Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02P2804
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA MADEIRA
Nº do Documento: SJ200210030028045
Data do Acordão: 10/03/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 2245/02
Data: 05/07/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Na 2.ª Vara Mista de Loures responderam os arguidos A, devidamente identificado, acusado da prática de um crime de roubo qualificado previsto nos artigos 210.º, n.º 1, e n.º 2 b), com referência ao artigo 204.º n.º 2 e) e f), do C.Penal, um crime de roubo qualificado previsto no artigo 210.º, n.º 1, e n.º 2, b), com referência ao artigo 204.º n.º 1, f), e n.º 2, f) do C.Penal, sete crimes de furto qualificado previstos nos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, e), do C.Penal e dois crimes de furto simples previsto no artigo 203.º, n.º 1, do C.Penal, B, com os sinais dos autos, acusado da prática de um crime de roubo qualificado previsto no artigo 210.º n.º 1, e n.º 2, b), com referência ao artigo 204.º n.º 2, e) e f) do C.Penal, C, também identificado, acusado da prática de um crime de roubo qualificado previsto no artigo 210.º, n.º 1, e n.º 2, b), com referência ao artigo 204.º n.º 2, e) e f), do C.Penal, e um crime de arma proibida previsto no artigo 275.º n.º 2, do C.Penal, D, devidamente identificado, acusado da prática de um crime de roubo qualificado previsto no artigo 210.º, n.º 1, e n.º 2, b), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, f), e n.º 2, f), do C.Penal e um crime de arma proibida previsto no artigo 275.º, n.º 3, do C.Penal, com referência ao artigo 3.º, n.º 1, f), do DL 207-A/75 de 17/4, E, com os sinais dos autos, acusado da prática de um crime de furto qualificado previsto nos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, e), do C.Penal, F, devidamente identificado, pronunciado pela prática de quatro crimes de furto qualificado previstos nos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, e), do C.Penal, e um crime de furto simples previsto no artigo 203.º, n.º 1, do C.Penal.
A final foi proferida decisão em que, além do mais, foi decidido:
a) absolver o arguido E da prática do crime de furto qualificado que lhe é imputado;
b) absolver o arguido F da prática dos quatro crimes de furto qualificado e do crime de furto simples que lhe são imputados;
c) condenar o arguido A:
- pela prática de um crime de roubo qualificado previsto no artigo 210.º, n.º 2, b), do C.Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- pela prática de cinco crimes de furto qualificado previstos nos artigos 204.º n.º 2, e), do C.Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão por cada um deles;
d) operar o cúmulo jurídico das seis penas ora aplicadas ao arguido A e fixar a pena única em 11 (onze) anos de prisão;
e) condenar o arguido B, pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto no artigo 210.º n.º 2, b), do C.Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
f) condenar o arguido C, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, previsto no artigo 6.º da lei 22/97 de 27/6, na pena de 12 (doze) meses de prisão;
g) condenar o arguido D, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
h) absolver o arguido A da prática do outro crime de roubo qualificado, dos restantes dois crimes de furto qualificado e dois crimes de furto simples que lhe são imputados;
i) absolver o arguido C da prática do crime de roubo qualificado que lhe é imputado;
j) absolver o arguido D da prática do crime de roubo qualificado que lhe é imputado.
Nos termos do artigo 109.º do C.Penal, foram declaradas perdidas a favor do Estado as armas a que se refere a guia de fls. 26 , as armas apreendidas a fls. 519 (nas quais se inclui o sabre japonês) e a pistola adaptada a 6,35mm apreendida ao arguido C.
Inconformados com o assim decidido, recorreram à Relação de Lisboa os arguidos B, A e C, tendo ali sido decidido, além do mais, que ora não importa, julgar parcialmente procedente o recurso do arguido A, reduzindo a medida concreta da pena de 11 anos para 9 anos e 6 meses, fixando as penas parcelares em 6 anos e 6 meses pelo crime de roubo qualificado (art.º 210.º, n.º 2, b), do CP),e por cada um dos cinco crimes de furto qualificado (art.º 204.º, n.º 2, e), do CP), 2 anos de prisão, excepção feita ao praticado em 12.5.00, para o qual foi mantida a pena concreta de 3 anos de prisão fixada na 1.ª instância.
