Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98P1453
Nº Convencional: JSTJ00035626
Relator: MARIANO PEREIRA
Descritores: EXPULSÃO
EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO
TRAFICANTE
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
Nº do Documento: SJ199902170014533
Data do Acordão: 02/17/1999
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N484 ANO1999 PAG281
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIAL.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE.
DIR CONST - DIR FUND.
Legislação Nacional: DL 15/93 DE 1993/01/22 ARTIGO 21 N1 ARTIGO 34 N1 ARTIGO 48.
DL 430/83 DE 1983/12/13 ARTIGO 34 N2.
CONST89 ARTIGO 33 N1 ARTIGO 36.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1991/06/05 IN BMJ N408 PAG162.
ACÓRDÃO TC 181/97 IN PROC402/96 DE 1996/03/05.
ACÓRDÃO STJ 14/96 IN PROC45706 DE 1996/11/07 IN DR IS-A 1996/11/27.
Sumário : I - De harmonia com a jurisprudência obrigatória fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 7 de Novembro de 1996 (publicado no Diário da República, I Série A, de 27 de Novembro de 1996) - que embora se reporte ao artigo 34, n. 2 do DL 430/83, de 13 de Dezembro é inteiramente válido para a correspondente disposição do artigo 34, n. 1 do DL 15/93 que lhe sucedeu - a imposição a estrangeiro da pena de expulsão não pode ter lugar como consequência automática da sua condenação por qualquer dos crimes previstos no DL 15/93, devendo serem sempre avaliadas, em concreto, as suas necessidade e justificação.
II - Também o Tribunal Constitucional, em acórdão de 5 de Março de 1997, proferido no processo 402/96 (Acórdão 181/97) se pronunciou no sentido de julgar inconstitucional a norma contida no artigo 34 do DL 15/93, quando aplicável a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa com eles residentes em território nacional.
III - Não é elemento típico do crime de tráfico de estupefacientes a intenção lucrativa, bastando a simples detenção, distribuição e trânsito.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

Sob acusação do Ministério Público, foram julgados, em processo comum e tribunal colectivo, no Círculo Judicial de Angra do Heroísmo, os arguidos:
- A, solteira, sem profissão, nascida em 6 de Setembro de 1978 em, Lisboa, residente em Odivelas, filha de B e de C; e
- D, solteiro, pedreiro, nascido em 3 de Outubro de 1968 em Cabo Verde, filho de E e de F, residente em Angra do Heroísmo.
Era-lhes imputado a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21 n. 1 do Decreto-Lei n. 15/93 de 22 de Janeiro, concorrendo ainda, em relação ao arguido D, a circunstância prevista na alínea c) do artigo 24 do mesmo Diploma legal.
Após julgamento, foi decidido:
- julgar os arguidos A e D co-autores da prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21 n. 1 do Decreto-Lei n. 15/93 de 22 de Janeiro e condenar cada um deles nas penas de três anos e dez anos de prisão, respectivamente.
- Suspender a execução da pena aplicada à arguida A pelo período de quatro anos e sujeitá-la a acompanhamento pelos técnicos do I.R.S.
- Ordenar a expulsão do arguido D pelo período de dez anos.
Inconformado com a decisão interpôs recurso o arguido D.
Motivando-o conclui, em síntese:
- O arguido negou desde a sua detenção que tivesse cometido os factos que lhe são imputados.
- O acórdão enferma do vício constante da alínea a) do n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal e que decorre do próprio texto do acórdão.
- A decisão recorrida não indicou qualquer outro facto para lá dos provados que fundasse a pena acessória de expulsão aplicada ao arguido.
- A expulsão de estrangeiros não é efeito automático da condenação atento o disposto no artigo 65 do Código Penal exigindo-se que a respectiva factualidade conste da acusação e pronúncia.
- O Tribunal deixou de investigar podendo fazê-lo, dada a matéria de facto relevante, de tal forma que os factos declarados provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador.
- Foram omitidas diligências de prova essenciais à descoberta da verdade.
- O G, referido sistematicamente no texto do acórdão, bem como o irmão do arguido nunca foram ouvidos.
