem votou qualquer deliberação, nem deu esse assentimento de forma verbal;
- A Assembleia reuniu e foi feita a respectiva acta;
- Foi deliberado pelos sócios presentes:
A transformação da Ré em sociedade anónima com a firma C;
Que o capital social, no valor de 41500000 escudos, seja representado por 41500 acções de 1000 escudos cada uma, atribuídas aos sócios na proporção de uma acção para cada mil escudos da respectiva quota".
Aprovaram o texto do novo pacto social, ficando a constar do documento complementar à acta, depois de rubricado e assinado por todos os presentes.
Consta ainda dos autos, a fls. 43 e 44, fotocópia com valor de pública forma, da acta da Assembleia Geral da C, de 31 de Março de 1995, relativa, entre outros assuntos, à renovação das deliberações tomadas na Assembleia Geral.
Lê-se, a propósito, no texto do referido documento, o seguinte:
"Esta assembleia foi convocada por avisos publicados no Diário da República e no ECO (de Pombal) respectivamente em 23 de Fevereiro de 1995 e 20 de Fevereiro de 1995, e ainda por carta registada com aviso de recepção expedida em seis dos referidos mês e ano (...)";
E, mais adiante:
"Também por unanimidade foram renovadas as deliberações tomadas na assembleia geral de vinte e dois de Dezembro de mil novecentos e noventa e quatro tal como constam da acta número dezasseis e documentação complementar, na qual foi deliberada a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima e foi, posteriormente, aprovado o texto do novo estatuto social".
III
1 - As conclusões da alegação dos Recorrentes delimitam, como se sabe, o âmbito objectivo do recurso - artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC.
Impõe-se, no caso da presente revista, e como questão prévia, fazer uma crítica severa à circunstância de, quer no arrazoado das alegações, quer nas correspondentes conclusões, se incluírem questões desprovidas da mais elementar razão de ser, provocando-se, por essa via, manifesta confusão e injustificado "ruído". Confusão e "ruído" tais que poderão subsistir algumas dúvidas sobre se, no presente caso, ocorrerá apenas um caso de litigância temerária, ou se não terá chegado a ser invadida a área da própria litigância de má-fé.
Tudo a recomendar a indispensável análise tendente ao inevitável "saneamento" das conclusões, reduzindo-se as mesmas de acordo e em função das questões efectivamente merecedoras de consideração.
Com efeito, e a título de exemplo, não faz qualquer sentido que os AA. retomem, neste recurso, a alegação de que as deliberações tomadas não foram precedidas do fornecimento dos elementos mínimos de informação - cfr. as conclusões 2ª, 4ª, 9ª e 10ª.
Tal alegação foi objecto de ponderação no âmbito da decisão da 1ª instância, tendo o Senhor Juiz considerado ter a Ré cumprido as disposições legais em referência. Fundamentando tal entendimento, escreve-se no saneador-sentença: "Com efeito, no aviso da convocatória é referido que o assunto sobre o qual irá recair a deliberação será a transformação da sociedade R. em sociedade anónima, acrescentando-se que os textos das propostas e do pacto social proposto podem ser consultados na sede social".
Os AA. não recorreram da decisão da 1ª instância, que lhes era favorável, conformando-se com o seu teor.
Assim sendo, e porque a Ré, na sua apelação, não discute esse alegado vício, a decisão do Tribunal de 1ª instância formou caso julgado formal, quer quanto ao conteúdo da decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos. É, assim, de todo em todo deslocado o retomar da questão pelos AA.
Algo de semelhante se poderá dizer acerca da matéria das conclusões 1ª e 3ª acerca da irregularidade da convocação da assembleia.
Com efeito, o Tribunal de 1ª instância, por entender que a assembleia geral de 22/12/94, fora irregularmente convocada, anulou as deliberações nela tomadas e constantes da acta.
Recorrendo para o Tribunal da Relação, a Sociedade Ré reconheceu o vício em questão, dizendo expressamente o seguinte: "Partindo do princípio aceite de que a deliberação em causa era anulável, a mesma anulabilidade poderá ser sanada através de outra deliberação (...)" - cfr. conclusão 1ª das alegações da apelação, a fls. 92.
Ou seja, pelas razões oportunamente expostas, formou-se caso julgado formal relativamente à decisão - e respectiva fundamentação - referente à existência do vício que afectou as referidas deliberações - que têm que ver com a regularidade da convocatória -, pelo que não há que conhecer agora dessas questões.
Mas há mais: As disposições legais citadas na conclusão 4ª são totalmente irrelevantes para a matéria dos autos, sendo a sua menção injustificada e geradora de desnecessária confusão. Também a conclusão 7ª é absolutamente estranha à temática em questão no caso sub judice.