De novo irresignado, recorre agora ao Supremo Tribunal de Justiça o arguido A, que culmina a sua motivação com este teor conclusivo:
1. O documento de fls. 352 a 355, não constitui nenhum auto de diligência externa, conforme pretendem fazer crer os acórdãos proferidos pelo tribunal de 1.ª instância e da Relação de Lisboa;
2. O documento de fls. 352 a 355, constitui, sem qualquer margem para dúvidas, um auto de interrogatório de arguido;
3. O documento de fls. 352 a 355 não foi produzido ou examinado em audiência de julgamento, logo não pode servir para formar a convicção do tribunal, nem no todo nem em parte;
4. O documento de fls. 352 a 355 não pode ser confirmado por prova testemunhal, sob pena de subverter o disposto no artigo 355.º do CPP;
5. O acórdão recorrido viola expressamente o disposto no artigo 355.º do CPP;
6. O acórdão recorrido viola expressamente o disposto no artigo 357.º do CPP;
7. As declarações de arguido cuja leitura não é permitida em audiência de julgamento, não podem ser confirmadas pelos órgãos de polícia criminal;
8. A testemunha G, Inspector da Polícia Judiciária, não pode ser inquirido como testemunha sobre o conteúdo do documento de fls. 352 a 355;
9. Se a Polícia Judiciária optou por relatar uma diligência externa no auto de inquirição do arguido, não pode o acórdão condenatório fundamentar a sua decisão nesse mesmo documento, pois o mesmo enferma de um vício, do qual o arguido não pode ser vítima;
10. Não foram produzidas em audiência de julgamento quaisquer provas aptas a condenar o arguido A na prática de 5 crimes de furto qualificado;
11. O acórdão recorrido apreciou provas que não pode apreciar, constituindo tal apreciação um nulidade, nos termos do artigo 379.º, 1 c), do CPP;
12. O arguido A deverá ser absolvido da prática de 5 crimes de furto qualificado;
13. A medida da pena concretamente aplicada mostra-se excessiva, face à idade do arguido A e à ausência de antecedentes criminais;
14. Não é a "quantidade" que realiza de forma suficiente a finalidade da punição, pois, quanto mais severa for a pena privativa de liberdade, menor será a possibilidade de ressocialização do agente;
15. A pena a aplicar ao arguido, em cúmulo jurídico, nunca deverá ultrapassar os 6 anos e 6 meses de prisão;
16. O acórdão recorrido não fundamenta o cúmulo jurídico operado;
17. O critério utilizado para a escolha das penas parcelares, que determinou uma redução global das penas em 3 anos, não se coaduna com o critério que determinou o cúmulo jurídico, que apenas atribui um redução de 14 meses.
Termina pedindo que sejam consideradas nulas as provas que fundamentaram o acórdão recorrido, no que concerne ao documento de fls. 352 a 355 e o depoimento da testemunha G e, em consequência, ser o arguido A absolvido dos 5 crimes de furto qualificado.
Caso assim se não entenda, sempre o cúmulo jurídico operado pelo acórdão recorrido, carece de qualquer fundamentação, estando em total contradição com a redução operada para as penas parcelares aplicadas e os argumentos apresentados para essa mesma redução, devendo, em consequência, ser aplicada ao arguido, pena de prisão nunca superior a 6 anos e 6 meses de prisão.
Em resposta o MP é pela confirmação do decidido assim resumidos nas conclusões que seguem:
1. Improcede a alegação do recorrente uma vez que nada impede que o Tribunal tenha tido em consideração o auto de diligência externa de fls. 352 a 355, nos termos em que o fez;
2. A pena imposta ao arguido em cúmulo jurídico (9 anos e 6 meses de prisão) por este Tribunal da Relação, afigura-se-nos justa e adequada face à moldura penal abstractamente aplicável aos crimes pelos quais o arguido foi condenado, o grau de culpa e da ilicitude que são elevados, e as exigências de prevenção geral e especial, tendo sido observado o disposto nos artigos 70.º, 71.º e 77.º, todos do CP.
3. Deve pois, negar-se provimento ao recurso e confirmar-se o douto acórdão deste Tribunal da Relação.
Subidos os autos, manifestou-se o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no sentido de nada obstar ao conhecimento do recurso, promovendo se designasse data para julgamento.
São duas essencialmente as questões postas no recurso:
1. A validade das provas que firmaram a convicção do tribunal recorrido, mormente no que respeita ao documento de fls. 352 a 355 e ao depoimento da testemunha G, elemento da PJ perante quem os elementos contidos no aludido documento foram produzidos;
2. A validade do cúmulo jurídico e a medida concreta da pena aplicada.
2. Colhidos os vistos legais, em simultâneo, e realizada a audiência, cumpre decidir.
Vejamos, antes de mais os factos dados por provados pelas instâncias:
No dia 8 de Janeiro de 2000, os arguidos A e B, acompanhados de dois indivíduos de identidade não apurada, planearam entre si assaltar a residência de H e de I, situada na Rua ..., Camarate, com o objectivo de aí retirarem dinheiro ou outros objectos de valor, com o recurso à ameaça e coacção dos respectivos residentes.
Ali chegados, os arguidos e os seus companheiros aproveitaram o facto de a porta da casa ter a fechadura avariada, podendo ser aberta por fora e, sem o consentimento dos residentes, entraram dentro da habitação, onde se encontrava apenas H.
O primeiro a entrar foi o arguido A, que logo agarrou a dona da casa pelo pescoço, perguntando-lhe onde tinha o dinheiro.
De seguida entrou o arguido B e os seus dois companheiros, um dos quais empunhando a arma de fogo e outro uma faca e tendo dois deles agarrado a dona da casa e amarrado as suas mãos com uma corda, impossibilitando-a de resistir.
Enquanto isso, os outros dois revistavam todas as dependências da casa, em busca de dinheiro e de outros objectos de valor, vindo a juntar-se-lhes depois os dois que tinham estado ocupados a amarrar a dona da casa.
Após, os arguidos A e B, acompanhados pelos seus dois companheiros, retiraram-se do local, levando consigo os seguintes valores e objectos, que fizeram seus:
- 50 000$00 em notas do Banco de Portugal;
- um telemóvel de marca e valor não apurados;
- um anel, uma aliança e um par de brincos de ouro amarelo, de valor não apurado.
Os dois mencionados arguidos quiseram agir conforme o descrito e apoderar-se da referida quantia e objectos, sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que o faziam contra a vontade dos respectivos donos e quiseram empregar para o efeito a força física e a ameaça através de arma de fogo e de arma branca, conscientes de que dessa forma conseguiriam os seus intentos.
Sabiam os arguidos que agiam contra a lei.
