Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1385/13.4TJCBR-H.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
CONTRATO DE TRABALHO
CESSAÇÃO
AVISO PRÉVIO
CREDITO LABORAL
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
Doutrina:
- Júlio Gomes, Nótula sobre os Efeitos da Insolvência do Empregador nas Relações de Trabalho, I Congresso do Direito de Insolvência, 289.
- Leonor Pizarro Monteiro, O Trabalhador e a Insolvência da Entidade Empregadora, Almedina, 2017, 45, nota 53.
- Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6.ª ed., 198.
- Maria do Rosário Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 5.ª ed., 930 e 931.
- Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 4.ª ed., 200.
- Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª ed., p. 110.
- Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 6.ª ed., 873 e 874.
- Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª ed., 210.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 277.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 347.º, N.º 3, 363.º, N.º1.
Sumário :
I - A cessação, no contexto da insolvência, do contrato de trabalho de trabalhador cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa, deve ser antecedida do pré-aviso a que se refere o nº 1 do art. 363º do Código do Trabalho, por força do nº 3 do art. 347º do mesmo Código.

II - Não tendo sido observado tal pré-aviso, haverá lugar na insolvência à consideração do crédito reclamado correspondente à retribuição inerente ao período do pré-aviso omitido.

Decisão Texto Integral:

Processo nº 1385/13.4TJCBR-H.C1.S1

Revista

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação de Coimbra

                                                           +

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

Por sentença de 7 de junho de 2013 foi declarada a insolvência de AA, Lda.

Foram apresentadas as competentes reclamações de créditos, na sequência do que a Administradora da Insolvência fez juntar a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos.

Tal lista foi impugnada pelos credores trabalhadores identificados como tal na respetiva impugnação (fls. 76 e seguintes). No que ainda interessa ao caso (pois que o objeto da impugnação destes credores era mais vasta), pretenderam os Impugnantes que, diferentemente do que resultava da lista, mais tinham direito ao recebimento das retribuições correspondentes ao período de 75 dias, por isso que o respetivo contrato de trabalho havia sido feito cessar pela Administradora da Insolvência sem precedência do devido pré-aviso.

Seguindo o processo seus termos, veio a final a ser proferida sentença que julgou improcedente tal estrita pretensão.

Inconformados com o assim decidido, apelaram os trabalhadores.

Fizeram-no com êxito, pois que a Relação de Coimbra decidiu a propósito o seguinte (alínea f) do respetivo dispositivo): “Julgar procedente o recurso dos trabalhadores, com exceção dos nesta parte não recorrentes BB, CC e DD, no que respeita aos dias de pré-aviso não cumprido, e declarar que têm direito à retribuição correspondente, a calcular nos termos do nº 4 do art. 363º do CT [Código do Trabalho] ”. Em consequência, e também em decorrência do mais que ficou decidido quanto às demais pretensões dos referidos Impugnantes, foi anulada a decisão da 1ª instância, com vista a ampliação da matéria de facto nos termos discriminados no acórdão e subsequente recálculo dos créditos laborais dos recorrentes (alínea g) do dispositivo).

Inconformada com o assim decidido, pede a Massa Insolvente revista.

Da respetiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões:

A. Entendeu o tribunal a quo que quando os trabalhadores são despedidos no âmbito do processo de insolvência com procedimento de despedimento coletivo e pelo administrador de insolvência, deve ser reconhecido aos trabalhadores uma indemnização pelo valor do pré-aviso não concedido aos trabalhadores nos termos do art. 363º 1 do CT.

B. Tal como se afirma no próprio acórdão recorrido, esta solução não decorre diretamente da letra da lei.

C. Salvo melhor entendimento, é nos princípios orientadores do processo de insolvência em conjunto com a racionalidade inerente ao próprio pré-aviso que deve ser entendida a expressão “com as necessárias adaptações” constante do nº 3 do art. 347º do CT, que é a norma que remete para os artigos 360º e ss. daquele diploma,

D. O pré-aviso conferido aos trabalhadores na norma indicada, destina-se a permitir que o trabalhador alvo de processo de despedimento coletivo se possa aconselhar por mandatário jurídico e porventura impugnar a respetiva decisão de despedimento.

