Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
935/06.7TBPTL.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/30/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 494º, 496º, 566º, 805º
CÓDIGO DA ESTRADA, ARTIGO 101º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA, WWW.DGSI.PT:

-DE 25 DE JUNHO DE 2002 (WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 02A1321)
- DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003, PROC. Nº 03A3450 (WWW.DGSI.PT),
- DE 15 DE JANEIRO DE 2004, PROC. Nº 03B926 (WWW.DGSI,PT),
- DE 4 DE DEZEMBRO DE 2007, PROC. Nº 07A3836 (WWW.DGSI,PT),
- DE 17 DE JUNHO DE 2008 (WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 08A1266);
- DE 23 DE SETEMBRO DE 2008 (WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 07B2469)

- DE16 DE OUTUBRO DE 2008 (WWW.DGSI.PT, PROC. 08A2362);
- DE 30 DE OUTUBRO DE 2008, WWW.DGSI.PT, PROC. 07B2978
- DE 24 DE SETEMBRO DE 2009 (WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 09B0037
- DE 25 DE JUNHO DE 2009 (WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 08B3234),

Sumário :
1. Para a determinação da indemnização por danos não patrimoniais, o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.
2. A indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada segundo critérios de equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso e as exigências do princípio da igualdade.
3. Para o cálculo da indemnização pelos danos patrimoniais futuros, assente em responsabilidade por mera culpa, devem ter-se em conta esses mesmos critérios, aplicados ao resultado obtido por cálculo matemático.
4. O montante do salário mínimo não é adequado avaliar o valor patrimonial da redução da capacidade de ganho da autora, que tinha 17 anos e era estudante à data do acidente e da propositura da acção.
Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA instaurou contra R...S... – Companhia de Seguros de Ramos Reais, SA, uma acção na qual pediu a sua condenação no pagamento de € 179.505,27, com juros de mora contados desde a citação, correspondentes a € 50.000,00 por danos não patrimoniais, € 128.723 € por danos patrimoniais futuros (perda de capacidade de ganho), € 160,63 por despesas em medicamentos, € 18,40 em transportes, € 301,40 em consultas médicas (quantia não comparticipada), € 11,84 em análises clínicas e € 290,00 em honorários médicos.
Para o efeito, e em síntese, alegou ter sofrido tais danos em consequência de um acidente de viação, por atropelamento, causado por BB; e que a ré é responsável, no âmbito do contrato de seguro de seguro que identifica.
A ré contestou, reconhecendo que “o acidente terá ocorrido por culpa da sua segurada, pelo que se aceita o alegado na petição inicial quanto à dinâmica do acidente”, mas discordando do montante pedido como indemnização.
Pela sentença de fls. 212, a acção foi julgada parcialmente procedente, sendo a ré condenada a pagar à autora a indemnização de € 121.533,27 (€ 782,27 de despesas, € 110.740,00 por perda de capacidade de ganho, € 10.000,00 por danos não patrimoniais), acrescidos de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento.
Recorreram a ré e a autora, esta subordinadamente.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de fls. 310, foi concedido provimento parcial a ambas as apelações, sendo a ré condenada a pagar € 95.782,27 (foi reduzida para € 80.000 a indemnização por perda de capacidade de ganho e aumentada para € 15.000 a correspondente a danos não patrimoniais).

2. Novamente recorreram autora e ré, agora para o Supremo Tribunal de Justiça, aquela a título principal e esta subordinadamente; os recursos, aos quais não são aplicáveis as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foram admitidos, como revista e com efeito devolutivo.
Nas alegações que apresentou, a autora formulou as seguintes conclusões:

“1ª. A demandante sofreu lesões graves em consequência de acidente de viação de que foi vítima quando tinha 17 anos de idade, ficando com sequelas para toda a vida que lhe alteraram profundamente a sua qualidade de vida, principalmente as de natureza neurológica, em consequência de traumatismo crânio-encefálico.
2ª. Essas sequelas:
- humor instável e irritabilidade exacerbada;
- défice de memória, mantendo amnésia para o acidente;
- insónias, dormindo por curtos períodos, com dificuldade em retomar o sono, e sono agitado;
- alteração das capacidades de memória, concentração e associação de ideias,
não se referindo as demais sequelas, e são muitas mais, já referidas no texto das alegações,
. convindo recordar que a actividade da demandante, como arquitecta paisagista tem duas vertentes: ­a intelectual e a prática, ou de campo.
4ª. Enquanto as sequelas acima referidas a atingem profundamente na parte intelectual ou de concentração, as restantes afectam-na significativamente na parte prática da profissão.
5ª. Para compensar o dano não patrimonial que é extenso e se vai prolongar, dentro da longevidade das mulheres em Portugal, por mais de 50 anos, o mínimo dos mínimos que seria razoável será a quantia de 30.000 €.
6ª. Alegou-se que a demandante viria a auferir um vencimento mensal de cerca de 1.500 €.
7ª. o Tribunal deu como assente a quantia de 1.200 €.
8a. E veio a demandada, agoirenta, dizer que a demandante ainda tem de "passar" muito para conseguir um emprego e nunca por mais de 600 €.
9ª. Nesta altura, estando a estagiar num Gabinete em Lisboa, já está a receber a quantia mensal de 1.087 €, no início de carreira. E vai ter emprego, tendo-se a demandada enganado. Há muito desemprego, mas também há muita gente que não quer trabalhar: - só quer o emprego.
1Oª. O Tribunal de 1ª Instância fixou a indemnização para a perda futura de ganho em 111.522,27 € que o Tribunal da Relação, sem grande justificação e à revelia da equidade, reduziu drasticamente para 80.000 €, que é manifestamente insuficiente.
11ª. Para determinar o quantum indemnizatório dos danos patrimoniais futuros, tem-se lançado mão de tabelas financeiras ou matemáticas, como meros auxiliares da obtenção de um juízo de equidade, até para evitar grandes discrepâncias ou afastamentos da realidade,
12a para se obter um capital que, consumido ao longo do tempo, na justa medida do prejuízo sofrido, chegue ao fim da vida activa do lesado a um nível zero, depois de consumido o capital e os juros que foi produzindo.
l3a Mas esse capital assim obtido, tem de ser, pela equidade, devidamente tratado, pois a fórmula financeira ou matemática considerou o salário, e tudo o mais, como estáticos, imutáveis e permanentes, designadamente:
- o salário (imutável);
- a tendência de melhoria do nível de vida;
- o aumento progressivo dos salários;
- a inflação (que absorve os juros que o capital indemnizatório produz;
- a ascensão na carreira e
- despesas que o lesado passou a ter e que não teria, se não tivesse sofrido o acidente.
14a. É esta a nossa posição de há muitos anos, mas sem o peso que o douto acórdão acima transcrito confere à situação, bem se compreendendo que o resultado obtido pela fórmula financeira tem de ser substancialmente aumentado, e tanto mais, quanto menor for a idade do lesado.
15ª. Por tudo isso, confirmar-se o quantum indemnizatório fixado pela 1ª Instância, é da maior Justiça, e não se abandona a equidade, na formulação que atrás referimos.
16a O douto acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 496°,562° e 566º do cód. Civil.”

Também alegou a ré; mas o seu recurso foi julgado deserto, em consequência de não ter sido paga a taxa de justiça devida, não obstante a notificação de fls. 412 (artigos 690º-B e 690º, nº 3, do Código de Processo Civil).