No dia 13 de Janeiro de 2000 indivíduos de identidade não apurada combinaram entre si entrar na residência de J, situada na Rua ..., Camarate, para, sob ameaça de faca, retirarem do seu interior o que lá encontrassem de valor.
Na sequência deste plano, dirigiram-se à mencionada residência e lograram entrar, forçando a entrada, após terem batido à porta e a dona da casa a ter entreaberto.
Uma vez no seu interior, um dos indivíduos, empunhando uma faca, manietou a dona da casa, mantendo-a imóvel, com a referida faca apontada para si.
Enquanto isso, os restantes intervenientes percorreram a casa em busca de valores.
Após, abandonaram a casa, levando consigo e fazendo-os seus, cerca de 7 000$00 em notas do Banco de Portugal, um televisor, uma aparelhagem e vários objectos de ouro e relógios, de valor não apurado.
No dia 20/04/00 o arguido A resolveu entrar na residência de L, situada no Bairro da ..., Camarate, para de lá retirar os objectos ou valores que encontrasse.
Ali chegado logrou abrir a porta de entrada que estava fechada, rompendo a respectiva fechadura com o auxílio de instrumento não apurado e assim causando estragos de valor também não apurado.
Após, entrou na referida residência e trouxe consigo, fazendo-os seus, os seguintes objectos: um televisor, uma torradeira, um jogo de panelas, um edredon, uma pulseira de ouro, um fio de ouro e um cesto de fruta, de valor não apurado, mas cujo montante global não era inferior a 20 000$00.
O arguido A quis fazer os referidos objectos através da forma descrita, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do respectivo dono e contra a lei.
Em momento não apurado da noite de 20 para 21 de Abril de 2000 indivíduo não de identidade não apurada aproximou-se do veículo de matrícula -AV, marca Renault, modelo 19, pertencente a M, que se encontrava estacionado no Bairro das .... e, de forma não apurada, rompeu o canhão da fechadura das duas portas da frente e retirou do seu interior, fazendo-as suas, 9 cassetes de música no valor de cerca de 2 800$00.
No dia 26/04/00, pelas 15 horas, o arguido A resolveu entrar na residência de S, situada no Bairro da ..., Camarate, para de lá retirar objectos ou valores que encontrasse.
Ali chegado, logrou abrir a porta de entrada que se encontrava fechada, rompendo a respectiva fechadura com o auxílio de instrumento não apurado e assim causando estragos de valor também não apurado.
Após, entrou na referida residência e trouxe consigo, fazendo-os seus, os seguintes objectos: um televisor a cores com o valor de 50 000$00 e várias peças de vestuário de valor não apurado.
O arguido A quis fazer seus os referidos objectos da forma descrita, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do respectivo dono e contra a lei.
No dia 27/04/00, a hora não apurada, o arguido A resolveu entrar na residência de N, situada no Bairro da ...., Camarate, para de lá retirar os objectos ou valores que encontrasse.
Ali chegado, logrou abrir a porta de entrada que se encontrava fechada, rompendo a respectiva fechadura com o auxílio de instrumento não apurado.
Após, entrou na referida residência e trouxe consigo, fazendo-os seus, os seguintes objectos: um televisor, um vídeo, quatro anéis de ouro e dois cordões de ouro, de valor não apurado mas tudo no montante global não inferior a 50 000$00.
O arguido A quis fazer seus os referidos objectos pela forma descrita, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do respectivo dono e contra a lei.
No dia 5/05/00, de manhã, o arguido A resolveu entrar na residência de O, situada no Bairro da ..., Camarate, para de lá retirar os objectos ou valores que encontrasse.
Ali chegado, logrou abrir arrancar a grade de protecção de uma janela com o auxílio de instrumento não apurado, após o que partiu o vidro da mesma janela.
De seguida, entrou na residência através da referida janela, de onde veio a retirar e a trazer consigo, fazendo-os seus, os seguintes objectos: um vídeo, dois televisores e uma aparelhagem de som, de valores não apurados, mas de montante global não inferior a 50 000$00.
O arguido quis fazer seus os referidos objectos da forma descrita, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do respectivo dono e contra a lei.
No dia 12/05/00 o arguido A resolveu entrar na residência de P, situada no Bairro das ..., Camarate, para de lá retirar os objectos e valores que encontrasse.
Ali chegado, rompeu o estore de uma janela, após o que partiu o vidro e abriu a mesma janela.
De seguida, entrou na residência através da referida janela, de onde veio a retirar e a trazer consigo, fazendo-os seus, os seguintes objectos com o valor global de cerca de 1 400 000$00:
- um televisor;
- um vídeo gravador;
- uma aparelhagem de som;
- um centro de mesa;
- um centro de mesa inglês;
- dois edredons;
- dois fios de ouro com medalha;
- uma pulseira de ouro;
- quatro libras de ouro;
- duas pulseiras de ouro;
- duas alianças de ouro;
- dois anéis de ouro com pedras preciosas;
- umas argolas de ouro;
- um par de brincos de criança de ouro;
- um fio de ouro;
- um anel de homem de ouro.
O arguido quis fazer seus os referidos objectos da forma descrita, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do respectivo dono e contra a lei.
No dia 4/12/00 o arguido C tinha, na sala da sua residência situada no Bairro da ...., Camarate, uma pistola de gás lacrimogéneo, adaptada a revolver de 6,35 mm e duas munições de 6,35 mm.