E. Por outro lado, destina-se a permitir ao trabalhador que prepare o seu percurso profissional após o despedimento.

F. Ambos os objetivos do pré-aviso pressupõem a existência de uma situação em que a entidade empregadora programa previamente o encerramento da empresa, por isso pode organizar e cumprir aquele procedimento de despedimento coletivo.

G. Mesmo no caso de caducidade de contrato de trabalho por morte do empregador, pessoa singular, este pré-aviso destina-se a cumprir aqueles objetivos, não estando posta em causa a capacidade da empresa enquanto unidade produtiva cumprir e garantir aos trabalhadores aqueles direitos.

H. No caso do encerramento de empresa por decisão do administrador de insolvência, estes objetivos do referido pré-aviso, devem ceder em confronto com os direitos em confronto no processo de insolvência.

I. A declaração de insolvência de uma sociedade é um acontecimento abrupto e que implica uma alteração objetiva e subjetiva radical.

J. Esta alteração obriga a decisões imediatas e urgentes.

K. A decisão a tomar tem por base a ponderação dos interesses de todos os credores e que já dá especial atenção aos interesses dos trabalhadores enquanto tal.

L. Esta urgência e a incapacidade da entidade empregadora receber a prestação de trabalho, conjugadas com o direito do trabalhador a receber um salário mensal a pagar sobre as forças da massa insolvente impõe que a decisão de cessar ou não os respectivos contratos seja imediata.

M. Por isso mesmo, conceder o poder de cessar com efeitos imediatos um contrato de trabalho, mas condicioná-lo ao pagamento de uma indemnização por incumprimento das obrigações de pré-aviso, seria contraditório em si mesmo.

N. No Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, as normas que regulam os efeitos da insolvência quanto aos negócios em curso, estão espelhadas nos artigos 102° e ss. do CIRE.

O. Segundo estas normas a declaração de insolvência, na generalidade dos casos faz suspender o cumprimento dos contratos até que o administrador de insolvência opte pelo cumprimento ou não.

P. Em caso de recusa, a massa insolvente só tem direito a exigir o cumprimento da contra prestação que o devedor já tiver prestado.

Q. A outra parte tem direito a exigir o valor da prestação do devedor na parte incumprida - até final do contrato - deduzida do valor da contraprestação correspondente e que ainda não tenha sido realizada.

R. Já o direito à indemnização dos prejuízos é fixado na alínea d) do nº 3 desse mesmo artigo: apenas existe direito a indemnização até ao limite do valor da prestação que a Massa Insolvente tem direito a exigir para cumprimento da contraprestação do que o devedor já tiver prestado, e este valor é abatido ao quantitativo a que a outra parte eventualmente tenha direito nos termos supra descritos - sendo sempre um crédito sobre a insolvência. Deste princípio geral resulta que o legislador quis limitar o direito à indemnização no que diz respeito à violação das expectativas apenas concedendo direito ao valor se positivo entre as prestações que a outra parte tinha a prestar e a receber.

S. Esta indemnização apenas surge com a variação se positiva dos valores das prestações acordadas entre o momento em que são contratadas e o momento em que é declarada a insolvência do devedor.

T. Do princípio geral também se pode retirar a intenção de não conceder direito ao valor das prestações ainda não efetuadas.

U. As normas especiais previstas nos artigos 103° e ss. vêm clarificar e concretizar a aplicação deste princípio geral a cada um dos casos concretos.

V. Apenas não fica suspenso o cumprimento dos contratos que pela sua natureza impliquem uma execução continuada como é o caso do contrato de trabalho.

W. A parte não insolvente, em qualquer dos casos, só tem direito ao diferencial entre prestações atualizadas em função da antecipação se e apenas nos casos em que tal valor seja positivo.