3. Vem definitivamente provada a seguinte matéria de facto (transcreve-se da sentença):

«A) - Cerca das 20h05m do dia 31 de Julho de 2003, o veículo ligeiro de passageiros ...-...-CX, conduzido pela proprietária, BB, circulava na E.N. 202, ao km 21,3, sito em Monte, Santa Comba, Ponte de Lima, no sentido Ponte de Lima – Viana do Castelo, a uma velocidade superior a 50 km/h.
B) - Nesse momento, a Autora estava a atravessar aquela EN da esquerda para a direita, conforme o sentido Ponte de Lima – Viana do Castelo, sobre a passagem para peões assinalada no pavimento.
C),D) - A parte da frente do veículo ...-...-CX foi embater com a Autora a 5,60 m do passeio do lado esquerdo, conforme o sentido Ponte de Lima – Viana do Castelo, em local onde a estrada tem 8,44 m de largura, deixando, a partir do local do embate, um rasto de travagem com a extensão de 12,70 m, bem vincado, com todos os rodados, e projectou a Autora a uma distância de 22,55 m.
E) - Na E.N. 202, metros antes do local do embate, atento o sentido Ponte de Lima – Viana do Castelo, existe o sinal H7.
F) - A partir do dia 22 de Outubro de 2003, a Autora foi observada nas especialidades de neurocirurgia, cirurgia geral, ortopedia, cirurgia plástica e fisiatria, nos serviços clínicos do Hospital da Arrábida, a cargo da Ré.
G) - A Autora nasceu no dia 22 de Agosto de 1985.
H) - A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros ...-...-CX encontrava-se transferida, à data do embate, para a Ré, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º152753.
1.º - Em consequência do embate, a Autora sofreu traumatismo crânio-encefálico com amnésia para o acidente, escoriações dispersas, entorse do tornozelo direito, rotura do ligamento cruzado anterior, lesão parcial do ligamento colateral interno e contusão lombar.
2.º - Do local do embate, a Autora foi transportada para o Hospital Conde de Bertiandos, Ponte de Lima.
3.º,4.º - Deste hospital, a Autora foi transferida para o Hospital de Santa Luzia, Viana do Castelo, onde foi submetida a exame radiológico e observada por cirurgia geral, ortopedia e neurologia.
5.º - Em 1 de Agosto de 2003, a Autora teve alta hospitalar para o seu domicílio.
6.º - No seu domicílio, a Autora foi apoiada pelos serviços de enfermagem às múltiplas escoriações, feridas abrasivas e feridas inciso-contusas do couro cabeludo.
8.º - A Autora foi submetida a exames radiológicos da coluna lombar, joelho e tornozelo direitos.
12.º - Em relatório de 5 de Setembro de 2003, confirmou-se a rotura do ligamento cruzado anterior.
13.º - Em 19 de Julho de 2004, a Autora foi operada na Clínica da Trindade ao joelho direito – ligamentoplastia do LCA por via artroscópica.
14.º - Em 20 de Dezembro de 2004, a Autora foi operada por cirurgia plástica para correcção de sequelas ao nível do braço direito e da região nadegueira esquerda.
15.º - A entorse do tornozelo direito foi tratada com uso de pé elástico e repouso.
16.º - Até 20 de Julho de 2005, a Autora foi seguida nas consultas de neurocirurgia e ortopedia, data em que lhe foi dada alta pelos serviços clínicos a cargo da Ré.
17.º - Por causa do acidente, a Autora ficou com as seguintes sequelas: sintomas compatíveis com síndrome pós-traumático (cefaleias frequentes, insónias, crises de ansiedade, irritabilidade e deficit de memória), cicatriz sobreposta a mancha melânica de 8 cm na região nadegueira superior esquerda, cicatriz oblíqua de 12 x 1 cm no terço proximal lateral do antebraço direito, cicatriz de 5 cm na face posterior do cotovelo direito, manchas melânicas dispersas nos dois antebraços e múltiplas cicatrizes de 05,x1,5 cm na palma das duas mãos, cicatriz de 10 cm na face anterior do joelho direito e cicatriz de 3 cm na face interna, limitação da flexão do mesmo joelho (impedindo-a de praticar desporto), com gonalgia e edema, e manchas melânicas da região metatarsianas de ambos os pés.
18.º - Tais sequelas determinam, para a Autora, uma incapacidade parcial permanente geral de 20%, compatível com o exercício da actividade habitual mas implicando esforços suplementares.
19.º,20.º,21.º - Tais sequelas determinam, para a Autora, um dano estético de grau 3, na escala de 1 a 7, um quantum doloris de grau 4, na escala de 1 a 7 e um prejuízo de afirmação pessoal de grau 2, na escala de 1 a 5.
22.º - Antes do embate, a Autora era saudável e fisicamente bem constituída, com um feitio sociável, expansivo e alegre.
23.º,24.º - Após o embate, a Autora, que tinha feito parte da equipa nacional de cadetes, deixou de praticar basquetebol, o que lhe causa tristeza, desgosto e frustração.
26.º - A Autora gastou € 160,63 em medicamentos, € 18,40 em transportes, € 301,40, quantia não comparticipada pela ADSE, relativa a consultas médicas, € 11,84 em análises clínicas e € 290,00 em honorários médicos.
27.º - No momento da propositura da acção, a Autora frequentava o curso de arquitectura paisagista da Universidade do Porto, que terminou no ano lectivo 2007/2008.»

