Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09B0057
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PIRES DA ROSA
Descritores: COMPRA E VENDA DE COISA DEFEITUOSA
INDEMNIZAÇÃO
CADUCIDADE
ABUSO DE DIREITO
QUESTÃO NOVA
Nº do Documento: SJ20090507000057
Data do Acordão: 05/07/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

1 – Se alguém pretende obter um determinado efeito jurídico de uma situação que “desenha” como sustentando um direito, fica prejudicado o respectivo conhecimento se acaso se puder concluir que, a existir, o direito estará extinto... por caducidade.
2 – O contrato de compra e venda é um contrato instantâneo – ou se cumpre bem ou se cumpre mal – e, por isso mesmo, o cumprimento defeituoso da obrigação de entregar a coisa – al. b ) do art.879º do CCivil – é em si mesmo, se o defeito é da coisa, o cumprimento defeituoso ... do contrato.
3 – Ainda que só a indemnização por violação do interesse contratual positivo seja pedida, ela não deixa de ter a sua “origem” na venda ... defeituosa, e não deixa de ser, em caso algum, o “sucedâneo” com o qual se pretende assegurar a prestação ”pontual” que o defeito não deixou cumprir.
4 – Daí que a acção respectiva não possa deixar de ser tratada no mesmo âmbito temporal que a acção definida para o “essencial” do remédio do defeito: ou a acção de anulação, ou a redução do preço, ou a reparação e substituição da coisa, ou a resolução.
5 – O prazo de caducidade do art.917º do CCivil aplica-se, por isso, por interpretação extensiva, a todas as acções propostas pelo credor vítima do cumprimento defeituoso de um contrato de compra e venda, incluindo as de simples indemnização.
6 – Se a questão do eventual “abuso de direito” foi uma questão que não foi levada à Relação no recurso de apelação e é uma questão de que ela não conheceu, não pode o Supremo Tribunal de Justiça conhecer dela porque o recurso de revista é um recurso de revisão ou reponderação e “não é possível reponderar o que não existe”.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


AA, LDA instaurou, no Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Gaia, em 11 de Julho de 2007, contra BB e mulher CC acção ordinária, que recebeu o nº6859/07, da 1ª Vara de Competência Mista, pedindo a condenação dos réus a indemnizar a autora de todos os prejuízos causados em virtude de cumprimento defeituoso de um contrato de compra e venda de imóveis, celebrado por escritura pública de Julho de 1999 em quantia indemnizatória de 68 125,00 euros e ainda no pagamento dos respectivos juros moratórios desde a citação até integral pagamento, à taxa legal.

