Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1040/06.1PSLSB.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: CÚMULO JURÍDICO SUPERVENIENTE
PENA SUSPENSA
PENA EXTINTA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
MEDIDA DA PENA CONJUNTA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 05/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário : I -Se, todos os crimes foram cometidos sem que entre eles se “intrometesse” uma condenação passada em julgado por qualquer deles e a primeira condenação transitada teve lugar já após a comissão do último crime, não se verifica a existência de cúmulo por arrastamento.
II - O caso de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de concurso de crimes tem lugar quando posteriormente à condenação no processo de que se trata, o da última condenação, se vem a verificar que o agente, anteriormente a tal condenação, praticou outro ou outros crimes. Nestes casos são aplicáveis as regras do disposto nos arts. 77.º, n.º 2, e 78.º, n.º 1, do CP, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas.
III - A nova redacção do art. 78.º, n.º 1, do CP, com a supressão do trecho “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”, diversamente do que ocorria na redacção anterior, veio prescrever que o cúmulo jurídico sequente a conhecimento superveniente de novo crime, que se integre no concurso, não exclui, antes passa a abranger, as penas já cumpridas (ou extintas pelo cumprimento), procedendo-se, após essa inclusão, no cumprimento da pena única que venha a ser fixada, ao desconto da pena já cumprida.
IV - Na determinação da pena conjunta é essencial a indicação de dados imprescindíveis, cuja conformação deverá estar presente desde logo no momento em que se decide avançar para a realização do cúmulo, congregando os elementos indispensáveis constantes de certidões completas, onde se certifiquem, com rigor, os elementos essenciais à realização do cúmulo, procedendo-se à indicação dos processos onde teve lugar a condenação, à enumeração dos crimes cometidos, datas de comissão dos crimes, datas das decisões condenatórias, datas de trânsito em julgado dessas decisões, a indicação das penas cominadas, suas espécies, incluindo a pena de prisão suspensa na execução e estado actual da execução da pena de substituição (ainda subsistente e ora de revogar ou não, ou já revogada ou extinta?), ou penas de multa, pagas, voluntariamente, ou em sede executiva, ou convertidas, ou não, em prisão subsidiária, e neste caso, cumpridas ou não, com vista a salvaguardar a sempre possível liquidação da pena pecuniária, ou a efectivar o desconto no caso de prisão já cumprida, e penas acessórias.
V -Se for o caso, bem como dados relativos a eventuais causas extintivas de penas aplicadas, e actualmente, por força da inovação do art. 78.º, n.º 1, do CP, referências a penas já cumpridas e respectivo tempo de cumprimento, e mesmo a penas extintas ou prescritas, para as excluir, para além de outros elementos que, em cada caso concreto, se mostrem imprescindíveis ou necessários, ou relativamente aos quais se colha como aconselhável/conveniente/oportuna a sua inclusão/consideração/ponderação, como por exemplo a existência de recursos, e no caso de pluralidade de arguidos, a eventualidade de ocorrência de caso julgado condicional.
VI - A nova redacção do art. 78.º, n.º 1, do CP, introduzida em 2007, com a supressão do trecho “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”, diversamente do que ocorria na redacção anterior, veio prescrever que o cúmulo jurídico sequente a conhecimento superveniente de novo crime, que se integre no concurso, não exclui, antes passa a abranger, as penas já cumpridas (ou extintas pelo cumprimento), procedendo-se, após essa inclusão, no cumprimento da pena única que venha a ser fixada, ao desconto da pena já cumprida.
VII - Neste sentido pronunciava-se já alguma jurisprudência, como por exemplo, os Acs. do STJ de 21-04-1999, Proc. n.º 593/98 - 3.ª, SASTJ n.º 30, pág. 77; de 24-05-2000, Proc. n.º 28/00 - 3.ª, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 204 (o cúmulo final deve abranger as penas extintas, total ou parcialmente, por perdão) e de 30-05-2001, Proc. n.º 2839/00 - 3.ª, com dois votos de vencido, SASTJ, n.º 51, pág. 83 e CJSTJ 2001, tomo 2, pág. 211 (o cúmulo final a efectuar deve abranger também as penas que devem entrar no concurso, mesmo que extintas, total ou parcialmente, pelo cumprimento. A interpretação correcta do art. 78.º, n.º 1, do CP, à face do disposto no art. 9.º do CC, é a de que só se exclui do seu âmbito a pena cumprida no caso de não existir qualquer benefício para o arguido se se fizer o cúmulo jurídico da referida pena com outra ou outras condenações, considerada a previsão dos arts. 80.º e 81.º. A não se entender assim, padece a dita norma do art. 78.º, n.º 1, de inconstitucionalidade material, pela desigualdade injustificada, não conforme com o art. 18.º da CRP).
VIII - Em sentido oposto, podem ver-se, v. g., os Acs. do STJ de 08-07-1998, Proc. n.º 554/98 - 3.ª, com dois votos de vencido, CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 248 (as penas já extintas pelo cumprimento não devem ser consideradas para efeito de cúmulo jurídico a que haja de proceder-se); de 24-02-2000, Proc. n.º 1202/99 - 5.ª (as penas cumpridas, extintas e prescritas não podem ser consideradas para efeito de elaboração de cúmulo); de 31-05-2000, Proc. n.º 157/00 - 3.ª, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 207 (seguindo de perto o acórdão de 08-07-98 antes citado, mas tendo em vista apenas a questão de saber qual o tribunal competente para efectuar o cúmulo); de 26-04-2001, Proc. n.º 3413/00 - 5.ª, SASTJ n.º 50, 52; de 09-02-2005, Proc. n.º 51/05 - 3.ª, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 194; de 07-12-2005, SASTJ n.º 96, pág. 61; de 08-06-2006, Proc. n.º 1558/06 - 5.ª; de 22-06-2006, Proc. n.º 1570/06 - 5.ª (este com um voto de vencido) e de 15-11-2006, Proc. n.º 1795/06 - 3.ª.
IX - Neste sentido se pronunciava, à luz da lei então em vigor, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, § 426, págs. 293 e 294, afirmando ser necessário que a pena proferida na condenação anterior se não encontre ainda cumprida, prescrita ou extinta: só uma pena que ainda se não encontre, por qualquer forma, extinta pode ser integrada no objecto do processo posterior e servir para a formação da pena conjunta.
X -Não é líquida a questão da formação de uma pena única em caso de conhecimento superveniente do concurso de infracções, quando, entre outros, estão em concurso, crimes pelos quais tenham sido aplicadas penas de prisão suspensas na sua execução, colocando-se o problema de saber se a integração pressupõe ou não a anterior revogação de tais penas aplicadas por decisões condenatórias transitadas em julgado. A posição predominante é, porém, no sentido da inclusão da pena de prisão suspensa na execução, defendendo-se que a “substituição” deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado forma-se quanto à medida da pena e não quanto à sua execução. De acordo com esta posição a suspensão da execução da pena de prisão não constitui óbice à integração dessa pena em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação transitada pela prática de qualquer deles.