- A companheira do arguido H e a I referidas por diversas vezes nas declarações da arguida A não foram igualmente ouvidas.
- O arguido é cidadão estrangeiro, foi condenado na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de dez anos, no entanto, não resulta do texto do acórdão se o arguido residia ou não legalmente em
Portugal.
- Não foi produzida prova suficiente para com observância do princípio - in dubio pro reo - por em crise a inocência do arguido.
- Em território nacional vivem a companheira e dois filhos menores do arguido - O J, nascido em 21 de Maio de 1993 e a L nascida em 26 de Setembro de 1994, ambos nascidos em solo Patrio.
- O arguido exerce um poder paternal efectivo sobre os menores e contribui de forma determinante para o seu sustento e educação.
- O acórdão recorrido, contrariamente à jurisprudência constante do S.T.J. não fundamentou a necessidade de aplicação ao arguido da pena acessória de expulsão.
- O acórdão, violando o artigo 65 do Código Penal e o artigo 30 n. 4 da Constituição, não faz uma apreciação em concreto do circunstancialismo provado que justificasse a aplicação ao arguido da pena acessória de expulsão.
- Sob pena de violação da Lei Fundamental o preceituado na alínea b) do n. 1 do artigo 99 e n. 2 do artigo 101 da Lei n. 244/98 de 8 de Agosto pode ser aplicado automaticamente no caso vertente.
- O Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido de julgar inconstitucional a norma constante do artigo 34 n. 1 do Decreto-Lei n. 15/93 de 22 de Janeiro enquanto aplicável a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa com eles residentes em território nacional por violação das disposições conjugadas dos artigos 33 n. 1 e 36 n. 6 da Constituição - Ac. n. 181/97 in Processo n. 402/96 de 5 de Março.
- O Tribunal Europeu tem-se pronunciado no sentido de considerar como violadora do artigo 8 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem medidas de expulsão de estrangeiros com vínculos familiares no país de residência (cfr. Revue Universelle des Droits de L'Homme, volume 3, n. 3, 1991 páginas 90 e seguintes.
- No caso sub-judice não foi fundamentada, nem sequer se verifica a perigosidade e a certeza indispensável da criação de um clima de desconfiança no tocante ao respeito pelas leis portuguesas, por forma a inviabilizar a continuação do arguido em Portugal.
- A expulsão do território nacional produziria efeitos nefastos na esfera dos direitos privados do arguido, claramente desproporcionados em relação à medida da sua culpabilidade nesta violação concreta dos seus deveres de cidadão estrangeiro.
Pede a absolvição pelo crime em que foi condenado, ou, caso assim não seja entendido, deve ser anulada a audiência de discussão e julgamento, nos termos do artigo 426 do Código de Processo Penal com o reenvio do processo para novo julgamento.
Respondeu o Digno Representante do Ministério Público junto do tribunal "a quo" defendendo a manutenção do julgado.
Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a audiência oral.
Cumpre decidir.
Factos provados:
- Em 19 de Agosto de 1997, a arguida A, conhecida de um indivíduo de nome G, deslocou-se, juntamente com este, de Lisboa para a Ilha Terceira no voo da TAP 185.
- Trazia consigo, como se de um penso higiénico se tratasse, uma quantia indeterminada de uma substância não identificada, convicta que era estupefaciente, a qual lhe havia sido entregue pelo G e por um irmão do arguido D, cuja identidade não foi possível apurar.
- Em Angra do Heroísmo, depois de ter estado em várias casas, a arguida foi para casa do arguido D, na Terra Chã, onde permaneceu durante dois dias com a família deste.
- Aí, procedeu à entrega, ao G e ao D, da substância que tinha transportado, tendo recebido destes a quantia de cento e cinquenta mil escudos como pagamento de tal transporte.
- Foi com este dinheiro que pagou a viagem de regresso ao Continente.
- No decurso da segunda semana do mês de Outubro de 1997, o já referido G e o arguido D, encontraram-se com a arguida A, em casa desta, em Lisboa, e propuseram-lhe que efectuasse um novo transporte, o que a arguida aceitou.
