Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
490/07.0TAVVD.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
CRIME CONTINUADO
INTERROGATÓRIO DE ARGUIDO
MEDIDAS DE COACÇÃO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
FUNDAMENTOS
ARREPENDIMENTO
REPARAÇÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
COMPRESSÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I - Para que funcione a unificação das condutas sob a forma de crime continuado há que estar-se perante vários actos entre os quais haja uma certa conexão temporal, sendo por esta que se evidenciará uma diminuição sensível da culpa, mercê de factores exógenos que facilitaram a recaída ou recaídas, pressupondo-se actuações diversas, reiteração de condutas, situações que se repetem em função da verificação de determinados quadros factuais.
II - Este STJ tem considerado que não integra a figura do crime continuado a realização plúrima do mesmo crime se não forem as circunstâncias exteriores ao agente que o levaram a sucumbir, mas sim o desígnio inicialmente formado de, através de actos sucessivos, lesar o queixoso.
III - A diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição; isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca. Ao invés, a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso.
IV -O arguido que, após ser sujeito a interrogatório judicial e à aplicação de medidas de coacção, que implicavam a limitação da sua liberdade de locomoção e de relação, visando a não criação de condições para a repetição dos abusos sexuais de menores praticados, renova a sua intenção de prática de actos sexuais, violando de forma clara, aquelas medidas, assumindo um comportamento reflectido e persistente, não se aproveitou de um qualquer quadro permissivo, antes dando um contributo unilateral e decisivo para a repetição.
V - Neste quadro de vida que o arguido procurou, não há lugar a qualquer pincelada que unifique o que se seguiu à conduta anterior, pois que na transposição passado-futuro, presentes apenas a abusada e o abusador, mas este com uma renovada, reafirmada, intenção.
VI - Pressuposto material da atenuação da pena, autónomo ou integrado pela intervenção valorativa das situações exemplificativamente enunciadas no art. 72.º do CP, é a acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção.
VII - Na análise a fazer há que ter uma visão integral do facto, atender ao pleno das circunstâncias que enformaram os factos; a emissão de uma declaração de arrependimento por parte do arguido tem de ser entendida com a verdadeira amplitude e o alcance que tem, pois uma coisa é declarar arrependimento no que pode ser uma declaração de circunstância determinada pelas circunstâncias, outra a corresponder a uma interiorização do mal da conduta.
VIII - A desvalorização dos actos praticados é a insofismável negação da declaração, do proclamado arrependimento, dada a manifesta e inultrapassável incompatibilidade entre o suposto arrependimento e a expressa desvalorização dos actos praticados, devolvendo às menores a responsabilidade pelos seus comportamentos desviantes.
IX - A reparação possível, que poderá funcionar como índice de arrependimento, passará por uma indemnização espontânea, que compense o dano não patrimonial sofrido pela menor nos seus afectados direitos de personalidade e autodeterminação sexual, bem como por um pedido de desculpas, o que não ocorreu no caso em apreço.
X - Atendendo ao elevado grau de ilicitude dos factos, ao dolo intenso, à conduta do arguido se ter iniciado com a menor A mantendo relacionamento durante cerca de 6 meses, a que se seguiu a colega B, por cerca de 2 meses, à forma de execução (revelando o arguido alguma afoiteza ao entrar nas habitações das menores, indo para o quarto destas, num caso enquanto o pai da menor dormia no andar de baixo, e no outro vindo a ser apanhado debaixo da cama pela avó da menor), às razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração que são prementes e muito elevadas, fazendo-se sentir especialmente neste tipo de infracção, tendo em conta o bem jurídico violado no crime em questão – a autodeterminação sexual de crianças – e impostas pela frequência de condutas deste tipo e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam na comunidade, justifica-se uma resposta punitiva firme, pelo que não há razões para alterar as medidas das penas parcelares fixadas na decisão de 1.ª instância (duas penas de 4 anos e 6 meses de prisão e uma pena de 4 anos de prisão, pela prática, respectivamente, de três crimes de abuso sexual de criança, na forma continuada).
XI - No caso concreto, a moldura abstracta do concurso será de 4 anos e 6 meses a 13 anos de prisão; valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, é de concluir, face à natureza e gravidade dos crimes cometidos, tendo sido respeitados os ditames legais, não se justificar outro grau de compressão, sendo de manter a pena única aplicada de 7 anos de prisão.

Decisão Texto Integral: 1


No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo n.º 490/07.0TAVVD, do 1.º Juízo da Comarca de ........., integrante do Círculo Judicial de Braga, foi submetido a julgamento o arguido AA, solteiro, carpinteiro, nascido a 29 de Julho de 1982, natural de ..............., .........., residente no lugar de Souto ........., V........., o qual se encontra sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica desde 19 de Agosto de 2008.

Por acórdão do Colectivo de 30 de Julho de 2009, depositado no mesmo dia, foi deliberado condenar o arguido, pela prática de:
- Um crime de abuso sexual de criança, na forma continuada e que teve como vítima BB, previsto e punido pelos artigos 30º, n.º 2, e 171.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão;
- Um crime de abuso sexual de criança, na forma continuada e que teve como vítima CC, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.º 2, e 171.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão;
- Um crime de abuso sexual de criança, na forma continuada e que teve como vítima CC, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.º 2, e 171.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão;
- Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena unitária de sete anos de prisão.

FF, em representação da menor BB, deduziu pedido de indemnização civil, pugnando pela condenação do arguido no pagamento da quantia de € 8.000,00, acrescida de juros desde a notificação e até efectivo pagamento.
Em audiência de julgamento, foi celebrada transacção, reduzindo a demandante o pedido para € 3.000,00, a qual foi homologada por sentença ditada para a acta – fls. 1554/5.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 1598 a 1602, que remata com as seguintes conclusões:
I - O arguido não se pode conformar com a sua condenação pela prática um crime de abuso sexual de criança, na forma continuada e que teve como vítima BB, previsto e punível pelos artigos 30.°, n.° 2 e 171.°, n.° 2 do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão; pela prática um crime de abuso sexual de criança, na forma continuada e que teve como vítima CC, previsto e punido pelos artigos 30.°, n.° 2 e 171.°, n.° 2 do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão; pela prática um crime de abuso sexual de criança, na forma continuada e que teve como vítima CC, previsto e punível pelos artigos 30.°, n.° 2 e 171.°, n.° 2 do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão, tudo em cumulo jurídico, na pena unitária de sete anos de prisão.
II - Com o devido respeito, o recorrente discorda do número de crimes pelos quais vem condenado, da própria medida das penas parcelares aplicadas e a pena unitária de sete anos de prisão em que foi condenado, em cúmulo jurídico.
III - O recorrente entende que apenas cometeu dois crimes de abuso sexual de criança, na forma continuada, previsto e punível pelos artigos 30.°, n.° 2 e 171.°, n.° 2 do Código Penal, um na pessoa da BB e outro na pessoa da e não três crimes de abuso sexual de criança, na forma continuada como foi condenado.
IV - O crime continuado consiste numa unificação jurídica de um concurso efectivo de crimes que protegem o mesmo bem jurídico, fundada numa culpa diminuída, ou seja, a realização plúrima de violações típicas do mesmo bem jurídico, a execução homogénea das violações.
V - Há crime continuado quando, através de várias acções criminosas, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento que reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente.
VI - O arguido praticou as suas condutas na pessoa da CC de uma forma homogénea e motivado por um quadro exterior que facilitou de forma considerável, o renovar das sucessivas resoluções da prática do crime, quadro exterior esse consubstanciado, neste caso concreto, nos factos provados elencados no acórdão recorrido sob os n.°s 21, 22, 23 e 25.
VII - O arguido durante o período de tempo relatado na matéria de facto provada cometeu uma série de condutas seguidas na pessoa da CC que têm entre si uma certa relação de homogeneidade em termos de actuação e em termos de sucessão temporal e, por outro lado, o facto de que a prática do primeiro acto favoreceu a decisão sucessiva em relação à continuação, por que houve um circunstancialismo externo que facilitou essa sucessiva reiteração de uma actuação idêntica.
VIII - Esse circunstancialismo externo, na medida em que facilitou o sucessivo "cair em tentação" do recorrente, significa que é menos censurável por ter ido sucessivamente sucumbido à tentação e, portanto, não deve ser punido por dois crimes na forma continuada, um em data anterior ao interrogatório judicial de 03/06/2008 e outro em data posterior, mas apenas por um crime continuado, sob pena de se estar a aumentar de uma forma ilegal a pena unitária final aplicada ao recorrente.
IX - Os actos sexuais praticados pelo recorrente na vítima CC em data anterior ao interrogatório judicial de 03/06/2008 e aqueles praticados em data posterior, integram um único desígnio criminoso, cuja execução se prolongou no tempo de Abril a Julho de 2008.
X - Não existe qualquer fundamento para autonomizar, como dois crimes diversos, as condutas do recorrente que tiveram lugar durante aquele período temporal, constitutivas de apenas um único crime de abuso sexual de crianças, na forma continuada, na pessoa da CC.
XI - O arguido ao ter sido condenado por dois crimes de abuso sexual de crianças, na forma continuada, na pessoa da CC, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 171.°, n.° 2 e 30.°, n.°s 2 e 3 do Código Penal.
XII - No acórdão recorrido também não se fez a mais correcta apreciação das circunstâncias que deverão ser atendidas na determinação da medida concreta da pena, em virtude das penas parcelares aplicadas serem manifestamente elevadas, desadequadas, desproporcionais e injustas, tal como a pena unitária de sete anos de prisão em que foi condenado o recorrente.
XIII - As finalidades da punição são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (cfr. artigo 40.° do C.Penal).
XIV - O artigo 71.° do C.Penal fornece o critério para encontrar a medida concreta da pena e decorre do mesmo que o limite máximo da pena, dentro da moldura abstracta, terá que se adequar à culpa, e não poderá ser ultrapassado por considerações de prevenção especial ou geral.
XV - Resultou da factualidade dada como provada e da fundamentação constante do acórdão recorrido, depor a favor do arguido as seguintes circunstâncias: sua confissão, circunstâncias de vida (a morte do pai vitima de homicídio), pouca instrução (oitavo ano de escolaridade), situação económica social modestas, encontra-se inserido social e profissionalmente (continua a residir com a sua progenitora e dois irmãos e aufere, como operário da construção civil, a quantia mensal de cerca de 450 €), beneficia do apoio da progenitora, de todos os seus irmãos e amigos, é referenciado localmente como educado, trabalhador e não conflituoso, mostrou arrependimento e não tem quaisquer antecedentes criminais.
XVI - Embora o acórdão recorrido não tenha apurado concretamente a idade do arguido, podendo por certo tê-lo feito, da sua identificação constante do acórdão, consta ter nascido em 29/07/1982, pelo que, à data dos factos, tinha cerca de 25 anos de idade.
XVII - O Tribunal recorrido não levou em devida conta o facto do recorrente ter confessado, na essência dos factos de que vinha acusado, mostrado arrependimento e tentado reparar, até onde lhe era possível, os danos morais causados à ofendida BB, o que constitui uma atenuação especial da pena, nos termos do disposto nos artigos 72.° e 73.° do C.Penal.
XVIII - Com as exigências de prevenção geral, procura-se satisfazer a necessidade comunitária da punição e com a prevenção especial, pretende-se satisfazer as necessidades de socialização do agente, com o objectivo da sua integração na comunidade.
XIX - A função intimidatória da pena deve estar subordinada à sua outra função socialmente integradora, donde, a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação, mas antes a intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica.
XX - A moldura penal aplicável ao caso concreto deve definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente.
XXI - O acórdão recorrido incorreu num exagero ao aplicar uma pena de quatro anos e seis meses de prisão para o crime continuado que teve como vitima BB, tendo em conta as exigências de prevenção (geral e especial) e a culpa do recorrente, não se justificando a sua condenação em tal pena.
XXII - Ponderados todos estes factores e tendo em conta as considerações de prevenção especial e geral, a pena que se considera justa, proporcional e adequada pela prática do crime de abuso sexual de criança, na forma continuada, que teve como vitima BB, é uma pena de três anos e seis meses de prisão, que realizaria e asseguraria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e revelar-se-ia adequada a cuidar das exigências de prevenção geral e especial.
XXIII - Na esteira do raciocínio supra explanado nos artigos 29.° a 52.°, a pena que se considera justa, proporcional e adequada pela prática do crime de abuso sexual de criança, na forma continuada, que teve como vitima CC, é também uma pena de três anos e seis meses de prisão, que realizaria e asseguraria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e revelar-se-ia adequada a cuidar das exigências de prevenção geral e especial.
XXIV - Importa acautelar que a pena concreta, resultante do cúmulo jurídico dos crimes, pelos quais o arguido deve ser condenado, não seja excessiva, cerceando os objectivos da sua reinserção social.
XXV - Nos termos do disposto no artigo 77.°, n.° 1 do Código Penal, atendendo aos factos provados e à personalidade do recorrente, nomeadamente, à ausência de antecedentes criminais, confissão, arrependimento e o facto de contar com o apoio dos seus familiares e amigos, dentro da moldura abstracta do concurso efectivo, considera-se adequada a fixação de uma pena unitária de cinco anos de prisão.
XXVI - Nos termos do artigo 50.° do C. Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão não superior a 5 anos de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
XXVII - A suspensão da execução da pena de prisão é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que serve para que o arguido se reintegre na sociedade.
XXVIII - Tendo em consideração as considerações de prevenção especial e geral que o presente caso requer, uma pena de prisão de cinco anos de prisão suspensa na sua execução, por igual período, realizaria e asseguraria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e revelar-se-ia adequada a cuidar das exigências de prevenção geral e especial.
XXIX - Pelo exposto, o acórdão recorrido violou os artigos 171.°, n.º 2, 30.º, n.°s 2 e 3, 40.°, 71.°, 72.°, n.º 1 e 2 al. c), 73.º, 77.° e 50.° do Código Penal.
No provimento do recurso pede seja revogado o acórdão recorrido e substituído por outro, que o condene pela prática de um crime de abuso sexual de criança, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.° 2 e 30.°, n.° 2 do Código Penal, na pessoa de BB e um crime de abuso sexual de criança, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 171.°, n.º 2 e 30.°, n.° 2, do Código Penal, na pessoa da CC, e, em cúmulo jurídico, numa pena unitária de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