4. Cumpre conhecer do recurso, incidente sobre a questão do montante da indemnização a pagar à autora por danos não patrimoniais e por danos patrimoniais futuros, decorrentes da incapacidade de que ficou afectada em consequência do acidente.
Não estão em causa, portanto, os danos patrimoniais resultantes de despesas efectuadas.
A autora sustenta que a indemnização por danos não patrimoniais deve ser aumentada, pelo menos, para € 30.000, tendo em conta as lesões sofridas, as sequelas derivadas do acidente, que se manterão ao longo da vida e o sofrimento que, em concreto, padeceu.
Como se sabe, para a determinação da indemnização por danos não patrimoniais, ressarcíveis desde que “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1 do artigo 496º do Código Civil), o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º, também do Código Civil).
Naturalmente que o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida atenção a essas circunstâncias do caso.
Ficou provado que a autora, que tinha 17 anos (quase 18) à data do acidente e, portanto, a vida pela frente, ficou afectada de uma incapacidade parcial permanente de 20% (ponto N da matéria provada), o que, em si mesmo, tem de ser considerado no âmbito dos danos de natureza não patrimonial, já que os danos futuros decorrentes de uma lesão física se traduzem, antes de mais, numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física (cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 30 de Outubro de 2008, www.dgsi.pt, proc. 07B2978); que essa incapacidade, embora “compatível com o exercício da actividade habitual mas implicando esforços suplementares”, a impede de praticar desporto, o que, tendo especialmente em conta a actividade desportiva anteriormente desenvolvida pela autora, “lhe causa tristeza, desgosto e frustração”; que sofreu dores apreciáveis (de grau 4, numa escala de 1 a 7) e danos físicos que deixaram sequelas relevantes no plano estético (de grau 3, numa escala de 1 a 7), funcional (limitação da flexão do joelho direito) e no plano da afirmação pessoal (de grau 2, numa escala de 1 a 5), sendo que, em particular, os dois últimos devem ser especialmente ponderados em função da juventude da autora; que foi sujeita aos tratamentos e às intervenções cirúrgicas descritas na lista de factos provados, e aos subsequentes e necessários períodos de recuperação e de tratamentos.
Para além disso, ficou assente que o atropelamento, para o qual a autora em nada contribuiu – escreveu-se na sentença que “no que respeita à Autora, atravessava uma estrada pela passadeira, em obediência ao disposto no art. 101.º, n.º 3, Cód. Estrada, não havendo, por isso, nada a censurar-lhe” – ficou a dever-se a “actuação ilícita (…), descuidada e imprudente” da condutora do automóvel que a atropelou, ou seja, a um grau apreciável de negligência, o que deve ser ponderado para efeitos de cálculo da indemnização (cfr. artigos 496º, nº 2 e 494º do Código Civil), não havendo portanto razões para baixar o montante indemnizatório adequado às lesões sofridas e respectivas consequências.
Tendo em conta este quadro, e a função de compensação especialmente desempenhada pela indemnização por danos morais, considera-se adequado o montante de € 25.000. E
apontam-se como casos apreciados por este Supremo Tribunal, com os quais se pode estabelecer uma comparação relevante, os seguintes exemplos:
– No acórdão de 25 de Junho de 2002 (www.dgsi.pt, proc. nº 02A1321), o Supremo Tribunal de Justiça confirmou o montante de 5.500.000$00 já definido pela Relação, para indemnizar os danos morais sofridos por um lesado de 32 anos, que ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 40%, que foi vítima de um acidente de viação para o qual em nada concorreu, e que ficou afectado de forma significativa e permanente na sua qualidade de vida, tanto pessoal como desportiva e profissional;
– Pelo acórdão de 20 de Novembro de 2003, proc. nº 03A3450 (www.dgsi.pt), foi atribuída a indemnização de € 32.421,86 a uma lesada que, tendo a idade de 25 anos no momento do acidente, ficou em estado de coma, foi submetida a diversas intervenções cirúrgicas e sofreu lesões graves lesões por todo o corpo, que lhe provocaram cicatrizes profundas e visíveis;
– No acórdão de 15 de Janeiro de 2004, proc. nº 03B926 (www.dgsi,pt), foi arbitrada uma indemnização de € 10,951,92 a uma lesada que tinha 24 anos à data do acidente, à qual foi atribuída uma IPP de 10%, mas que ficou a sofrer de lesões graves e visíveis;
– No acórdão de 4 de Dezembro de 2007, proc. nº 07A3836 (www.dgsi,pt), foi arbitrado o montante de € 35.000 por danos morais a um lesado com 44 anos à data do acidente, na sequência do qual esteve em conta e em perigo de vida durante vários dias e sofreu diversas sequelas, e ao qual foi fixada uma IPP de 47%;
– No acórdão de 24 de Setembro de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 09B0037) fixou-se em € 40.000 a indemnização por danos não patrimoniais sofridos por um lesado, com 33 anos de idade à data do acidentes, que ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 18,28% (mas que, no caso, se traduziu em incapacidade total para o trabalho, o que também releva do ponto de vista da indemnização por danos não patrimoniais), que sofreu dores e danos físicos extensos que deixaram sequelas graves, foi sujeito a diversas intervenções cirúrgicas com os consequentes internamentos e períodos de recuperação e de dependência de terceiros, e teve de realizar sucessivos tratamentos, que se prolongaram no tempo;
– Finalmente, no acórdão de 25 de Junho de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 08B3234), foi atribuída uma indemnização de € 40.000 por danos não patrimoniais a uma jovem de 21 anos, vítima de atropelamento, que sofreu diversas intervenções cirúrgicas, tratamentos e recuperação, ficando afectada de uma incapacidade absoluta durante 12 meses, foi sujeita a diversas intervenções cirúrgicas e teve de realizar sucessivos tratamentos, nomeadamente de recuperação, que se prolongaram no tempo, sofreu danos físicos extensos que deixaram sequelas irreversíveis e gravosas, físicas e emocionais e ficou afectada de uma incapacidade parcial permanente de 50%, com aumento previsto de 3%.
Fixa-se, assim, em € 25.000 a indemnização por danos não patrimoniais.

