Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
385/17.0T8VFR.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO LIMA GONÇALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 01/31/2023
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I. A Ré violou os seus deveres de informação quando não prestou informação detalhada ao Autor marido sobre as características do produto que estava a apresentar-lhe, designadamente que, por serem obrigações subordinadas, no caso de insolvência da sociedade emitente, o seu titular veria o seu crédito graduado depois dos créditos não subordinados sobre a insolvência (cf. artigos 48.º e 177.º do CIRE), sendo certo que não está demonstrado que o Autor tivesse conhecimentos e experiência para conhecer (ou complementar) as informações (ou a falta delas) prestadas pelo empregado da Ré, sendo certo que o Autor tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, aplicando-o em regra em depósitos a prazo.

II. Configura uma informação não verdadeira, a afirmação do gestor de cliente quando refere que era um produto cujo capital investido era garantido pelo próprio Banco.

III. O nexo de causalidade  entre a violação do dever de informação por parte do intermediário financeiro e o dano consubstanciado na não devolução do valor investido pelo Autor (€150 000,00, correspondente a 3 obrigações SLN), enquanto investidor não qualificado, não se encontra demonstrado, porquanto nada se provou que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, o Autor (ou os filhos) não as teria adquirido.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA intentaram ação declarativa de condenação contra Banco BIC Português, S.A., pedindo que:

a) a Ré seja condenada no pagamento da quantia de €150 000,00 ao Autor, acrescida de juros legais contados desde a citação;

b) a alegada subscrição da obrigação SLN Rendimento Mais 2006, ser anulada, e , em consequência, ser a Ré condenada no pagamento da quantia de €150 000,00 ao Autor, acrescida de juros legais contados desde a citação;

c) seja o Autor indemnizado pelos danos causados pela Ré.

Alegou, em síntese, que:

- a Ré procedeu a aplicações no referido montante, que era seu e tinha depositado na sua conta aberta no então Banco BPN, S.A.;

- tais aplicações foram feitas sem o seu acordo informado pois o funcionário do Bano Réu em quem depositava total confiança o induziu em erro sobre a segurança do produto e garantia de reembolso do capital;

- nunca subscreveu qualquer documento ordenando a subscrição das referidas obrigações.

2. Citada, a Ré veio contestar, por impugnação e por exceção:

a) a incompetência territorial (sustentada no argumento da sua sede ser em ...);

b) a ineptidão da petição inicial (com o argumento de que os factos invocados apenas poderem servir de base a uma pretensão de invalidação do negócio por erro ou dolo ou a um pedido de indemnização por responsabilidade civil contratual do intermediário financeiro e não ao pedido feito de reembolso do capital aplicado em obrigações emitidas por terceira e a pedido dos juros contratualmente acordados);

c) a ilegitimidade passiva decorrente de não ter sido o Banco Réu mas a SLN a receber as quantias alegadamente despendidas pelo Autor na aquisição das sobreditas obrigações; e,

d) a prescrição do direito do Autor (por terem decorrido mais de dois anos sobre o conhecimento pelo mesmo da conclusão do negócio e respectivos termos, como previsto no artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários.

Impugnação, ainda, a versão dos factos alegada pelo Autor que este não subscreveu quaisquer obrigações SLN por intermédio do Banco Réu tendo as mesmas sido transferidas para a sua titularidade em 26/01/2009 por ordem do mesmo e de terceiros que as haviam subscrito sendo que desde então as mesmas lhe rendaram juros que recebeu e de que beneficiou.

3. Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

4. O Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto.

5. O Tribunal da Relação do Porto, proferiu a seguinte decisão:

“Na procedência das alegações de recurso revoga-se a sentença recorrida, e, consequentemente condena-se a Ré a pagar à autora a quantia de €150.000,00, acrescida de juros desde a citação à taxa legal até efectivo e integral pagamento.”

6. Inconformada com tal decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª A sentença recorrida conclui erradamente que o Banco-R. prestou informação falsa e omissa ao A., a propósito da venda de Obrigações SLN 2006, por este instrumento financeiro não ser isento de risco – não ser tão seguro quanto um Depósito a Prazo - e por não ter capital garantido!

2.ª Como mais entendeu que a compra das Obrigações pelos filhos do A. apenas consubstanciou um acto de representação deste.

Todavia,

3.ª A douta decisão recorrida considerou provado que:

“(...)