O Ministério Público respondeu, conforme fls. 1627 a 1645, apresentando peça processual consistente e bem elaborada, rematando com as seguintes conclusões (reproduzidas na íntegra, incluindo realces):
1. O arguido foi julgado e condenado pela prática de três crimes de abuso sexual de criança, na forma continuada, dois dos quais tiveram como vítima a menor CC, sendo que um deles teve como vítima a menor BB - art.°s 30°, n.º 2 e 171°, n° 2, do C. P.

2. E nas penas parcelares de quarto anos e seis meses de prisão por cada um dos ilícitos penais cometidos, o que culminou na condenação do referido arguido, em cúmulo jurídico, na pena unitária de sete anos de prisão.

3. E não poderia deixar de sê-lo. De facto, após a prática do primeiro dos ilícitos na pessoa da menor CC, foi o arguido, no dia 03/06/2008, interrogado judicialmente, tendo-lhe sido aplicadas medidas de coacção, lidas e explicadas, sendo que uma das finalidades dessas, era a prevista na alínea c) do n° 2 do art.° 204°, do C.P.P., designadamente a de não se aproximar e/ou contactar a referida menor, prevenindo-se o perigo em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.

4. O que o arguido não acatou, visto que em data indeterminada do mês de Julho de 2008 voltou às mesmas práticas sexualmente abusivas da auto-determinação sexual da menor CC,

5. num momento em que a resolução criminosa inicial se havia interrompido por força da aplicação das referidas medidas de coacção.

6. Havendo-se quebrado a unidade do dolo inicial, unidade de desígnio ou intenção, ou unidade de elemento subjectivo, pedra de toque da figura do crime continuado, de acordo os AA. citados, mas também de acordo, entre outros, com o Acórdão STJ de 21/09/1994, quando nos fala em unidade das diversas resoluções dentro de uma linha psicológica continuada.

7. Tendo o arguido renovado, na verdade, a intenção criminosa, agora mais intensa, e posteriormente ao primeiro interrogatório judicial e aplicação das medidas de coacção.

8. Com o que reiniciou os contactos físicos e sexuais (após 03/06/2008) com a menor CC, num quadro de continuação criminosa (cfr. art.°30°, N° 2, ibidem.)

9. Quadro esse que não existiria pela mera verificação de uma conexão exterior - no espaço e no tempo -, pelo momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto, facilitadoras, de maneira considerável, da repetição criminosa (vd. Eduardo Correia), na medida em que,
10. ainda de acordo com o mesmo A., essa conexão exterior ou disposição exterior só seria de relevar na medida em que afastasse a conexão interior, isto é, a unidade de desígnio ou intenção, ou unidade de elemento subjectivo.

11. Pois, só então, estaríamos dentro do quadro da figura do crime continuado, tal como a define o art.° 30°,n°2, com diminuição considerável da culpa do agente.

12. Não foi esse o caso dos autos! Não foi a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, mas aquela conexão interior, isto é, a existência de uma pré-disposição interior do agente para a prática de ilícitos da natureza dos em causa, como bem refere o Tribunal a quo, a fls. 1572, 6º §, uma vez que igualmente se mostra demonstrado que, apesar do declarado arrependimento, o arguido desvaloriza os actos que praticou, reconduzindo a sua responsabilidade à conduta das próprias menores.

13. De onde - e se repete - que a mencionada conexão exterior não teve o mérito de afastar a conexão interior, ou unidade de elemento subjectivo, que no arguido permanece como pré-disposição para a prática de crimes de abuso sexual.

14. Tal elemento exterior só ressurgiu e se associou ao quadro exterior facilitador do sucumbir no repetir, apesar desta conexão exterior, no caso, pelo que dito ficou, não ser consideravelmente relevante.

15. Bem andou, pois, o Tribunal a quo ao condenar o arguido pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança na pessoa da vítima CC.

16. A confissão do arguido, as circunstâncias de vida, a pouca instrução, a situação económica e social modestas, o alegado arrependimento, o facto de ser primário, e o eventual comportamento anterior e posterior aos factos, a reparação do mal do crime, foram circunstâncias que o Tribunal teve em conta, valorizando-as em justa medida.

17. Quanto à confissão dos factos não é o mesmo que confissão do crime. Embora pudesse apresentar-se como valiosa atenuante não só por contribuir decisivamente para a descoberta da verdade, como ainda por representar a assumpção do acto e a correspondente atitude de arrependimento do agente, certo é que não aconteceu no caso. O que vimos foi uma confissão parcial e incompleta, ao omitir o móbil do crime, que não esclareceu e, por isso, não foi dado como provado.

18. Quanto ao alegado arrependimento, cabe dizer que o lamentar a prática dos factos não é, propriamente o arrependimento que, por definição, anda ligado à confissão do crime, que só parcialmente se verificou.

19. Aliás, embora se haja dado como provado que o arguido se mostrou arrependido, tal é diferente de se encontrar real e sinceramente arrependido, podendo tratar-se de mera consequência de ter sido apanhado nas malhas da justiça.

20. Mas também não há arrependimento quando o agente se limita – como no caso - a afirmar que tem vergonha do que fez, uma vez que tal só significa incómodo pela descoberta do crime.

21. Para que a reparação do mal crime fosse relevante deveria ter ocorrido até ao julgamento, e não no decurso deste, pois que tal atitude do não significar arrependimento nem vontade de compensar o dano, deve ser entendida como modo egoístico de minorar a sua condenação, que sabia certa.

22. Não se desconhece que ao arguido faltam antecedentes criminais. Mas isto não pode ser entendido, v.g., como bom comportamento anterior.

23. E para este, devemos dizer que: como para as agravantes se exige um quid plus que exceda a normalidade criminal, também para as atenuantes se exige um quid minus que se verifique abaixo do normal no homem médio, sendo certo que "a normalidade social exigível pelo Direito", é necessariamente, "a ausência de antecedentes criminais e bom comportamento anterior" daí que, para que se dê especial relevância a esta atenuante se tenha de considerar provado que o agente teve, antes da sua criminosa actuação, um comportamento acentuadamente melhor do que a normalidade dos indivíduos em iguais condições de vida, idade, profissão e cultura, colocados em condições idênticas de agir criminalmente. - Vd. Acs. STJ, de 93/11/04, proc. n° 45671, de 84/07/04, BMJ, n° 339, 223, de 93/03/11, proc. n° 43035, de 93/07/07, proc. n° 44604, in Código Penal, 1º Volume, Anotado, 1995, Rei dos Livros, Leal-Henriques/Simas Santos, pgs. 559 e ss., que temos vindo a seguir de perto.