XI - Quando uma pena parcelar de prisão tenha sido suspensa na sua execução, torna-se evidente que para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada e que porventura tenha sido substituída e que de todo o modo, determinada a pena conjunta, e sendo de prisão, o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político criminalmente ser substituída por pena não detentiva e que não pode recusar-se, em caso de conhecimento superveniente do concurso, a valoração pelo tribunal da situação de concurso de crimes, a fim de determinar se a aplicação de uma pena de substituição ainda se justifica do ponto de vista das exigências de prevenção, nomeadamente da prevenção especial.
XII - Na jurisprudência do STJ, a orientação dominante é no sentido da integração da pena suspensa no cúmulo, como se pode ver dos acórdãos de 26-02-1986, BMJ n.º 354, pág. 345; de 02-07-1986, BMJ n.º 359, pág. 339; de 02-10-1986, BMJ n.º 360, pág. 340; de 19-11-1986, BMJ n.º 361, pág. 278; de 07-02-1990, CJ 1990, tomo 1, pág. 30 e BMJ n.º 394, pág. 237; de 13-02-1991, BMJ n.º 404, pág. 178; de 03-07-1991, CJ 1991, tomo 4, pág. 7; de 23-09-1992, BMJ n.º 419, pág. 439; de 07-01-1993, CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 162; de 24-02-1993, BMJ n.º 424, pág. 410; de 17-01-1994, BMJ n.º 433, pág. 257; de 11-01-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 176; de 24-01-1996, CJSTJ 1996, tomo 1, pág. 182 (unificando duas penas impostas em processos diferentes, suspensas na sua execução, fixando pena única suspensa na execução); de 14-11-1996, BMJ n.º 461, pág. 186; de 05-02-1997, CJSTJ1997, tomo 1, pág. 209; de 12-03-1997, CJSTJ 1997, tomo 1, pág. 245 e BMJ n.º 465, pág. 319; de 07-05-1997, BMJ n.º 467, pág. 256; de 04-06-1997, BMJ n.º 468, pág. 79; de 11-06-1997, Proc. n.º 65/97; de 04-06-1998, Proc. n.º 333/98 - 3.ª; de 17-03-1999, BMJ n.º 485, pág. 121; de 24-03-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 255; de 07-12-1999, BMJ n.º 492, pág. 183; de 13-02-2003, Proc. n.º 4097/02 - 5.ª; de 03-07-2003, Proc. n.º 2153/03 - 5.ª, RPCC citada; 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo3, pág. 222; de 04-03-2004, Proc. n.º 3293/03 - 5.ª; de 22-04-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 172; de 02-12-2004, Proc. n.º 4106/04 - 5.ª; de 21-04-2005, Proc. n.º 1303/05; de 27-04-2005, Proc. n.º 897/05; de 05-05-2005, Proc. n.º 661/05; de 20-10-2005, Proc. n.º 2033/05 - 5.ª; de 08-06-2006, Proc. n.º 1558/06 - 5.ª; de 21-06-2006, Proc. n.º 1914/06 - 3.ª; de 28-06-2006, Procs. n ºs 774/06 - 3.ª (com um voto de vencido) e 1610/06 - 3.ª (igualmente com um voto de vencido); de 21-09-2006, Proc. n.º 2927/06 - 5.ª; de 09-11-2006, Proc. n.º 3512/06 - 5.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 226.
XIII - Nas Relações, podem ver-se na de Lisboa, os Acs. de 24-06-1987, CJ 1987, tomo 3, pág. 140; de 05-11-1997, BMJ 471, pág. 447; do Porto, de 15-03-1988, CJ 1988, tomo 2, pág. 237; de Coimbra, de 23-11-1994, in CJ 1994, tomo 5, pág. 62; de Évora, de 12-12-1985, CJ 1985, tomo 5, pág. 241.
XIV - Após a reforma de Setembro de 2007, face à nova redacção do n.º 1 do art. 78.º do CP, importa indagar, aquando da realização de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, do estado actual da situação do condenado, maxime, se a pena de substituição ainda subsiste, qua tale, ou se foi revogada, ou se foi prorrogado o prazo de suspensão, ou se foi já declarada extinta, ao abrigo do disposto no art. 57.º, n.º 1, do CP.
XV - Entendendo que a pena suspensa inicialmente aplicada for declarada extinta pelo cumprimento (artigo 57.º, n.º 1), não será tida em conta para efeitos de reincidência, decorre que a pena de substituição extinta por tal modo, deve ser colocada no mesmo plano de desconsideração, quer se esteja face a cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, ou fora desse quadro, para efeitos de não consideração da agravativa de reincidência.
XVI - A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, englobando uma série, mais ou menos extensa, com uma amplitude, de maior ou menor grau, de várias condenações, por diversas condutas, por vezes, homótropas, como reveste-se de uma especificidade própria. Trata-se, com efeito, de uma nova pena, uma pena final, de síntese, correspondente a uma resposta/definição a/de um novo ilícito (agora global), e a uma nova culpa (agora outra culpa, ponderada pelos factos conjuntos, em relação), uma necessária outra específica fundamentação, que acresce à decorrente do art. 71.º do CP.
XVII - Constitui posição sedimentada e segura no STJ a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem os arts. 71.º, n.º 3, do CP e 97.º, n.º 5, e 375.º, n.º 1, do CPP, em aplicação do comando constitucional ínsito no art. 205.º, n.º 1, da CRP, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
XVIII - No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.
XIX - A inobservância da especial fundamentação determinará, de acordo com a jurisprudência maioritária, a nulidade da decisão cumulatória, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a) e/ou c), e n.º 2, do CPP.
XX - Na consideração dos factos (rectius, do conjunto dos vários factos que integram os diversos crimes em efectivo concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto dos crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, total, globalizado, apenas a final considerado, que deve ter em conta a existência, ou não, de ligações, conexões, ou pontos de contacto, entre as diversas actuações, e, na afirmativa, o tipo de ligação, conexão, ou contacto, que se verifique entre os factos em concurso, quer pela proximidade temporal, independentemente de o serem em série, ou não, ou mesmo em panorama temporal descompassado, se ainda é possível estabelecer alguma corrente de continuidade, interrompida embora, quer na identidade ou proximidade de bens jurídicos violados, quer no objectivo pretendido, no caso, a satisfação de necessidades de consumos de estupefacientes – cf. Acs. do STJ, de 17-03-2004, 03P4431; de 20-01-2005, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 08-06-2006, Proc. n.º 1613/06 - 5.ª; de 07-12-2006, Proc. n.º 3191/06 - 5.ª; de 20-12-2006, Proc. n.º 3379/06 - 3.ª; de 18-04-2007, Proc. n.º 1032/07 - 3.ª; de 03-10-2007, Proc. n.º 2576/07 - 3.ª, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 09-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181; de 06-02-2008, Procs. n.ºs 129/08 - 3.ª e 3991/07 - 3.ª, CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, Proc. n.º 2428/07 - 5.ª; de 13-03-2008, Proc. n.º 1016/07 - 5.ª; de 02-04-2008, Procs. n.º s 302/08 - 3.ª e 427/08 - 3.ª; de 09-04-2008, Proc. n.º 1011/08 - 5.ª; de 07-05-2008, Proc. n.º 294/08 - 3.ª; de 21-05-2008, Proc. n.º 414/08 - 5.ª; de 04-06-2008, Proc. n.º 1305/08 - 3.ª; de 25-09-2008, Proc. n.º 2891/08-3.ª; de 29-10-2008, Proc. n.º 1309/07 - 3.ª; de 27-01-2009, Proc. n.º 4032/08 - 3.ª; de 29-04-2009, Proc. n.º 391/09 - 3.ª; de 14-05-2009, Proc. n.º 170/04.9PBVCT.S1 - 3.ª; de 27-05-2009, Proc. n.º 50/06.3GAVFR.C1.S1 - 3.ª; de 18-06-2009, Proc. n.º 577/06.7PCMTS.S1 - 3.ª; de 18-06-2009, Proc. n.º 8523/06.1TDLSB - 3.ª; de 25-06-2009, Proc. n.º 274/07 - 3.ª, CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251 (a decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); de 21-10-2009, Proc. n.º 360/08.5GEPTM.S1 - 3.ª; de 04-11-2009, Proc. n.º 296/08.0SYLSB.S1 - 3.ª; de 18-11-2009, Proc. n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1 - 3.ª; de 25-11-2009, Proc. n.º 490/07.0TAVVD - 3.ª; de 10-12-2009, Proc. n.º 496/08.2GTABF.E1.S1 - 3.ª (citado no acórdão de 23-06-2010, Proc. n.º 862/04.2PBMAI.S1 - 5.ª).