Contestaram os RR a fls.67, começando por invocar a excepção de caducidade porquanto, mesmo que fossem verdadeiros – e não são - os factos alegados pela autora, estar-se-ia não perante uma situação de cumprimento defeituoso de um contrato mas de um vício de vontade por parte da autora, havendo já caducado o direito de arguir a anulabilidade do negócio.
Replicou a autora ( fls.86 ), respondendo à excepção suscitada dizendo que não pediu a anulabilidade do negócio mas sim uma indemnização por cumprimento defeituoso, não estando a pretensão petitória sujeita a qualquer caducidade.
Em despacho saneador-sentença de fls.90 o Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia julgou verificada a excepção peremptória da caducidade, declarando a extinção do direito que a autora AA, LDA pretendia fazer valer e, em consequência, absolveu os RR BB e mulher CC do pedido.
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação fls.101 ), recebido nessa mesma espécie para subir de imediato e com efeito meramente devolutivo.
Em acórdão de fls.187 a 197 o Tribunal da Relação do Porto, todavia, julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida.
De novo inconformada, pede agora a autora revista para este Supremo Tribunal.
E, alegando a fls.230, CONCLUI textualmente:
1.lnconformada a ora Recorrente com o Acórdão recorrido, dele vem interpor recurso de revista com fundamento em três questões a saber: erro de direito quanto à decisão que validou como correcta a fixação da matéria de facto tal como foi realizada pela primeira instância e, concomitantemente, incorrecta a prolação do Acórdão ao confirmar a legalidade da decisão tomada em sede de Saneador ( Arts.659º, nºs 1 e 2, alínea b ), do nº1 do 510º e 511º, todos do CPCivil ); abuso de direito (Art.334º do CCivil) e, por fim, erro na determinação das normas jurídicas aplicadas ( Arts.916º e 917º do CCivil) com consequente erro de julgamento.
II. Questões de direito que se pretendem ver apreciadas pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, em pleno exercício dos poderes que lhe estão conferidos pela Lei.
III. O Acórdão posto em crise julgou correctamente seleccionada e portanto fixada a matéria de facto, por considerar como únicos, os dois factos dados como assentes, bastantes para determinar a verificação da caducidade.
IV. Porém, a causa não foi devidamente saneada, pois tivesse o ilustre Tribunal da Relação atentado na causa petendi, tal como a configurou a A. e certamente não teria descurado outras soluções do pleito, como se imporia para a justa composição do litígio ( Art.264º do CPCivil ).
V. Nesse sentido apontando também outros dispositivos legais, designadamente o Art.511º do CPCivil.
VI. Aliás, o tribunal apenas estará habilitado a decidir o mérito da causa quando esta forneça cabalmente todos os elementos necessários à boa Decisão, como se defende não ter sido praticado nos autos em apreço, em patente violação do disposto na alínea b) do nº1 do Art.510º do mesmo citado Código.
VII. Tanto mais quanto o enquadramento jurídico da questão submetida a juízo justificaria tomar em consideração questão de direito, e que é de conhecimento oficioso, a qual se traduz no abuso de direito (Art.334º do Código Civil),
VIII. que se entende verificada na modalidade de desproporção grave, e poderia conduzir a solução distinta da decidida.
IX. Acresce que o mesmo Acórdão padece de erro na determinação das normas aplicáveis ao caso concreto, redundando em inadmissível erro de julgamento.
X. Na medida em que entendeu julgar aplicáveis à situação sub judice os preceitos legais que enformam o regime da venda de coisas defeituosas, quando ( face à forma como o A. configurou a acção, com base no regime jurídico do cumprimento em sucedâneo qualificado em pelo interesse contratual positivo ) deveria ter aplicado as normas relativas ao cumprimento das obrigações e de responsabilidade civil contratual ( Arts.798º, 799º, 801º, 817º e 562º todas do Código Civil ).
XI. E, assim devendo ser, no respeito pelos princípios da substanciação, legalidade e disponibilidade do objecto da causa ( Art.264º do CPCivil ), jamais seriam aplicáveis as normas em que se alicerçaram, erradamente, ambas as instâncias, ou seja nos Arts.916º, 917º e 287º do CCivil, que assim se apontam como as normas jurídicas que consubstanciam erro na determinação das normas aplicáveis.
XII. Assim sendo, além de violadas as supra citadas normas, o Acórdão merece reparo por ter decidido em contrário das que se defende corresponderem ao correcto enquadramento da causa, ( o disposto nos Arts.798º, 799º, 801º, 562º e 309º todas do Código Civil, por se afigurarem, no modesto entendimento da Recorrente, como aquelas que deveriam ter sido aplicadas).
XIII. Em conclusão, propugna-se que o Acórdão sob censura seja revogado e substituído por mais adequada e justa Decisão que julgue improcedente a excepção peremptória da caducidade,
XIV. e consequentemente determine o prosseguimento dos autos para Decisão Final, dada a subsunção dos factos ao direito que perspectivam diversas e possíveis, além de mais consentâneas com a justiça, soluções do pleito.
Contra – alegaram os RR ( fls.249 ) pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Estão corridos os vistos legais.
Cumpre decidir.
São as conclusões da imprescindível alegação que neste, com em qualquer recurso, fixam o respectivo âmbito e objecto – arts.684º, nº3 e 690º, nº1 do CPCivil.
E, portanto, três questões – e apenas essas três questões - nos ocupam: a da fixação da matéria de facto, o abuso de direito, o erro na determinação das normas jurídicas aplicadas.
Quanto à primeira diremos:
quando decide por sentença o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ... – art.660º, nº2 do CPCivil.
Assim será não só na sentença, stricto sensu, mas também no designado despacho saneador-sentença quando, chamado a sanear o processo no tempo e no modo previstos no art.510º, o juiz se confronta com a obrigatoriedade do conhecimento de excepções dilatórias ( ou nulidades processuais ) ou, quando não seja desde logo o caso da consequente absolvição da instância, com a imperiosidade do conhecimento imediato do mérito da causa.
E, aqui, dir-se-á que quando o autor acciona determinado direito, certamente ficará prejudicado o seu conhecimento se, desenhado esse direito nos termos em que o coloca o autor, alguma excepção - peremptória – de conhecimento oficioso ou invocada pelo réu, impeça, ...ou extinga o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor – ver o art.493º, nº3 do CPCivil.
É caso da caducidade, como forma de extinção de direitos que é.
Então se alguém pretende obter um determinado efeito jurídico de uma situação que desenha como sustentando um direito, o seu direito, fica prejudicado o respectivo conhecimento se acaso se puder concluir por que, a existir, estará ele extinto ... por caducidade.
O que importa é saber se os factos em que o acórdão recorrido sustentou a declaração de caducidade são suficientes para isso mesmo, o que terá naturalmente a ver com o desenho do direito que se declara caduco.