24. O Tribunal teve em conta todos estes aspectos e os critérios pelos quais devia orientar-se na determinação da medida da pena: culpa do agente, que impõe uma retribuição justa; exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social do delinquente; exigências decorrentes do fim preventivo geral; grau de ilicitude, gravidade das consequências, intensidade do dolo (directo), sentimentos manifestados na preparação dos crimes; fins que os determinaram, situação económica e social do arguido.

25. Flui do douto Acórdão que foram consideradas circunstâncias que insinuam que o arguido terá agido com uma responsabilidade dura e uma personalidade moral deficiente. Assim sendo, a respectiva reinserção social jamais poderia passar pela minimização da sua personalidade e pela benignidade das consequências penais desta.

26. Só por isso, o Tribunal a quo fixou uma pena que, além de retribuir justamente o mal do crime, mostra-se adequada a contribuir para a reinserção social do agente, dando satisfação ao sentimento de justiça e servindo de elemento dissuasor relativamente aos elementos da comunidade.

27. A Justiça não se pode confundir com paternalismo, devendo-se na determinação da pena, ter-se em conta os fins a prosseguir. E se o legislador, no art.° 71°,n°l do C.P. de 1982, elegeu a culpa do agente como causa final nessa determinação da pena, decidiu-se por um sistema ético-retributivo, embora sem prejuízo da consideração dos fins de prevenção geral e especial.

28. Assim, também, bem andou o Tribunal recorrido que, dentro dos normativos para a escolha e medida da pena soube, ponderada e acertadamente, escolher aquela que melhor serve os fins do art.° 71°, com respeito escrupuloso pelo disposto no art.° 40°.

29. Mesmo que por hipótese fosse de aceitar uma pena unitária de cinco anos de prisão, jamais tal sanção poderia ser suspensa na sua execução, em conformidade com o disposto no art.° 50°.

30. Na verdade, para a concessão da suspensão da pena deve partir-se de um juízo de prognose social favorável ao agente, pela fundada expectativa de que ele, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de vida futura ordenada e conforme à lei.

31. Não foi isso que resultou da prova produzida em julgamento, como o douto Acórdão refere e reflecte.

32. Para que a pena possa ser declarada suspensa é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do arguido, seu modo de vida, comportamento global, natureza do crime cometido e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade, e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, consubstanciada no instituto da suspensão, como verdadeira medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, fazendo evitar que repita crimes. Em segundo lugar, que a pena suspensa é suficiente para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção de crimes. - Acórdão STJ, de 93/06/30, proc. n° 43427, A.A. citados , pg. 447.

33. Perfilando-se exigentes motivos de prevenção especial e razões de prevenção geral, proibitivas de quaisquer tréguas na luta contra o abuso sexual de menores, em todos os lugares civilizados, a pedir um forte contributo de dissuasão, uma concreta pena que não atinge o meio da pena abstracta, e uma pena unitária, que vai um pouco mais além da medida da pena abstractas, só pode pecar por defeito.

34. Neste campo da criminalidade, qualquer apelo a permissivas decisões só poderia conduzir a resultados indesejáveis, se não mesmo perversos. - Ac. do STJ, de 91/05/16, AJ n° 19, proc. n° 41004.

35. São, por isso, de afastar as conclusões do recorrente, também nesta parte.

36. Não se vislumbrando que tivesse ocorrido qualquer violação das normas legais invocadas.

Pede a manutenção do acórdão recorrido nos seus precisos termos, julgando-se improcedente o recurso.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, de fls. 1655 a 1657, subscrevendo a argumentação expendida na 1ª instância, defendendo ser de afastar o crime continuado, frizando a propósito: “Bastou um mês para que o arguido, com uma culpa acrescida, porque demonstrativa de uma particular intensidade de vontade em prosseguir os abusos, apesar da séria advertência que lhe foi feita, reiniciar a sua actividade ilícita contra a liberdade de autodeterminação sexual daquela menor e que sempre seria de afastar a pena de substituição, devendo ser negado provimento ao recurso. Nada existiu de exterior que lhe tivesse fragilizado a vontade. Bem pelo contrário. Desenvolveu um esforço acrescido para reiniciar o trato sexual com a menor, vencendo a restrição que lhe foi imposta, restrição essa que interrompeu, sem dúvida, a conexão temporal unificadora dos vários actos do crime continuado”.
Quanto à medida das penas parcelares não detecta qualquer erro na sua fixação, defendendo que se justificaria até uma pena ligeiramente superior para o segundo crime de abuso sexual da menor CC, sempre sendo de afastar a suspensão da pena, ainda que academicamente se admitisse a redução da pena única para limites que possibilitassem tal opção.
Entende assim que deve ser negado provimento ao recurso.

Cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente silenciou.

Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue para julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411º, n.º 5 e 419º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

Questões a resolver

Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, pela ordem em que são enunciadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

Questão I - Unificação como crime continuado dos dois crimes de abuso sexual de criança de que foi vítima CC - conclusões II a XI
Questão II - Medida das penas parcelares – conclusões XII a XXIII
Questão III - Atenuação especial da pena - conclusão XVII e XXIX
Questão IV - Medida da pena única – conclusões XXIV e XXV
Questão V - Suspensão da execução da pena – conclusões XXVI a XXIX


Factos provados
Segue-se a enumeração dos factos assentes definitivamente, que se transcreve integralmente, incluindo realces.