13. O Autor quis transmitir gratuitamente aos seus filhos o referido montante de 150 000 €;

14. 10. As obrigações referidas em B) foram subscritas pelos filhos do Autor na sequência do referido em 10.

15. Mais tarde, em data não concretamente apurada, na decorrência de conflitos familiares, o Autor exigiu aos seus filhos que as obrigações por eles subscritas na sequência do referido em 10, fossem transferidas para a sua conta.

16. O que estes aceitaram e o Banco executou por ordem dos mesmos. (...)” (sublinhados nosso)

4.ª Foram os filhos do A. quem comprou as Obrigações, sem prejuízo da origem dos fundos monetários para o efeito. O A. veio, posteriormente, e em momento anterior ao incumprimento da SLN, a receber tais obrigações por nova doação

5.ª A transmissão das ditas Obrigações dos filhos do A. para este não foi sujeita a qualquer intermediação financeira, mas apenas a uma ordem directa de débito em conta contra crédito noutra, ambas devidamente identificadas - ou seja, não houve qualquer ordem de transmissão ao mercado ou a entidade emitente para procura de comprador, que consubstanciasse um serviço de intermediação financeira.

6.ª Ou seja, nada do que vem provado quanto ao cumprimento de obrigações do Banco-R. na qualidade de intermediário financeiro se aplica à compra de obrigações pelo A., mas tão-só à sua compra pelos seus filhos, qualquer tipo de comportamento ilícito do Banco-R., por violação do dever de informação, apenas terá sido praticado relativamente a direitos dos filhos do A., e não deste.

7.ª Contudo, que a SLN (entidade emitente) pagou juros remuneratórios, por deliberação de até Abril de 2015, apenas então entrando em incumprimento! Ou seja, apenas o dano se veio a produzir na esfera jurídica do A., por ocasião do incumprimento do reembolso pela entidade emitente.

8.ª A cessão da obrigação ao A. constitui um negócio de endosso sobre um valor mobiliário, pelo qual o adquirente ingressa na posição jurídica do cedente, concretamente quanto a todos os direitos inerentes a tais instrumentos, considerados estes enquanto todos os direitos que emergem da relação jurídica geral assumida pela entidade emitente dos títulos e que constituirão os direitos à remuneração e ao reembolso do capital.

9.ª Ora, o direito a indemnização em si mesmo, e ainda que perfeito à data da cessão, não é um direito inerente ao título!

10.ª Nestes direitos inerentes não se incluem, sob qualquer perspectiva, qualquer conjunto de actos ilícitos e/ou culposos de que o cedente houvesse sido “vítima”, como que deixando pendente a formação a um eventual direito de indemnização se completados os restantes pressupostos desse direito – como se um titular coleccionasse alguns dos ditos pressupostos e o adquirente se pudesse valer deles e os pudesse depois completar com outros pressupostos, completando os primeiros! Isto não é possível nem admissível

11.ª Admitirmos um tal cenário equivaleria a esvaziar por completo o regime dos valores mobiliários, em concreto o art.º55ºnº1 do CdVM, e, simultaneamente, o regime geral da cessão de posição contratual!

12.ª só a verificação cumulativa desses pressupostos na mesma entidade lhe confere um novo direito, que antes não existia!

13.ª A responsabilidade civil é uma das fontes das obrigações. E, para se verificar, necessita da verificação cumulativa dos pressupostos previstos no art.º 483º e 798 do Código Civil! Só quando verificados esses pressupostos existe o respectivo direito, e só depois de constituído o direito é que poderá haver a respectiva cessão, que ainda assim não possa resultar da mera negociação de um instrumento financeiro, mas antes de um negócio expresso e autónomo de cessão do respectivo crédito - nada disso aqui sucedeu!

14.ª Em suma, não se formou qualquer direito de indemnização, fosse na esfera dos filhos, por não ter sofrido qualquer dano, ou do A., por não ter sofrido qualquer acto ilícito ou culposo que fosse causa do não reembolso da obrigação de que foi titular!

15.ª O Tribunal a quo violou, por errónea interpretação ou aplicação, o disposto nos art.ºs 55º e 210º do CdVM e 483º e 798º do Código Civil.

16.ª A decisão recorrida veio a tomar a compra original dos filhos como um acto praticado em representação do A.