X. Com estas normas o legislador quis claramente afastar a possibilidade de as partes serem indemnizadas pela violação das expectativas nos termos gerais de direito, antes conferindo uma indemnização mais equitativa

Y. Uma indemnização que deve considerar a insolvência como um facto não imputável às partes e que reparte os prejuízos entre todos os credores de forma igual.

Z. O pagamento aos trabalhadores do valor correspondente à falta do pré-aviso é na verdade uma compensação que lhe seria devida por este não ter tempo de programar o percurso laboral.

AA. Esta indemnização já não integra o conceito de salário enquanto valor irredutível e constitucionalmente garantido mas uma indemnização pela violação das expectativas.

BB. Enquanto indemnização esta deve ser calculada nos termos previstos no art. 102° nº 3 do CIRE.

 

Termina dizendo que deve ser revogado o acórdão recorrido, substituindo-se por outro que determine o cálculo da indemnização devida aos trabalhadores pela falta de cumprimento do pré-aviso, nos termos do artigo 102.°, nº 3 do CIRE.

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Não se mostra oferecida qualquer contra alegação.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

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É questão a conhecer:

-Exigência ou não do pré-aviso discutido nos autos.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

Plano Factual

De acordo com a (vasta) factualidade que vem provada (e cuja transcrição integral não teria aqui qualquer utilidade), verifica-se, no que interessa ao caso, que:

- A insolvência de AA, Lda. foi declarada em 7 de junho de 2013;

- O respetivo estabelecimento manteve-se em laboração com três trabalhadores (os indicados na alínea f) do dispositivo do acórdão recorrido);

- O encerramento ocorreu em 31 de julho de 2013;

- Por comunicação de 20 de junho de 2013 a administradora da insolvência fez cessar os contratos de trabalho dos demais trabalhadores impugnantes (ou seja, de todos os trabalhadores impugnantes para além dos três indicados) com efeitos imediatos;

- Tal comunicação não foi feita com a antecedência de 75 dias;

- Todos esses trabalhadores em causa possuíam antiguidade superior a 10 anos.

Plano Jurídico

Sustenta a Recorrente que, diversamente do decidido no acórdão recorrido, não gozam os credores trabalhadores em questão do direito à retribuição correspondente ao período de pré-aviso 75 dias. Entende que a norma (art. 363º, nº 1) do Código do Trabalho que, no contexto do despedimento coletivo, trata desta matéria não tem aplicação ao caso, antes terá o assunto que ser equacionado à luz das normas que cita do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

Cremos que não tem razão.

Justificando:

O CIRE não regula sobre os efeitos da insolvência do empregador relativamente aos contratos de trabalho em curso à data da insolvência. Trata-se de uma conclusão que tem sido salientada na doutrina (assim, e entre uma multiplicidade de outros, Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 4ª ed., p. 200 e Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6ª ed., p. 198). Embora seja conhecida a posição doutrinária de Pedro Romano Martinez (v., por último, Direito do Trabalho, 6ª ed., pp 873 e 874) no sentido de que se haveria por começar por buscar tais efeitos nos art.s 111º e 108º, nº 1 do CIRE, este é um entendimento (aliás isolado, tanto quanto seja do nosso conhecimento) que não é de subscrever. Também, e diferentemente do que já se viu ser referido (assim, Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª ed., p. 110 e Maria do Rosário Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 5ª ed., p. 930 e 931), não parecerá adequado falar-se aqui na existência de uma lacuna (pelo menos em sentido jurídico). Na realidade, o ordenamento jurídico não deixa de regular especificamente sobre o tema, apenas sucede que o legislador entendeu (aliás em harmonia com a orientação que traçou na norma de conflitos do art. 277º do CIRE) tratar do assunto no contexto da legislação do trabalho, mais propriamente no Código do Trabalho. Nesta medida, fá-lo agora (Código de 2009) no respetivo art. 347º. Concordamos assim com Soveral Martins (Um Curso de Direito da Insolvência, 2ª ed., p. 210) quando aduz que “O CIRE não terá querido regular toda a matéria relativa aos efeitos da declaração de insolvência sobre os negócios em curso e foi isso que sucedeu relativamente aos efeitos sobre os contratos de trabalho. É certo que existe o art. 102º do CIRE. Porém, o art. 347º do CT contém lei especial.”