1. De forma e em circunstâncias não concretamente apuradas, o arguido obteve o número de telemóvel de BB, nascida a 22 de Janeiro de 1995 e, a partir de Setembro de 2007, encetou contactos com esta através de SMS, tendo, no final desse mesmo mês, tido um encontro com ela, onde se conheceram pessoalmente e em cuja despedida o arguido a beijou na boca.
2. Na sequência desse encontro e ainda no mesmo dia, o arguido começou a enviar diversas mensagens para o telemóvel de BB, dizendo-lhe que havia gostado de estar com ela, que deviam passar mais tempo juntos e que se queria encontrar de novo com ela.
3. Com sucessivas mensagens, às quais a BB respondia, dada a idade, a inexperiência desta, bem assim o facto de estar com alguma carência afectiva devido ao falecimento recente da mãe, o arguido fê-la acreditar que estava a acontecer um namoro entre ambos e que era sua intenção ficarem juntos.
4. Nessas circunstâncias, o arguido convidou a BB para novo encontro, junto à casa daquela, sita no lugar do Outeiro, Prado, S. Miguel, ao que esta acedeu e no qual ocorreu entre ambos troca de beijos e abraços.
5. Posteriormente, o arguido e a BB marcaram, por SMS, um encontro, já em Outubro de 2007, por ocasião de umas festas no campo da feira em ........., altura em que foram para dentro do carro do arguido de marca Opel, modelo Corsa, e aí o arguido exibiu o seu pénis a BB e, pegando na mão desta, fez com que esta lhe tocasse.
6. A partir desse dia, o arguido continuou a mandar mensagens à BB, que lhe respondia, tendo continuado a encontrar-se com ela, à noite, junto a casa desta e no carro daquele, que depois conduzia para sítios recatados onde não passava ninguém.
7. Nesses encontros, o arguido, com palavras meigas e carinhosas, conseguiu que a BB acedesse a colocar o pénis dele na sua boca, o que aconteceu por diversas vezes, na sequência do que o arguido ejaculava.
8. Ainda por volta do mês de Outubro de 2007, em dia não concretamente apurado, o arguido conduziu a menor BB para um lugar recatado e, aí chegados, despiram-se reciprocamente e, depois de troca de beijos e contacto corporal, reclinou o banco do carro onde a menor se encontrava, colocou-se por cima dela e introduziu o seu pénis erecto na vagina desta, tendo-o retirado antes de ejacular, o que acabou por fazer para cima da menor.
9. A partir desse dia passou a encontrar-se com a BB, pelo menos uma vez por semana, depois do almoço e até ao final da tarde, bem como algumas vezes ao fim de semana.
10. Em data não concretamente apurada, posterior ao mencionado em 8), o arguido demonstrou à menor vontade de conhecer a casa desta, ao que ela acedeu.
11. Uma vez que o quarto da menor se situava no 1º andar da casa e o pai desta se encontrava a dormir no andar inferior, havendo um acesso exterior ao piso do quarto da menor, esta conduziu o arguido ao seu quarto por tal acesso e, uma vez aí, praticaram relações de cópula, tendo o arguido retirado o seu pénis da vagina da menor antes de ejacular, o que fez por cima do corpo desta.
12. O arguido teve várias vezes relações sexuais de cópula com a menor BB no seu carro, em número não concretamente apurado, e, a partir de Janeiro de 2008, passou a combinar com ela encontros, tanto da parte da manhã como da tarde, pelo menos à Quinta Feira.
13. Os encontros eram sempre combinados através de telemóvel, usando o arguido a maioria das vezes os cartões de acesso ao serviço telefónico móvel com os números 000000(pertencente e usado pela BB) e 0000000, 0000000 e 000000000 (pertencentes e usados pelo arguido). Nessas circunstâncias, para se encontrar com o arguido durante o dia, a menor faltava às aulas, o que sucedeu em 04.01.2008, 28.01.2008, 21.02.2008, 28.02.2008 e 06.03.2008.
14. Durante estes encontros, o arguido conduzia o seu veículo até à praia fluvial da Malheira, parava o veículo entre a vegetação e lá praticavam relações sexuais de cópula.
15. Em virtude de, mais do que uma vez, a menor BB ter usado o telefone de CC para enviar mensagens para o arguido, este ficou com o número desta e, por volta de Abril de 2008, através de contacto por SMS para o cartão telefónico móvel com o nº 000000000 iniciou abordagem a CC, nascida a 12 de Fevereiro de 1995, enviando-lhe várias mensagens.
16. Depois de troca de várias mensagens, em que o arguido lhe chamava, para além do mais, “fofinha”, “gatinha” e “linda”, CC aceitou encontrar-se com ele no dia 24 de Abril de 2008, junto à Escola Secundária de ........., pelas 13 horas e 25 minutos, tendo permanecido com o mesmo e dentro do veículo deste pelo menos durante mais do que uma hora.
17. Neste encontro trocaram beijos e contacto corporal tendo o arguido pedido a CC para se encontrarem à noite, nesse mesmo dia, junto a casa desta.
18. Em virtude da sua idade, inexperiência sexual e das palavras meigas que o arguido lhe dirigia, CC acedeu a encontrar-se, nessa mesma noite, junto a sua casa, sita no lugar do Fontelo, Soutelo, ........., encontro esse que ocorreu e em que estiveram juntos entre as 22 horas e as 6 horas da madrugada seguinte. Durante esse tempo trocaram beijos e a CC masturbou o arguido, bem como colocou o pénis dele na sua boca, tendo o arguido ejaculado para o tapete do carro.
19. Posteriormente, em dia indeterminado do mês de Maio de 2008, a pedido do arguido, CC permitiu que este entrasse no seu quarto, através de um acesso exterior. Pelas 4 horas da manhã desse dia, o arguido introduziu-se no quarto da menor, deitou-se na cama desta e ambos trocaram beijos. Nessa mesma noite foram surpreendidos pela avó da menor, EE, que descobriu o arguido escondido debaixo da cama da CC.
20. Sujeito a interrogatório judicial em 3 de Junho de 2008, foram impostas ao arguido, que delas ficou ciente, as medidas de coacção de apresentações semanais no órgão de polícia criminal mais próximo da sua residência, proibição de contactar por qualquer meio as menores BB e CC, proibição de frequentar as freguesias de Prado e Soutelo, em ........., proibição de se aproximar da Escola Secundária de ........., proibição de se aproximar de outras escolas destinadas ao ensino básico e secundário e de outros locais destinados à frequência de menores de 16 anos.
21. Após este primeiro interrogatório, o arguido renovou a sua intenção de praticar actos sexuais com a CC e em finais de Junho de 2008, retomou a troca de mensagens com ela, em que lhe sugeria encontros; a menor não resistia a tais pedidos de encontro, dada a sua idade e inexperiência com o sexo oposto, mas não lhes comparecia pois a avó fechava a casa à chave.
22. Quando descobriu onde as chaves estavam, em dia não concretamente apurado do mês de Julho de 2008, pelas 23.30 horas, CC saiu de casa e foi encontrar-se com o arguido, na viatura deste, onde trocaram beijos e colocou o pénis daquele na sua boca, o que se voltou a passar alguns dias depois.
23. Posteriormente, combinaram outro encontro e, no mesmo local, dentro do carro do arguido, praticaram sexo oral e coito vaginal, tendo nesse acto sido surpreendidos por DD, pai da menor CC.
24. O arguido conhecia as idades das menores BB e CC, sabendo que tinham menos de 14 anos e, não obstante, quis beijá-las, apalpá-las no corpo, assim como praticar sexo com introdução vaginal do pénis, coito oral e cópula com ambas, o que fez de forma livre, deliberada e consciente, com a intenção de satisfazer os seus apetites sexuais bem sabendo que ofendia a liberdade de autodeterminação sexual das mesmas.
25. Na actuação que teve com ambas as menores, o arguido aproveitou a oportunidade para praticar os primeiros factos por falta de oposição das mesmas e depois os demais, dado que continuou a não ter qualquer oposição de quem quer que seja, sendo que as menores acediam aos seus pedidos o que lhe facilitava a manutenção da conduta.
26. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
27. O arguido nasceu numa família de parcos recursos financeiros, sendo o seu agregado constituído pelos pais e nove irmãos, tendo o progenitor falecido há cerca de 10 anos, vítima de homicídio.
28. O arguido frequentou o oitavo ano de escolaridade, que não completou para iniciar a vida laboral, demonstrando hábitos de trabalho.
29. Actualmente continua a residir com a sua progenitora e dois irmãos, vivenciando o agregado uma situação económica precária, uma vez que a progenitora e um dos irmãos se encontram desempregados.
30. Aufere, como operário da construção civil, a quantia mensal de cerca de €450, estando a amortizar empréstimo contraído para aquisição de veículo automóvel e entregando cerca de €100 à sua progenitora para comparticipar nas despesas do agregado.
31. Beneficia de apoio da progenitora e de todos os seus irmãos e é referenciado localmente como educado, trabalhador e não conflituoso.
32. Apesar do declarado arrependimento, o arguido desvaloriza os actos que praticou, reconduzindo a sua responsabilidade à conduta das próprias menores.
33. Não tem antecedentes criminais.

Apreciando.

I Questão – Crime continuado?

O recorrente discorda do número de crimes pelos quais foi condenado, entendendo que cometeu apenas dois crimes de abuso sexual na forma continuada, um na pessoa da menor BB e outro na pessoa da menor CC e não três crimes de abuso sexual, na forma continuada, como foi condenado - conclusões II a XI.

O que no fulcro está em causa é saber se relativamente às condutas do recorrente em que foi ofendida a menor CC estamos perante dois ou apenas um crime de abuso sexual na forma continuada.
Estabelece o artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal, que constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Para que funcione a unificação das condutas sob a forma de crime continuado há que estar-se perante vários actos entre os quais haja uma certa conexão temporal, sendo por esta que se evidenciará uma diminuição sensível da culpa, mercê de factores exógenos que facilitaram a recaída ou recaídas.
A figura do crime continuado supõe actuações diversas, reiteração de condutas, situações que se repetem em função da verificação de determinados quadros factuais.
Entre os comportamentos existe um fio sequencial, sendo a reiteração, repetição, sequência dos actos após a primeira actividade criminosa, ilustrada no quadro exemplificativo de situações exteriores que arrastam para o crime apresentado pelo Prof. Eduardo Correia em Unidade e Pluralidade de Infracções, pág. 338.
O mesmo Autor, em Teoria do Concurso em Direito Criminal, 1967, págs. 246 e ss., refere quatro situações exteriores (reeditadas de forma sintetizada em Direito Criminal, II, pág. 210), consubstanciadoras de uma considerável diminuição da culpa do agente, que poderão estar na base de uma continuação criminosa, a saber:
a) «A circunstância de se ter criado, a partir da primeira actividade criminosa, uma certa relação, de acordo entre os sujeitos» - situação que exemplificava com o caso dos delitos sexuais e nomeadamente o adultério;
b) «Voltar a verificar-se a mesma oportunidade que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa» - situação que exemplificava com os casos, entre outros, do criado que furta vários cigarros ao patrão, deixados ao seu fácil alcance, e do caixa que vai igualmente descaminhando em proveito próprio o dinheiro que lhe foi entregue;
c) «A perduração do meio apto para a realização de um crime, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa» - situação que exemplificava com os casos , entre outros, do moedeiro falso que, tendo adquirido ou construído a aparelhagem destinada a fabricar notas, se vê sempre de novo solicitado a utilizá-la e do burlão que, tendo alcançado ou falsificado um documento, com que praticou uma primeira burla, é de novo solicitado a cometer com ele uma outra;
d) A circunstância «de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa», situação que exemplificava com o caso do indivíduo que penetra num quarto para furtar jóias e, depois de as subtrair, verifica que no quarto também se encontra dinheiro, de que igualmente se apropria.
Segundo o acórdão do STJ, de 24-11-1993, BMJ n.º 431, pág. 255, são pressupostos do crime continuado:
- A plúrima violação do mesmo tipo legal de crime ou de vários tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico;
- Que essa realização seja executada por forma essencialmente homogénea;
- Que haja proximidade temporal das respectivas condutas;
- A persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui sensivelmente a culpa do agente;
- Que cada uma das acções seja executada através de uma resolução e não com referência a um desígnio inicialmente formado de, através de actos sucessivos, defraudar o ofendido. (cfr., para além do supracitado, os acórdãos do STJ de 12-04-2007, processo n.º 814/06 - 5.ª; de 17-05-2007, processo n.º 1133/07 - 5.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07 - 5.ª e de 13-09-2007, processo n.º 2170/07 - 5.ª).

Como se extrai do acórdão de 25-06-1986, BMJ n.º 358, pág. 267, a realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir:
- Um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial;
- Um só crime, na forma continuada, se toda a actuação não obedeceu ao mesmo dolo, mas este estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para a reiteração das condutas;
- Um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores.

Como decidiu o acórdão do STJ, de 27-04-1983, processo n.º 36933, verifica-se um crime continuado quando se provem plúrimas violações da mesma norma pelo agente, proximidade temporal das respectivas condutas parcelares e também a manutenção da mesma situação exterior, a proporcionar as subsequentes repetições e a sugerir a sua menor censurabilidade.
Como se pode ler no acórdão do STJ de 24-01-2007, processo n.º 4066/06-3ª, pressuposto da continuação criminosa é, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de maneira considerável facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.
Assim, também o acórdão do STJ de 14-02-2007, no processo n.º 4100/06 - 3.ª refere que «O crime continuado ocorre quando o agente, com unidade de propósito e violando o mesmo bem jurídico – pertencente a uma pessoa ou a várias sempre que o bem ou bens violados não sejam de natureza eminentemente pessoal –, executa em momentos distintos acções diversas, cada uma das quais conquanto integre um comportamento delituoso, não constitui mais do que a execução parcial de um só e único facto típico, sendo que o seu fundamento reside no menor grau de culpa do agente».
Ainda nas palavras do mesmo acórdão de 14-02-2007 proferido no processo n.º 4100/06 - 3.ª, «Para haver crime continuado é necessário, pois, que se tenha verificado um circunstancialismo exógeno condicionante da conduta do agente, que lhe tenha facilitado (como que tentando-o) a repetição, em termos tais que lhe diminua consideravelmente a culpa.
Como expendeu Eduardo Correia, quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve encontrar-se no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto, pelo que pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito. A situação exterior deve ser tal que objectivamente facilite a execução do facto criminoso ou prepare as coisas para a repetição do facto.»