XXI - Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, RPCC, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente. A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.
XXII - Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no art. 71.º do CP – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 01-10-1995, com a proclamação de princípios ínsita no art. 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo art. 77.º, n.º 1, do CP – o que significa que o específico dever de fundamentação de aplicação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, passando pelo efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.
XXIII - Como se refere no Ac. do STJ de 10-09-2009, Proc. n.º 26/05.8.SOLSB-A.S1 - 5.ª, “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.” Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta.
XXIV - As penas conjuntas visam corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.
XXV - O valor patrimonial da coisa móvel alheia (elemento implícito do tipo legal de crime de furto, segundo Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, §§ 26 e 56, a págs. 33 e 44), como o da coisa roubada, ou apropriada em sede de crime de roubo, não pode deixar de ter alguma influência na determinação da medida da pena, embora neste caso possa ser neutralizada pelo grau da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima. Ora, o valor do bem subtraído, sendo circunstância que faz parte dos tipos de crimes de furto e de roubo (essencial ou implícito), integrando-os, entra directamente na previsão do n.º 1 do art. 71.º do CP, ou seja, deve ser analisada ao nível da culpa do agente e das exigências de prevenção, mas também da al. a) do n.º 2, do mesmo preceito, no que toca ao grau de ilicitude do facto. Como se reconhece no acórdão de 10-02-2010, proferido no Proc. n.º 1353/07.5PTLSB.S1 - 3.ª, citando Faria e Costa “Direito Penal Especial”, págs. 71 e 72, «o valor dos bens é um elemento de qualificação de todos os crimes contra o património. Coisas sem qualquer valor venal não são merecedoras, qua tale, de protecção penal através dos crimes contra o património. Nem mesmo aquelas cujo valor não atinge o «limiar mínimo de relevância para o mundo do direito penal».
XXVI O valor da coisa roubada, embora não possa deixar de ter alguma influência na determinação da medida da pena, é circunstância cuja relevância é praticamente neutralizada pelo grau e espécie da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima, designadamente quando se destaca claramente daquele limiar mínimo.
XXVII - Pretendendo-se com a punição do crime de roubo, para além do mais, também a tutela da propriedade, estando em causa valores patrimoniais de quantitativo variado, a intensidade da agressão ao património do visado variará de acordo com o montante das quantias e o valor objectivo dos bens de que o proprietário é desapossado, sendo diverso o grau de lesividade do bem propriedade consoante esse valor, e daí o legislador distinguir entre o valor diminuto, o elevado e o consideravelmente elevado – art. 202.º, als. a), b) e c) e art. 204.º, n.º 1, al. a), n.º 2, al. a), e n.º 4, distinção que releva sobretudo no crime de roubo qualificado, por força do disposto no art. 210.º, n.º 2, al. b), como os anteriores do CP, mas que fora do quadro de qualificação do crime, de agravação da moldura penal cabível, terá reflexos na medida da pena.
XXVIII - Significa isto que elemento preponderante, essencial, ou noutra perspectiva, elemento implícito do tipo legal, a ter em conta, é o valor pecuniário do objecto do crime de furto, ou do crime de roubo, quanto a este, atenta a “declaração de dependência” do roubo em relação aos critérios do furto, delineada na al. b) do n.º 2 do art. 210.º, onde manifestamente se expressam remissões para os requisitos referidos nos n.º s 1 e 2 do art. 204.º, bem como para o n.º 4 do mesmo artigo, ou seja, são adoptados os critérios de quantificação no sentido de qualificação e de privilegiamento, uma vez que tal remissão opera tanto para a al. a) do n.º 1 (definição de valor elevado), como para o n.º 2 (definição de valor consideravelmente elevado) do art. 204.º, bem como para o n.º 4 do mesmo preceito, este no sentido do privilegiamento, dizendo não haver lugar a qualificação, se a coisa for de diminuto valor.
XXIX - A UC a ter em consideração para efeitos de integração dos valores definidos no art. 202.º do CP, para o ano de 2006, foi fixada em € 89 pelas disposições conjugadas dos arts. 5.º e 6.º, do DL 212/89, de 30-06, com as alterações do DL 323/01, de 17-12, no âmbito do CCJ, aprovado pelo DL 224-A/96, de 26-11.
XX - Sob esta perspectiva da componente patrimonial, em termos puramente objectivos, são de considerar os valores apropriados pelo arguido no conjunto das várias actuações, importando igualmente atentar na natureza dos bens apropriados, tendo em vista descortinar na densificação da ilicitude, o grau de lesividade do património atingido, a medida do prejuízo causado na apreciação final.
XXXI - Resultando da matéria de facto, que o arguido se apropriou de 12 telemóveis, sendo 3 sem indicação de qualquer valor, e os restantes, nos valores total de €1299,90, 1 relógio, no valor de € 100, 2 aparelhos Ipod, sendo um no valor de € 200 e outro, no de € 300, uns óculos de sol, sem valor atribuído e dinheiro, no total de 27 euros, a soma de € 1.926,90, permite concluir que na vertente da lesão patrimonial, atentas a natureza e o valor dos objectos e quantias apropriados, o “roubo global” assumiu uma dimensão económica baixa.
Decisão Texto Integral:
No âmbito do processo comum colectivo n.º 1040/06.1PSLSB, da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, foi realizado cúmulo jurídico de penas aplicadas aos arguidos AA, natural de São Tomé e Príncipe, nascido a … de … de …, solteiro, ajudante de motorista, com residência na Rua …, lote ……., … …, …, Lisboa, actualmente a cumprir pena no Estabelecimento Prisional de Caxias; e
BB, natural da freguesia de São …, concelho de Lisboa, nascido a …de … de …, solteiro, cozinheiro, com residência no Bairro …, Rua .., lote …, ….º, …, Lisboa, e actualmente a cumprir pena no Estabelecimento Prisional de Lisboa.


