Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | GIL ROQUE | ||
| Descritores: | LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ RECURSO DE AGRAVO NA SEGUNDA INSTÂNCIA INDEMNIZAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | SJ20070710024137 | ||
| Data do Acordão: | 07/10/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
| Sumário : | 1.A punição por litigância de má fé prevê duas sanções, uma de natureza criminal a multa e outra de natureza civil, a indemnização. Ambas visam punir o litigante, mas não se podem confundir nem aferir em função uma da outra. Só a primeira visa castigar o litigante em termos criminais, a segunda visa ressarcir o ofendido dos danos com os actos da litigância de má fé. 2. Para a admissibilidade dos recursos das decisões por litigância de má fé, a lei determina que independentemente do valor da causa e da secumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé. O legislador, pretendeu alargar a possibilidade de recurso a todas as decisões que condenem por litigância de má fé mesmo aquelas que em função do valor o não admitam e não restringir essa possibilidade, pelo que sempre que o valor da condenação seja superior a € 14 963,94, valor da alçada da Relação, é admissível recurso em mais de um grau, como no caso em apreciação em que a condenação se cifra em € 55 000,00. 3. Na fixação do valor da indemnização por litigância de má fé, deve ter-se em consideração, essencialmente o grau de culpabilidade do que litiga de má fé e as despesas efectuadas pelos ofendidos, mas apenas as consequentes dos actos que caracterizam a má fé e não de quaisquer outros danos invocados no processo, ocorridos antes dos actos que caracterizam a litigância de má fé. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. 1. Na comarca da Guarda foi intentada, por AA e BB, acção de condenação com processo ordinário contra os Drs. CC e DD, advogados, por danos que lhes imputaram, no exercício dos respectivos mandatos. Os réus contestaram e reconvieram, pedindo a condenação dos autores em indemnização por danos que lhe causaram com a acção. A final foi julgada improcedente a acção e a reconvenção e os autores foram condenados como litigantes de má fé, na multa de 15 unidades de conta e uma indemnização a cada um dos réus, a fixar em momento ulterior. Processado o incidente foi proferida decisão que fixou a indemnização a cada um dos réus, pelos ditos autores AA e BB, no montante global de 1.050,00 €, incluindo os honorários de 750,00 € ao mandatário constituído pelo réu Dr. DD. Os réus não se conformaram com a decisão e agravaram, pretendendo que a indemnização fosse fixada de acordo com a gravidade da má fé, já que esta ocorreu com dolo. Na sequência do recurso, foi proferido acórdão pela Relação de Coimbra, no qual se concedeu provimento aos agravos, revogando-se o decidido e fixando a indemnização devida a cada um dos agravantes, em 25.000,00 euros, acrescida de 2.500,00 euros para honorários de advogado, também a cada um. 2. Inconformados recorreram os autores e foram apresentadas as alegações e contra alegações concluindo os recorrentes nas suas pela forma seguinte: a) O acórdão recorrido não contém os fundamentos de facto e de direito que sustentam aquilo que decidiu, o que integra a nulidade prevista no artigo 668°, n.º1, alínea b) do CPC, com as legais consequências; b) O valor indemnizatório encontrado pelo acórdão recorrido para cada um dos agravados é desajustado, por manifestamente excessivo, já que, dos danos e prejuízos alegados por aqueles, apenas os respeitantes aos transtornos e incómodos que lhe foram provocados com as deslocações a tribunal e ao desgosto de se verem colocados como demandados num processo judicial, poderão ser ressarcidos pela indemnização devida a título de litigância de má fé; c) Assim, entende-se justo para indemnizar cada um dos agravados o valor fixado na decisão proferida em 1ª instância; d) É incongruente que os honorários fixados ao agravado Dr.CC sejam iguais ao do ilustre mandatário do agravado Dr. DD, já que aquele participou nos autos desde o início e este apenas entrou na sua fase derradeira; e) Em lado nenhum da lei processual vigente se prevê que o advogado em causa própria tenha direito a honorários em caso de litigância de má fé por banda da parte adversa; f)As características dos presentes autos, o pagamento da procuradoria por parte dos agravados e o trabalho concretamente desenvolvido pelo ilustre mandatário do agravado Dr.DD, impõem que se fixem honorários àquele em montante não superior a € 750,00; g) Ao decidir como decidiu, violou o acórdão recorrido, entre outros, os artigos 713°, n.º 2 e 457°, n.