Este STJ tem considerado que não integra a figura do crime continuado a realização plúrima do mesmo crime se não forem as circunstâncias exteriores ao agente que o levaram a sucumbir, mas sim o desígnio inicialmente formado de através de actos sucessivos lesar o queixoso, como se elucida no acórdão de 24-01-2007, processo n.º 4347/06-3ª, onde se afirma: «A noção de crime continuado contida no art. 30.º, n.º 2, do CP é tributária do pensamento do Prof. Eduardo Correia, expressa em Direito Criminal, II, 1992, pág. 209, e pressupõe a realização plúrima do mesmo tipo legal de crime (logo de resoluções criminosas), homogeneidade na sua forma de execução, uma certa conexão temporal entre os actos individuais, na forma de proximidade temporal entre as sucessivas condutas, lesão do mesmo bem jurídico, uma unidade de dolo continuado (que se apresenta como um fracasso psíquico e sempre homogéneo do autor na mesma situação de facto, na lição de Jescheck, in Derecho Penal, Parte General, pág. 216) e a persistência, a manutenção de uma situação externa, de uma mesma situação exterior ao agente, que reduza, de forma substancial, a culpa, o juízo de censura do agente, apta “a gerar um repetido sucumbir” e a fundar um menor juízo de censura.
Como se afirma no acórdão deste Supremo de 23-01-2008, no processo n.º 4830/07 - 3.ª, versando caso de abuso sexual de crianças agravado, «O fundamento da unificação criminosa consiste na diminuição da culpa do agente, resultante da “cedência” a uma solicitação exterior, e não na unidade de resolução criminosa ou na homogeneidade da actuação delitiva. Esta última, assim como a proximidade temporal das condutas, é um elemento meramente indiciário da continuação criminosa, que deverá ser confirmado pela verificação de uma solicitação exterior mitigadora da culpa. Por sua vez, a unidade de resolução criminosa nem sequer existe no crime continuado, pois o que caracteriza esta figura é precisamente a renovação de tal resolução perante as solicitações externas exercidas sobre o agente. Por isso, sempre que a repetição da conduta criminosa seja devida a uma tendência da personalidade do agente, a quaisquer razões de natureza endógena, que ocorra independentemente de qualquer solicitação externa, ou que decorra de oportunidade provocada ou procurada pelo próprio agente, haverá pluralidade de crimes e não crime continuado».
Afastando a continuação criminosa e optando pela punição pelo cometimento de pluralidade de crimes, podem ver-se os acórdãos deste Supremo, de 22-01-2004, processo n.º 4430/03-5ª, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 179 (as circunstâncias exteriores conscientemente procuradas e criadas pelo agente não podem ser vistas como facilitadoras das sua reiteração criminosa, mas antes como uma inequívoca persistência delituosa, revelando uma manifesta intensidade dolosa que afastam a diminuição da correspondente culpa); de 05-09-2007, processo n.º 2273/07-3ª, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 189 (afasta a continuação criminosa e opta pela punição pelo cometimento de 3 crimes de violação); de 16-01-2008, processo n.º 4735/07-3ª (dois crimes de violação e não um na forma continuada); de 01-10-2008, processo n.º 2872/08-3ª e de 25-03-2009, processo n.º 490/09-3ª, ambos do mesmo relator, versando abuso sexual de menores (sempre que se comprove que a reiteração, menos que a disposição das coisas, fique a dever-se a uma certa tendência da personalidade do criminoso, não poderá falar-se numa atenuação da culpa e fica, portanto, excluída a possibilidade de existir um crime continuado); de 29-10-2008, processo n.º 2869/08-5ª; de 19-03-2009, processo n.º 392/09-3ª e processo n.º 483/09-3ª; de 14-05-2009, processo n.º 36/07-5ª (há que distinguir entre a reiteração criminosa que resulta de uma situação externa que subsiste ou se repete sem que o agente para tal contribua e aquela que resulta de uma situação procurada, provocada ou organizada pelo próprio agente. Neste segundo caso, são obviamente razões endógenas que levam à reiteração criminosa e portanto não existe atenuação da culpa, antes uma culpa agravada, estando pois excluído o crime continuado).

Para Paulo Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 137, o crime continuado consiste numa unificação jurídica de um concurso efectivo de crimes que protegem o mesmo bem jurídico, fundada numa culpa diminuída, sendo seus pressupostos a realização plúrima de violações típicas do mesmo bem jurídico; a execução essencialmente homogénea das violações e o quadro de solicitação do agente que diminui consideravelmente a sua culpa.
A diminuição sensível da culpa supõe a menor exigibilidade de conduta diversa do agente.
A fls. 139, nota 28, adverte que o abuso sexual de uma mesma criança, dado como exemplo daquela diminuição face a existência de “relação ou acordo entre os sujeitos” não é de aceitar, pois a ciência médica e a experiência da vida mostram que o abuso sexual repetido de uma criança provoca uma tortura psicológica na criança que vive no pavor constante de vir a ser mais uma vez abusada pelo seu abusador.
E acrescenta “A consciência, o aproveitamento e até o gozo do abusador com esta tortura psicológica são incompatíveis com a informação de uma culpa diminuída do agente abusador. Quando for esse o caso, não há diminuição sensível da culpa, ao contrário há uma culpa agravada do agente do crime”.
A diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca. No caso de o agente provocar a repetição da ocasião criminosa – se ele procura de novo a vítima - não há diminuição sensível da culpa – ibidem, nota 29.
Ao invés, a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso.

Retomando o caso concreto.

Na apreciação a efectuar temos que ter em conta que o recorrente, depois de um primeiro relacionamento com a menor BB, de Setembro de 2007 a Abril de 2008, descrito nos factos provados n.º s 1 a 14, na posse do número de telemóvel da menor CC, colega daquela, iniciou com esta abordagem a partir de Abril de 2008, a que se seguiram contactos que duraram até ser descoberto debaixo da cama pela avó da menor em Maio de 2008, conforme resulta dos factos provados n.º s 15 a 19.
Este primeiro ciclo de actuação do recorrente fechou-se assim em Maio/Junho de 2008, tendo abusado sucessivamente de BB e CC.
Em 3 de Junho de 2008, tendo sido detido na véspera (fls. 545vº do 3º volume), o ora recorrente é sujeito a interrogatório judicial por via destas condutas, sendo-lhe então impostas medidas de coacção, sendo que para além das apresentações semanais no OPC mais próximo da residência, foram-lhe impostos quatro tipos de proibições, visando todas obviamente evitar que o arguido contactasse, se aproximasse, falasse, tivesse qualquer tipo de contacto com as abusadas menores e de uma forma mais geral, porque não só ficou interdita a aproximação à Escola Secundária de ........., como de outras escolas destinadas ao ensino básico e secundário e de outros locais destinados à frequência de menores de 16 anos (auto de 1º interrogatório de fls. 563 a 575).
A partir desse dia, tendo estado detido durante cerca de 24 horas, ficou muito claro para o recorrente que não deveria aproximar-se ou contactar por qualquer meio menores de 16 anos e, obviamente, por maioria de razão, as menores BB e CC.
Mas o recorrente não tardou em esquecer o cenário proibitivo e trata de entrar em cena em finais do mês, como se nada tivesse acontecido, como se não tivesse estado presente ao juiz, devido àqueles comportamentos, como se as proibições não existissem.
O interrogatório deveria ter sido sentido pelo arguido como uma tomada de consciência da ilicitude e censurabilidade da sua conduta, levando-o a agir de modo diverso.
Em vez disso, contra o que seria de esperar, o recorrente reiniciou o contacto, “reincidiu”, retomou o anterior comportamento.
O quadro assim traçado não permite afirmar a subsistência duma situação exterior que determine menor exigibilidade na sua actuação, pelo que é de excluir uma diminuição de culpa.
O interrogatório operou uma alteração da unidade de contexto situacional, dando um aviso, um alerta para mudança de rumo, que não conseguiu ter influência dissuasora, não tendo sido acolhido, tendo pelo contrário o arguido renovado o processo de motivação, assentando numa reflexão, numa nova e autónoma resolução para a prática de um outro crime.
Ressalvada a devida distância da comparação, o arguido agiu talqualmente o arguido, que tendo sido condenado, tendo recebido uma advertência de forma solene, faz tábua rasa da admonição e enceta a repetição, dentro de um novo quadro de vontade de actuar, de contrariar a lei, de manifestar uma vez mais que não pretende ser fiel ao direito, cometendo nova infracção, seja em registo de reincidência em sentido próprio, seja de sucessão, denotando culpa agravada.
Foi o que de alguma forma se passou aqui.
Evidente que não se está face a uma condenação transitada, mas há um primeiro contacto do arguido com o sistema de justiça no plano criminal, sendo o ora recorrente sujeito a interrogatório, perante um juiz de instrução, sendo-lhe dado conhecimento dos seus direitos de arguido, dos factos que lhe eram imputados, ganhando a partir daí, caso não tivesse antes, a consciência de que as suas condutas integravam crimes, que por haver indícios fortes da sua prática, eram-lhe aplicadas medidas de coacção, abrangendo vários tipos de proibições.
Não obstante estes sérios avisos de que haveria que arrepiar caminho e que não havia lugar a outra atitude que não fosse a abstenção de retomar a vida antiga, eis que o arguido fazendo orelhas moucas, retoma o dedilhar das teclas do telemóvel, trocando mensagens com o fruto proibido, projectando a renovação das práticas sexuais com a CC, que continuava menor de 13 anos.
Esta ideia de interrupção e de retoma ou renovação de conduta foi vertida de forma clara no seguinte trecho, de fls. 1570, do acórdão de .........:
«É que a asserção de um só crime continuado em relação à CC apenas é válida até à data em que o arguido foi detido e sujeito a interrogatório judicial, onde lhe foram aplicadas medidas de coacção tendentes a evitar precisamente que prosseguisse com a actividade delituosa.
Esta diligência e medidas de coacção decretadas, de que o arguido ficou ciente, constituíram uma interrupção da resolução criminosa inicial, quanto a CC, resolução essa que o arguido viria a renovar mais tarde, voltando a contactá-la e mantendo com ela coito oral e vaginal, em circunstâncias idênticas às anteriores mas já na concretização de uma nova e mais intensa resolução criminosa; o crime continuado pressupõe sempre uma unidade de dolo, requerendo-se um dolo global que abarque o resultado total do facto nos seus termos essenciais, quanto ao lugar, ao tempo, à pessoa da vítima e à forma de cometimento, de tal modo que os actos parciais não representem mais do que a realização sucessiva da totalidade querida unitariamente (cfr. Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Tradução de Mir Puig e Muñoz Conde, pag. 1002).
Para que, em ambas as fases, se pudesse concluir pela prática de um único crime continuado mostrava-se, pois, necessário que o últimos actos praticados estivessem incluídos no dolo primacial (plano ou resolução criminosa inicial), o que não pode considerar-se verificado, dada a intervenção judicial como meio preventivo e de oposição à continuação delituosa, as circunstâncias que rodearam a acção inicial sofreram uma significante alteração, quer ao nível subjectivo, quer objectivo, sendo neste último caso traduzidas numa ingerência judicial com o escopo de impedir a prática de novos actos ilícitos típicos».