Por outro lado, as conclusões 6ª e 8ª não oferecem qualquer oposição relativamente à decisão recorrida. Com efeito, é incontrovertido que, não tendo a assembleia geral de 22-12-94 sido regularmente convocada, por não ter sido respeitada a antecedência mínima de quinze dias, as deliberações nela tomadas foram anuladas ao abrigo do artigo 58º, nº 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais, diploma a que respeitam os normativos que se vierem a indicar sem menção da respectiva origem.
O artigo 58º, nº 1, apresenta o elenco das deliberações anuláveis. E fá-lo, como escreve Carlos Olavo, definindo a anulabilidade como sanção genérica dos vícios de que as deliberações dos sócios possam enfermar. Nos termos da alínea a) do nº 1 do referido artigo 58º, as deliberações que violam disposições da lei são anuláveis, salvo se ao caso couber nulidade. Diga-se, a propósito, acompanhando o comentário de Carlos Olavo, que, em bom rigor, as duas restantes alíneas do nº 1 do artigo 58º, seriam inúteis, em face do disposto na alínea a) ( ) Cfr. "Impugnação das Deliberações Sociais", Colectânea de Jurisprudência, Ano XXII, Tomo III, 1982, pág. 24.).
Mas, como é evidente, não reside aqui a sede do dissídio. Melhor: sobre esse ponto inexiste qualquer dissídio.
2 - Dito isto, subsistem as seguintes questões:
a) Será que, nos termos do artigo 62º, só as deliberações nulas por força das alíneas a) e b) do artigo 56º podem ser renovadas?;
b) O Tribunal jamais poderia conceder à Ré o prazo que ela solicitou, uma vez que as deliberações impugnadas não são renováveis?;
c) A renovação das deliberações por iniciativa da Ré é legalmente impossível?
d) Sendo a renovação admissível, não pode a Ré alcançar a sanação da deliberação social relativamente ao período anterior à deliberação renovatória?
IV
1 - Justificar-se-á, antes do mais, fazer uma breve incursão a respeito da figura da "renovação das deliberações sociais" ( ) Acerca da matéria, cfr. Manuel Carneiro da Frada, "Renovação de Deliberações Sociais - O artigo 62º do Cód. das Sociedades Comerciais", in Boletim da Faculdade de Direito de Lisboa, , vol LXI, 1985, págs. 285 e segs. Podem ver-se ainda: Vasco da Gama Lobo Xavier, "O Regime das Deliberações Sociais no projecto do Código das Sociedades", in Temas de Direito Comercial, págs. 8 e segs.; Luís Brito Correia, "Direito Comercial", 3º vil., AAFDL, 1989, págs. 273 e segs.; Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado, "Deliberações dos Sócios - Artigos 53º a 63º", Almedina, Coimbra, 1993, págs. 577 e segs.; Carlos Olavo, loc. cit., págs. 21 e segs.).
Através da renovação, os sócios refazem a deliberação que antes haviam tomado, concluindo sobre o seu objecto uma nova deliberação destinada a absorver o conteúdo daquela e a tomar o seu lugar.
Ensaiando distingui-la de outras figuras afins, Carneiro da Frada procede ao confronto da renovação com a substituição, a revogação e a confirmação.
Em mera, e simplificada, síntese, pode dizer-se que, ao contrário do que pode acontecer com a substituição, a deliberação renovatória deve respeitar o essencial do conteúdo da deliberação renovada.
Quanto à revogação, a aproximação que dela é feita relativamente à renovação resulta do facto de esta envolver necessariamente a sua revogação quando essa deliberação, por não ser nula, for apta à produção dos efeitos jurídicos por ela visados. É justamente o que acontece com a deliberação anulável, pois que, então, essa deliberação surte eficácia desde o início e enquanto não for anulada.
Distinguindo renovação e confirmação, poderá dizer-se, acompanhando o citado Autor, também com subsídios recolhidos no ensino de Rui Alarcão, que, ao passo que, na renovação, uma deliberação se conclui ex novo, como se não tivesse existido negócio anterior, na confirmação, a deliberação inválida anterior é convalidada por força de um acto complementar e integrativo, cuja função é a de operar o convalescimento daquela outra, a qual fica a valer como se tivesse sido celebrada sem defeito. Ou seja, havendo renovação, os efeitos jurídicos passam a imputar-se unicamente à deliberação renovatória. Inversamente, na confirmação, a fonte de efeitos jurídicos é a própria deliberação inválida integrada ou complementada pelo acto confirmativo. Segundo Carneiro da Frada, o nosso sistema jurídico não consente a confirmação de uma deliberação anulável mediante nova deliberação, posto que falta à assembleia geral legitimidade para tomar a deliberação confirmatória. Com efeito, o artigo 288º, nº 2, do Código Civil apenas confere o poder de confirmar um acto inválido a quem tenha legitimidade para arguir a anulabilidade do acto. Ora, no domínio das deliberações sociais, os titulares do direito de anulação daquelas são os sócios, pelo que só eles - e não a assembleia geral - detêm o poder de as confirmar.