º 1, alínea b) do C.P.C., pelo que deverá o mesmo ser revogado e substituído por outro que condene os agravantes nos termos constantes da decisão proferida em 1ª instância. - Nas contra alegações, os agravados pugnam pela confirmação da decisão recorrida e o Drº DD entende que, sendo o “recurso admissível em apenas um grau” não deve ser admitido para o Supremo Tribunal de Justiça. - Corridos os vistos e tudo ponderado cabe apreciar e decidir. II. Os factos a considerar na apreciação do recurso são os que resultam dos articulados e das decisões proferidas nas instâncias que se sintetizam pela forma seguinte: 1) Os autores foram condenados, como litigantes de má fé, no pagamento de 15 UCs, bem como no pagamento de uma indemnização a cada um dos réus; 2) Os factos a ter em conta são alegados pelos autores, na sua petição inicial, provados e não provados; 3) Com vista à reparação, o agravadoCC apresentou as seguintes notas: - € 9 14,96, a título de reembolso dos encargos judiciais que teve que suportar e que constam dos próprios autos; - €50,00, a título de reembolso de despesas de expediente, cópias, registos, telefonemas e fax; - €120,00, u título de despesas com organização e apresentação de prova: - €12.500,00, a título de honorários devidos pelos serviços forenses prestados, não obstante o Réu ser advogado em causa própria, na medida em que teve que fazer uso do seu próprio esforço e preocupações profissionais, deixando, por via disso, de poder dedicar-se a outros serviços remunerados; - €25.000,00, a título de prejuízos por si sofridos, já que o processo teve repercussões nos meios judiciais, pois com os factos falsos alegados pelos Autores atribuiu-se ao Réu desleixo profissional, o que acabou por ser comentado, causando-lhe um ambiente social e forense prejudiciais e uma consequente diminuição da confiança de antigos e novos clientes. 4) Com vista à reparação, o agravado DD apresentou as seguintes notas: - €2.344,72, a título de reembolso dos encargos judiciais com taxas de justiça, multa e preparos para despesas, os quais estão devidamente documentados nos autos; - €75,00 a título de reembolso das despesas com dossier, registos, telefone, fax e cópias; - €12.500,00, a título de honorários, por ter sido esse o valor indicado pelo co-Réu Dr. António AntunesCC, embora, numa fase inicial, o Réu tenha advogado em causa própria, apenas tendo constituído mandatário a fls. 748 dos autos; - €25.000.00 a título de indemnização pelos prejuízos de natureza não patrimonial sofridos pelo Réu, por ter sido considerado pelos Autores um profissional incompetente, descuidado e desleixado, o que, tendo sido divulgado nos meios judiciais, abalou o seu bom nome, quer enquanto advogado quer enquanto autarca, já que, à data da instauração da acção, exercia as funções de Vereador da Câmara Municipal da Guarda e, quando foram realizadas as diversas sessões de audiência de discussão e julgamento, desempenhava já o cargo de Presidente da Câmara Municipal. III. Sendo as conclusões que balizam o objecto do recurso (art.ºs 684.º n.º3 e 690.º n.ºs 1 e 4 do CPC), a elas nos cingiremos na sua apreciação. Resulta da análise das conclusões que nelas se suscitam apenas três questões essenciais que importa apreciar, que consistem em saber: - se o recurso para é admissível para este Tribunal, face ao disposto no n.º3 do art.º 456.º, do Código de Processo Civil; - se a decisão recorrida contém os fundamentos de facto e de direito como decidiu; - se o valor da indemnização fixada por litigância de má fé foi a adequada. Vejamos cada uma destas questões: 1. Quanto à admissibilidade de recurso das decisões por litigância de má fé, diz a lei que,“ independentemente do valor da causa e da secumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé” (art.º 456.º n.º3 do CPC). Da interpretação cuidada e ponderada deste preceito, resulta ser por demais evidente que o legislador, pretende através dele alargar a possibilidade de recurso a todas as decisões que condenem por litigância de má fé mesmo aquelas que em função do valor o não admitam e não restringir essa possibilidade, como defende o recorrido. Na verdade, a lei não diz, como escreve o recorrido DD nas suas alegações que “o recurso é admissível em apenas um grau”. Diz antes que, “é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigante de má fé”, o que é coisa bem diferente”. Se o dissesse estaria a limitar o direito ao recurso, mesmo que a condenação fosse superior a € 14 963,94, valor da alçada da Relação, como é o caso em apreciação em que a condenação se cifra em € 55 000,00. Trata-se de uma excepção à regra do n.º1 do art.º 678.