Quais foram esses factos?
Tão só e apenas estes:
a data de aquisição dos imóveis – a escritura pública de compra e venda outorgada em Julho de 1999;
a data de entrada do processo em tribunal – 16 de Julho de 2007.
Entre estas duas datas definiu o acórdão recorrido o decurso de um tempo.
E na consideração delas, e do período entre elas, julgou extinto, pelo decurso do tempo, o direito da autora deduzir a presente acção de responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente de cumprimento defeituoso, afirmando a correcção do enquadramento da situação feito pela 1ª instância no disposto nos arts.916º e 917º do CCivil.
E se este enquadramento for o correcto, então os factos seleccionados são os suficientes.
Porque o art.916º dispõe que o comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado dolo ( nº1 ) e que – tratando-se, como se trata, de um imóvel – a denúncia será feita até um ano depois de conhecido o defeito e dentro de cinco anos após a entrega da coisa – ( nºs2 e 3 );
e o art.917º reza que a acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados pelo artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no nº2 do artigo 287º.
Para uma coisa “entregue” em Julho de 1999 ( é preciso não esquecer que a compra e venda tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ... e a obrigação de a entregar - art.879º, alíneas a ) e b ) do CCivil ) e uma acção proposta em Julho de 2007, todos os prazos acima referidos estão transcorridos. E, portanto, caduco o direito de accionar.
Estará, então, correcto o enquadramento da situação nas normas dos arts.916º e 917º do CCivil; antes disso, nas normas que regulam a compra e venda de coisas defeituosas?
Pensamos que sim.
A recorrente procura desviar a situação para fora deste enquadramento, colocando-a dentro do cumprimento defeituoso das obrigações para daí concluir pelo afastamento das regras de caducidade e medir o tempo e o seu reflexo jurídico à luz (d)o prazo ordinário da prescrição é de vinte anosdo art.309º do CCivil ao qual – e exclusivamente ao qual – ficaria sujeita a obrigação de indemnização nascida desse cumprimento defeituoso, que ela – e só ela – pretende ver cumprida.
Acontece que o contrato de compra e venda é um contrato instantâneo, ou se cumpre bem ou se cumpre mal. O cumprimento defeituoso da obrigação de entregar a coisa – al. b ) do art.879º - é em si mesmo, se o defeito é da coisa, o cumprimento defeituoso ... do contrato. E o cumprimento é defeituoso porque é a venda de uma coisa ... defeituosa.
Há que procurar aqui a origem de todas as coisas, ainda que o comprador possa caminhar caminhos vários para tutelar o que entende ser o seu direito.
O acórdão deste STJ de 4 de Novembro de 2004 ( Noronha Nascimento ), no proc. nº04B086, in www.dgsi.pt/jstj aponta esses caminhos:
« lançar mão do regime de venda de coisa defeituosa, anulando o contrato ( ou reduzindo o preço a pagar em casos específicos ) e sendo indemnizado com os parâmetros restritivos dos arts.909º, 913º e 915º do CCivil ;
lançar mão da resolução contratual por se tratar de um contrato bilateral incumprido pela contraparte ( arts.432º e segs );
exigir o cumprimento do contrato tal como foi acordado( art.817º ) obrigando o devedor faltoso a cumpri-lo ...em sucedâneo ( pois, no nosso ordenamento jurídico, como regra, o cumprimento em espécie não existe ) o que se reconduz à fixação indemnizatória sucedânea em função do interesse contratual positivo;
invocar a excepção de não cumprimento para sobrestar no seu próprio cumprimento enquanto a contraparte não cumprir ».
E para que o julgador possa descobrir qual o caminho por que o credor optou tem que – no dizer sugestivo deste texto – « perscrutar a instância processual ».
Sem que todavia, diremos agora nós, se possa abstrair da origem das coisas: o defeito é o da venda. Da coisa vendida.
Ainda que só a indemnização por violação do interesse contratual positivo seja pedida, ela não deixa de ter a sua origem na venda ... defeituosa.
Por isso é que ao caso dos autos se deve aplicar, como se aplicou, o regime jurídico previsto nos arts.913º a 922º do CCivil – neste sentido o acórdão este Supremo Tribunal ( Azevedo Ramos ), de 6 de Novembro de 2007, no proc. nº07A3440 - « O comprador pode escolher e exercer autonomamente a acção de responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente do cumprimento defeituoso ou inexacto, presumidamente imputável ao devedor, sem fazer valer outros direitos, ou seja, sem pedir a resolução do contrato, a redução do preço, ou a reparação ou substituição da coisa ».
Mas a indemnização não deixa de ser em caso algum o sucedâneo com o qual se pretende assegurar a prestação pontual que o defeito não deixou cumprir.
E é por isso que a acção respectiva não pode deixar de ser tratada no mesmo âmbito temporal que a acção definida para o essencial do remédio do defeito: ou a anulação, ou a redução do preço, ou a reparação ou substituição da coisa, ou a resolução. Quer a indemnização tenha a natureza de reparação - complementar - dos danos que ficaram para além de qualquer um dos outros caminhos quer seja em si mesma, ela própria, o único caminho efectivamente reparador.
Ou seja, o prazo de caducidade previsto no art.917º do CCivil aplica-se, por interpretação extensiva, a todas as acções interpostas pelo credor vítima do cumprimento defeituoso de um contrato de compra e venda, incluindo as de simples indemnização.
( Neste sentido também o acórdão citado de 6 de Novembro de 2007 que importa da doutrina o seguinte texto de Pedro Romano Martinez ( Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, Almedina, Colecção Teses, 1994, pág.413 ): « apesar de o art.917º ser omisso, tendo em conta a unidade do sistema jurídico no que respeita ao contrato de compra e venda, por analogia com o disposto no art.1224º, dever-se-á entender que o prazo de seis meses é válido, não só para interpor o pedido judicial de anulação do contrato como também para intentar qualquer outra pretensão baseada no cumprimento defeituoso ». E ainda os acórdãos deste STJ de 9 de Março de 2006 ( Pereira Silva ), no proc. nº06B066, de 12 de Outubro de 2006 ( Oliveira Barros ), no proc. nº06B2627; contra, p.e., o acórdão de 2 de Novembro de 2006 ( Salvador da Costa), no proc. nº06B3720, todos em www.dgsi.pt/jstj ).
De outro modo – conceda-se – o que é essencial estaria sujeito a um prazo curto, o que é sucedâneo estaria sujeito a um outro ( longo ) prazo, o da prescrição, do art.309º do CCivil.
E é preciso não esquecer que – de novo Pedro Romano Martinez, obra citada, pág.347 - « em matéria de cumprimento defeituoso, nos contratos de compra e venda e de empreitada, vigora o princípio de que a indemnização é subsidiária relativamente aos pedidos de eliminação dos defeitos, de substituição da prestação e de redução do preço ... Tem pois uma função complementar dos outros meios jurídicos ».
Que não tenha, porque não pode ter, o que é subsidiário ou complementar um tratamento diferente ( e mais favorável ) daquilo de que é complemento ou sucedâneo.