5. Quanto aos danos patrimoniais futuros, decorrentes da perda de capacidade de ganho que a incapacidade de que ficou afectada – “incapacidade permanente geral de 20%, compatível com o exercício da actividade habitual mas implicando esforços suplementares”, a recorrente discorda do montante fixado pela Relação, €80.000, alcançado fundamentalmente por considerações de equidade.
Como já se escreveu no acórdão de 23 de Setembro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2469), «Não está em causa neste recurso que, para efeitos da indemnização reclamada (…), se devem ter em conta os danos futuros, desde que previsíveis (nº 2 do artigo 564º do Código Civil), quer correspondam a danos emergentes, quer se traduzam em lucros cessantes (nº 1 do mesmo preceito); nem tão pouco que a lei determina que, quando a responsabilidade assenta em mera culpa do lesante (artigo 494º do Código Civil), ou quando não é possível averiguar “o valor exacto dos danos” (nº 3 do artigo 566º do mesmo Código), como tipicamente sucede quando se pretende arbitrar uma indemnização por danos futuros, o tribunal recorrerá à equidade para julgar. No caso da responsabilidade por mera culpa, a lei permite que a indemnização seja “equitativamente” reduzida em função do “grau de culpabilidade do agente”, da “situação económica” do lesante e do lesado e das “demais circunstâncias do caso”. Quanto à hipótese de impossibilidade de avaliação exacta dos danos, o julgamento segundo a equidade tem de respeitar os “limites que [o tribunal] tiver por provados”. Baseando-se em mera culpa a responsabilidade em que incorreu o causador do acidente e estando agora em causa a determinação do montante a pagar para ressarcimento de danos futuros, como aliás o Supremo Tribunal de Justiça tem repetidamente afirmado (cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, de 2 de Fevereiro de 2002, proc. nº 01B985, de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, de 27 de Novembro de 2003, proc. nº 03B3064, de 15 de Janeiro de 2004, proc. nº 03B926, de 8 de Março de 2007, proc. nº 06B4320 ou de 14 de Fevereiro de 2008, proc. nº 07B508, disponíveis em www.dgsi.pt), a equidade desempenha um papel corrector e de adequação da indemnização decretada às circunstâncias do caso, nomeadamente quando, como é frequente, os tribunais recorrem a “cálculos matemáticos e [a] tabelas financeiras” (expressão do acórdão de 27 de Novembro de 2003 acabado de citar). Esse recurso à equidade não afasta, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso.»
Ora, para ser possível ponderar as razões apontadas pela recorrente para discordar do montante da indemnização atribuída pelo acórdão recorrido, no que respeita aos danos patrimoniais futuros, há que ter em conta o seguinte:
– Que está provado que a autora tinha 17 anos e era estudante à data do acidente e da propositura da acção; tem pois todo o cabimento entender, como fez a 1ª Instância, que o montante do salário mínimo não é adequado a avaliar o valor patrimonial da redução da capacidade de ganho da autora, quanto mais não seja em virtude da sua juventude.
Assim se entendeu, relativamente a um jovem de 18 anos, aliás no início de uma profissão, no acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. 08A2362); e, quanto a uma jovem de 21, estudante, no acórdão de 25 de Junho de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 08B3234);