2 - Passemos agora á apreciação das questões oportunamente sumariadas, começando pela primeira, consistente em saber se só as deliberações nulas por força das alíneas a) e b) do artigo 56º podem ser renovadas.
2.1. - É manifesta a falta de razão dos Recorrentes.
Basta atentar no disposto no artigo 62º, nº 2. Com efeito, depois de o nº 1 estabelecer que "uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 56º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroactiva, ressalvados os direitos de terceiros, prescreve o nº 2:
A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação relativamente ao período anterior à deliberação renovatória.
Perante a clareza da disposição, não se alcança como podem os Recorrentes continuar a afirmar que "só as deliberações nulas por força das alíneas a) e b) do artº 56º do C.S.C. podem ser renovadas" - cfr. conclusão 5ª.
Será que, além do mais, não se divisa o grau de ilogicidade que representaria uma solução que, concedendo a "sanação" aos actos afectados pelo vício mais grave (a nulidade) a negasse aos actos atingidos pelo menos grave - a mera anulabilidade?
2.2. - Acresce que a lei não concede margem para dúvidas.
Como escreve Carneiro da Frada, a propósito da questão de saber que deliberações podem concretamente ser alvo de uma deliberação renovatória, "a esta questão responde o artigo 62º, dizendo que o objecto da renovação podem ser deliberações nulas por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 56º e deliberações anuláveis" ( ) Cfr. loc. cit., págs. 297 e segs. Como o citado Autor escreve de imediato, a disposição referida exclui das deliberações renováveis as deliberações inexistentes.).
Ponderando acerca do nº 2 do artigo 62º, que estabelece, como vimos a possibilidade de renovação de deliberações anuláveis, escreve ainda o citado Autor que, para que se possa falar de uma renovação regular de deliberação anulável será necessário que a deliberação não enferme do vício da antecedente, sendo também necessário que o seu conteúdo coincida no essencial com o conteúdo da antecedente.
Como se refere no acórdão recorrido, no caso dos presentes autos, a deliberação que se pretendia anular foi, de facto, renovada, "não estando tal renovação, em si mesma, posta em causa pelos recorrentes".
Ou seja, houve uma nova deliberação - expurgada da precedente causa de invalidade que afectara o processo de formação da anterior - a qual, reproduzindo, embora, o conteúdo da antecedente, nem por isso deixou de constituir uma nova deliberação, inteiramente distinta da primeira, definidora de uma ulterior vontade social sobre o mesmo objecto.
Atento o exposto, cumpre concluir que a decisão recorrida não justifica, neste ponto, qualquer reparo. As deliberações anuladas - afectadas nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 58º são passíveis de renovação, nos termos da primeira parte do nº 2 do artigo 62º.
Improcede, pois, a conclusão 5ª.
3 - Passemos então à apreciação da segunda questão acima enumerada.
Sendo as deliberações em causa, como já se disse, renováveis, é manifesto que o Tribunal podia conceder à Ré o prazo razoável por ela solicitado para a sociedade deliberar sobre a renovação da deliberação. É o que flui do nº 3 do referido artigo 62º, do seguinte teor:
O tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para renovar a deliberação.
É absolutamente irrelevante o argumento aduzido nas conclusões 9ª e 10ª (para as quais remete a conclusão 11ª), segundo o qual o Tribunal não poderia deferir o pedido da Sociedade Ré, uma vez que, à data em que esta solicitou o prazo subsistia a invocação do vício da falta de fornecimento dos elementos mínimos de informação. Nessa ordem de ideias, ficaria o Tribunal impedido de usar de uma faculdade que a lei lhe concede, sempre que a Parte alegasse um vício inexistente, que fosse susceptível de produzir como consequência a impossibilidade legal da deliberação renovatória. Susceptibilidade essa que dependeria sempre da sua existência, o que, no caso, não se verificava.
Acresce, porém, que, no caso concreto ora em apreço, tal vício, a existir, seria gerador da causa de anulabilidade da alínea c) do nº 1 do artigo 58º.