Não há dúvida de que o recorrente renovou a sua intenção de prática de actos sexuais, contrariando, desconsiderando, afrontando, desrespeitando, violando, de forma clara, completa, temerária, revelando mesmo alguma audácia, as medidas de coacção que lhe haviam sido impostas, que lhe impunham a limitação de liberdade de locomoção e de relação; o arguido assumiu um comportamento reflectido e persistente, teve de vencer os meios inibitórios que visavam exactamente impedir a repetição do acontecido, não se tendo aproveitado de um qualquer quadro permissivo, seja de que tipo for, antes dando um contributo unilateral e decisivo para a repetição.
A situação exterior não era claramente de molde a proporcionar a repetição e a sugerir a sua menor censurabilidade. Bem pelo contrário. O quadro de vida proposto à saída do interrogatório não era de facilitismo, mas antes de cerceamento de algumas das suas liberdades, que visavam a não criação de condições para a repetição, que no fundo tinham por objectivo não ser molestada a liberdade sexual das menores abusadas ou outras.
Neste quadro de vida que o arguido procurou no pós 3 de Junho de 2008, não há lugar a qualquer pincelada que unifique o que se seguiu à conduta anterior, pois que na transposição passado futuro, presentes apenas a abusada e o abusador, mas este com uma renovada, reafirmada, intenção.
Como assim, não há lugar a unificação das condutas descritas nos pontos de facto n.º 15 a 19 por um lado e 21 a 23, por outro, não se estando perante um único crime continuado, mas dois crimes continuados praticados na pessoa de CC.
Improcede assim esta pretensão do recorrente, mantendo-se os dois crimes de abuso sexual, na forma continuada, na pessoa da menor CC.


II Questão - Atenuação especial da pena parcelar respeitante ao crime continuado de que foi vítima a menor BB

Na conclusão XVII, a propósito da pena parcelar correspondente ao crime continuado de que foi vítima a menor BB, defende o recorrente que atenta a confissão, o ter mostrado arrependimento e o ter tentado reparar os danos morais causados a tal ofendida, deveria ser considerada uma atenuação especial da pena, nos termos do disposto nos artigos 72° e 73° do Código Penal, e na conclusão XXIX invoca a violação dos artigos 72º, n.º 1, alínea c) e 73º do Código Penal.
Pese embora a pretensão de ver atenuada especialmente a pena a aplicar pelo crime referido, o recorrente não terá retirado todas as consequências de tal alegação, pois a final pede a fixação das penas em medida igual para os dois crimes (únicos a existirem em seu entendimento), em 3 anos e 6 meses – cfr. conclusões XXII e XXIII.
Esta questão suscitada pelo recorrente nas conclusões citadas deve ser analisada antes da referente à medida das penas parcelares por constituir um “prius”, já que, a vingar a sua procedência, estar-se-ia perante um regime de punição mais atenuada, uma moldura abstracta mais benévola, dentro da qual sequentemente, a proceder essa pretensão, teria de encontrar-se a medida concreta da pena a aplicar a tal crime, fazendo actuar os critérios do artigo 71º do Código Penal já dentro de uma moldura com limites mais baixos, determinados por essa atenuação.
Estabelece o nº 1 do artigo 72º do Código Penal, na redacção dada pela terceira alteração – Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março – e mantido inalterado na 23ª alteração ao mesmo Código, operada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
O n.º 2 elenca algumas de “entre outras” circunstâncias que podem ser consideradas para o efeito consignado, a saber:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.
Em anotação a este artigo Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, I, consideram: “Seguiu-se neste art. 72º o caminho de proceder a uma enumeração exemplificativa das circunstâncias atenuantes de especial valor, para se darem ao juiz critérios mais precisos de avaliação do que aqueles que seriam dados através de uma cláusula geral de avaliação.

Pressuposto material da atenuação da pena, autónomo ou integrado pela intervenção valorativa das situações exemplificativamente enunciadas, é a acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção.
Em relação à versão originária de 1982, a expressão do nº 1 do então artigo 73º «O tribunal pode atenuar» foi substituída por «O tribunal atenua», tendo sido aditada a alternativa final «ou a necessidade da pena».
Este aditamento veio esclarecer que o princípio basilar que regula a atenuação especial é a diminuição acentuada não só da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena, e consequentemente das exigências de prevenção.
Esclarece Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 302/307, a propósito do paralelismo entre o sistema (ou o «modelo») da atenuação especial do artigo 72º e o sistema da determinação normal da pena previsto no artigo 71º, que tal paralelismo é só aparente, pois enquanto no procedimento normal de determinação da pena são princípios regulativos os da culpa e da prevenção, na atenuação especial tudo se passa ao nível de uma acentuada diminuição da ilicitude ou da culpa, e, portanto em último termo, ao nível do relevo da culpa, pelo que seriam irrelevantes as exigências da prevenção, o que não ocorre face a alguns dos exemplos ilustrativos da situação especialmente atenuante contida na cláusula geral do nº 1 do artigo 72º, ou seja, das situações aí descritas só significativas sob a perspectiva da necessidade da pena (e, por consequência, das exigências da prevenção), concluindo no § 451: princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.
A atenuação especial resultante da acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção corresponde a uma válvula de segurança do sistema, que só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais, em que a imagem global do facto resultante da actuação da (s) atenuante (s) se apresenta com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
Daí – e continuamos a citar - estarmos perante um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa, com redução de um terço no limite máximo da moldura prevista para o facto e várias hipóteses na fixação do limite mínimo.
Adianta o Mestre de Coimbra, in Direito Penal Português, As Consequências (…), II, § 453, pág. 306, a propósito das circunstâncias descritas nas alíneas do artigo 72º, nº 2, do Código Penal, que constituem exemplos ilustrativos da situação especialmente atenuada contida na cláusula geral do artigo 73º, nº 1 (actual artigo 72º) que: «passa-se aqui algo de análogo – não de idêntico - ao que sucede com os exemplos-padrão: por um lado, outras situações que não as descritas nas alíneas do nº 2 do art. 72º podem (e devem) ser tomadas em consideração, desde que possuam o efeito requerido de diminuir, por forma acentuada, a culpa do agente ou as exigências da prevenção; por outro lado, as próprias situações descritas naquelas alíneas não têm o efeito «automático» de atenuar especialmente a pena, só o possuindo se e na medida em que desencadeiem o efeito requerido». E conclui que a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o autêntico pressuposto material da atenuação especial da pena.
Espelham estes ensinamentos vários arestos deste Supremo Tribunal, de que são exemplos os seguintes:
Como se expressou o acórdão do STJ, de 23-02-2000, processo nº 1200/99-3ª, SASTJ, nº 38, pág. 75, «É na acentuada diminuição da ilicitude e/ou da culpa e/ou das exigências da prevenção que radica a autêntica ratio da atenuação especial da pena. Daí que, as circunstâncias enunciadas no nº 2 do artigo 72º do Código Penal, não sejam as únicas susceptíveis de desencadear tal efeito, nem este seja consequência necessária ou automática da presença de uma ou mais daquelas circunstâncias».
No acórdão de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 220, pode ler-se: a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, considerando-se como antiquada a solução de consagrar legislativamente a cláusula geral de atenuação especial como válvula de segurança, pois que dificilmente se pode ter tal solução por apropriada para um Código como o nosso, “moderno e impregnado pelo princípio da humanização e dotado de molduras penais suficientemente amplas”, seguindo-se aqui a lição constante do § 465 da referida obra de Figueiredo Dias.
No acórdão de 03-11-2004, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 217 refere-se: “Justifica-se a aplicação do instituto de atenuação especial da pena, que funciona como instrumento de segurança do sistema nas situações em que se verifique um afastamento crítico entre o modelo formal de integração de uma conduta em determinado tipo legal e as circunstâncias específicas que façam situar a ilicitude ou a culpa aquém desse modelo”.
E no acórdão de 25-05-2005, CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 207: “A atenuação especial da pena só pode ser decretada (mas se puder deve sê-lo) quando a imagem global do facto revele que a dimensão da moldura da pena prevista para o tipo de crime não poderá realizar adequadamente a justiça do caso concreto, seja pela menor dimensão e expressão da ilicitude ou pela diminuição da culpa, com a consequente atenuação da necessidade da pena - vista a necessidade no contexto e na realização dos fins das penas”.
Como se extrai do já citado acórdão de 07-06-2006, processo n.º 1174/06 - 3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 207, “A atenuação especial da pena depende do concurso de circunstâncias anteriores, posteriores ou concomitantes ao crime, que façam diminuir de forma acentuada a culpa, a ilicitude e a necessidade de pena, elencando de forma não taxativa o n.º 2 do art. 72.º do CP os seus factos-índices, ligados a uma imagem global do facto favorecente do agente criminoso.
O verdadeiro pressuposto material da atenuação são exigências de prevenção, na forma de reprovação social do crime e restabelecimento da confiança na força da lei e dos órgãos seus aplicadores e não apenas a ilicitude do facto ou a culpa do agente.
Ao decréscimo ligeiro da pequena e média criminalidade, entre nós, contrapõe-se um aumento da criminalidade violenta, mediante o recurso a armas de fogo, em situações manifestamente ilegais, como o presente caso mais uma vez confirma; impõe-se uma pena, com efeito dissuasor, fora do quadro da atenuação especial, em nome de fortes e sentidas necessidades de prevenção geral, sendo certo que nem a culpa, nem a ilicitude ou as necessidades da pena se mostram esbatidas de forma acentuada”.
Nessa esteira, podem ver-se ainda os acórdãos de 05-02-1997, processo n.º 47885-3ª, SASTJ, n.º 8, Fevereiro 1997, pág. 77; de 07-05-1997, BMJ n.º 467, pág. 237; de 29-04-1998, processo n.º 449/98, CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 191; de 24-03-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 247; de 07-10-1999, BMJ n.º 490, pág. 48; de 10-11-1999, processo 823/99, SASTJ, nº 35, 74; de 18-10-2001, processo 2137/01-5ª, SASTJ, nº 54, 122; de 28-02-2002, processo n.º 226/02 - 5ª; de 18-04-2002, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 178; de 22 -01- 2004, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 183; de 20-10-2004, processo n.º 2824/04 - 3ª; de 06-10-2005, processo n.º 2632/05 - 5ª; de 17-11-2005, processo n.º 1296/05 - 5ª; de 07-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 229; de 15-12-2005, processo n.º 2978/05 - 5ª; de 06-06-2006, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 204; de 07-12-2006, processo n.º 3053/06 - 5ª; de 21-12-2006, processo n.º 4540/06 - 5ª; de 08-03-2007, processo n.º 626/07 - 3ª; de 06-06-2007, processos n.ºs 1403/07 e 1899/07, ambos da 3ª secção e processo n.º 1603/07-5ª; de 14-06-2007, processos n.ºs 1895/07 e 1908/07, ambos da 5ª secção; de 21-06-2007, processo n.º 1581/07 - 5ª; de 28-06-2007, processo n.º 3104/06 - 5ª; de 12-09-2007, processo n.º 2702/07 - 3ª; de 17-10-2007, processo n.º 3265/07 - 3ª; de 07-11-2007, processo n.º 3225/07 - 3ª; de 28-11-2007, processo n.º 3981/07 - 3ª; de 05-12-2007, processo n.º 3266/07 - 3ª; de 16-01-2008, processos n.ºs 4638/07 e 4837/07, ambos da 3ª secção; de 23-01-2008, processo n.º 4560/07 - 3ª; de 13-03-2008, processo n.º 2589/07 - 5ª; de 26-03-2008, processos n.ºs 105/08 e 306/08-3ª; de 17-04-2008, processo n.º 4732/07 - 5ª; de 30-04-2008, processo n.º 1220/08 - 3ª; de 03-07-2008, processo n.º 1226/08 - 5ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08 - 3ª; de 21-01-2009, processo n.º 4029/08 - 3ª; de 12-03-2009, processo n.º 3781/08 - 3ª; de 23-04-2009, processo n.º 388/09 - 5ª; de 02-04-2009, processo n.º 93/09 - 5ª; de 21-10-2009, processo n.º 360/08.5GEPTM-3ª.