Estabelece o art. 347º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Insolvência e recuperação de empresa”:

1. A declaração judicial de insolvência do empregador não faz cessar o contrato de trabalho, devendo o administrador da insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado.

2. Antes do encerramento definitivo do estabelecimento, o administrador da insolvência pode fazer cessar o contrato de trabalho de trabalhador cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa.

3. A cessação de contratos de trabalho decorrente do encerramento do estabelecimento ou realizada nos termos do n.º 2 deve ser antecedida de procedimento previsto nos artigos 360.º e seguintes, com as necessárias adaptações.

4. O disposto no número anterior não se aplica a microempresas.

5. Na situação referida no n.º 2, o trabalhador tem direito à compensação prevista no artigo 366.º

6. O disposto no n.º 3 aplica-se em caso de processo de insolvência que possa determinar o encerramento do estabelecimento.

(…)

Interessa-nos no caso vertente o que se mostra prescrito nos nºs 1, 2 e 3 desta norma.

Da remissão do nº 3 para o procedimento previsto nos artigos 360º e seguintes, somos levados ao art. 363º, que, sob a epígrafe “Decisão de despedimento colectivo”, estipula:

1 - Celebrado o acordo ou, na falta deste, após terem decorrido 15 dias sobre a prática do acto referido nos n.ºs 1 ou 4 do artigo 360.º ou, na falta de representantes dos trabalhadores, da comunicação referida no n.º 3 do mesmo artigo, o empregador comunica a cada trabalhador abrangido a decisão de despedimento, com menção expressa do motivo e da data de cessação do contrato e indicação do montante, forma, momento e lugar de pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, por escrito e com antecedência mínima, relativamente à data da cessação, de:

(…)

d) 75 dias, no caso de trabalhador com antiguidade igual ou superior a 10 anos.

(…)

4 - Não sendo observado o prazo mínimo de aviso prévio, o contrato cessa decorrido o período de aviso prévio em falta a contar da comunicação de despedimento, devendo o empregador pagar a retribuição correspondente a este período.

5 - O pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho deve ser efectuado até ao termo do prazo de aviso prévio, salvo em situação prevista no artigo 347.º ou regulada em legislação especial sobre recuperação de empresas e reestruturação de sectores económicos. (…)

Escreveu-se o seguinte no acórdão recorrido, com reporte ao nº 3 do aludido art. 347º:

“Não nos diz a lei que adaptações deverão/poderão ser feitas, nem tão pouco quais as consequências para a sua inobservância, com uma notável excepção, que já decorreria do regime do processo insolvencial: não há que proceder ao pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho (cf. n.º 5 do art.º 363.º).

E quanto ao pré-aviso, haverá que observá-lo? A lei não dá, a nosso ver, uma resposta clara. Com efeito, se, por um lado, a faculdade do AI fazer cessar antecipadamente os contratos de trabalho foi estabelecida, conforme se referiu já, tendo em vista a defesa dos interesses da massa a que está vinculado, visando evitar que se mantenham encargos quando a prestação do trabalhador já não é necessária, não é menos certo que a lei remete para o procedimento do despedimento colectivo, donde, ainda a admitir-se o seu aligeiramento, afigura-se não poderem as formalidades ser reduzidas à mera comunicação de cessação do contrato com efeitos imediatos, conforme ocorreu no caso em apreço, ainda que esteja iminente ou já consumado o encerramento do estabelecimento.

