Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1432/05.3TTPRT.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: NOTIFICAÇÃO POSTAL
PRESUNÇÃO DA NOTIFICAÇÃO
JUSTO IMPEDIMENTO
Data do Acordão: 01/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário : 1. A notificação postal às partes que constituíram mandatário, feita nos termos do n.º 1 do art. 254.º do C.P.C., presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.

2. Visando evitar que se considere feita a notificação, nos termos da previsão anterior, o único mecanismo legal é o previsto no n.º 6 da referida norma, que permite ilidir a presunção estabelecida possibilitando ao notificado a prova de que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.

3. O justo impedimento pressupõe um circunstancialismo de facto diverso, que se consubstancia na ocorrência de um evento que, não sendo imputável à parte, obsta à prática do acto.
Decisão Texto Integral:

     Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:   

                                                        I –

1.

Nos presentes Autos emergentes de contrato individual de trabalho em que são partes AA e ‘BB, S.A.’, o recurso de Revista por esta interposto do Acórdão oportunamente prolatado foi julgado deserto por falta de alegação – despacho de fls. 634.

Foi pedida a Conferência para que sobre a matéria do despacho recaísse um Acórdão, nos termos do n.º 3 do art. 700.º do C.P.C., tendo o mesmo sido proferido em 26.10.2009, com decisão que confirmou o despacho singular no sentido de julgar deserto o recurso de revista.

Inconformada, a R. agravou para o S.T.J., que, pelo Acórdão de 14.7.2010, decidiu revogar o Acórdão da Relação acima referido e determinar o prosseguimento do incidente, suscitado pela agravante a fls. 644/ss., com a produção da prova testemunhal ali oferecida.

Cumprido, na Relação, o antes determinado, proferiu-se novo Acórdão em que se decidiu, conforme dispositivo a fls. 795, julgar deserto o recurso de revista, por falta de alegação, assim confirmando o despacho do Relator.

2.

Não se conformando com o assim ajuizado, a R. interpôs recurso de agravo em 2.ª Instância, rematando a respectiva motivação com este quadro conclusivo:

A). O presente recurso tem por objecto o, aliás douto, Acórdão que, confirmando o despacho do Exmo. Juiz Desembargador Relator, julgou deserto, por falta de alegação, o recurso de revista interposto pela ora Recorrente.

B). Salvo o devido respeito, que é muito, não pode a Recorrente conformar-se com tal entendimento porquanto, até à presente data, não foi notificada do despacho de admissão do recurso.

C). Resulta provado nos autos que, para notificação do despacho de admissão do recurso de revista por si interposto, foi remetida carta dirigida ao Mandatário da Recorrente, sob o registo n.º RJ435710528PT, de 25 de Junho e que do print do site dos CTT consta que o registo n.º RJ435710528PT foi aceite em 2009-06-25, pelas 16h18, no Palácio da Justiça do Porto e que foi entregue no dia 2009-06-26, pelas 10h30, em Lisboa (alíneas a), b) e q) dos factos provados).

D). Por outro lado, resulta igualmente provado que no escritório do Mandatário da R. e ora Recorrente era preenchida diariamente um ficha com a relação dos registos postais recebidos e que o registo n.º RJ435710528PT não consta como tendo sido recebido na relação de registos atinente ao dia 26 de Junho de 2009 (alíneas d) e e) dos factos provados).

F). Ora, contrariamente ao entendimento vertido no Acórdão recorrido, atento o factualismo provado, em conjugação com as regras de experiência comum, impunha-se que fosse considerada ilidida a presunção consagrada no n.º 3 do art. 254.º do Cód. Proc. Civil.

G). Com efeito, provada que está a existência de um registo diário efectuado no escritório do Mandatário da Recorrente, onde constam os registos que ali são recepcionados diariamente, e provado que na relação referente ao dia 26 de Junho de 2009, não consta o registo RJ435710528PT, que corresponderia à notificação do despacho de admissão do recurso…

H). E, por outro lado, atentas as regras da experiência comum, que nos dizem que são recorrentes os casos de correspondência extraviada e que, ainda assim, consta dos registos dos CTT como tendo sido entregue…

I). Ter-se-á de concluir que tal registo não foi, efectivamente, recepcionado no escritório do Mandatário da Recorrente, estando afastada a presunção legal consignada no n.º 3 do art. 254.º do Cód. Proc. Civil.