- No dia 20 de Outubro de 1997, elementos da P.J. receberam uma chamada telefónica, de pessoa que não se quis identificar, através da qual lhes foi dado a saber que nesse mesmo dia, cerca das 20 horas, chegaria à Ilha Terceira, vinda de Lisboa no voo da TAP, uma pessoa do sexo feminino, cuja descrição fisionómica foi feita, a qual transportava droga consigo.
- Elementos dessa Polícia acompanhados de elementos da Brigada Fiscal da G.N.R. do destacamento de Angra do Heroísmo, deslocaram-se para o aeroporto onde, cerca das 21,30 horas, por corresponder à descrição que lhes tinha sido feita, abordaram a arguida A, acabada de chegar de Lisboa no voo da TAP, a quem perguntaram se trazia bagagem de porão e se trazia consigo algo de anormal.
- Após alguns momentos de hesitação a arguida, voluntariamente, retirou do interior de uns calções de licra de cor preta que trazia vestidos por debaixo das calças que envergava, um volume completamente envolto em fita adesiva de cor castanha, normalmente utilizada para fechar caixas de papelão, o qual entregou aos agentes dizendo que continha "castanha".
- Já nas instalações da B.F. da G.N.R. o volume que apresentava o peso total de 764,300 gramas, tendo o invólucro o peso de 89,500 gramas - foi aberto e verificou-se que no seu interior se encontrava um saco de plástico de cor branca no interior do qual se encontrava heroína.
- Esta substância destinava-se a ser entregue ao arguido D, que aguardava a A perto do cemitério da Terra Chã, em Angra do Heroísmo, o qual lhe entregaria a quantia de cento e cinquenta mil ou duzentos mil escudos.
- Os agentes, nessa mesma noite, deslocaram-se para o referido local onde vieram a encontrar o arguido que, como acordado, ali esperava a A para dela receber o embrulho.
- Na sequência da abordagem efectuada pelos agentes da autoridade, ocorreu, entre estes e o arguido D, uma troca de tiros, da qual resultou um ferimento de um agente da polícia judiciária.
- Ainda, nessa mesma noite, o arguido D deslocou-se às instalações da B.F. da G.N.R. onde foi detido.
- No dia seguinte foi efectuada busca à residência do arguido e ali foi encontrado um pedaço de papel com o nome e a morada da arguida A, bem como as fotografias que se encontram juntas aos autos - folhas
237 a 241, onde, em três das quais, esta arguida figura com familiares do D, em casa deste.
- A heroína apreendida permitia a sua repartição por um grande número de doses individuais de cuja venda se obteria uma quantia não inferior a vinte milhões de escudos.
- A arguida A acedeu a efectuar o transporte da heroína, mediante contrapartida em dinheiro, porque se encontrava sem trabalho e sem dinheiro, tinha um filho menor e estava grávida de um segundo.
- Os arguidos, conhecedores das características da substância apreendida, actuaram de modo concertado, o que fizeram de forma livre e voluntária, bem sabendo que as suas condutas são proibidas por lei.
- A arguida, que confessou os factos, é proveniente de uma família destruturada e de estrato sócio-económico baixo, tendo, aos treze anos de idade fugido para França, onde permaneceu durante alguns anos, bem como em outros países da Europa, a trabalhar em situação ilegal.
- Na sequência de doença grave da mãe voltou a Portugal para lhe prestar apoio.
- Mais recentemente fixou-se na zona de Odivelas onde vive em casa de familiares e amigos e ainda com alguns companheiros ocasionais, de cujas relações vieram a nascer dois filhos, um deles já quando estava presa.
- À data da prisão não tinha emprego e vivia num quarto, pelo qual pagava 30000 escudos mensais.
- Mostra arrependimento, não tem antecedentes criminais e tem o 7. ano de escolaridade como habilitações literárias.
- O arguido D é natural de Cabo Verde e encontra-se há cerca de nove anos nos Açores, mantendo uma relação com uma companheira de quem tem dois filhos, a qual tinha já três filhos de uma anterior relação.