17.ª Não vislumbramos, todavia, qualquer facto provado que nos permita estabelecer uma relação de representação.

18.ª Em primeiro lugar, porque o que resulta provado é que o “Autor quis transmitir gratuitamente aos seus filhos o referido montante de 150 000 €”, ou seja, quis doar aqueles fundos monetários aos filhos - isto é substancialmente distinto de os dotar de fundos para execução de um mandato!

19.ª Em segundo lugar, não resulta da matéria de facto provada qualquer evidência de uma vontade de que os filhos contratassem a compra das Obrigações por conta e no interesse do A.

20.ª A lógica expendida na decisão recorrida acaba por reconduzir a relação entre o A. e seus filhos a um mandato sem representação.

21.ª No caso de se concordar com tal quadro contratual, todavia, um mandato sem representação apenas permite que o mandante possa substituir-se aos mandatários na cobrança de créditos de origem contratual. Dito de outra forma, ao mandante é permitido, nos termos do disposto no artº 1181º nº 2 do Código Civil, o exercício de direitos contratados pelos mandatários em cumprimento do mandato.

22.ª Mas o legislador pretende permitir ao mandante que obtenha o cumprimento dos contratos celebrado sem sua representação pelos mandatários... mas já não a reparação de prejuízos que os mandatários hajam sofrido por cumprimento defeituoso dos mesmos contratos em virtude de mau cumprimento de uma prestação que não a principal!

23.ª Em tal cenário, e quanto ao caso concreto, a transmissão de direitos adquiridos ao mandante apenas abrange, como se viu, os direitos inerentes aos títulos e não todos e quaisquer outros que pudessem ser acessórios dos actos de aquisição dos direitos de crédito pelos mandatários. Em suma, no caso, o mandante não poderia substituir-se aos mandatários na reclamação de eventual responsabilidade no acto de intermediação, tal qual pedido na presente acção.

24.ª O Tribunal violou também, por errónea aplicação ou interpretação o disposto no art.º 1181º nº2 do Código Civil.

De resto,

25.ª O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso por não ser um instrumento sujeito a negociação em mercado regulamentado, não estaria sujeito à volatilidade dos mercados ou a diferenças de cotação resultantes do valor das diferentes ordens para aquisição e venda dos títulos, e por não ser previsível qualquer risco de liquidez porquanto a procura superava em muito a oferta destes produtos – note-se que esta era a segunda emissão da SLN (depois da emissão de 2006)e à data já haveria outras duas emissões do próprio Banco, e em todas elas a procura superou, por muito a oferta – o que se manteve sempre mesmo depois do período de subscrição no chamado mercado de balcão!

26.ª Resta, pois, o chamado risco de remuneração e de crédito correspondente à possibilidade de incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

27.ª A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

28.ª E este não é objecto de qualquer tipo de obrigatoriedade de advertência ou informação especial. Impor a advertência de um tal risco geral importaria necessariamente o reconhecimento de uma capitis diminutio dos clientes, uma quase inimputabilidade ou incapacidade, impondo ao intermediário financeiro a obrigação de informação de uma evidência.

Por outro lado,

29.ª Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes! Ou seja, o juízo de avaliação do risco, da sua existência e relevância, tem ele próprio de ser um juízo de prognose póstuma!

30.ª A verificação do evento em 2016 não pode conduzir por si só à sua previsibilidade ou probabilidade, ou sequer possibilidade efectiva, em 2006! Pelo contrário,

31.ª Em 2006, a SLN era titular de 100%docapitalsocialdoBanco-R., como era dona de várias outras dezenas de empresas nas mais diversificadas áreas de negócio!

32.ª O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN, e sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia ao risco de solvabilidade do próprio Banco – risco de reembolso de um Depósito a Prazo!

33.ª Em suma, a segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

34.ª E não se invoque à discussão o Fundo de Garantia de Depósitos (FGD) como critério de atribuição de segurança aos ditos depósitos a prazo.

35.ª É que se por um lado, à data, aquele FGD apenas cobria 25.000,00€ por conta,

36.ª Por outro, nenhum cliente, e o A. certamente, efectuava os seus depósitos fiado na garantia do FGD - ou seja, em termos causais a existência do dito FGD seria irrelevante na cadeia de decisões do falecido marido da A. para a contratação do investimento que decidiu fazer.