Ora, como já se viu, com abundância de detalhes, as deliberações anuláveis são sempre passíveis de renovação nos termos do nº 2 do artigo 62º.
Por esta razão improcede também a 3ª questão acima elencada, segundo a qual a renovação das deliberações em causa será legalmente impossível por iniciativa da Ré - cfr. a conclusão 12ª. O entendimento perfilhado pelos Recorrentes vai ao arrepio do regime legal e atenta contra a racionalidade do sistema.
Improcedem, pois, as conclusões 9ª a 12ª.
3 - Resta-nos a quarta - e última - questão, a justificar algumas considerações complementares de natureza teórica, atenta a complexidade dos problemas nela envolvidos. A sede da questão, tal como formulada supra, reside nas conclusões 13ª a 15ª, das quais se poderá extrair a ideia de que "a Ré recorrida jamais pode conseguir a sanação das deliberações objecto dos autos","relativamente, pelo menos, ao período anterior à deliberação renovatória".
Ter-se-á presente que os AA., ao tomarem conhecimento de que a Ré pretendia renovar a deliberação anulável, requereram, por cautela, que fosse decretada a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 22-12-94, relativamente ao período anterior às eventuais deliberações renovatórias.
Tal pretensão encontra possível fundamento no disposto na segunda parte do nº 2 do artigo 62º. O referido nº 2 integra, efectivamente, duas estatuições distintas, a saber:
a) 1ª parte: "a anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente":
b) 2ª parte: "O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória".

Resulta da primeira parte que a lei confere um efeito sanatório às apontadas deliberações. Quer isto dizer que o legislador concebeu a renovação de deliberações anuláveis como uma verdadeira renovação sanante ( ) É este o entendimento de Carneiro da Frada - cfr. loc. cit, págs. 315 e segs.).
Por sua vez, o disposto no nº 2, 2ª parte, deve entender-se como uma espécie de contradireito ou excepção conferido ao sócio para este, se quiser, se opor à, de princípio, retroactiva sanação da deliberação.
Mas, para que a deliberação renovada seja anulada "relativamente ao período anterior à deliberação renovatória", tem o sócio que fazer prova de um interesse atendível, no sentido de que a anulação evita a ofensa de um direito seu ou a ocorrência de um prejuízo na sua esfera.
Como ensina Carneiro da Frada, a prova desta verdadeira condição da acção não se lhe exigiria se do exercício do direito comum de anulação se tratasse. Aqui, o interesse do demandante, além de não ser condição da acção, é presumido à face apenas da ofensa da lei ou dos estatutos que tornam a deliberação anulável e tal interesse não pode ter-se por excluído pelo simples facto de à ofensa referida não estar ligado um dano ou o perigo de um dano para o sócio ou até para a sociedade ( ) Cfr. loc. cit, págs. 321-322. ).
No Acórdão deste S.T.J. de 14-12-94, o interesse atendível previsto na 2ª parte do nº 2 do artigo 62º não se confunde com o mero interesse processual ou interesse em agir, tratando-se antes do interesse substantivo, traduzido na susceptibilidade de prejuízo causado ao titular do direito de anulação pela eficácia retroactiva da deliberação renovatória ( ) Acórdão publicado no BMJ nº 442, pág. 147.).
Cabe, pois, ao sócio que invoca o "interesse atendível", fazer a prova dos factos constitutivos do mesmo, para efeitos de se obter a anulação da primeira deliberação relativamente ao período anterior à deliberação renovatória. Não há, com efeito, razões para presumir o prejuízo do sócio impugnante com a execução da deliberação e consequente interesse atendível; antes a alegação e a prova desse prejuízo deverão ser feitas pelo sócio que alegar o interesse atendível.
No caso dos autos, os AA. nada alegam a tal respeito, decorrendo do exposto que os mesmos deveriam ter invocado factos susceptíveis de fazerem a prova de tal interesse atendível, condição necessária para poderem obter a anulação intercalar da deliberação.
Não o tendo feito, não poderia proceder a sua pretensão.
Improcedem, pois, as conclusões 13ª a 15ª, ficando prejudicado, e sem qualquer interesse, a conclusão 16ª.
Apenas por subsistirem dúvidas acerca das razões da invocação de um tão elevado número de argumentos desprovidos de qualquer fundamento - a par de outros, justificativos, apesar de tudo, de ponderação e análise -, não vão os Recorrentes condenados por litigância de má-fé.
Termos em que, na improcedência da revista, se confirma o acórdão recorrido.
Custas a cargo dos Recorrentes.
Lisboa, 23 de Março de 1999.
Garcia Marques,
Ferreira Ramos,
Pinto Monteiro.