            Realizada a audiência nos termos do artigo 472.º do Código de Processo Penal, por acórdão do Colectivo da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, de 5 de Janeiro de 2011, constante de fls. 847 a 863, depositado no mesmo dia (fls. 864), foi efectuado o cúmulo jurídico das penas impostas ao arguido AA em três processos, e ao arguido BB em seis processos, tendo sido deliberado aplicar, em cúmulo jurídico das penas parcelares anteriormente impostas, ao condenado AA, a pena única de 13 anos de prisão, e ao condenado BB, a pena única de 15 anos de prisão e 40 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, o que perfaz o montante de € 120,00.     

Inconformados com o assim deliberado, os arguidos interpuseram recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

O arguido BB apresentou a motivação de fls. 875/888, e em original, de fls. 889 a 902, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição integral):

1 - O Arguido, BB, foi condenado no douto Acórdão em Cúmulo Jurídico na pena única em 15 anos de prisão e 40 dias de multa à taxa diária de € 3,00, o que perfaz € 120,00;

2 - Estabelece a lei no Art. 77° n° 2 do Código penal que:

“A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”;

3 - Ora, de acordo com os cálculos efectuados pelo ora Recorrente, tendo em consideração, isoladamente, todas as penas a que foi condenado, a soma atinge os 37 anos e 10 meses e não os 41 anos e 4 meses constantes do douto Acórdão de que se recorre;

4 - Por outro lado, se efectuarmos os cálculos tendo em consideração os cúmulos já anteriormente efectuados então a soma atinge os 25 anos e 10 meses de prisão;

5 - Assim, quer se efectue o cálculo tendo em consideração, isoladamente, as penas concretas em que o Arguido foi condenado quer se efectue o cálculo tendo em consideração os cúmulos anteriormente efectuados a soma total nunca atinge os 41 anos e 4 meses que constam do douto Acórdão de que agora se recorre;

6 - Pelo que, salvo o devido respeito, existiu por parte do Tribunal “a quo” violação, por verificação de lapso aritmético, do estabelecido no Art. 77° n° 2 do Código Penal, o que se acredita influenciou aquele de forma menos favorável ao Arguido;

7 - Por outro lado, ao efectuar-se o Cúmulo Jurídico é necessário ter em consideração para além dos factos a personalidade do agente, conforme estabelecido no Art. 77° n° 1 do Código Penal;

8 - O Arguido, BB, à data da prática dos factos que constam do seu registo criminal e que assume era toxicodependente, motivo pelo qual a sua visão do mundo, dos princípios e valores morais e sociais se encontravam completamente toldados/distorcidos;

9 - Todo o comportamento social do Arguido era desfasado, inadequado e contrário aos princípios e valores morais e sociais regentes;

10 - O consumo de estupefaciente por parte do Arguido, como é do conhecimento geral, alteravam a sua capacidade cognitiva e discernimento, impedindo-o de ter noção dos seus actos e suas consequências quer para os outros quer para ele próprio;

11- O Arguido está profundamente arrependido de todos os crimes que praticou, sabe que tem de pagar a sua dívida para com a sociedade, pela sua prática, mas acredita no futuro e é sua vontade reestruturar a sua vida pessoal e familiar de forma a integrar-se plenamente na sociedade;

12 - O Arguido tem uma filha de tenra idade que quer acompanhar no crescimento e desenvolvimento, bem como ajudá-la apoiando-a de todas as forma possíveis para que aquela cresça saudável e equilibrada;

13 - Desde 19.10.2009 que o Arguido está integrado no Programa Terapêutico da Ala A (uld), com vista à sua recuperação da toxicodependência;

14 - O Arguido está plenamente consciente das dificuldades inerentes à sua recuperação da toxicodependência e todos os desafios que terá de enfrentar no entanto está confiante que é esse o caminho que pretende seguir de ora em diante;

15 - Logo que cumpra a sua pena, o Arguido tenciona reorganizar a sua vida, trabalhar e dar acima de tudo uma vida confortável e equilibrada à sua filha, pois sabe da importância desses factores no desenvolvimento psíquico de uma criança;

16 - O Arguido está seriamente empenhado na sua recuperação assim participa activamente e com prazer em todas as tarefas e actividades inerentes ao Programa Terapêutico em que está inserido;

17 - O Arguido porque sabe que a escolaridade é essencial para a sua futura reintegração social está também inscrito no Projecto Educativo existente no Estabelecimento Prisional, frequentando o curso EFA B3, por forma a adquirir o máximo de habilitações literárias possíveis;

18 - Tem uma família numerosa e que está disponível para lhe prestar todo o apoio possível na reorganização e reinício da sua vida;

19 - O Arguido ainda é muito jovem pelo que a sua plena reintegração social, com a consequente recuperação para a sociedade, ainda é possível;

20 - A condenação do Arguido numa pena única em cúmulo Jurídico de 15 anos de prisão e 40 dias de multa à taxa diária de € 3,00, o que perfaz € 120,00, não tem em consideração de forma atenta todas as circunstâncias supra expostas nem visa a reintegração e reabilitação social do Arguido;

21 - Para que a reintegração e reabilitação social do Arguido venha a ser uma realidade não basta apenas que aquele seja punido pelos crimes que cometeu mas também que se tenha em consideração a pessoa singular o seu arrependimento e comportamento actual, sendo imperativo que lhe seja dada outra oportunidade de recomeçar;

22 - Uma pena de 15 anos é demasiado “pesada” e longa para que no fim do cumprimento da mesma ainda seja possível alcançar a almejada reintegração e reabilitação social do Arguido.

23 - Pelo que, salvo o devido respeito, existiu, também, por parte do Tribunal “a quo” uma inadequada ponderação de todas as circunstâncias pessoais e de facto, quer passadas quer actuais, do Arguido, conforme estabelecido no Art.º 77° n° 1 do Código Penal;

24 - Por tudo o supra exposto a decisão do douto Tribunal “a quo” deveria ter sido necessariamente no sentido de aplicar ao Arguido, BB, em cúmulo jurídico uma pena única de valor manifestamente inferior;

25 - Termos em que o Acórdão que efectuou o Cúmulo Jurídico, ao Arguido BB, e de que ora se recorre, proferido pela 2.ª Vara do Tribunal Criminal de Lisboa, deverá ser revogado e consequentemente ser aplicada ao Arguido em Cúmulo Jurídico uma pena de prisão de valor substancialmente inferior, só assim se fará a devida Justiça

            Por seu turno, o arguido AA apresentou a motivação de fls. 907 a 915, e em original, de fls. 923 a 931, que remata com as seguintes conclusões (igualmente em transcrição integral):

a) No âmbito dos presentes autos, procedeu-se à condenação do arguido, por cúmulo jurídico, na pena unitária de 13 anos, resultante dos crimes cometidos no âmbito de três processos, a saber, i) Proc. n.º 1040/06.1PSLSB; ii) Proc. n.º 8208/05.6TDLSB; e ainda, iii) Proc. n.º 658/06.7PVLSB;

b) A soma aritmética das penas em que o arguido foi condenado no âmbito dos três processos, a saber, i) três (3] anos no Proc. n.º 1040/06.1PSLSB; 18 meses no Proc. n.º 8208/05.6TDLSB; e ainda, iii) oito (8) anos no Proc. n.º 658/06.7PVLSB, é inferior à pena única decidida no Douto Acórdão ora em recurso;

c) Bem se sabendo na (sic) ser a soma aritmética a fórmula utilizada para se determinar, ao abrigo do disposto no art 77.º do Código Penal, tal constatação não deixa evidenciar a injustiça da decisão;

d) A decisão viola o princípio da cumulação, por que se regula o julgador na determinação da pena única, ao abrigo do citado preceito;

e) Mais a mais, a pena de prisão de 18 meses aplicada ao arguido datada de 22 de Março de 2007, mas suspensa na sua pelo período de três (3) anos, já se acha extinta, por decisão da 3.3 Vara Criminal de Lisboa, conforme Doc. n.º 1;

f) Por força do disposto no art 78.º do Código Penal, a referida pena de 18 meses aplicada ao arguido no âmbito do Proc. 8208/05.6TDLSB, não podia ter concorrida (sic) na determinação da pena única cujo Acórdão em que foi decidida se acha agora em recurso;

g) O Acórdão violou os preceitos penais 77.º e 78º.e, bem como os mais elementares princípios de Direito Constitucional;

h) Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, revogar-se o douto Acórdão proferido e ordenar-se a sua substituição por outro, no qual não se faça concorrer, no apuramento da pena única, a pena dos 18 meses de prisão, mas “tão-somente” das penas aplicadas no âmbito do Proc. 1040/06.1PSLSB e 658/06.7PVLSB.