Acresce, in casu:
se bem lermos a petição inicial, se “perscrutarmos a instância processual”, o desenho que a autora faz do direito que prende ver reconhecido tem mais a ver com a redução do preço em si mesma do que com uma indemnização que substitua por completo ou complemente a reparação do dano sofrido.
Veja-se:
a autora a quem – art.32º da petição inicial - « não restou alternativa senão recorrer aos meios judiciais ... para exigir o ressarcimento que o cumprimento inexacto da obrigação pelos RR provocou na esfera jurídica da autora » , depois de relatar os prejuízos que entende ter sofrido, conclui que – arts.40º a 45º da petição:
« à autora não restará portanto alternativa senão vender os terrenos,
o que naturalmente terá de realizar tomando em devida conta que o preço pela mesma pago de 40 000 000$00 ( 199 519, 16 euros ) o foi em função da compra de 6 400 m2,
consequentemente, feitos os cálculos com base no preço por m2 de venda ascende a 31,25 euros ( 200 000,00 euros/6400 m2 = 31,25 ),
sendo certo que tal área não corresponde à prometida por força da verificação da existência em concreto de apenas 4 220 m2, à autora assistirá a expectativa real de vender pelo preço justo e de mercado de 131 875,00 euros,
o que representará um prejuízo de, pelo menos, 68 125,00 euros, relativamente ao preço efectivamente pago,
considerando-se ser este o valor, atendendo ao princípio da equidade, da medida do prejuízo que mais se ajusta ao ressarcimento do cumprimento inexacto ».
E é exactamente este o valor pedido e o valor da acção.
Ou seja,
“perscrutando a instância processual” o que se conclui é que o que a autora efectivamente pretende é ... a redução do preço, é que se corte no preço o que, no seu entender, vem cortado em m2.
Por maioria de razão será aplicável aqui o prazo previsto no art.917º do CCivil.