No mesmo dia, o arguido D detinha no hall de entrada da sua residência, situada no Bairro de ..., Camarate, um sabre japonês com cabo vermelho e preto.
Os arguidos C e D quiseram ter em seu poder as referidas armas, conhecendo as suas características e que tal detenção não era permitida por lei.
Os arguidos A e B não têm antecedentes criminais.
O arguido C foi condenado em 1991 por ofensas corporais com dolo de perigo na pena de um ano de prisão suspensa por dois anos e em 1992 por ofensas corporais e introdução em casa alheia na pena de seis anos de prisão.
O arguido D tem o 3º ano do liceu e antes de detido residia com uma companheira e com um filho menor do casal.
Não tem antecedentes criminais recentes.
O arguido C tem a 4ª classe e antes de detido residia sozinho.
Foi condenado em 1992 por roubo na pena de seis anos de prisão e recentemente nesta 2ª Vara Mista por tráfico de estupefacientes na pena de 5 anos e 6 meses, que cumpre actualmente.
O arguido A tem a 4ª classe, é servente na construção civil e reside com uma companheira e quatro filhos menores.
Foi condenado em 1998 e em 2000 por condução sem carta, em penas de multa.
Não se provou:
- que no dia 8 de Janeiro de 2000 os arguidos A e B se fizeram acompanhar por um indivíduo conhecido por "..." (de nome Q);
- que nesse dia 8 de Janeiro de 2000 o arguido C planeou com os arguidos A e B assaltar a residência de H e I e que todos visavam aí retirar droga;
- que a ideia do referido assalto partiu dos arguidos A, C e do ..., que conheciam as pessoas em questão e os seus hábitos;
- que na execução do referido plano, todos, cerca das 19 horas, se fizeram transportar para junto da mencionada residência no veículo do arguido C, de marca Renault 9, cor azul, conduzido por este;
- que o arguido B rompeu a fechadura da porta de entrada da residência;
- que o arguido C permaneceu à porta, por forma a mais facilmente controlar o local e possibilitar a fuga;
- que foram o arguido A e o .. quem amarrou as mãos da dona da casa;
- que os arguidos A e B e os seus companheiros retiraram dessa casa um rádio leitor de cassetes de marca "Internacional";
- que ao abandonarem o local, os arguidos se fizeram transportar de novo no veículo do arguido C;
- que foram os arguidos A e D quem, acompanhados de outros indivíduos, planearam assaltar a casa de J por sugestão do arguido D, por este ter conhecimento que o companheiro desta traficava estupefacientes, o que fizeram, aí entrando contra a vontade da dona da casa e tendo o arguido A imobilizado a mesma com a ameaça de uma faca, após o que se retiraram com dinheiro e objectos que daí retiraram e fizeram seus;
- que, para além de dinheiro e de objectos de valor, os indivíduos que assaltaram a casa de J procuravam também produto estupefaciente;
- que no dia 9 de Março de 2000, entre as 16 horas e as 19 horas, o arguido A se aproximou da residência de R, situada no Bairro da ..., em Camarate e que, com o auxílio de um "pé de cabra", logrou romper a fechadura da porta de entrada e assim abri-la;
- que, após, entrou na referida residência de R e trouxe consigo, fazendo-o seu, um televisor a cores com o valor de 50 000$00;
- que o objecto utilizado no rompimento da fechadura na porta da casa de L foi um "pé de cabra";
- que o arguido F acordou com o arguido A casa de L e que o acompanhou no rompimento da fechadura da porta, na entrada na casa e na subtracção dos objectos de dentro dessa casa;
- que foi o arguido A quem rompeu o canhão da fechadura das portas do veículo Renault de matrícula AV e daí retirou as cassetes no valor de 2 800$00;
- que o objecto utilizado no rompimento da fechadura na porta da casa de S foi um "pé de cabra" e que o valor dos estragos causado nesse rompimento foi de 10 000$00;
- que o valor das peças de vestuário retiradas da casa de S foi de 15 000$00;
- que o arguido F combinou com o arguido A assaltar a casa de N e que o acompanhou no rompimento da fechadura da porta dessa residência, na entrada dentro da casa e na subtracção dos objectos de dentro dessa casa;
- que o objecto utilizado no arrancamento da grade da janela da residência de O foi um "pé de cabra";
- que o vídeo, os dois televisores e a aparelhagem retirados da casa de O tinham os valores respectivos de 40 000$00, de 120 000$00 e de 70 000$00;
- que o arguido F acordou com o arguido A assaltar a casa de N e que o acompanhou no arrancamento da grade da janela, na entrada dentro da casa e na subtracção dos objectos de dentro dessa casa;
- que os valores parcelares dos objectos retirados de casa e P eram nos valores respectivos de 189 000$00, 65 000$00, 60 000$00, 40 000$00, 20 000$00, 240 000$00, 180 000$00, 100 000$00, 50 000$00, 25 000$00, 150 000$00, 50 000$00, 40 000$00, 65 000$00, 80 000$00 e 130 000$00;
- que no dia 21/05/00, pelas 18.50 horas os arguidos A combinaram entre si assaltar o veículo de marca Fiat Punto, de cor cinzenta e de matrícula GE, pertencente a T, que se encontrava estacionado no Bairro da Torre, junto à sede recreativa;
- que na execução desse plano, forçaram a fechadura da porta do condutor, causando estragos no valor de 45 000$00 e assim logrando abri-la;
- que após retiraram e trouxeram consigo, fazendo-os seus, os seguintes objectos: um auto-rádio no valor de 40 000$00, pertencente a T, um telemóvel no valor de 39 000$00, um kit de mãos livres no valor de 4 000$00, um martelo eléctrico no valor de 40 000$00, uma mala com uma máquina de cortar azulejos no valor de 25 000$00, pertencentes a ..;