O Ministério Público junto do Tribunal a quo apresentou resposta – de fls. 939 a 946, ao recurso do arguido BB – e de fls. 948 a 953, ao recurso do arguido AA – defendendo, em ambos os casos, a manutenção integral do acórdão recorrido, adiantando no que toca a este arguido, e em relação à pena suspensa declarada extinta, que não lhe assiste qualquer razão, face ao preceituado no artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal.

Os recursos foram admitidos por despacho de fls. 954, ordenando-se a subida dos mesmos ao Supremo Tribunal de Justiça.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu parecer, a fls. 961/2, expressando opinião no sentido de concordar com a fundamentação do Ministério Público junto do tribunal recorrido, mas parecendo-lhe que “penas únicas em medida um pouco inferior às impostas no douto acórdão recorrido responderão mais equilibradamente à conciliação da firme censura dos factos cometidos, assim respondendo às exigências de prevenção geral, com as efectivas necessidades de reinserção social dos arguidos, considerando, nomeadamente, o período de tempo em que os factos ocorreram; a idade dos arguidos à data da prática dos factos; a existência de perturbação psiquiátrica e de toxicodependência do arguido AA; o consumo de heroína e cocaína pelo arguido BB logo aos 14 anos de idade, com a consabida toxicodependência que o consumo de tais drogas implica e a posterior vontade de tratamento…”.     

Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, os recorrentes silenciaram.

Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

Está-se face a deliberação final de um tribunal colectivo – mais concretamente, um acórdão cumulatório, que fixou penas únicas aos recorrentes, superiores a 5 anos de prisão - pretendendo-se a reapreciação de matéria de direito, estando em causa apenas discordância dos arguidos condenados relativamente à medida das penas conjuntas, pelo que é este Supremo Tribunal competente para conhecer do recurso -  artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção dos vícios decisórios ao nível da matéria de facto, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, e nulidades previstas no n.º 3, do mesmo preceito – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, ou dito de outro modo, as razões de discordância com o decidido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os horizontes cognitivos do Tribunal Superior.

            Questões a decidir

            Quanto ao recurso do arguido AA 

Este arguido coloca uma questão específica, qual seja a da integração no cúmulo da pena de prisão suspensa na execução, ou sua desconsideração, estando, no fundo, em discussão a observância do disposto no novo artigo 78.º do Código Penal, no que tange à inclusão, ou não, no cúmulo a efectuar, de penas suspensas na execução e declaradas extintas, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal.

Ponto comum aos recursos dos arguidos AA e BB é a medida das penas únicas.

Os recorrentes discordam do modo como foi efectuado o cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos que foram englobados, pugnando pela revogação do acórdão recorrido, por violação do disposto nos artigos 77.º e 78.º, do Código Penal e pretendendo, no fundo, a reformulação do cúmulo jurídico realizado pelo Colectivo, com redução das penas conjuntas aplicadas, que consideram excessivas e desproporcionais, mas não adiantando qualquer quantificação, limitando-se o arguido BB a dizer que deve ocorrer uma substancial redução.

Apreciando.

Factos Provados

Nota - Correcção de lapso

Na enumeração dos factos provados verifica-se existir lapso que importa corrigir, face a elementos que se contêm em certidão junta aos autos, que constitui documento autêntico com força probatória plena, nos termos dos artigos 363.º, n.ºs 1 e 2, 369.º e 371.º do Código Civil e 169.º do Código de Processo Penal, e a corrigir de acordo com o artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do mesmo CPP.

Ao referir-se ao processo n.º 658/06.7PVLSB, da 3.ª Vara Criminal de Lisboa, o que acontece por duas vezes, uma relativa a cada arguido, foi dado por provado que “O acórdão, datado de 12 de Outubro de 2007, transitou em julgado em 3 de Novembro de 2010 (fls. 558 a 607)”.

Trata-se de lapso manifesto, pois conforme resulta da certidão de fls. 558 a 607 do 3.º volume, sendo o acórdão de 12-10-2007, foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que reduziu as penas aplicadas em acórdão de 16-10-2008 (fls. 587 a 607), o qual transitou em julgado em 03-11-2008, de acordo com certidão de fls. 558, embora esta se mostre deficiente por só referir o arguido AA (a falta de referência ao arguido BB poderá ter ficado a dever-se à circunstância de o arguido ter sido desligado de tal processo, conforme fls. 525) e ainda com o 2.º boletim de registo criminal de fls. 808.

O acórdão recorrido, para a elaboração/justificação da pena conjunta fixada, assentou na seguinte matéria de facto:

«Os arguidos 
AA,
BB 
- foram condenados, neste processo nº 1040/06.1PSLSB, por acórdão datado de 10 de Março de 2010, transitado em julgado em 30 de Março de 2010, pelos seguintes factos:
- No dia 31 de Julho de 2006, cerca das 17h50m, na Estação de Metropolitano de Alvalade, Praça de Alvalade em Lisboa, os arguidos AA e BB, munidos de uma navalha, rodearam os ofendidos CC e DD, empunhando-a e exigindo-lhes dinheiro;
- como os ofendidos não traziam dinheiro consigo revistaram a mala da ofendida DD tendo-se apoderado do seu telemóvel Sharp GX15, e do telemóvel Nokia 6100 de CC;
- agiram os arguidos AA e BB deliberada, livre e conscientemente, mediante o uso de ameaça, sabendo que os ofendidos os temiam, atenta a navalha que detinham e a sua superioridade física e apoderando-se dos telemóveis dos ofendidos, fazendo-os seus e integrando-os no seu património, sabendo serem coisa alheia e que agiam em prejuízo e contra a vontade dos seus legítimos donos. Sabiam não lhes ser permitidas tais condutas.
Os factos ocorreram, como se constata, em 31 de Julho de 2006 e os arguidos foram condenados nas seguintes penas:
- o arguido AA pela prática de cada um dos dois crimes de roubo (desqualificados em razão do valor), p. e p. pelo artº 210º, nº 1 e nº 2 al. b), com referência ao artº 204º, nº 2 al. f), e nº 4, todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; em cúmulo jurídico, ficou condenado este arguido AA, na pena única de 3 (três) anos de prisão.
- o arguido BB pela prática de cada um dos dois crimes de roubo (desqualificados em razão do valor), p. e p. pelo artº 210º, nº 1 e nº 2 al. b), com referência ao artº 204º, nº 2 al. f), e nº 4, todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; em cúmulo jurídico, ficou condenado este arguido BB, na pena única de 3 (três) anos de prisão.
Ao que nos interessa para o presente cúmulo jurídico salientamos que:
O arguido AA, foi ainda julgado e condenado:

– No processo nº 8208/05.6TDLSB da 3ª Vara Criminal de Lisboa, como autor material de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 12, do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.