- À data da prisão, apesar de não ter ocupação certa e a família receber subsídio de rendimento mínimo garantido, apresentou-se bem vestido, com anéis e fios de ouro.
- Não tem antecedentes criminais.
Não ficou provado que:
- A substância que a A transportou, aquando da sua deslocação à ilha Terceira em 19 de Agosto de 1997, era uma substância estupefaciente
- a heroína apreendida à arguida A se destinava a ser vendida pelo D a revendedores e consumidores da ilha Terceira permitindo a este arguido a obtenção de avultada compensação monetária, o que ele procurava.
Não se provaram quaisquer outros factos.
O Direito.
Segundo o artigo 412 n. 1 do Código de Processo Penal "A motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido".
Daqui emerge que o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo Recorrente da respectiva motivação (neste sentido é uniforme e pacífica a jurisprudência deste Supremo Tribunal - cfr., entre muitos o Acórdão do S.T.J. de 10 de Julho de 1996 in Processo n. 48675).
Tendo em vista as conclusões do recurso interposto pelo arguido D, podemos distinguir nelas duas partes.
A 1., reporta-se essencialmente ao crime pelo qual foi condenado.
A 2. relaciona-se com a expulsão do território português.
Em relação à primeira alega o vício da alínea a) do n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal e, aqui, integra consoante refere -, o tribunal não ter investigado, podendo fazê-lo, toda a matéria de facto relevante, tendo sido omitidas diligências de prova essenciais à descoberta da verdade - um tal G e o irmão do arguido nunca foram ouvidos, bem como a sua companheira e uma tal I - pelo que os factos declarados provados não permitem por insuficiência a aplicação do direito.
Em relação à segunda afirma que a declaração de expulsão não é automática e a decisão não fundamentou a necessidade de aplicação ao arguido da pena acessória de expulsão.
Apreciando.
Em relação ao ponto 1.
Dispõe o artigo 433 do Código de Processo Penal que, sem prejuízo do disposto no artigo 410 ns. 2 e 3, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa, exclusivamente, o reexame da matéria de direito.
Isto significa que o Supremo Tribunal de Justiça só se pode imiscuir na matéria de facto quando se verificarem os vícios a que se reportam as alíneas a), b) e c) do n. 2 daquele artigo 410, ou seja, quando se verifique: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. b) a contradição insanável da fundamentação. c) erro notório na apreciação da prova.
E ainda pode conhecer de nulidade que não deva considerar-se sanada (cfr. n. 3 do citado artigo 410).
Em relação àqueles vícios tem vindo a ser entendido que: a - estamos em presença da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito quando os factos colhidos após o julgamento não consentem, quer na sua objectividade quer na sua subjectividade o ilícito dado como provado. b - existe contradição insanável de fundamentação quando de acordo com um raciocínio lógico seja de concluir que não é perfeita a compatibilidade de todos os factos provados. c - erro notório é todo aquele que não escapa ao homem comum e consubstancia-se quando no contexto factual dado como provado e não provado existem factos que cotejados entre si, notoriamente se excluem, não podendo de qualquer forma harmonizar-se.
Consoante jurisprudência obrigatória deste Supremo Tribunal é oficioso pelo tribunal de recurso o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410 n. 2 do Código de Processo Penal (cfr. acórdão do Plenário das Secções Criminais do S.T.J. de 19 de Outubro de 1995 in processo n. 46580, DR IS-A Série de 28 de Dezembro de 1995).
Porém, o recorrente, no seu recurso, apenas invoca o 1. dos vícios, ou seja, a insuficiência dos factos para a aplicação do direito. E para tanto traz à colação a falta de investigação oficiosa do tribunal. Não tem, porém, razão como se passa a demonstrar.