– Que a autora expressamente optou pelo “pedido em juros de mora a contar da citação, nos termos do artigo 805º, nº 3 do” Código Civil, afastando o “pedido de uma indemnização actualizada nos termos do artigo 566º nº 2 do Código Civil”; isto significa que não se aplica a regra segundo a qual será considerada, para o efeito da fixação da “indemnização em dinheiro (…) a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (nº2 do citado artigo 566º), ou seja, na data do encerramento da discussão em 1ª instância (artigo 663º do Código de Processo Civil), mas tão somente a data da propositura da acção. Não pode assim ser tida em conta a conclusão da licenciatura, mas apenas a situação da lesada na altura em que a acção foi proposta;
– Que não está provado que a incapacidade resultante do acidente – 20% de IPP – afecte especialmente a capacidade para o trabalho (qualquer trabalho). O que ficou demonstrado foi que a IPP concretamente fixada é compatível “com o exercício da actividade habitual, mas implicando esforços suplementares”. Estando em causa uma indemnização por perda da capacidade de ganho decorrente do acidente e, repete-se, sendo este o resultado da prova, não pode deixar de se tomar este ponto em consideração;
– Que a relevância da lesão não pode ser avaliada apenas com referência à vida activa provável da lesada; antes se há de considerar também o período posterior à normal cessação de actividade laboral, com referência à esperança média de vida, que, em 2003 (à data do acidente), para os indivíduos do sexo feminino nascidos em 1985, era de 64,23 (www.ine.pt); no sentido de dever ser tida em conta a esperança de vida, e não apenas de vida activa, ver por exemplo o acórdão de 17 de Junho de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 08A1266);
– Que, recorrendo, agora, ao regime geral de segurança social em vigor à data do acidente, em particular ao nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 329/93, de 25 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 9/99, de 8 de Janeiro (neste ponto específico, mantido pelo Decreto-Lei nº 187/2007, de 16 de Fevereiro, que revogou aquele diploma), a idade “regra” da reforma era fixada em 65 anos;
– Que não se contesta, na presente acção, a fórmula de cálculo aplicada em 1ª Instância, que na verdade é adequada a servir de base de cálculo a uma indemnização que há-de ser corrigida segundo a equidade; a divergência, entre as instâncias e entre as partes, antes reside, por um lado, no valor do hipotético rendimento mensal a considerar e, por outro, no resultado da referida correcção;
– Que o valor considerado para o efeito pela 1ª Instância – € .1200,00 mensais – foi havido como excessivo pela Relação, que todavia não o substituiu por outro montante fixo, apenas afirmando que “os poucos arquitectos que conseguem ocupação normalmente só ganham metade ‘a recibos verdes’”; considerar-se-á, desta forma, como equitativo para o efeito de base de cálculo, o montante de € 900,00 mensais (recorde-se que a autora apontou como adequado na petição inicial, para este efeito, uma quantia entre 750 € e 1000 €, “para começar (…), mas que em pouco tempo se estabilizará nos 1.500 € por mês, 14 vezes por ano”);
– Que a equidade implica que se corrija o valor assim alcançado em função de elementos já indicados (como o tempo de vista posterior ao tempo de vida activa) e de outros como sejam o da tendência (geral) para aumentar o rendimento a retirar do trabalho, nomeadamente tendo (em especial) conta o curso frequentado pela autora ao tempo em que propôs a acção.