À luz do que vem de se dizer, aceitando que serão, em princípio, dispensáveis os formalismos atinentes à fundamentação do despedimento e até, em certos casos, a fase das negociações, afigura-se dever ser observado o prazo legal de pré-aviso. É que [e cita aqui o acórdão da Relação do Porto de 7/6/2010, processo nº 1/08TJVNF-L.S1.P1]“A extinção dos contratos de trabalho não pode ocorrer duma forma abrupta, de modo a permitir a tomada de medidas que possam minorar os graves danos que resultam para os trabalhadores da perda de emprego, pelo que terá de ser sempre previamente comunicada às entidades representativas dos trabalhadores, ou aos próprios trabalhadores, e aos serviços do Ministério competente a intenção de despedimento em consequência do encerramento da empresa, permitindo que sejam sugeridas ou adoptadas medidas que possam atenuar os sérios prejuízos daí resultantes (…)” .  E o período de pré-aviso serve todos estes desideratos, concedendo ao trabalhador um tempo para se reorganizar, de modo que a cessação do contrato, mesmo nos casos de encerramento do estabelecimento, em que tem por indiscutível causa a caducidade, só opera após o decurso do prazo legal de pré-aviso.

Atento o exposto, porque não foi observado o pré-aviso, rege o disposto no n.º 4 do art.º 363.º, tendo os recorrentes direito à retribuição integral pelos dias reclamados (…)”.

Concordamos com este ponto de vista do acórdão recorrido.

Como reconhece a própria Recorrente nas suas conclusões D e E, o pré-aviso tem em vista assegurar interesses assaz relevantes para o trabalhador, e daqui que, mantendo-se o estabelecimento em funcionamento, parece começar por não fazer muito sentido admitir que a lei possa ter querido abduzir tal pré-aviso do leque das exigências procedimentais para que remete (as do despedimento coletivo). O que é dizer, as “necessárias adaptações” de que fala o nº 3 do art. 347º do Código do Trabalho não implicam o afastamento da referida exigência legal. Na realidade, a expressão “necessárias adaptações” só pode estar a reportar-se à supressão dos procedimentos cujo cumprimento não teria utilidade nenhuma nem faria qualquer sentido, e não vemos que seja o caso.

Põe a Recorrente, porém, grande ênfase na natureza não programada da insolvência (ao invés do que sucede no despedimento coletivo) e nas particularidades do processo de insolvência, com destaque para a urgência na tomada de decisões e concretização dos respetivos efeitos. Segundo ela, tudo isto contenderia com a lógica da exigência de um pré-aviso.

Discordamos. De resto, se tais razões procedessem, então chegaríamos à conclusão que também qualquer um dos diversos procedimentos fixados no art. 360º e seguintes do Código de Trabalho haveria de ser considerado inatendível no domínio da insolvência (com exceção de uma qualquer singela comunicação da cessação do contrato), o que tiraria pura e simplesmente sentido ao comando do nº 3 do art. 347º (como nos diz Júlio Gomes, Nótula sobre os Efeitos da Insolvência do Empregador nas Relações de Trabalho, I Congresso do Direito de Insolvência, p. 289, “as necessárias adaptações não devem traduzir-se em suprimir o procedimento do despedimento coletivo”).

A verdade é que, e contrariamente ao entendimento da Recorrente, não estando ainda o estabelecimento definitivamente encerrado (com o que se mantêm os contratos de trabalho e está o administrador da insolvência obrigado a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores) nem estando comprovadamente decidido ou deliberado o seu encerramento para o imediato, nada se encontra à partida que contenda quer com a operacionalidade quer com a lógica do pré-aviso para a cessação do contrato de trabalho no contexto em que nos movemos, na certeza até de que o estabelecimento poderá nem sequer vir a ser encerrado (v., entre outros, os art.s 1º, nº 1, 55º, nº 1 b), 156º, nº 2, 162º, 192º, nº 1 e 195º, nº 2 b) do CIRE). E se, ao invés, estiver já decidido ou deliberado para breve o encerramento do estabelecimento, e assim traçado o destino dos contratos de trabalho (caducidade), certamente que não se antolhará como necessária (nem tal se esperará de um administrador da insolvência diligente, isto com vista a evitar sobrecarregar a massa com a retribuição inerente ao período do aviso prévio) a cessação de contratos de trabalho de trabalhadores cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa.