Revertendo ao caso concreto.

Na análise a fazer há que ter uma visão integral do facto, atender ao pleno das circunstâncias que enformaram os factos, incluindo o significado da alegada reparação do dano em relação à menor BB.
Como bem diz o Ministério Público na resposta apresentada, a atenuante do arrependimento sincero só pode verificar-se quando o agente pratica o facto mas logo depois arrepende-se e espontaneamente esforça-se por impedir ou atenuar as suas consequências, ou antes do julgamento efectua a reparação integral do dano.
O que ficou assente, como de resto, de forma cristalina, ressalta do ponto de facto provado n.º 32, foi a emissão de uma declaração de arrependimento, o que não significa que se esteja perante um autêntico, verdadeiro, são e descomprometido arrependimento, a significar, a revelar, a fazer transparecer o que vai na alma do declarante, a corresponder a uma efectiva interiorização do desvalor do acto cometido, a dar voz a uma assunção do erro, a transmitir uma contrição da falta, a passar o testemunho de uma consciencialização do ilícito e de uma vontade de fidelização aos valores do direito no futuro.
A declaração de arrependimento do arguido tem de ser entendida com a verdadeira amplitude e o alcance que tem, pois uma coisa é declarar arrependimento no que pode ser uma declaração de circunstância determinada pelas circunstâncias, outra a corresponder a uma interiorização do mal da conduta.
Ora, face ao entendimento do “destinatário da declaração”, expressa no que se encontra na exposição da motivação da decisão de facto, o que se vê é que a declaração não correspondeu a um estado de alma, à expressão de uma convicção, mas a uma verbalização de algo circunstancial, conveniente, utilitário, na iminência de uma condenação que se adivinhava.
Na verdade, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a fls. 1563/4, ficou consignado:
«O arguido, prestando declarações, confessou, embora de forma generalizada, grande parte dos factos apurados, mormente no que concerne ao envolvimento sexual com ambas as menores identificadas nos autos.
Não reconhecendo veracidade a algumas das situações descritas no libelo, quedou mais vincadamente a sua negação na alegação de que teria sido enganado pelas menores no que respeita à idade (teriam dito terem 15 anos), asseverando ainda que, quanto à BB, não desconfiou porque tinha corpo para isso, mas ainda desconfiou quanto à CC, acabando por acreditar no que esta lhe tinha dito.
Por outro lado, a marca essencial do seu depoimento traduziu-se no facto de atribuir a ambas as menores a iniciativa quase total no que levou à prática dos actos sexuais apurados, denunciando um aparente papel passivo na situação e deixando antever que achava que as menores eram ambas, eles sim, mais propensas ao relacionamento íntimo consigo.
Este seu discurso, analisados todos os outros meios de prova disponíveis nos autos, no que se incluíram as declarações das vítimas e o relatório elaborado quanto à sua personalidade, não deixou dúvidas ao tribunal de que a declaração de arrependimento do arguido não passou da expressão de algo que era obrigatório para quem está na iminência de poder ser condenado a pena de prisão.
Com efeito, dimanou amplamente que, apesar do declarado arrependimento, ainda hoje o arguido desvaloriza os actos que praticou, como se a responsabilidade pelos mesmos também recaísse sobre as próprias menores, não obstante a tenra idade destas e, necessariamente, pouca experiência com o sexo oposto» (sublinhados nossos).

Como se extrai do acórdão deste Supremo de 9-01-2008, processo n.º 3162/07-3ª o arrependimento é um acto interior revelador de uma personalidade que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente, no sentido de que, se vierem a deparar-se-lhe situações idênticas, não voltará a delinquir; em sentido semelhante, o acórdão de 18-12-2008, processo n.º 2388/08 - 5ª.
Como se afirma no acórdão de 02-03-2006, processo n.º 472/06-5ª, a circunstância que a lei admite constituir índice de diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, é o arrependimento sincero do agente, ou seja, o seu pesar sincero pela falta cometida, a sua contrição, o seu remorso, o que passa pela assunção do desvalor da conduta e do resultado. Mas não é qualquer arrependimento sincero que releva nesta sede, tem de ser um arrependimento que se traduz em actos concretos, nomeadamente na reparação, como demonstração objectiva do arrependimento que se propala. A propósito da diferença entre estar e mostrar arrependimento, veja-se do mesmo relator, o acórdão de 15-12-2005, processo n.º 2978/05-5ª.
Referia o acórdão de 02-12-1993, processo n.º 45255, que a atenuante especial do arrependimento sincero do arguido demonstrado por actos não se satisfaz com um arrependimento meramente proclamado em audiência, desacompanhado de actos ou fenómenos exteriores que o comprovem. O legislador, na sua sabedoria das realidades da vida, não deixou de ter em conta o quanto é fácil afirmar em audiência que se está arrependido.
Como ficou assente no ponto de facto provado n.º 32 “Apesar do declarado arrependimento, o arguido desvaloriza os actos que praticou, reconduzindo a sua responsabilidade à conduta das próprias menores”.

Sendo assim, óbvio será que a declaração não passará disso mesmo, porque a desvalorização dos actos praticados é a insofismável negação da declaração, do proclamado arrependimento, dada a manifesta e inultrapassável incompatibilidade entre o suposto arrependimento e a expressa desvalorização dos actos praticados, devolvendo às menores de 12 e 13 anos a responsabilidade pelos seus comportamentos desviantes.
No que tange à invocada reparação, que poderá funcionar como índice de arrependimento, há que dizer que não se está perante qualquer forma de reparação espontânea nem tão pouco já consumada.
A reparação possível só se alcançará através de uma indemnização que compense o dano não patrimonial sofrido pela menor nos seus afectados direitos de personalidade e de autodeterminação sexual.
A reparação a que alude o recorrente não se revê num quadro de composição extrajudicial feita mais cedo, pois mais não é do que solução emergente da transacção como expressamente refere no ponto 42º da motivação.
Como consta do relatório supra, foi deduzido pedido cível de indemnização apenas pela menor BB.
Como se colhe da acta de julgamento de fls. 1554/5, em 22 de Julho de 2009, foi celebrado contrato de transacção quanto ao pedido de indemnização formulado pela demandante BB, tendo esta reduzido o pedido inicial de 8.000 € para 3.000 €, sendo que a cifra acordada, conforme o clausulado, será paga em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas de 250,00 €, o que desde logo inculca que só mesmo à beira do fim do julgamento houve acordo, não tendo até então o arguido procurado reparar o que quer que fosse.
Por outro lado, a haver inexecução e necessidade de recorrer à via executiva, o título executivo, tal como foi redigido o contrato, poderá suscitar algumas dificuldades, pois indica-se na 2 ª cláusula como termo final do pagamento o dia 31/01/2007 (!SIC) indicando-se o vencimento da 1ª prestação para 15-08-2009.
De todo o modo o que há que retirar é que a reparação apenas terá tido início em 15 de Agosto de 2009.
Não será despiciendo ter em conta que apenas em relação a esta ofendida o recorrente coloca esta questão e já não face à outra, o que se explicará porque só o pai da BB deduziu pedido. De todo o modo a reparação possível nestes casos não passa apenas por uma compensação pecuniária, mas por um pedido de desculpas que não terá acontecido.
Improcede assim esta pretensão do recorrente, não havendo lugar a atenuação especial da pena.