J). Tal como, aliás, referido pelas testemunhas que, de forma clara e inequívoca, referiram que, não constando da relação diária efectuada, é porque tal registo não foi recebido no escritório do Mandatário da Recorrente.

L). A decisão de que ora se recorre representa a consagração da supremacia da forma, com base em pressupostos falíveis, sobre a verdade material, o que jamais pode acontecer.

M). No caso em apreço, a Recorrente não foi notificada do despacho de admissão do recurso, vendo-se, assim, impedida de apresentar as suas alegações.

N). Estamos, portanto, perante um caso de nulidade processual, prevista no art. 201.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, uma vez que inexistência de notificação influi no exame ou decisão da causa.

O). Enquadrando-se, ainda, o descrito circunstancialismo na previsão normativa do art. 146.º do Cód. Proc. Civil, constituindo, portanto, um verdadeiro justo impedimento para a prática do acto.

P). Em face do que antecede, deverá considerar-se afastada a presunção prevista no n.º 3 do art. 254.º do Cód. Proc. Civil e, consequentemente, ser ordenada a notificação à Recorrente do despacho que admitiu o recurso de revista por si interposto, a fim de que a mesma possa apresentar as suas alegações.

Q). Caso assim se não entenda, estaremos perante uma efectiva denegação do direito de acesso aos tribunais, consignado no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

R). Na medida em que, com base numa presunção ilidível, e não tendo em consideração os factos provados e a sua conjugação com as regras de experiência comum, que permitem afastar essa mesma presunção, se poria em causa o direito da Recorrente a uma tutela judicial efectiva.

S). O direito da Recorrente a que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie a questão de fundo nos presentes autos não pode sucumbir no confronto com uma mera presunção que, como se disse e demonstrou, foi devidamente ilidida.

T). Resultando da matéria de facto provada, em conjugação com as regras de experiência comum, que no caso em apreço a Recorrente não foi notificada do despacho de admissão do recurso, a manter-se a decisão recorrida estar-se-ia perante a violação do direito consagrado no art. 20.º da CRP, inconstitucionalidade que aqui se deixa arguida para todos os efeitos legais.

Termina clamando pelo provimento ao presente recurso, com revogação do Acórdão recorrido e, consequentemente, que seja ordenada a notificação à Recorrente do despacho que admitiu o recurso de revista, por si interposto, a fim de que a mesma possa apresentar as suas alegações.

Sem reacção da parte contrária, subiram os Autos a este Supremo Tribunal, tendo o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitido proficiente Parecer em que propende no sentido da improcedência do recurso, posição que, notificada aos litigantes, não suscitou resposta.

Colheram-se os vistos legais, cumprindo ora decidir.

                                             __

                                             II –

A –

Ficou estabelecida, relativamente à instrução do incidente deduzido pela R./recorrente ‘BB Ld.ª’, a seguinte factualidade:

a) - O recurso de revista foi admitido por despacho do Relator de fls. 631;

b) - Para notificação dele à R. foi remetida carta dirigida ao Sr. Dr. CC, seu ilustre mandatário, sob o registo n.º RJ35710528PT, de 25 de Junho – cfr. fls. 632;

c) - O que também sucedeu com o A. – cfr. fls. 633;

d) - No escritório do Sr. Dr. CC é preenchida diariamente uma ficha com a relação dos registos recebidos;

e) - O registo n.º RJ435710528PT não consta como tendo sido recebido na relação de registos atinente ao dia 26 de Junho de 2009 – cfr. fls. 651;

f) – A ficha referida em d) é constituída por uma folha solta, dividida em três colunas, encimadas pelas seguintes designações: n.º de registo; data e assinatura da Funcionária – cfr. fls. 651 a 657;

g) – Do print do site dos CTT consta que o registo n.º RJ435710528PT foi aceite em 2009-06-25, pelas 16:18 horas, no Palácio da Justiça do Porto e que foi entregue no dia 2009-6-26, pelas 10:30 horas, em Lisboa – cfr. fls. 672.