º do CPC. O entendimento defendido pelo recorrido, violaria a regra geral da admissibilidade do recurso para os tribunais superiores -(1). Assim, o recurso para este Tribunal é admissível, face ao valor da condenação dos litigantes. 2. Quanto à fundamentação do acórdão recorrido, reconhece-se que é escassa e que não se tomaram nela em conta, questões apreciadas com ponderação e acerto na 1.ª instância. Na verdade, os aqui recorridos, incluíram no cômputo dos danos as despesas efectuadas com o processo, designadamente as que serviram de base no pedido reconvencional julgado improcedente por sentença transitada em julgado, que não podem deixar de ser excluídas na fixação do valor da indemnização por litigância de má fé. Na decisão da 1.ª instância, foram apreciadas essa e outras questões tendo-se salientado na decisão que: “ Como resulta da conjugação do disposto nos art.ºs 32.º n.ºs 2, 33.º, n.º1 e 33º-A, todos do CCJ, os Réus (aqui recorridos), por terem sido vencedores, na parte relativa ao pedido formulado pelos Autores, poderão ser compensados dos pagamentos efectuados com as custas adiantadas, as taxas de justiça pagas e outros encargos, através do recebimento das custas de parte, motivo pelo qual não será, a esse título, fixada qualquer indemnização”. Apesar da decisão ser assim clara e inequívoca, os recorridos, repetem nas alegações e contra alegações as referidas verbas, que se entendem afastadas pelas razões referidas. As despesas a ressarcir, são apenas as que resultam da conduta do litigante de má fé, não sendo lícito os ofendidos obter através deste incidente a indemnização a que têm direito por força dessa conduta, os valores que pretendiam obter com o pedido reconvencional que improcedeu, no montante de € 50 000,00 que formularam na acção principal, e que foi julgado improcedente, como se refere na decisão da 1.ª instância. Dizem os recorrentes com alguma razão que a fundamentação do acórdão recorrido não justifica a alteração substancial do valor da indemnização antes fixado na 1.ª instância, defendendo em face disso que se mantenha o valor fixado nessa sentença. Aceita-se que a fundamentação não se mostra desenvolvida, e que não se vislumbram razões para alteração do valor da indemnização nos moldes em que o foi pelo acórdão recorrido. Contudo, não se pode considerar que o acórdão seja nulo nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º1 al. b) do CPC, como pretendem os recorrente. 3. Na fixação do valor da indemnização por litigância de má fé, deve ter-se em consideração, essencialmente o grau de culpabilidade do litigante de má fé, as despesas efectuadas pelos ofendidos, mas apenas as consequente dos factos que caracterizam a má fé e não a quaisquer outros danos invocados no processo, ocorridos antes dos actos que caracterizam a litigância de má fé. A punição por litigância de má fé prevê duas sanções, uma de natureza criminal a multa e outra de natureza civil, a indemnização. Ambas visam punir o litigante, mas não se podem confundir nem aferir em função uma da outra, como pretendem os recorridos nas contra alegações. Só a primeira visa castigar o litigante em termos criminais, a segunda tem em vista ressarcir os ofendidos dos danos por eles sofridos com os factos que caracterizam a litigância de má fé. No caso em apreciação, tendo em conta que os litigantes actuaram com dolo, a condenação não é apenas simples mas agravada. Abrange como entenderam as instâncias, para além do reembolso das despesas a que a má fé do litigante obrigou o ofendido a efectuar, também os honorários dos mandatários (art.º 457.º, n.º1 als. a) e b) do C.P.C. Não tendo sido feita prova do valor dos honorários que o ofendido Dr.º DD pagou ao mandatário que constituiu, teve-se na decisão proferida na 1.ª instância em consideração o momento em que este constituiu mandatário o Dr.º CC que foi, “ pela primeira vez, data da realização da audiência de discussão e julgamento, mas ainda antes de a mesma ter início, juntou aos autos a procuração constante de fls. 748 ” Quanto ao montante dos honorários a fixar, ambos os recorridos referem nas suas alegações que o montante estabelecido deve fazer-se segundo o critério estabelecido no art.º 100.º do E.O.A. e que o montante fixado para os honorários no acórdão recorrido é razoável. Esse valor foi assim fixado em montante que satisfaz os recorridos, mas que os recorrentes consideram demasiado elevado pelas razões por eles referidas nas conclusões. A verdade é que o valor foi fixado sem que ao processo fossem juntos elementos de prova do trabalho forense desenvolvido no processo, nem os recorridos juntaram ao processo, laudo emitido pela Ordem dos Advogados no qual se reconhecesse que o trabalho forense prestado por um e pelo outro é o adequado. Ninguém melhor do que o Juiz da 1.