37.ª Ou seja, a segurança que o A., e todos os clientes, associavam a um DP resumia-se à confiança exactamente na solvabilidade do Banco, e nada mais!

38.ª Era este mesmo pressuposto que assegurava o bom reembolso das Obrigações – razão por que dizer que o produto não tinha risco naturalmente não pode senão ser entendido como a atribuição de um risco mínimo, equivalente ao de um DP.

39.ª A afirmação de que a aplicação era isenta de risco, se levada literalmente, apenas poderia prevalecer no já referido caso de se resumir o declaratário não a uma pessoa financeiramente inapta, mas juridicamente incapaz! É que essa afirmação implicaria que alguém acreditasse – como se fossepossível! – que seria possível estabelecer uma qualquer relação jurídica sem risco.

40.ª O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente! Tanto assim que os pressupostos de nacionalização do Banco, no Dec. Lei 62-A/2008 d e11 de Novembro são exactamente os previstos para insolvência do Banco - a SLN insolveu, é certo... mas o Banco também! E antes, muito antes!

41.ª A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis – neste sentido vejam-se os dois acórdãos do STJ já citados, de 6 de Junho de 2013 e de 12 de Janeiro de 2017,

42.ª No caso, inclusivamente, reforçada pelo facto de a sociedade emitente ser a sociedade-mãe do Banco.

43.ª A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido - veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses.

44.ª Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave.

Acresce que,

45.ª Se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art.7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento, sendo que o CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

46.ª A menção do artº 312 nº 1 al. e) do CdVM aos “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar” refere-se claramente ao negócio de intermediação, ao dito negócio de cobertura, sob pena de redundância da al. d) da mesma disposição – essa sim referente aos instrumentos financeiros envolvidos nos serviços de intermediação.

47.ª A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Aliás como também o denota a necessidade de informação acerca da volatilidade do preço do instrumento financeiro, igualmente prescrita na alínea b) deste preceito e com a qual este risco de perda está umbilicalmente ligado. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do mecanismo do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

48.ª Ora, o investimento efectuado foi feito em Obrigações, não sujeitas a qualquer volatilidade, sendo o respectivo retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

49.ª Todo e qualquer investimento em todo e qualquer instrumento financeiro acarreta a possibilidade inerente de perda de total de capital… basta verificar-se, com neste caso, um incumprimento! Aliás, qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento.

50.ª O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação!

51.ª A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!

52.ª Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

53.ª É que a este respeito, impõem-se clarificar que, em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

54.ª E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

55.ª O Banco-R. forneceu ao A. todas as informações adequadas e necessárias à compreensão do produto financeiro em causa.

56.ª O risco de insolvência da entidade emitente é sempre e invariavelmente inerente a qualquer instrumento financeiro e a qualquer contrato.

57.ª Não existia, no caso, qualquer especial risco de incumprimento de que o Banco-R. devesse ter advertido o A.

58.ª A douta decisão recorrida violou, por errónea interpretação o disposto no artº 314º e 312º do CdVM.

Por outro lado,

59.ª O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e o dano!

60.ª Todavia, além da demonstração da causalidade “mecânica” entre o imputado facto ilícito e o dano, importaria a demonstração de que aquele mesmo ilícito é, em geral, adequado à produção daquele dano - o que, neste caso ficou por demonstrar!

61.ª Pelo contrário, dos factos provados, e concretamente das relações de domínio entre a SLN e o Réu, resulta uma segurança, uma garantia de natureza patrimonial àquele bom reembolso.

Por fim,

62.ª Não podemos deixar de repetir, desde logo, que do elenco de factos provados de qualquer dos acórdãos em confronto não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição. Aliás, nem resulta, como se alegou já a prática do ilícito que o Tribunal a quo imputou ao R.

63.ª Sempre seria essencial aferir se, em face de informação sobre o mesmo produto, prestada de forma legalmente exigível e tal qual o Tribunal entendeu que deveria ser prestada, o A. deixaria de subscrever o instrumento financeiro em causa.

64.ª In casu, não resulta dos autos que o A., ou seus filhos não tivessem subscrito as Obrigações em causa, acaso soubessem da possibilidade de incumprimento ou de insolvência da entidade emitente. E esta é uma evidente que torna claramente abusiva a transposição daquela decisão para estes autos.