O princípio da investigação oficiosa no processo penal é conferido ao tribunal pelos artigos 323 alínea a) e 340 n. 1 ambos do Código de Processo Penal. Tem os seus limites previstos na lei e está condicionado pelo princípio da necessidade, dado que só os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitarem o julgador a uma decisão justa e criteriosa devem ser produzidos por determinação do tribunal na fase do julgamento ou a requerimento dos sujeitos processuais. E esse juízo de oportunidade, de necessidade de diligências de prova não vinculada, dada a indicação e a vivência do julgamento, sede do contraditório, constitui pura questão de facto, não subsumível no artigo 410 n. 2 alíneas a), b) e c) e n. 3 do Código de Processo Penal e, portanto, insusceptível de ser indicada pelo Supremo Tribunal de Justiça. E no caso "sub-judice" a prova que o recorrente diz ter sido olvidada não tem a natureza de prova vinculada ou tarifada que tivesse sido desprezada, ou não investigada pela instância.
Por outro lado, o princípio da não apreciação da prova, consagrado no artigo 127 do Código de Processo Penal, esclarece que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente que "in casu" foi o colectivo de juízes que procedeu ao julgamento (Nota: temos vindo a seguir a orientação perfilhada no acórdão de 25 de Março de 1998 in processo n. 53/98, 3. Secção por nós relatado e que se encontra publicado no B.M.J. n. 475 páginas 502 e seguintes).
Forçoso é concluir que não podemos criticar a decisão da 1. instância por não ter inquirido as testemunhas que o Recorrente refere. E também é de afastar o vício arguido pelo recorrente - insuficiência da matéria de facto para aplicação do direito - alínea a) do n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal - já que os factos assentes integram, quer na sua objectividade, quer na sua subjectividade, o ilícito criminal pelo qual o arguido foi condenado e que se integra, como foi decidido, no artigo 21 n. 1 do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro. Com efeito, segundo esta norma, comete o ilícito (crime de tráfico de estupefacientes) todo aquele que, sem para tal estar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer outro título receber, proporcionar a outrém, transportar, importar, exportar, fizer transitar, ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III...
E como é referido, na decisão sob censura, posição que se subscreve, "Apesar de ser comum a ideia de que o crime de tráfico de estupefacientes se consuma unicamente através da venda de tais produtos, tal não corresponde à realidade, pois não é elemento típico a intenção lucrativa, bastando a simples detenção, distribuição e trânsito". Aliás, neste sentido Acórdão do S.T.J. de 5 de Junho de 1991 in B.M.J. n. 408 página 162. Por outro lado, não é necessário o contacto físico com o estupefaciente como por exemplo no caso de compra e venda, actos jurídicos que não exigem necessariamente a presença do seu objecto no momento da transacção
(neste sentido Acórdão do S.T.J. de 8 de Março de 1990 in Col. J. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Tomo I, página 35).
Ora, dos factos resulta que o arguido/recorrente juntamente com um tal G encontraram-se com a arguida A e propuseram-lhe que efectuasse um novo transporte, o que a arguida aceitou.
E no dia 20 de Outubro de 1997 a arguida ida de Lisboa em voo da TAP chegou à Ilha Terceira cerca das 20 horas levando heroína com o peso total de 764,300 gramas, tendo o invólucro onde era embalada o peso de 89,500 gramas, estupefaciente que se destinava a ser entregue ao arguido D e que aguardava a A perto do Cemitério da Terra Chã, em Angra do Heroísmo e o arguido entregar-lhe-ia em resultado do serviço prestado a quantia de cento e cinquenta mil a duzentos mil escudos.
A heroína apreendida permitia a sua repartição por um grande número de doses individuais de cuja venda se obteria uma quantia não inferior a vinte milhões de escudos.
Os arguidos conhecedores das características da substância apreendida, actuaram de modo concertado o que fizeram de forma livre e voluntária, bem sabendo que as suas condutas são punidas por lei.
Vê-se, pois, pelo que ficou exposto que os factos integram quer na sua objectividade, quer na sua subjectividade o ilícito pelo qual o arguido foi condenado não se verificando o vício da alínea a) do n. 2 do artigo 410 do
Código de Processo Penal. Acresce que examinando a decisão na sua globalidade, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, também não se detectam os outros vícios aludidos nas alíneas b) e c) daquela norma e que este Supremo, como supra se referiu, podia sindicar.