- que no dia 1 de Junho de 2000, entre as 7 horas e as 18 horas, os arguidos A e E, acompanhados do menor U, acordaram entre si entrar na casa de V, situada no Bairro da ...., Camarate, para se apoderarem de objectos e valores que lá encontrassem;
- que ali chegados, com a ajuda de um pé de cabra, romperam a cerca do quintal e introduziram-se no mesmo, dirigindo-se de seguida para a porta de entrada, que se encontrava fechada e que abriram, novamente com a ajuda do pé de cabra, assim entrando na residência;
- que após retiraram do seu interior, fazendo-os seus, os seguintes objectos: um televisor no valor de 42 000$00, um televisor no valor de 37 000$00, uma aparelhagem rádio, gravador e CD no valor de 55 000$00, um vídeo no valor de 38 000$00, um telemóvel no valor de 10 000$00, três auto-rádios no valor de 40 000$00, diversas peças de vestuário feminino no valor de 150 000$00, diversas peças de roupa feminina no valor de 20 000$00, uma carteira e diversos documentos do dono da casa e da sua companheira;
- que o arguido C já foi ameaçado de morte por diversas vezes por indivíduos de etnia cigana, já tendo sido baleado duas vezes à porta de sua casa e solicitado por diversas vezes protecção à PSP de Sacavém sem sucesso;
- que arma foi adquirida pelo arguido Júlio apenas para sua defesa pessoal e da família;
- que a arma se encontrava guardada, pois o arguido estava convicto do seu fabrico artesanal e do seu mau funcionamento, nunca tendo sido sua intenção utilizá-la.
Convicção do Tribunal:
«Quanto ao arguido A (que optou por não prestar declarações) e relativamente aos factos respeitantes à residência de H e I, o Tribunal atendeu, para além do reconhecimento feito pela referida H a fls. 298, ao depoimento da mesma H, que descreveu os factos de forma convincente, tendo reconhecido o arguido em audiência como sendo um dos indivíduos que invadiu a sua casa e tendo especificado quais os objectos que lhe foram retirados.
Relativamente aos factos respeitantes às residências de L, S, M, N e V, atendeu-se aos depoimentos dos mesmos, que, não tendo assistido aos factos e desconhecendo a identidade do responsável, descreveram a forma como foi forçada a entrada nas suas respectivas casas e quais os objectos subtraídos e atendeu-se também à diligência externa de fls. 352 a 355 feita no âmbito da investigação destes autos (na parte que descreve a deslocação dos agentes da PJ aos locais assaltados, conduzida pelo arguido A), confirmada pelo depoimento da testemunha da PJ G, que explicou como nem sequer sabiam quais eram as casas assaltadas, antes de o arguido A os levar lá.
Já os factos respeitantes às residências de R e de V e ao veículo de T não resultaram provados, pois estes não compareceram em julgamento para prestar depoimento, não havendo sequer prova de que as respectivas casa e veículo foram assaltadas.
Da mesma forma não resultou provada a autoria dos factos relativos à residência de J e ao veículo de M pois, no primeiro caso, a queixosa não logrou identificar o arguido como um dos assaltantes e, no segundo caso, revelou-se insuficiente a diligência externa de fls. 352 a 355, uma vez que na mesma não chega a ser identificado o veículo em causa.
Finalmente, teve-se em consideração o CRC de fls. 737.»
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O documento de fls. 352 a 355 que as instâncias baptizaram de "auto de diligência externa", é, afinal, como resulta da respectiva leitura, um auto formalmente intitulado de interrogatório de arguido elaborado na Polícia Judiciária, onde se indica o local da diligência (DCCB), a data da em que a mesma diligência teve lugar, (13/9/2000), a entidade que a ela presidiu (Subinspector ...), o funcionário que a executou (G, agente), o defensor nomeado (prescindido), a advertência de que «a falta ou falsidade de resposta sobre a sua identidade e sobre os seus antecedentes criminais o faz incorrer em responsabilidade penal», a comunicação e explicação dos respectivos direitos e deveres «nos termos do art.º 61.º do Código de Processo Penal, pelo que lhe foi entregue documento de constituição de arguido, de como recebeu, já se encontra constituído arguido a fls. 38 dos autos», enfim, a identificação do arguido a que se segue o texto encimado por esta expressão: "Perguntado se queria responder sobre os factos que lhe são imputados, respondeu:"
Seguindo-se imediatamente este texto:
«Hoje, pelas 07H00 da manhã, com o arguido A, no sentido de proceder a diligências de reconhecimento das residências e veículos por si e outros seus co-autores assaltados, deslocámo-nos ao Bairro da ..., Bairro das ...., tendo as diligências sido cumpridas. Assim, no Bairro da ..., o A indicou a barraca n.º 149 propriedade de S, como tendo sido por si assaltada na companhia do .. (F), sendo que reconhece por S. Entraram no interior da Barraca através do arrombamento da porta com utilização de um pé de cabra, após o que subtraíram um televisor de marca Sony o qual veio posteriormente a ser vendido pela quantia de 15.0000$00, a uma cigana cujo nome, morada e paradeiro desconhece. Na altura não se encontrava ninguém no interior da barraca, situação que era do seu conhecimento. Para além do televisor, não furtou quaisquer outros artigos. Dos 15.0000$00, metade deu-os ao F.