Facto não provado:

h) – O registo n.º RJ435710528PT não foi recepcionado no escritório do Sr. Dr. CC.

                                             __

B –

A recorrente persiste no entendimento de que não foi notificada do despacho que admitiu o recurso de revista por si interposto, vendo-se assim impedida de apresentar as respectivas alegações.

Insurge-se contra o que considera ser a consagração da supremacia da forma sobre a verdade material, com base em pressupostos falíveis, circunstancialismo que constitui um verdadeiro justo impedimento para a prática do acto, devendo haver-se como afastada a presunção prevista no n.º 3 do art. 254.º do C.P.C.

Em suma: resulta da matéria de facto provada, em conjugação com as regras da experiência comum, que a recorrente não foi notificada do despacho de admissão do recurso, pelo que, a manter-se a decisão recorrida, estar-se-á a violar o direito consagrado no art. 20.º da C.R.P., inconstitucionalidade que deixa arguida para todos os efeitos legais.

Tudo revisto e ponderado.

Presumindo-se a notificação postal feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, a sua ilisão só pode ser feita pelo notificado, provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não são imputáveis – cfr. n.ºs 3 e 6 do art. 254.º do C.P.C.[1]

A recorrente/notificada logrou ilidir essa presunção?

É esta a questão que se nos coloca, que foi decidida pela negativa, no Acórdão sub judicio, nos termos da fundamentação jurídica de que se evocam os momentos mais impressivos:

‘…Está provado que a remessa da notificação do despacho que admitiu o recurso foi efectuada por meio de carta registada, dirigida para o escritório do Mandatário da R. recorrente e ora requerente.

Assim, atento o disposto no n.º 3 do artigo acabado de transcrever (art. 254.º do C.P.C.), presume-se que a notificação foi efectuada.

Tratando-se de presunção ‘juris tantum’, é admissível prova do contrário, atento o disposto no art. 350.º, n.º 2, do Cód. Civil, mas sobretudo no n.º 6 do artigo transcrito supra: prova de que a notificação não foi efectuada.

Da prova documental junta aos Autos, print do site dos CTT, resulta que a notificação foi efectuada, com a menção da hora, inclusive.

No entanto não se provou que o registo n.º RJ435710528PT não foi recepcionado no escritório do Sr. Dr. CC. (Sublinhado agora).

Em suma, cremos que a R. não afastou a base da presunção, que, in casu, consiste na prova da remessa da notificação do despacho que admitiu o recurso, por meio de carta registada, dirigida para o escritório do douto Mandatário da R., recorrente e ora requerente, nem fez a prova do contrário, de que a carta não foi entregue, pelo que não ilidiu a presunção.

Assim, fazendo a lei – cfr. art. 349.º do Cód. Civil – equivaler a remessa da notificação à própria notificação, por efeito da presunção não ilidida, extraindo do facto conhecido o facto desconhecido, temos de considerar que a notificação foi efectuada ao destinatário, sendo de confirmar o despacho do Relator, ora posto em crise’.   

Esta fundamentação e a solução que suporta concitam, no essencial, o nosso inteiro sufrágio.

Sempre diremos, complementarmente, que, ante a matéria de facto fixada – inequivocamente no sentido de que a recorrente/requerente não provou que o identificado registo postal não foi recepcionado no escritório do seu Exm.º mandatário, 'ut' h) da fundamentação de facto – não se alcança como poderia impor-se decisão diversa, na tese sustentada, que, para o efeito, faz um derradeiro apelo às regras da experiência comum, significando com isso dever colher-se desta noção a prevalência dos casos recorrentes de correspondência extraviada, não obstante constar a mesma dos registos dos CTT como tendo sido entregue...