65.ª A prestação de informação falsa (ou a falta de prestação de informação), no que diz respeito ao nexo causalidade, está umbilicalmente ligada ao regime do erro. Na verdade, aquele nexo de causalidade parte dos mesmos exatos termos em que existe a essencialidade do erro.

66.ª Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

67.ª Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

68.ª E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

69.ª Nada disto foi feito! Nada disto resulta dos factos provados!

70.ª No caso concreto, além de não demonstrar alegado ou provado aquele facto negativo, ainda nos atreveremos a dizer que o contrário é relativamente óbvio... ou seja, em 2006 (sim, porque o contexto é o de 2006), ninguém relevava a eventualidade de uma situação de insolvência de um Banco ou de uma sociedade dona de um Banco – e como esse cenário não era sequer concebível, nunca ninguém duvidaria em investir mesmo em dívida subordinada, só por ser subordinada!

71.ª A causalidade entre a eventual violação do dever de informação não se pode presumir legalmente, e presumindo-se judicialmente sempre se deverá reflectir na afirmação de um facto como provado e não apenas na justificação de um raciocínio puramente abstracto, como se de um palpite se tratasse.

72.ª Não podemos, por tudo o que vimos de expor, deixar de concluir que não apenas o Banco-R. não praticou qualquer acto ilícito, como mesmo que o houvesse praticado, tal qual identificado pelas instâncias, e ele nunca seria causal relativamente ao dano alegado.

73.ª Além das normas já referenciadas, incorreu a decisão recorrida em violação do disposto no art.º 563º do Código Civil.

E conclui “pela revogação da douta decisão recorrida e a sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido”.

7. O Recorrido apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª O douto acórdão do Tribunal da Relação decidiu bem ao considerar que no caso em apreço estamos perante um contrato de intermediação financeira, e que o mesmo não foi cumprido, por violação clara do dever de informação.

2.ª Ficou provado que o Banco Réu prestou uma informação falsa, incompleta e obscura. Porque em momento algum foi explicado ao Autor, nem aos seus filhos em sua representação, quais as características do produto financeiro (obrigações SLN 2006). Nunca foi facultado ao Autor, nem aos seus filhos em sua representação, nenhuma nota informativa atinente ao produto financeiro.

3.ª A informação omitia dados essenciais e relevantes para a tomada de decisão por parte do Autor em investir.

4.ª E acima de tudo, a informação prestada era falsa, pois ficou provado que a informação prestada pelos funcionários não correspondia à verdade pois apresentavam o produto como um produto em tudo igual a um deposito a prazo.

5.ª Quando sabiam que na verdade se tratava de um empréstimo obrigacionista, em que em caso de insolvência da entidade emitente, o reembolso das obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados à entidade emitente.

6.ª Torna-se evidente que a conduta do Banco Reu é culposa.

7.ª E que com esta conduta o Banco Réu causou prejuízos ao autor, no valor da quantia depositada, pois terminado que estava o contrato não foi possível ao Autor resgatar o valor depositado.

8.ª Concluiu bem o douto acórdão ao confirmar que o era e sempre foi do Autor (pai). Os filhos sempre agiram de acordo com as indicações do pai. Nunca usaram o dinheiro como seu.

9.ª E ficou como matéria assente nos autos que os filhos assinavam os documentos que o pai lhes mandava assinar, que por sua vez eram indicados ao Autor (pai) pelo seu gestor de conta, funcionário do Banco Réu à data dos factos.

10.ª Não pode o Banco Réu, vir agora em alegações afirmar que o Pai fez doação aos filhos daquele montante.

11.ª Ora, se realmente estivéssemos no âmbito de uma doação, porque razão teria o montante voltado ao Autor?

12.ª Por isso, decide bem o douto acórdão quando dá como provado que “Não obstante os filhos terem subscrito as ações, resulta da decisão da causa que o dinheiro era do autor, que os filhos apenas obedeciam ao autor, sempre na ciência de que o dinheiro era do pai. Tanto assim que assinavam o que o pai lhes dizia. O que significa que os filhos atuavam em representação de seu pai, seus representantes, dentro daqueles limites específicos, abrir a conta e subscrever os impressos, sendo que os efeitos se repercutem na esfera jurídica, do autor, representado.

E, o certo é que, o dinheiro voltou para a conta do autor. - Estamos no âmbito de representação prevista no artigo 258 cfr. 1178º CC.”