Indicou a barraca 110 propriedade de N, como tendo sido por si assaltada na companhia do ... (F). Para entrarem na referida barraca, arrombaram a porta com um pé de cabra e do seu interior subtraíram um televisor e um vídeo de marca que não se recorda tendo de seguida vendido o referido material a um receptador conhecido como ..., residente no Bairro da ..., pela quantia de 25.000$00. Desta quantia, metade foi dada ao ... Na altura do assalto não se encontrava ninguém no interior da barraca, situação que era do seu conhecimento. Para além do televisor e do vídeo não furtou quaisquer outros artigos.
Indicou a barraca n.º 170-A, propriedade de O...»
E com o mesmo teor prossegue o auto com referência às barracas n.ºs 39-B, propriedade de V, 53, propriedade de R, 45, propriedade de L.
Prossegue ainda com a indicação do local onde diz ter assaltado o Fiat Uno de cor cinzento, e, já no Bairro das ..., o local onde disse que assaltou a viatura Renault 19 de cor vermelha, indicando o lote n.º 19 como sendo assaltado por si na companhia do X e o lote n.º 162 -1.º andar letra B, como tendo sido assaltado por si na companhia do E.
Termina o auto desta forma:
"E mais não disse. Lido o presente auto o achou conforme, ratifica e vai assinar".
(segue-se a assinatura do arguido do da entidade que presidiu e do funcionário).
Como se viu, o ora recorrente optou por não prestar declarações em audiência, como era, aliás, seu direito -art.º 343.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
E para fundarem a respectiva convicção quanto aos factos provados, as instâncias, mormente a Relação e Lisboa, a quo, alinhou, como se viu, a seguinte fundamentação:
«Quanto ao arguido A (que optou por não prestar declarações) e relativamente aos factos respeitantes à residência de H e I, o Tribunal atendeu, para além do reconhecimento feito pela referida H a fls. 298, ao depoimento da mesma H, que descreveu os factos de forma convincente, tendo reconhecido o arguido em audiência como sendo um dos indivíduos que invadiu a sua casa e tendo especificado quais os objectos que lhe foram retirados.
Relativamente aos factos respeitantes às residências de L, S, N, O e P, atendeu-se aos depoimentos dos mesmos, que, não tendo assistido aos factos e desconhecendo a identidade do responsável, descreveram a forma como foi forçada a entrada nas suas respectivas casas e quais os objectos subtraídos e atendeu-se também à diligência externa de fls. 352 a 355 feita no âmbito da investigação destes autos (na parte que descreve a deslocação dos agentes da PJ aos locais assaltados, conduzida pelo arguido A), confirmada pelo depoimento da testemunha da PJG, que explicou como nem sequer sabiam quais eram as casas assaltadas, antes de o arguido A os levar lá.»
Confrontada com a alegação de ilegalidade da leitura do auto em julgamento e com a do correspondente depoimento do agente da PJ, G, a Relação de Lisboa, disserta nestes termos:
"Face à fundamentação da formação da convicção do tribunal, tal como consta do acórdão recorrido, é evidente que o auto de diligência externo de fls. 350 e 351 apenas foi valorado "na parte que descreve a deslocação dos agentes da PJ aos locais assaltados, conduzida pelo A" (cfr. transcrição da fundamentação do acórdão recorrido).
A que acresce que este elemento de prova foi tido em consideração ao ter sido confirmado em julgamento pelo depoimento da testemunha G, agente da Polícia Judiciária.
Não se pode pois, como pretende o recorrente, considerar este depoimento indirecto, uma vez que o mesmo se reporta a factos que chegam ao conhecimento do agente da Polícia Judiciária de forma directa e que de imediato foram relatados no auto de diligência externa.
Dispõe o n.º 1 do artigo 129.º do CPP e cita-se:
.............................................
O que é vedado pelo n.º 7 do artigo 356.º é que os "os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas sobre o conteúdo daquelas"
O que não é o caso dos autos. Como se disse na fundamentação do acórdão recorrido, os factos a que o tribunal "a quo" deu relevância foram aqueles que o depoimento do agente da Polícia Judiciária teve conhecimento directo, no decurso de diligências de investigação e de recolha de prova que efectuou, ou seja, na execução das tarefas que lhe estão acometidas.
Assim, ao contrário do que pretende realçar o recorrente, o pretenso depoimento indirecto traduziu-se numa conversa informal havida no âmbito da investigação, que nada tem a ver com a tomada de declarações a que se refere o artigo 356.º do CPP. Desta forma é válido o relato da conversa.
Aliás, a investigação que deu origem aos presentes autos não se limitou a ouvir o que disse o arguido. A testemunha acompanhou o arguido aos locais e ficou a saber quais as residências que haviam sido alvo de furtos, bem como o local onde se encontrava o "Fiat Punto".
Assim sendo, nada há que impeça que o tribunal tenha tido em consideração o auto de diligência externo nos termos em o fez, não procedendo, pois, a pretensão do arguido (...)".
Salvo o devido respeito, não tem este Supremo Tribunal como boa esta visão das coisas.
Como se viu do já exposto, não é claro que o auto de diligência em causa seja uma inócua (sob o aspecto que ora nos importa), reportagem de "diligência externa" em vez de um inequívoco auto de declarações de arguido.