Os factos reportam-se ao dia 12 de Março de 2005 e são os seguintes:

- no dia 12 de Março de 2005, cerca das 13:00 horas, constatando o arguido que EE se encontrava sentada a fazer uma chamada pelo seu telemóvel junto à estação de caminho de ferro de Entrecampos, em Lisboa, formulou o propósito de se apoderar do aludido telemóvel;

- em execução de tal propósito, aproximou-se da ofendida pelas costas desta e, em passos rápidos, deu-lhe uma bofetada no rosto e, simultaneamente, tirou-lhe o telemóvel da mão;

- já na posse do mesmo pôs-se em fuga e dirigiu-se para a estação de metropolitano de Entrecampos, deslocando-se então em tal meio de transporte para a estação de Picoas;

- entretanto, foi interceptado por agentes policiais quando se encontrava com um seu conhecido, após este ter concretizado conduta similar à sua sobre um transeunte que entrava num dos acessos ao metropolitano em Picoas;

- quando foi interceptado pelos agentes policiais, nas condições supra descritas, o arguido pretendia deslocar-se para a zona do Martim Moniz, acompanhado do seu amigo, com a intenção de ali vender o telemóvel que antes havia subtraído a EE;

- quando foi identificado pelos agentes policiais tinha ainda em sua posse o referido telemóvel, o qual lhe foi apreendido e posteriormente entregue à ofendida;

- o telemóvel é da marca Motorola e modelo V300, com o valor venal de € 190,00;

- o arguido agiu com intenção de desferir uma bofetada no rosto de EE e de lhe retirar o telemóvel da mão, o que fez, bem sabendo que lesava o corpo da ofendida, que o telemóvel não lhe pertencia e que actuava contra a vontade da respectiva dona;

- tal não obstou a que o quisesse fazer seu, o que na realidade conseguiu, com a consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei;

- EE apenas logrou recuperar tal bem por razões alheias e contrárias à vontade do arguido, já que este acabou por ser interceptado e detido na posse do mesmo.

O acórdão, datado de 22 de Março de 2007, transitou em julgado em 16 de Abril de 2007 (certidão de fls. 824 a 833).

– No processo nº 658/06.7PVLSB, da 3ª Vara Criminal de Lisboa, como co-autor material de:

- um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do artº 210º, nºs 1 e 2, al. b) ex vi do artº 204º, nº 2, al. f), do Código Penal,  na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do artº 210º, nºs 1 e 2, al. b) ex vi do artº 204º, nº 2, al. f), do Código Penal,  na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de roubo, p. e p. nos termos do artº 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de roubo, p. e p. nos termos do artº 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de roubo, p. e p. nos termos do artº 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de roubo, p. e p. nos termos do artº 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de roubo, p. e p. nos termos do artº 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de roubo, p. e p. nos termos do artº 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de roubo, p. e p. nos termos do artº 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

- em cúmulo jurídico na pena única de 8 anos de prisão

Os factos reportam-se aos dias 13 de Março de 2006, 27 de Junho de 2006, 3 de Julho de 2006, 30 de Julho de 2006, 1 de Agosto de 2006, e 18 de Novembro de 2006, e são os seguintes:

- no dia 13 de Março de 2006, pelas 14:00 horas, os arguidos AA, BB e FF dirigiram-se à saída da estação da Alameda do metropolitano de Lisboa, local onde se encontravam GG e HH;

- assim os três arguidos bloquearam a passagem dos ofendidos afirmando que tinham facas, ameaçando a sua utilização, dizendo-lhes que lhes “espetavam o chino”, pelo que exigiram a estes ofendidos a entrega dos bens que tivessem na sua posse;

- desta forma, perante a superioridade numérica e perante a ameaça o ofendido GG procedeu à entrega do seu telemóvel de marca Siemens, modelo M60, no valor de € 200,00, sendo-lhe ainda tirado um relógio de marca Swatch, no valor de € 100,00;

- por sua vez ao ofendido HH foi-lhe retirado um telemóvel marca Sony Ericsson, no valor de € 250,00, tendo-se os arguidos colocado em fuga na posse dos bens a que deram destino não apurado;

- no dia 27 de Junho de 2006, pelas 16:00 horas, na estação do metro do Lumiar o arguido AA, dirigiu-se à ofendida II que por ali passava, ao mesmo tempo que um outro indivíduo cuja identidade não foi possível apurar que o acompanhava, aguardava por ela junto ao tapete rolante em cumprimento de prévia combinação;

- assim e após a ofendida JJ ter ficado rodeada pelos dois, sem possibilidade de fuga, e perante a superioridade numérica destes, retiraram-lhe uma mala que continha um telemóvel de marca Nokia modelo 6630 no valor de € 200,00 e a quantia de € 14,00 em dinheiro;

- na posse dos referidos objectos colocaram-se em fuga dando-lhes destino não apurado;

- no dia 3 de Julho de 2006, pelas 20:00 horas, no Jardim da Praça Central, em Telheiras, os arguidos AA e FF abordaram KK e LL quando aqueles se encontravam sentados na relva daquele jardim;

- nessa altura, os arguidos AA e FF abordaram os lesados, KK e LL, tendo um deles dito “passa uns trocos” ao mesmo tempo que colocava a mão debaixo da camisola afirmando que tinha uma arma, altura em que o arguido AA se dirigiu a KK que tinha o seu telemóvel, de marca Nokia, no valor de € 50,00, pousado no chão e deu-lhe um empurrão subtraindo-lhe tal objecto;

- na mesma ocasião o arguido FF retirou do ofendido LL um outro telemóvel de marca Sharp, no valor de € 130,00, tendo o arguido AA agarrado o ofendido pelo pescoço quando este tentou recuperar o seu telemóvel, impedindo assim que este resistisse;

- ambos os arguidos, AA e FF, colocaram-se em fuga, vindo porém o arguido AA a ser interceptado e detido na posse do telemóvel da ofendida KK que foi apreendido e devolvido à sua legítima proprietária, bem como na posse de uma faca;

- na posse do telemóvel de marca Sharp, o arguido FF colocou-se em fuga, dando-lhe destino não concretamente apurado;

- no dia 30 de Julho de 2006, pelas 17:20 horas, os arguidos AA e BB entraram no metro da estação de Roma entrando na carruagem onde seguia MM e sentaram-se junto ao ofendido;

- de imediato um dos arguidos exibiu ao ofendido MM uma faca com lâmina de cerca de 7 cm, tendo encostado a lâmina ao corpo deste ao mesmo tempo que exigia a entrega daquilo que o mesmo tivesse consigo;

- perante isto, o ofendido exibiu a sua carteira que não tinha qualquer quantia monetária acabando por, perante a insistência dos mesmos e perante a exibição da referida arma lhes entregar um telemóvel de marca Samsung, modelo 480, no valor de € 80,00, um aparelho IPOD no valor de € 200,00 e uns óculos de sol sem valor atribuído;