Resta abordar a questão do abuso do direito.
Abordar, não. Não abordar.
Porque é uma questão nova, inteiramente nova, que não foi colocada perante o tribunal recorrido por forma a que este a tivesse abordado ou estivesse constrangido a abordá-la.
Ora,
de questões novas não pode o tribunal ad quem conhecer. Não pode este tribunal conhecer.
É o que resulta da própria natureza dos recursos em processo civil, que – bem se sabe – são recursos de reponderação ou revisão – Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex, 1992, pág.175.

Recursos que, portanto, e como vem sendo repetidamente afirmado pela jurisprudência, « não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido ».

A revista só poderia ter como objecto um pedido de reponderação de uma decisão da Relação, no tocante à interpretação ou aplicação do direito aí feita - ver, por exemplo, o voto de vencido no Ac. STJ de 14 de Maio de 1996, CJSTJ, T2, pág.70 e o Ac. deste Tribunal de 10 de Maio de 2000 ( Martins da Costa ), no BMJ nº497, pág.343.

E essa, a do abuso de direito, foi uma questão que não foi levada à Relação no recurso de apelação, uma questão de que esta não conheceu.

E não é possível reponderar o que não existe.

Onde não há decisão da Relação, não há reponderação possível do Supremo Tribunal de Justiça.

E antes até – é preciso que se diga: a questão do abuso de direito não foi sequer aflorada na réplica da autora à contestação na qual os RR invocaram a caducidade. Nem do ponto de vista do direito, nem factualmente.

D E C I S Ã O

Na improcedência do recurso, nega-se a revista.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa,

Lisboa, 7 de Maio de 2009

Pires da Rosa ( Relator )
Custódio Montes
Mota Mirand

SUMÁRIO DE ACÓRDÃO
TEMAS
Compra e venda de coisa defeituosa. Indemnização. Caducidade. Abuso de direito. Questão nova





SUMÁRIO
1 – Se alguém pretende obter um determinado efeito jurídico de uma situação que “desenha” como sustentando um direito, fica prejudicado o respectivo conhecimento se acaso se puder concluir que, a existir, o direito estará extinto... por caducidade.
2 – O contrato de compra e venda é um contrato instantâneo – ou se cumpre bem ou se cumpre mal – e, por isso mesmo, o cumprimento defeituoso da obrigação de entregar a coisa – al. b ) do art.879º do CCivil – é em si mesmo, se o defeito é da coisa, o cumprimento defeituoso ... do contrato.
3 – Ainda que só a indemnização por violação do interesse contratual positivo seja pedida, ela não deixa de ter a sua “origem” na venda ... defeituosa, e não deixa de ser, em caso algum, o “sucedâneo” com o qual se pretende assegurar a prestação ”pontual” que o defeito não deixou cumprir.
4 – Daí que a acção respectiva não possa deixar de ser tratada no mesmo âmbito temporal que a acção definida para o “essencial” do remédio do defeito: ou a acção de anulação, ou a redução do preço, ou a reparação e substituição da coisa, ou a resolução.
5 – O prazo de caducidade do art.917º do CCivil aplica-se, por isso, por interpretação extensiva, a todas as acções propostas pelo credor vítima do cumprimento defeituoso de um contrato de compra e venda, incluindo as de simples indemnização.
6 – Se a questão do eventual “abuso de direito” foi uma questão que não foi levada à Relação no recurso de apelação e é uma questão de que ela não conheceu, não pode o Supremo Tribunal de Justiça conhecer dela porque o recurso de revista é um recurso de revisão ou reponderação e “não é possível reponderar o que não existe”.


Data – 7 de Maio de 2009
Espécie - Revista
Nº57-09 - 7ª secção
Tribunal de Origem – Vila Nova de Gaia
Pires da Rosa ( Relator )
Custódio Montes
Mota Miranda