Como resulta da Lei – n.º 6 do art. 254.º do C.P.C. – o mecanismo adequado para evitar que se tenha/considere feita a notificação no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, é a ilisão da presunção aí estabelecida: para lograr esse objectivo, o notificado provará …que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não são imputáveis.

Está assente que a requerente não fez tal prova.

Sendo as presunções judiciais (ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – art. 349.º/1 do Cód. Civil), não propriamente um genuíno meio de prova, na dimensão constante do art. 341.º da mesma Codificação, mas antes, como é sabido, meios lógicos ou indutivos através dos quais se alcança a inferência, o facto desconhecido, importa atentar no facto conhecido – a base da presunção – que, no caso, se consubstancia na remessa, sob o identificado registo, do expediente dirigido ao escritório do Exm.º mandatário da requerente com vista à notificação do despacho de admissão do recurso, o qual se contém, como documentalmente provado, no print do site dos CTT, onde, 'ut' ponto g) dos factos assentes, …’consta que o registo n.º RJ435710528PT foi aceite em 2009-06-25, pelas 16h18, no Palácio da Justiça do Porto e que foi entregue no dia 2009-06-26, pelas 10h30, em Lisboa’.

Ora, ante a incontornável conclusão/ilação lógica daí decorrente, restava à recorrente a possibilidade de provar que a notificação não foi feita, nos termos do falado n.º 6 do art. 254.º do C.P.C.

Não tendo logrado demonstrá-lo – o facto firmado, que não vem sequer questionado, (com a fundamentação da decisão respectiva, fls. 787, a deixar perceber perfeitamente, na sequência da análise crítica do depoimento das duas testemunhas inquiridas, o iter psicológico do Exm.º decisor), desconsiderou a pretensa infalibilidade da ficha, diariamente preenchida, com a relação dos registos postais recebidos no escritório – torna-se, obviamente, tarefa inglória persistir, postumamente, na tese de que tal registo não foi recepcionado no escritório da Exm.º mandatário da recorrente.

Havida como feita a notificação em causa, nos sobreditos termos, não ocorreu, por isso, qualquer nulidade processual, nomeadamente a invocada/prevista no art. 201.º, n.º 1, do C.P.C.

Não tendo sequer sido oportunamente alegado o justo impedimento – a que ora a requerente alude, convocando a previsão constante do art. 146.º do mesmo C.P.C. – sempre se dirá que, além do funcionamento da presunção legal, que só por si posterga necessariamente qualquer outro cenário afim, é diverso o condicionalismo de facto pressuposto, uma vez que se considera justo impedimento a ocorrência de um evento, que, não sendo imputável à parte, obste à prática atempada do acto, levando a que, se julgado verificado, se admita a mesma a realizá-lo fora do prazo.

Isso sempre implica que a parte tenha prévio conhecimento da obrigação/direito de praticar o acto e respectivo termo/prazo, e só não o tenha conseguido praticar, em tempo, devido à ocorrência de um evento obstaculizante.

São circunstâncias distintas, pois.

                                             __

Caso assim se não entenda – propugna, por fim, a impetrante – estaremos perante uma efectiva denegação do direito de acesso aos Tribunais, afrontando por isso o art. 20.º da Constituição da Republica Portuguesa.

Ainda aqui cremos que não lhe assiste qualquer razão.

A claudicação da parte, que não demonstrou o pressuposto de facto de que a Lei faz depender a ilisão de uma presunção, não pode, em qualquer perspectiva, identificar-se com a pretendida denegação do direito de acesso aos Tribunais, direito programaticamente postado na C.R.P.

A interposição e admissão do recurso em causa, que só ficou deserto por falta de apresentação da respectiva alegação, é, aliás, prova cabal de que a parte viu assegurado, sem qualquer constrangimento, o acesso aos Tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, não se verificando a reclamada inconstitucionalidade.

Soçobram as asserções conclusivas da motivação da impugnação.

                                             __

          III –

                                        DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao Agravo, confirmando o Acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

                                            

Lisboa, 25 de Janeiro de 2012

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Sampaio Gomes

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[1]  - Na versão aqui aplicável, a anterior ao início de vigência do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.