13.ª O dinheiro sempre foi do Autor, e nunca o autor teve intenções de doá-lo aos filhos. Apenas lhes transferiu a responsabilidade de o representar, pois temia que no estado de saúde em que se encontrava à data viesse a ficar impossibilitado por si mesmo de o fazer.

14.ª Aliás, o próprio gestor de conta afirmou que nunca tratou de nenhum assunto relacionado com a conta que os filhos abriram, com os próprios. Fê-lo sempre com o Autor. E nunca os filhos assinaram qualquer documento sem que o Autor tenha previamente ordenado.

8. A instância veio a ser suspensa até ao julgamento para uniformização de jurisprudência.

9. Foi proferido Acórdão pelo Pleno das Secções Cíveis no processo n.º1479/16...., que transitou em julgado.

10. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

- da subscrição e da cedência das obrigações SLN;

- saber se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.


III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos (com as alterações efetuadas pelo Tribunal da Relação):

1.1. O Autor era cliente do Réu, na sua agência de ..., onde mantinham conta à ordem, com o número ...50 e nela movimentava dinheiro, realizava pagamentos e efectuava poupanças;

1.2. B. O Autor é titular de três obrigações SLN, 2006, no valor total de 150 000 €.

1.3. O Autor mantém até hoje a titularidade de tais obrigações.

1.4. O Autor tinha como gestor de conta no Banco Réu o Sr. BB em quem confiava;

1.5. E que já conhecia como seu gestor de conta de outra instituição bancária onde aquele foi funcionário e o Autor cliente;

1.6. Tal funcionário conhecia bem o Autor e as suas características enquanto cliente e investidor;

1.7. Foi o referido funcionário quem referiu ao Autor a existência das obrigações SLN 2006 alegando tratar-se de uma aplicação com taxa de juro mais vantajosa;

1.8. Não lhe comunicou o que era uma obrigação nem lhe disse que qual o seu risco antes alegando que se tratava de um produto com “garantia do «Banco” pois era “do grupo BPN”.

1.9. O Autor ficou convicto de que tais obrigações eram investimento com capital assegurado pelo próprio Banco e que se tratavam de produto equivalente a um depósito a prazo.

1.10. Em momento algum o Autor subscreveu qualquer ordem de subscrição das obrigações referidas em B) – 1.2. - e nunca lhe foi entregue qualquer ficha do produto.

1.11. As informações transmitidas pelo Banco BPN, SA aos seus funcionários relativamente às obrigações referidas em B) – 1.2. - eram de que podiam afirmar aos clientes a segurança do produto e de que existia a garantia de retorno do valor no final do prazo.

1.12. O Autor quis transmitir gratuitamente aos seus filhos o referido montante de 150 000 €;

1.13. As obrigações referidas em B) – 1.2. - foram subscritas pelos filhos do Autor na sequência do referido em 10 – 1.12.

1.14. Mais tarde, em data não concretamente apurada, na decorrência de conflitos familiares, o Autor exigiu aos seus filhos que as obrigações por eles subscritas na sequência do referido em 10 – 1.12. -, fossem transferidas para a sua conta.

1.15. O que estes aceitaram e o Banco executou por ordem dos mesmos.

1.16. O Autor recebeu juros das obrigações referidas em B) - 1.2. - por crédito na sua conta bancária desde o momento referido em 12 – 1.14. - e até 2016.

1.17. Os filhos do autor abriram a conta e o Autor AA colocou lá o dinheiro.

1.18. Os filhos não tinham conhecimento do tipo de aplicação feita.

2. E deram como não provado:

2. a. O Autor não era conhecedor do mercado de valores mobiliários e desconhecia o que era uma obrigação;

2.b. O Autor acreditava que o valor de 150 000 € referido em B) tinha sido colocado em conta poupança de capital garantido;

2.c. O funcionário BB contactou o Autor de forma insistente e diária a fim de o convencer a efectuar o investimento referido em B);

2.d. O funcionário BB sabia que o Autor não era esclarecido ou conhecedor do mercado de valores mobiliários.

2.e. O Autor pretendia que tal montante de 150 000 € fosse aplicado de forma que não acarretasse qualquer risco.

2.f. Esperando, no final do prazo de 8 anos, poder levantar livremente o seu dinheiro.