III Questão - Medida das Penas Parcelares

O recorrente discorda da medida das penas parcelares que entende serem manifestamente elevadas, desproporcionais e injustas, defendendo a sua redução – conclusões XII a XXIII.
No que toca especificamente à pena a aplicar pelo crime de que foi vítima BB, o recorrente convocou arrependimento e o ter tentado reparar os danos morais causados, para defender uma atenuação especial da pena conclusão XVII, questão já resolvida.
Ao crime de abuso sexual de menor, p. p. pelo artigo 171º, n.º 2, do Código penal, corresponde uma pena de prisão de três a dez anos.
Sobre a medida concreta das penas parcelares, de fls. 1571 a 1573, disse o acórdão de .........:
«O grau de ilicitude do facto (mais grave das três continuações) mostra-se muito elevado; o arguido logrou introduzir-se durante a noite em casa da BB e, no quarto dela, praticou relações de cópula, tendo retirado o seu pénis da vagina antes de ejacular, o que fez por cima desta; por outro lado, quanto à CC, logo num dos primeiros encontros, no interior da viatura, conseguiu que a vítima o masturbasse e colocasse o pénis na sua boca, ejaculando o arguido para o tapete do carro; por outro lado e já depois de estar sob medidas de coacção apertadas e tendentes a evitar precisamente a pratica desse tipo de actos, logrou levar a CC para o interior do seu carro e com ela praticou sexo oral e vaginal, após o que foi surpreendido pelo pai da menor.
Estes comportamentos, na sua especificidade, denunciam uma elevada indiferença ético-jurídica relativamente aos bens tutelados pela norma incriminadora.
O dolo com que actuou surgiu na sua modalidade mais grave – dolo directo -, que demonstra uma grande intensidade da vontade e um vasto grau de conhecimento factual.
A acção do arguido protelou-se, em todas as situações, por um atendível período de tempo, mantendo-se a intensidade do dolo e a inerente resolução criminosa, sendo certo que a última das quais já surgiu depois de contacto com a justiça e em plena violação de medidas de coação impostas.
As exigências de prevenção geral são, em situações como a vertente, acentuadas, dado o grande alarme social que os crimes em causa provocam e os prejuízos que são susceptíveis de acarretar na formação da personalidade e desenvolvimento afectivo e emocional das vítimas.
Pese embora não tenha antecedentes criminais, são muito prementes, in casu, as exigências de prevenção especial de intimidação (prevenção da prática de novos crimes), uma vez que igualmente se mostra demonstrado que, apesar do declarado arrependimento, o arguido desvaloriza os actos que praticou, reconduzindo a sua responsabilidade à conduta das próprias menores.
Tal factualidade indicia claramente que o infractor necessita de uma intervenção penal suficientemente forte para definitivamente o consciencializar da gravidade dos factos por que vai condenado e, por outro lado, dessa forma, prevenir que, no futuro, não venha a cometer novos ilícitos da mesma natureza.
Em seu benefício há a valorar a sua confissão parcial, a situação económica e social, que são modestas, bem assim o facto de contar com o apoio dos seus familiares e amigos».

O essencial do tema foi tratado de forma correcta e completa na decisão recorrida, sendo avaliadas as condutas do recorrente em função dos parâmetros legais, que foram respeitados, pouco mais havendo a adiantar, já que não se perspectiva qualquer necessidade de alteração.
Como é jurisprudência assente, observados os critérios legais de dosimetria concreta da pena, nomeadamente os do artigo 71º do Código Penal, há uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar, só sendo admissível correcção perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada – cfr. acórdão deste STJ de 04-03-2004, CJSTJ 2004, tomo 1, 220.
Há que atender ao elevado grau de ilicitude dos factos, o intenso dolo directo, a conduta do arguido se ter iniciado com a menor BB mantendo relacionamento durante cerca de 6 meses, a que se seguiu a colega CC, por cerca de 2 meses, a forma de execução, revelando o arguido alguma afoiteza ao entrar nas habitações da BB, indo para o quarto desta, enquanto o pai da menor dormia no andar de baixo (facto provado n.º 11) e da CC, entrando às 4 horas da manhã, vindo a ser apanhado debaixo da cama pela avó da menor (facto provado n.º 19).
As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são prementes e muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de infracção, tendo em conta o bem jurídico violado no crime em questão – a autodeterminação sexual de crianças - e impostas pela frequência de condutas deste tipo e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam na comunidade, maxime, nos últimos seis anos, em que estas questões passaram a assumir muito maior visibilidade, justificando resposta punitiva firme, o que de resto foi bem assinalado na decisão recorrida.

Atendendo aos elementos já referenciados, à não interiorização do desvalor das condutas, às referidas elevadas razões de prevenção geral, pois o abuso sexual de criança é dos crimes que causam mais profundo alarme, repulsa e indignação na comunidade, e de prevenção especial, de modo a prevenir a reincidência, o que no caso tem acrescidas razões atendendo à postura do arguido após o interrogatório, não sendo de considerar muito relevante a confissão como flui da decisão de 1ª instância, na ausência de arrependimento efectivo, tendo a seu favor a primariedade, o que não significa necessariamente bom comportamento anterior, não há razões para alterar as medidas das penas parcelares, situadas um pouco acima do limite mínimo.
Observados os critérios legais, não se estando perante uma desproporção da quantificação efectuada, nem face a violação das regras de experiência comum, é de manter as penas parcelares aplicadas, que se mostram criteriosas, equilibradas, adequadas e proporcionais, não se justificando intervenção correctiva deste Supremo Tribunal, pois que não se mostram violadas regras de experiência nem se mostram desproporcionadas as medidas aplicadas.
Pelo exposto, improcede a pretensão de redução de medida das penas parcelares.


IV Questão - Medida da Pena Única

O recorrente defende a aplicação de uma pena conjunta de 5 anos de prisão - conclusões XXIV e XXV.
Relativamente a este aspecto assim discorreu o acórdão recorrido:
«De harmonia com o preceituado no art. 77º, do Código Penal, e uma vez que os crimes cometidos se encontram numa relação de concurso efectivo, importa proceder à determinação de uma pena unitária, para o que serão valorados, no seu conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Atendendo a tais factores, nomeadamente à ausência de antecedentes criminais neste domínio de criminalidade, ao esboço do ilícito global perpetrado, que denota uma tendência do arguido para a prática de ilícitos desta natureza, não estando consciencializado da gravidade dos actos que praticou, dentro da moldura abstracta do concurso – prisão de quatro ano e seis meses a treze anos - considera-se adequada a fixação de uma pena unitária de sete anos de prisão».

Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77º, nº 1, do Código Penal, na redacção do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, inalterado pela Lei nº 59/07, de 4 de Setembro, que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E nos termos do nº 2, a penalidade, a moldura do concurso, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria.
Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal mais abrangente.
Por outro, tem lugar uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71º do Código Penal.
Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §§ 420 e 421, págs. 290/2, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72º-1 (actual 71º-1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.
Explicita o Autor que, na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso – cfr., i. a., acórdãos do STJ, de 17-03-2004, 03P4431; de 20-01-2005, CJSTJ 2005, tomo I, pág. 178; de 27-04-2006, processo n.º 669/06-3ª; de 08-06-2006, processo n.º 1613/06 - 5ª; de 07-12-2006, processo n.º 3191/06 - 5ª; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3ª, de 18-04-2007, processo n.º 1032/07 - 3ª; de 03-10-2007, processo n.º 2676/07-3ª CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 188; de 09-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181; de 06-02-2008, processos n.ºs 129/08-3ª e 3991/07-3ª CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 - 5ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 - 5ª; de 02-04-2008, processos n.ºs 302/08-3ª e 427/08-3ª; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 - 5ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 - 3ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 - 5ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 - 3ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08 - 3ª; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAOFR.C1.S1-3ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3ª.
A moldura abstracta do concurso é balizada por um limite mínimo dado pela mais elevada das penas concretamente aplicadas, tendo como máximo a soma de todas elas, mas sem ultrapassar os 25 anos de prisão.
No caso concreto, a moldura de punição será de 4 anos e 6 meses a 13 anos de prisão.
Quanto à ilicitude do conjunto dos factos, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, no caso presente estamos face apenas a crimes de abuso sexual de criança, sendo o mesmo o bem tutelado – a autodeterminação sexual das menores – será de considerar como elevada.
Quanto à modalidade de dolo, o recorrente agiu com dolo directo e intenso, substanciado no período em que se dedicou à actividade e à intersecção de vida de duas menores.
No que toca à indagação de uma conexão entre os ilícitos presentes, a única relação é a semelhança dos modos de actuação, pretendendo em ambos os casos satisfação de desejos sexuais.
Na avaliação da personalidade do recorrente, importa reter o que consta dos factos dados como provados, nomeadamente, as suas condições de vida, tendo o arguido à data da prática dos factos 25 anos de idade (actualmente 27).
Por outro lado, é de considerar o ilícito global agora julgado como resultado de uma conjuntura de vida, não revestindo a carga necessária para que se possa falar desde já em tendência criminosa.
São prementes as exigências de prevenção geral como já referido foi supra.
No que toca à prevenção especial, dúvidas não há de que o recorrente carece de socialização, tendo-se em vista a prevenção de nova reincidência.
Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, é de concluir, face à natureza e gravidade dos crimes cometidos, tendo sido respeitados os ditames legais, não se justificar outro grau de compressão, sendo de manter a pena única aplicada.
Neste segmento, o recurso é, pois, igualmente de improceder, mantendo-se a pena única aplicada.


V Questão - Suspensão da execução da pena

O recorrente nas conclusões XXVI a XXVIII expressou a pretensão de aplicação de pena única que possibilitasse a aplicação desta pena de substituição – concretamente a de cinco anos de prisão.
Atenta a medida da pena única aplicada e confirmada, não é de colocar a questão da suspensão da execução da pena, por falecer o pressuposto formal do limite máximo até onde é possível suscitar-se a aplicação de tal pena de substituição, pois que como decorre do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, em vigor desde 15-09-2007 e aqui aplicável por força do que dispõem os artigos 29.º, n.º 4, da CRP e 2.º, n.º 4, do Código Penal “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos …”, ficando assim prejudicada a pretensão de suspensão da execução da pena.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente AA, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 513º, n.º s 1, 2 e 3 e 514º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção anterior à que lhes foi dada pela Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro – Regulamento das Custas Processuais - com as alterações introduzidas pelo artigo 156º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, uma vez que de acordo com o artigo 27º daquela Lei, o novo regime de custas processuais só é de aplicar aos processos iniciados a partir de 20 de Abril de 2009), e nos termos dos artigos 74º e 87º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, do Código das Custas Judiciais, com taxa de justiça de 4 unidades de conta.
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Lisboa, 25 de Novembro de 2009

Raul Borges (Relator)
Fernando Fróis