- objectos com que os arguidos se colocaram em fuga após abandonarem a carruagem na estação de Alvalade;

- no dia 1 de Agosto de 2006, pelas 19:00 horas, na Praça do Império em Lisboa, NN e OO encontravam-se ali sentados num banco de jardim quando foram abordados pelo arguido AA e mais dois indivíduos, um deles de raça caucasiOO, com aspecto de toxicodependente;

- o arguido AA e os outros dois indivíduos não identificados, aproximaram-se dos ofendidos NN e OO, pedindo-lhes dinheiro e, perante a reacção adversa destes, prosseguiram dizendo: “temos seringas”;

- em face de tal comportamento os ofendidos NN e OO não ofereceram resistência, pelo que, abrindo a mochila, o arguido AA retirou à lesada um telemóvel no valor de € 200,00 e o outro individuo não identificado subtraiu ao lesado NN um aparelho de MP3, no valor de € 50,00;

- o arguido AA colocou na sua disponibilidade o telemóvel abandonando o local e dando-lhe destino não apurado;

- no dia 18 de Novembro de 2006, pelas 18:00 horas, no Jardim Amália Rodrigues, em Lisboa, os ofendidos PP e KK passavam naquele local, altura em que foram abordados pelos três arguidos AA, BB e FF;

- desta forma os arguidos, em cumprimento de plano previamente delineado e que tinha por fim a subtracção dos bens pessoais dos ofendidos, abordaram-nos pedindo-lhes a entrega dos bens, o que aqueles não fizeram pelo que, exibindo-lhes dois dos arguidos, cada um deles, uma faca, exigiram que os ofendidos entregassem os seus pertences;

- perante a exibição das armas e a reacção dos ofendidos o arguido AA apropriou-se do telemóvel de marca Sony Ericsson, no valor de € 50,00 e de € 5,00 em dinheiro, pertencentes à ofendida KK e outro dos arguidos, de um telemóvel de marca Nokia pertencente a PP, no valor de € 100,00;

- na posse de tais objectos os arguidos abandonaram o local fazendo-os coisas suas e dando-lhes destino não apurado, não obstante o arguido AA ter sido ainda interceptado na posse do telemóvel pertencente ao lesado PP que foi apreendido e posteriormente entregue ao legítimo proprietário;

O acórdão, datado de 12 de Outubro de 2007, transitou em julgado em 3 de Novembro de 2008 e não 2010, como vimos supra (fls. 558 a 607).

O arguido BB foi ainda julgado e condenado:
- No processo nº 476/06.2PSLSB, da 6ª Vara Criminal de Lisboa, como co-autor material de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1, do Código Penal na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, em cúmulo na pena única de 5 anos de prisão.
Os factos reportam-se ao dia 23 de Março de 2006, onde no Campo Grande em Lisboa, os arguidos BB e FF se dirigiram a QQ e a RR que se encontravam nesse local;
- nesta ocasião os arguidos pediram dinheiro à QQ e ao RR que não entregaram qualquer quantia àqueles;
- acto contínuo, o arguido BB disse ao RR que lhe dava uma “chinada” e para ele não fugir ou gritar;
- após, o arguido BB colocou uma mão num dos bolsos de RR e do seu interior retirou um telemóvel de marca Nokia, modelo 6610, no valor de € 230,00, bem como a quantia de € 2,00;
- por seu turno, o arguido FF disse à QQ para lhe entregar o telemóvel, tendo esta receando pela sua integridade, entregue àquele um telemóvel com um cartão SIM inserido;
- a pedido de QQ, o arguido FF devolveu àquela o cartão SIM que estava inserido no seu telemóvel;
- depois, os arguidos abandonaram o local, levando os referidos bens;
- os arguidos tinham conhecimento dos factos e ainda assim quiseram agir da forma mencionada, em comunhão de esforços e com o intuito de fazerem seus os telemóveis e dinheiro acima referidos, e sabendo que actuavam contra a vontade dos respectivos donos;
- sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O acórdão datado de 20 de Novembro de 2007, transitou em julgado em 17 de Setembro de 2008 (certidão de fls. 691 a 737).
- No processo nº 803/06.2TASTR, do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Santarém, como autor material de um crime de burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços, p. e p. pelo artº 220º, nº 1, al. c), do Código Penal, na pena de 40 dias de multa à taxa diária de € 3,00, o que perfez o total de € 120,00.
Os factos reportam-se a 21 de Março de 2006 e estão descritos da seguinte forma:
- no dia citado cerca das 12:00 horas, o arguido BB viajava no comboio nº 4420, pertencente à empresa Caminhos de Ferro Portugueses, EP, e realizava o percurso entre as estações de Entroncamento e Santarém, sem que, para tanto, estivesse munido de título válido que o habilitasse a utilizar o referido comboio;
- posteriormente foi passado e entregue ao arguido o bilhete nº …, no montante de € 65,00, valor que corresponde ao mínimo de cobrança fixado pela referida empresa, importância que o arguido não pagou, apesar de advertido de que dispunha de oito dias para o efeito;
- o arguido BB agiu de forma livre, deliberada e consciente, com perfeito conhecimento de que não podia utilizar o referido meio de transporte colectivo sem adquirir previamente o competente titulo que o habilitasse para o efeito, e bem assim não procedeu ao pagamento da dívida contraída, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
A sentença datada de 15 de Setembro de 2008, transitou em julgado em 15 de Outubro de 2008 (certidão de fls. 741 a 746).

- No processo nº 658/06.7PVLSB, da 3ª Vara Criminal de Lisboa, como:
. co-autor material e sob a circunstância de reincidência, de um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do artº 210º, nºs 1 e 2 al. b) ex vi do artº 204º, nº 2, al f), todos do Código Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;
. co-autor material e sob a circunstância de reincidência, de um crime de roubo agravado, p. e p. nos termos do artº 210º, nºs 1 e 2 al. b) ex vi do artº 204º, nº 2, al f), todos do Código Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;
. co-autor material de um crime de roubo, p. e p. nos termos do artº 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
. co-autor material de um crime de roubo, p. e p. nos termos do artº 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
. co-autor material de um crime de roubo, p. e p. nos termos do artº 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
. co-autor material de um crime de roubo, p. e p. nos termos do artº 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

- em cúmulo jurídico na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão

Os factos reportam-se aos dias 13 de Março de 2006, 30 de Julho de 2006, 15 de Setembro de 2006, 29 de Outubro de 2006, e 18 de Novembro de 2006, e são os seguintes:

- no dia 13 de Março de 2006, pelas 14:00 horas, os arguidos AA, BB e FF dirigiram-se à saída da estação da Alameda do metropolitano de Lisboa, local onde se encontravam GG e HH;

- assim os três arguidos bloquearam a passagem dos ofendidos afirmando que tinham facas, ameaçando a sua utilização, dizendo-lhes que lhes “espetavam o chino”, pelo que exigiram a estes ofendidos a entrega dos bens que tivessem na sua posse;

- desta forma, perante a superioridade numérica e perante a ameaça o ofendido GG procedeu à entrega do seu telemóvel de marca Siemens, modelo M60, no valor de € 200,00, sendo-lhe ainda tirado um relógio de marca Swatch, no valor de € 100,00;

- por sua vez ao ofendido HH foi-lhe retirado um telemóvel marca Sony Ericsson, no valor de € 250,00, tendo-se os arguidos colocado em fuga na posse dos bens a que deram destino não apurado;