Por um lado, porque, como dele se apreende, e já ficou expresso supra, tal auto foi apelidado pelos próprios investigadores que a ele procederam e o fizeram incorporar no processo, depois de assinado pelo recorrente, como auto de declarações de arguido.
Depois, porque, mesmo que não valesse este aspecto meramente formal, o certo é que, em consonância com a designação, foram seguidos todos os trâmites legais correspondentes a um auto de declarações de arguido, nomeadamente, a nomeação (prescindida) de defensor, a advertência e informação legal sobre os direitos que ao confitente assistiam, etc.
Finalmente - the last but not the least -o conteúdo do auto é, na sua essência, um auto de declarações de arguido, mais precisamente, um acto confessório do ora recorrente, no qual ele dá indicação das barracas e locais alegadamente assaltados, das pessoas que o acompanharam, do modo como actuaram.
E tal foi a relevância que assumiu essa confissão, que sem ela, os investigadores nada sabiam, como, de resto, expressamente é mencionado na fundamentação da convicção do tribunal de 1.ª instância ao referir-se que «a testemunha da PJ G, que explicou como nem sequer sabiam quais eram as casas assaltadas, antes de o arguido A os levar lá».
E que o tribunal da Relação a quo, embora pretendendo demonstrar o contrário (?), acaba por confirmar ao transcrever parte do depoimento da referida testemunha, nomeadamente, a fls. 1405:
«M.P.: Mas diga-me uma coisa, o Senhor a todas as residências que constam deste documento que está no processo, os Senhores já conheciam as residências, antes de lá irem com o A?
TESTEMUNHA [G]: Não, antes de lá irem, não Senhor!
M.P: Foi ele que vos levou lá?
TESTEMUNHA: Foi, sim Senhor!»
A circunstância de a confissão de factos ter alegadamente ocorrido durante uma deslocação externa do arguido, nomeadamente, aos pretensos locais do crime, em nada altera a natureza dessas declarações.
E tanto assim é que, não fora a confissão -expressa ou tácita tanto faz - que o ora recorrente fez perante os investigadores, nomeadamente quanto aos pretensos locais dos assaltos, e até ao seu número, e do auto em causa nada de útil teria resultado que não uma inócua referência à deslocação do arguido e daqueles aos dois apontados Bairros da ... já que, confessadamente, os agentes nem sequer sabiam quantas e quais as casas assaltadas antes de o arguido os levar lá.
Aliás, a não ser assim, teríamos encontrado o meio perfeito de defraudar a lei, nomeadamente no que respeita à obrigatoriedade de redução a auto das declarações do arguido, com todas as consequências que isso importa, pois bastava que ao auto se desse um nome distinto, ainda que de conteúdo ou substância equivalente a um simples auto de declarações.
Por isso mesmo houve o cuidado - aqui de aplaudir - por banda do órgão de polícia criminal em causa, de reduzir a auto as referidas declarações de arguido, ante a consciência exacta do seu conteúdo.
Só prosaicas razões de pragmatismo explicarão que, a partir de certo momento, alguém se tenha lembrado de o despromover a mero «auto de diligência externa», que não é, nem na forma nem, essencialmente, no conteúdo.
Nem vale a pena argumentar, como o faz a Relação a quo, com uma pretensa «conversa informal».
Por um lado, porque não se trata de «conversa informal» alguma. O que foi valorado foi um auto de declarações prestadas perante o órgão de polícia criminal e convenientemente formalizado.
Por outro, porque as ditas «conversas informais», mormente de arguido, não podem ser valorizadas em sede probatória.
Neste concreto ponto limitar-nos-emos a invocar o decidido no aprofundado acórdão deste Supremo, datado de 11 de Julho de 2001 Publicado na Colectânea de Jurisprudência STJ Ano IX, Tomo III, págs. 166 e segs., com cuja essência concordamos, e onde a dado passo se afirma que "...não podem ser tidas em conta conversas informais do arguido com agentes da PJ. Tais conversas informais, a propósito dos factos em averiguação, estão sujeitas ao princípio da legalidade, ínsito no artigo 2.º do CPPenal, proveniente do artigo 29.º da CRP (nulla poena sine judicio), só em processo penal podendo ser aplicada uma pena ou medida de segurança. O processo organizado na dependência do MP, tem de obedecer aos ditames dos artigos 262.º e 267.º Por isso, as ditas "conversas informais" só podem ter valor probatório se transpostas para o processo em forma de auto e com respeito pelas regras legais de recolha de prova."
Aliás, "não há conversas informais, com validade probatória à margem do processo, sejam quais forem as formas que assumam desde que não tenham assumido os procedimentos de recolha admitidos por lei e por ela sancionados...(as diligências são reduzidas a auto -artigo 275.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
Haveria fraude à lei se se permitisse o uso de conversas informais não documentadas e fora de qualquer controlo. Claro que, as «conversas informais», uma vez transpostas para o processo, deixarão de ser...informais".
Pois bem. Aqui chegados já se vê que neste ponto -valoração da leitura em audiência do auto de fls. 352 a 355 e correspondente depoimento da testemunha G - a pretensão do recorrente logra provimento.
Com efeito, ressalvados os autos cuja leitura é permitida, não valem em julgamento, nomeadamente para formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência -art.º 355.º, n.ºs 1 e 2, do CPP.
Recusando-se o arguido a prestar declarações em audiência, tal como a lei lho permite -artigo 343.º, n.º 1, já citado, do mesmo diploma -e não se verificando as demais hipóteses do artigo 356.º, mormente as do seu n.º s 3 e 4, e 357.º, a leitura dos autos que contenham declarações do arguido é proibida -n.º 1 b), do mesmo artigo.
Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiveram participado na sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas -n.º 7 do mesmo artigo.
Ora, a ser assim, como é, resulta claro que o conteúdo do auto de declarações do arguido que nos vimos referindo não poderia ter sido valorado. Assim como não podia ter sido valorado o depoimento do agente G em tudo o que respeita às mesmas declarações, o que, como resulta do auto, faz concluir que, grosso modo, aquele agente só poderia validamente ter deposto sobre o facto da deslocação do arguido aos aludidos bairros mas não já sobre o que ele ali disse e confessou.
Há, pois, que distinguir a mera reconstituição dos factos - cuja legitimidade processual e valor probatório não se põem, obviamente, em causa -das declarações do arguido, estas sempre sujeitas ao falado regime específico de valoração previsto no Código de Processo Penal, ainda que produzidas a pretexto e (ou) em simultâneo com aquela «diligência externa».
Deste modo, assentando a convicção das instâncias, que conforme vem expresso, «relativamente aos factos respeitantes às residências de L, S, N, O e P, atendeu-se aos depoimentos dos mesmos, que, não tendo assistido aos factos e desconhecendo a identidade do responsável, descreveram a forma como foi forçada a entrada nas suas respectivas casas e quais os objectos subtraídos e atendeu-se também à diligência externa de fls. 352 a 355 feita no âmbito da investigação destes autos (na parte que descreve a deslocação dos agentes da PJ aos locais assaltados, conduzida pelo arguido A), confirmada pelo depoimento da testemunha da PJG, que explicou como nem sequer sabiam quais eram as casas assaltadas, antes de o arguido A os levar lá», é óbvio que, tirando o auto incorrectamente apelidado de «diligência externa» e o depoimento da testemunha G, ambos indevidamente valorados, restam apenas os ofendidos, que, como ali também se diz, desconheciam a identidade do responsável.
Portanto, pode dizer-se que nada resta para fundar a convicção do tribunal a quo no tocante àquela matéria de facto, pelo que outra saída não resta que ter os factos respectivos como não fundamentados, o mesmo é dizer que não podiam senão ser dados como não provados.
E tal como se escreveu no aresto deste Supremo supra citado, «se o resultado a que se chegou pode dizer-se de algum modo em contrapé com o interesse público na perseguição dos criminosos, da segurança dos cidadãos e das garantias que devem provir de um Estado de direito, bem como da confiança das instituições, não é menos verdade que cabe aos tribunais agir com total independência na interpretação da lei no caso concreto, sendo que o fim do processo, como tem sido sublinhado com insistência, não é apenas o da descoberta da verdade a todo o transe, mas a descoberta usando regras processualmente admissíveis e legítimas».
Ou seja, acrescentamos nós: se é este o resultado a que se chega interpretando a lei que temos, não seria decerto o mesmo se reportada a questão à lei que haveríamos de ter.

Não assim, porém, «relativamente aos factos respeitantes à residência de H e I», onde o tribunal atendeu, «para além do reconhecimento feito pela referida H a fls. 298, ao depoimento da mesma H, que descreveu os factos de forma convincente, tendo reconhecido o arguido em audiência como sendo um dos indivíduos que invadiu a sua casa e tendo especificado quais os objectos que lhe foram retirados.»
É que, no que a este ponto diz respeito, a prova assentou no depoimento desta testemunha, objecto de livre apreciação pelo tribunal a quo, no caso sem possibilidade de censura pelo Supremo Tribunal de Justiça, que, como é sabido, não estende em regra a sua competência a meras questões de facto. De resto, as questões de direito suscitadas pelo recorrente à volta deste depoimento foram objecto de conhecimento por banda da Relação e não foram trazidas às conclusões do recurso para o Supremo, delimitativas do seu objecto.
Daí que, quanto a este particular ponto, não se revele fundada a pretensão do recorrente.
Deste jeito, há que excluir do âmbito da condenação os factos respeitantes às residências de L,S, N, O e P.
E que manter o decidido no que tange à prática de um crime de roubo qualificado previsto no artigo 210.º n.º 2 b) do C. Penal - residência de H e I.
O que significa que o recurso logra provimento na parte em reclama a absolvição pelos cinco crimes de furto qualificado.
E que, deixando de pé apenas o crime de roubo, implica o desfazer do cúmulo jurídico efectuado na Relação a quo, prejudica as demais questões suscitadas pelo recorrente, que só de forma indirecta, aliás, ataca a medida concreta da pena aplicada ao crime de roubo - 6 anos e 6 meses de prisão -quando é certo que tal pena se mostra ajustada aos factos.
E não competindo ao Supremo Tribunal em recurso refinar decisões das instâncias, igualmente não lhe cabe decidir sobre a medida concreta das penas aplicadas se tal aplicação obedece aos critérios legais, e não se mostram desproporcionadas, como é o caso.
3. Termos em que, dando provimento parcial ao recurso do arguido A, absolvem-no da prática dos falados cinco crimes de furto qualificado por que vem condenado.
Mas negando-o no mais, confirmam a condenação pelo crime de roubo qualificado, na pena de seis anos e seis meses de prisão.
O recorrente pelo decaimento parcial, pagará taxa de justiça que se fixa em 5 Uc.

Supremo Tribunal de Justiça, 3 de Outubro 2002.
Pereira Madeira (relator)
Simas Santos
Abranches Martins
Oliveira Guimarães