Aplicando este entendimento ao caso concreto, pensamos, assim, que havia de ter sido cumprido o pré-aviso legal, pois que, à partida, nada o impedia em termos operacionais e lógicos. Repare-se, a propósito, que nada se mostra sequer alegado ou provado no sentido de que aquando da cessação dos contratos de trabalho existia deliberação ou decisão no sentido do encerramento do estabelecimento (e muito menos encerramento para breve), conquanto se saiba que este foi encerrado pouco mais de um mês depois. E, por outro lado e como se aponta no acórdão recorrido, a extinção dos contratos de trabalho não pode ocorrer de forma abrupta, antes terá que acontecer, sendo tal possível, de modo a permitir a tomada de medidas que possam minorar os graves danos que resultam para os trabalhadores da perda do seu emprego. O período de pré-aviso concede ao trabalhador um tempo para se reorganizar do ponto de vista laboral, de modo que a cessação do contrato só deverá poder ocorrer após o decurso desse prazo ou, se for o caso, com o encerramento definitivo do estabelecimento. Nenhuma norma, princípio ou orientação constante do CIRE contraria, quanto a nós, esta conclusão.

Donde, inobservado que foi in casu o pré-aviso devido, ocorreu um ilícito contratual, gerador da obrigação de reparação do dano na forma específica fixada na lei. O que é dizer, haverá lugar na insolvência à consideração dos reclamados créditos correspondentes à retribuição inerente ao período do pré-aviso omitido (75 dias, conforme a alínea d) do nº 1 do art. 363º do Código do Trabalho). (No limite, poder-se-ia porventura defender que deveria haver lugar ao pagamento de apenas parte desse tempo de retribuição. Dir-se-ia: tendo ocorrido o encerramento definitivo do estabelecimento - momento em que sempre caducariam os contratos de trabalho - antes de transcorrido o referido período do aviso prévio, cessaria necessariamente nessa altura o dano que a lei visa ser reparado, de sorte que os trabalhadores apenas teriam direito às retribuições que iriam auferir até à virtual caducidade do contrato. A verdade, porém, é que este possível enquadramento jurídico não faz parte do thema decidendum tal como proposto no presente recurso, pelo que não nos vamos envolver nele).

Por último: embora o panorama jurisprudencial e doutrinário não forneça (tanto quanto seja do nosso conhecimento) qualquer contributo acerca da concreta questão aqui em discussão, aponte-se ao menos o contributo académico de Leonor Pizarro Monteiro (O Trabalhador e a Insolvência da Entidade Empregadora, Almedina, 2017, p. 45, nota 53 [dissertação de mestrado]), que vai precisamente no sentido que defendemos: que na cessação do contrato no contexto do nº 2 do art. 347º do Código do Trabalho deverá ser cumprido o aviso prévio previsto no nº 1 do art. 363º do Código do Trabalho, não podendo o trabalhador ser confrontado com a rotura abrupta da relação laboral. Esta parece constituir, na verdade e dentro do enquadramento acima exposto, a boa interpretação da lei.

IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista.

Regime de custas:

A Recorrente é condenada nas custas do recurso.

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Sumário:

I - A cessação, no contexto da insolvência, do contrato de trabalho de trabalhador cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa, deve ser antecedida do pré-aviso a que se refere o nº 1 do art. 363º do Código do Trabalho, por força do nº 3 do art. 347º do mesmo Código.

II - Não tendo sido observado tal pré-aviso, haverá lugar na insolvência à consideração do crédito reclamado correspondente à retribuição inerente ao período do pré-aviso omitido.

                                                           ++

Lisboa, 30 de maio de 2017

José Rainho - Relator

Salreta Pereira

João Camilo