Não põe em crise o arguido a medida da pena. Porém, considerando que se trata de um crime de perigo comum, em que o bem protegido é a saúde pública e que a quantidade de heroína, que é droga dura, é bastante significativa e tenha elevado valor comercial e que, neste tipo de crimes, a Sociedade já interiorizou os seus malefícios requerendo sanção com certa severidade, e atentos os princípios de prevenção geral e especial, que enformam a medida da pena, a pena encontrada mostra-se justa e adequada ao grau de culpa do arguido.
Improcede nesta parte o recurso.
Em relação ao ponto 2 (expulsão do território português).
Como vimos o arguido D foi condenado pelo crime do artigo 21 n. 1 do Decreto-Lei n. 15/93 de 22 de Janeiro na pena de dez anos de prisão. O artigo 34 do mesmo Diploma refere no seu n. 1 que, sem prejuízo do disposto no artigo 48, em caso de condenação por crime previsto no presente diploma, se o arguido for estrangeiro, o Tribunal pode ordenar a sua expulsão do País, por período não superior a dez anos...".
Ora, de harmonia com a jurisprudência obrigatória, fixada pelo acórdão do plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Novembro de 1996 (publicado no Diário da República I Série - A de 27 de Novembro de 1996) - que embora se reporte ao artigo 34 n. 2 do Decreto-Lei n. 430/83 de 13 de Dezembro (diploma que antecedeu o Decreto-Lei 15/93 supra citado) - é inteiramente válido para a correspondente disposição do artigo 34 n. 1 do Decreto-Lei 15/93 atrás referido - a imposição a estrangeiro da pena de expulsão prevista neste último preceito não pode ter lugar como consequência automática da sua condenação por qualquer dos crimes previstos no Decreto-Lei n. 15/93 devendo ser sempre avaliada em concreto a sua necessidade e justificação.
Também o Tribunal Constitucional em acórdão n. 181/97 processo n. 402/96 de 5 de Março se pronunciou no sentido de julgar inconstitucional a norma constante do artigo 34 do Decreto-Lei n. 15/93 de 22 de Janeiro, quando aplicável a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa com eles residentes em território nacional por violação das disposições conjugadas dos artigos 33 n. 1 e 36 n. 6 da Constituição da República.
Do que se expôs, resulta que a aplicação do disposto naquele artigo 34 (pena acessória de expulsão), não é de aplicação automática, sendo uma faculdade dada ao Tribunal e depende de uma apreciação concreta efectuada devendo para o efeito ser ponderados e equacionados vários factores e, dentre eles, merecem realce a situação familiar do arguido e do seu agregado, a dependência deste em relação àquele e o maior ou menor enraizamento do arguido no País.
Isto posto vejamos o caso em apreço. O arguido recorrente é natural de Cabo Verde e encontra-se há cerca de nove anos nos Açores mantendo uma relação com uma companheira de quem tem dois filhos menores. Não tem antecedentes criminais. A família recebe subsídio de rendimento mínimo garantido.
Resulta, assim, que o arguido está enraizado em Portugal, há perto de nove anos, onde constituiu família, pelo que a sua expulsão do território nacional teria repercussões nefastas no seu agregado familiar, designadamente nos filhos.
Procede, pois, esta conclusão.
Face a todo o exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso revogando-se a decisão na parte em que decretou a expulsão do arguido do País.
No mais mantém-se na integra, a decisão.
Custas a cargo do Recorrente fixando-se a taxa de justiça em oito UCS.
Fixam-se em 15000 escudos de honorários à Excelentíssima Defensora Oficiosa, nomeada em audiência, da arguida A a serem pagos pelos
Cofres; e 15.000 escudos de honorários à Excelentíssima Defensora Oficiosa nomeada, também em audiência ao arguido D a serem pagos por este adiantando-os, porém, os Cofres.
Lisboa, 17 de Fevereiro de 1999.
Mariano Pereira,
Flores Salpico,
Brito Câmara,
Martins Ramires.
Tribunal da Comarca de Angra do Heroísmo - Processo n.
89/98 - 1. Juízo - 1. Secção.