ª instância sabe os serviços prestados no processo, bem como as deslocações ao tribunal por causa dele. Este Tribunal, tal como a Relação, não dispõem de elementos concretos e objectivos para além dos constantes dos autos, no que se refere aos serviços prestados pelos Senhores Advogados no processo. Consideramos por isso, como se deixa dito, que o valor dos honorários deve ser fixado em função do trabalho desenvolvido no processo, independentemente do número de advogados que neles intervêm. Se assim não fosse, o mandante que passasse procuração a favor de vários de advogados para permitir o não adiamento de diligências e evitar substabelecimentos, teria de pagar honorários a todos eles, mesmo que alguns não tivesse intervindo em quaisquer diligências. De qualquer modo, reconhecemos ao contrário do entendimento seguido na decisão da 1.ª instância e dos recorrentes que o serviço prestado no processo pelo Dr.º DD, não pode deixar de ser remunerado independentemente de ter sido prestado como advogado em causa própria. Assim, face à situação descrita, mantém-se o valor da € 2 500,00 relativo aos honorários a pagar pelos litigantes, a ambos os advogados globalmente, devendo esse valor ser rateado pelos ofendidos pela forma seguinte: Considerando o momento em que o mandatário, Dr.º CC passou a acompanhar o processo, (fase do julgamento) o valor fixado na decisão da 1.ª instância é coerente e ajustado, mantendo-se por isso no montante de € 750,00, que lhe serão pagos directamente conforme decidido e os restantes € 1 750,00 relativos a honorários deverão ser pagos ao Dr.º DD em conjunto com a indemnização a que tem direito (art.º 457.º, n.º2 do CPC). 4. Por último cabe apreciar o valor da indemnização a pagar pelos litigantes de má fé, aos ofendidos, que foi fixada pelas instâncias, tendo em consideração os elementos trazidos ao processo. Como acima ficou referido, na fixação do valor da indemnização, deve ser tida em conta o grau de culpabilidade dos litigantes, não se podendo perder de vista a situação económica dos litigantes e os danos produzidos aos ofendidos com a litigância. No que se refere aos ofendidos, designadamente o Dr.º DD, consta dos factos por si apresentados com vista à fixação da indemnização que se sente ofendido e que: “….quer enquanto advogado quer enquanto autarca, já que, à data da instauração da acção, exercia as funções de Vereador da Câmara Municipal da Guarda e, quando foram realizadas as diversas sessões de audiência de discussão e julgamento, desempenhava já o cargo de Presidente da Câmara Municipal”. É o próprio ofendido que informa os autos que, à data da instauração da acção era vereador da Câmara Municipal da Guarda e que à data das diversas sessões de audiência de julgamento desempenhava as funções de Presidente da Câmara Municipal da Guarda. Parece assim resultar que a sua honra e consideração não terá tido reflexos exteriores uma vez que mesmo antes do povo que o apoiou para a sua eleição como Presidente da Câmara ter conhecimento da decisão do Tribunal, elegeu-o como Presidente, o que nos parece que o povo do concelho da Guarda continua a ter por si elevada consideração. No que se refere ao Dr.º CC, não vemos razões para que o acórdão recorrido tenha alterado o montante da indemnização como o fez. Assim, considerando que da fundamentação do acórdão recorrido não ressaltam razões para a alteração do montante da indemnização fixada na decisão da 1.ª instância e que este Tribunal não dispõe de elementos que lhe permitam pensar que a decisão da 1.ª instância deva ser alterada, como se fez no acórdão recorrido, este não pode deixar de ser revogado. Assim, sem necessidade de mais alongadas considerações, face à situação descrita e tendo-se em conta o grau de culpabilidade dos litigantes e das ofensas por ele produzidas com a litigância dolosa, o acórdão recorrido revoga-se o acórdão e altera-se a decisão da 1.ª instância nos termos referidos. IV. Em face de todo o exposto, concede-se provimento parcial ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido, altera-se a sentença da primeira instância, no que se refere aos honorários a pagar ao Dr.º DD, no montante de € 1 750,00, mantendo-se a decisão da 1.ª instância na parte restante designadamente no que se refere ao valor da indemnização. Custas pelas partes na proporção de vencidos. Lisboa, 10 de Julho de 2007 Gil Roque (Relator) Oliveira Vasconcelos Duarte Soares ___________________________________ (1) - Vejam-se, entre outros os Acórdãos do STA- Pleno, de 15.03.2001( AD, 475.º- 1026) do STJ de 12.12.2002, Ver.2997/02- 1.ª Sumários, 12/2002). |