6. Ora a verdade é que o montante encontrado pelo acórdão recorrido – € 80.000 – corresponde a uma correcção significativa (para mais) em relação ao resultado a que se chega utilizando o montante de € 900,00 mensais, permitindo considerar preenchidos os factores elencados; e igualmente verdade é que não estão provados quaisquer factos que devam conduzir ao abaixamento deste montante, nos termos (já atrás expostos) do artigo 494º do Código Civil.
Trata-se ainda de um valor consonante com as indemnizações por danos patrimoniais futuros, resultantes da perda de capacidade de ganho, arbitrados nos casos atrás referidos, tendo naturalmente em conta as especificidades de cada um. Assim:
– No acórdão de 25 de Junho de 2002, atribuiu-se uma indemnização de € 109735,53 a um lesado de 32 anos, que auferia 132.000$00 por mês, mas que ficou com uma IPP de 40% com igual reflexo na capacidade de trabalho;
– No acórdão de 20 de Novembro de 2003, fixou-se o montante de € 399.038,31 para uma lesada com 25 anos, que auferia 5.000.000$00 anuais, a subir para 6.000.000$00, que ficou totalmente incapacitada de exercer a profissão;
– No acórdão de 15 de Novembro de 2004, fixou-se uma indemnização de € 29,928 a uma lesada de 24 anos, que ficou a sofrer uma IPP de 10% que não se demonstrou vir a afectar o desenvolvimento de qualquer profissão, apenas o tornando mais penoso, considerando a actividade profissional previsível como docente;
– No acórdão de 4 de Dezembro de 2007, foi fixada uma indemnização de € 110.000,00 – sensivelmente do mesmo montante da que a 1ª Instância determinou, e que a recorrente considera adequada – a um lesado que auferia € 698,32 por mês como empregado do comércio, que já tinha 44 anos à data do acidente, mas que ficou afectado de uma IPP de 47%;
– No acórdão de 25 de Junho de 2009, foi determinada uma indemnização de € 110.000 para uma lesada de 21 anos, à data do acidente, ainda não inserida no mercado de trabalho, que ficou a sofrer de uma IPP de 50%, a subir para 53%, com graves limitações para o exercício de qualquer actividade profissional
– No acórdão de 24 de Setembro de 2009, fixou-se uma indemnização de € 240.000 a um lesado com 33 anos à data do acidente, que auferia rendimento mensal de € 780, que ficou com uma IPP de 18,28% mas com incapacidade de 100% para o trabalho.

Não procedem assim as considerações da recorrente, quanto a este ponto.

7. Nestes termos, decide-se conceder provimento parcial ao recurso da autora, fixando em € 25.000 a indemnização correspondente a danos não patrimoniais, alterando em conformidade o acórdão recorrido, que, quanto ao mais, se confirma.
Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.

Supremo Tribunal de Justiça, 30 de Setembro de 2010

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Barreto Nunes