2.g. O Banco Réu omitiu ao Autor onde tinha aplicado o seu dinheiro;

2.h. Após a nacionalização do BPN, SA o Autor dirigiu-se ao balcão de ... para questionar se o seu dinheiro estava seguro tendo-lhe sido garantido que estava tudo bem.

3. Da verificação da responsabilidade civil da Ré

Vejamos, antes de mais, se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.

Na sentença e no Acórdão recorrido o contrato celebrado, e em causa nos presentes autos, foi um contrato de imediação financeira (o que não vem posto em crise).

No Acórdão recorrido entendeu-se que estavam demonstrados todos os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.

A Ré insurge-se contra o assim decidido, colocando em causa, essencialmente, a verificação da ilicitude (por, no seu entendimento, não se ter verificada a violação dos seus deveres de informação) e do nexo de causalidade.

Vejamos.

No caso presente, pretende-se apurar da responsabilidade civil da Ré, como intermediário financeiro: o BPN comercializou junto dos seus clientes como produtos bancários obrigações em que foi emitente a SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A..

- cf. artigos 289.º, n.º1, alínea a), 293.º, n.º1, alínea a) e 290.º, n.º1, alíneas a) e b), do Código dos Valores Mobiliários –


Assim, no caso presente, está em questão a responsabilidade civil da Ré, como intermediária financeira (artigos 312.º e 314.º, do CMV).


Ora, foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A) que apresenta os seguintes segmentos uniformizadores:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.  


No caso dos autos, atenta a data em que foram celebrados os contratos (ano de 2006), são aplicáveis as disposições do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.

O intermediário financeiro encontrava-se obrigado ao cumprimento dos princípios e regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM.


Deveres de informação. Ilicitude.

Como se referiu no citado Acórdão: “a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.”

E, mais à frente, refere-se: “Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar.

Retomando a linha de pensamento já afirmada, compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente).

Por outro lado, exige-se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.

Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.

Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão - desmobilização do investimento - do produto.

Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.

Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as “obrigações subordinadas”, isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.

Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) - atendendo ao seu nível de conhecimento -, o intermediário financeiro não possa socorrer-se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças.

Deste modo, é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação”.


No caso presente, e perante a factualidade provada, temos de concluir, como o fez o Tribunal da Relação do Porto, que a Ré violou os seus deveres de informação quando não prestou informação detalhada ao Autor (ou aos filhos deste) sobre as características do produto que estava a apresentar-lhe, designadamente que, por serem obrigações subordinadas, no caso de insolvência da sociedade emitente, o seu titular veria o seu crédito graduado depois dos créditos não subordinados sobre a insolvência (cf. artigos 48.º e 177.º do CIRE), sendo certo que não está demonstrado que o Autor (ou os filhos deste) tivesse conhecimentos e experiência para conhecer (ou complementar) as informações (ou a falta delas) prestadas pelo empregado da Ré, sendo certo que o Autor tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.

Por outro lado, encontra-se provado que o gestor de cliente afirmou que era um produto cujo capital investido era garantido pelo próprio Banco, o que configura uma informação não verdadeira.

Daqui que se conclua pela verificação da ilicitude por parte da Ré.


Quanto à culpa, a mesma presume-se nos termos do disposto nos artigos 304.º, n.º2, do CVM e 799.º do Código Civil:


Quanto ao nexo de causalidade:

Como se afirmou no Acórdão Uniformizador, “incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil.”

Ora, no caso presente, e perante a factualidade dada como provada, temos de concluir que o nexo de causalidade  entre a violação do dever de informação por parte do intermediário financeiro e o dano consubstanciado na não devolução do valor investido pelo Autor (€150 000,00, correspondente a 3 obrigações SLN), enquanto investidor não qualificado, não se encontra demonstrado, porquanto nada se provou que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, o Autor (ou os filhos) não as teria adquirido.

Deste modo, não se encontrando demonstrado o nexo de causalidade (que competia ao Autor provar), a ação terá de improceder, pelo que o Acórdão recorrido deve ser revogado.

Deste modo, o recurso terá de proceder.


- O conhecimento da outra questão mostra-se prejudicado -


IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em conceder a revista, e, consequentemente, em revogar o Acórdão recorrido, absolvendo-se a Ré do pedido.


Custas pelo Recorrido.

Lisboa, 31 de janeiro de 2023


Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Maria João Vaz Tomé (Declaração de voto Por haver sido prolatado o AUJ n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, voto em conformidade).

António Magalhães