- no dia 30 de Julho de 2006, pelas 17:20 horas, os arguidos AA e BB entraram no metro da estação de Roma entrando na carruagem onde seguia MM e sentaram-se junto ao ofendido;

- de imediato um dos arguidos exibiu ao ofendido MM uma faca com lâmina de cerca de 7 cm, tendo encostado a lâmina ao corpo deste ao mesmo tempo que exigia a entrega daquilo que o mesmo tivesse consigo;

- perante isto, o ofendido exibiu a sua carteira que não tinha qualquer quantia monetária acabando por, perante a insistência dos mesmos e perante a exibição da referida arma lhes entregar um telemóvel de marca Samsung, modelo 480, no valor de € 80,00, um aparelho IPOD no valor de € 200,00 e uns óculos de sol sem valor atribuído;

- objectos com que os arguidos se colocaram em fuga após abandonarem a carruagem na estação de Alvalade;

- no dia 15 de Setembro de 2006 o arguido BB viajava no percurso entre as estações de metro de Odivelas e do Campo Grande quando avistou SS dirigindo-se ao mesmo de imediato na altura em que ambos seguiam sozinhos na carruagem;

- assim o arguido BB, sentando-se ao pé do ofendido GG meteu a mão no bolso e sob ameaça de utilização de uma faca meteu a mão no bolso do ofendido, retirando-lhe um telemóvel de marca Ericemos, no valor de € 139,90;

- na posse do telemóvel abandonou a carruagem integrando-o no seu património;

- no dia 29 de Outubro de 2006, pelas 17:50 horas, o ofendido LL seguia numa composição do metropolitano entre as estações de Entrecampos e Campo Pequeno quando entrou na mesma o arguido BB, acompanhado de indivíduo cuja identidade não se apurou e que se sentou ao lado do ofendido;

- de imediato o individuo não identificado disse ao ofendido”mostra a carteira ao meu irmão” ao mesmo tempo que se ia encostando ao mesmo e ameaçando-o de que lhe dava uma “chinada”;

- perante o comportamento deste indivíduo e do arguido BB, o ofendido LL não reagiu e permitiu que este último, o arguido BB, lhe colocasse as mãos nos bolsos subtraindo-lhe um IPOD a cores no valor de € 300,00 e um telemóvel de marca Sony, no valor de € 150,00;

- na posse de tais bens o arguido BB abandonou a composição e juntamente com o outro indivíduo abandonou o local na posse dos objectos que fez seus;

- no dia 18 de Novembro de 2006, pelas 18:00 horas, no Jardim Amália Rodrigues, em Lisboa, os ofendidos PP e KK passavam naquele local, altura em que foram abordados pelos três arguidos AA, BB e FF;

- desta forma os arguidos, em cumprimento de plano previamente delineado e que tinha por fim a subtracção dos bens pessoais dos ofendidos, abordaram-nos pedindo-lhes a entrega dos bens, o que aqueles não fizeram pelo que, exibindo-lhes dois dos arguidos, cada um deles, uma faca, exigiram que os ofendidos entregassem os seus pertences;

- perante a exibição das armas e a reacção dos ofendidos o arguido AA apropriou-se do telemóvel de marca Sony Ericsson, no valor de € 50,00 e de € 5,00 em dinheiro, pertencentes à ofendida KK e outro dos arguidos, de um telemóvel de marca Nokia pertencente a PP, no valor de € 100,00;

- na posse de tais objectos os arguidos abandonaram o local fazendo-os coisas suas e dando-lhes destino não apurado, não obstante o arguido AA ter sido ainda interceptado na posse do telemóvel pertencente ao lesado PP que foi apreendido e posteriormente entregue ao legítimo proprietário;

O acórdão, datado de 12 de Outubro de 2007, transitou em julgado em 3 de Novembro de 2008 e não 2010, como vimos supra (certidão de fls. 558 a 607).

- No processo nº 87/06.2S7LSB, da 7ª Vara Criminal de Lisboa ,como autor de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1 e 2, al. b), com remissão para o artº 204º, nº 2, al. f), do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
Os factos reportam-se ao dia 5 de Fevereiro de 2006 e são os seguintes:
- no dia 5 de Fevereiro de 2006, cerca das 22:00 horas, TT entrou numa carruagem do metropolitano de Lisboa, na estação de Roma, com destino a Telheiras;
- foi então abordado pelo arguido BB que estava acompanhado de outro individuo cuja identidade não foi possível apurar;
- enquanto um dos indivíduos exibia uma navalha, o outro retirou a carteira que o ofendido tinha guardado no bolso das calças, fazendo sua a quantia de € 20,00 em numerário;
- o arguido BB agiu com a intenção concretizada de fazer seu o montante supra mencionado, bem sabendo que o mesmo lhe não pertencia e que agia contra a vontade do ofendido, com ameaça da utilização duma navalha da forma descrita, assim o pondo na impossibilidade de reagir;
- o arguido BB agiu livre e conscientemente, bem sabendo que o seu comportamento lhe era vedado e censurado por lei.
O acórdão está datado de 6 de Novembro de 2008 e transitou em julgado em 9 de Dezembro de 2008 (certidão de fls. 837 a 846).

- No processo 548/06 da 7ª Vara Criminal de Lisboa, como autor de um crime de roubo, consumado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão e pela prática de cada um dos dois crimes de roubo na forma tentada, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão. Em cúmulo jurídico na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão.
Os factos reportam-se aos dias 27 e 28 de Março de 2006, e estão descritos a fls. 616 e 617, onde consta:
- no dia 27 de Março de 2006, cerca das 16h15, nas escadas de acesso ao metropolitano do Lumiar, em Lisboa, os arguidos BB e FF, acompanhados de um indivíduo de identidade desconhecida, aproximaram-se de UU, com 15 anos de idade que ali descia as escadas em direcção ao metro;
- de seguida, o arguido FF encostou o menor à parede, enquanto o arguido BB e o outro indivíduo o rodearam;
- acto contínuo, o arguido FF retirou do bolso das calças do ofendido o telemóvel da marca Nokia, modelo 5100, de cor preta e branca, com o cartão nº ..., no valor de € 100,00, pertencente ao menor;
- no dia 28 de Março de 2006, cerca das 19h00, os arguidos BB, FF e VV acompanhados de um indivíduo de identidade desconhecida, aproximaram-se dos ofendidos NN, XX e ZZ que se encontravam num banco do jardim do Campo Grande, perto do Centro Comercial Caleidoscópio em Lisboa;
- de imediato o arguido BB e o outro individuo desconhecido rodearam o ofendido NN;
- acto contínuo, o dito indivíduo aproximou-se do ofendido NN, com o intuito de retirar o auricular do telemóvel que o mesmo tinha pendurado no seu casaco;
- contudo o ofendido NN desviou-se;
- por sua vez os arguidos FF e VV rodearam os ofendidos XX e ZZ;
- de seguida, o arguido VV abriu a mochila do ofendido ZZ com o intuito de retirar os objectos que ali se encontrassem;
- acto contínuo, o arguido VV apontou uma faca de cozinha, com 19,8 cm de comprimento, ao ofendido ZZ, ao mesmo tempo que proferiu as seguintes palavras na direcção deste “chino-te todo se não me deres as coisas”;
- de seguida, o ofendido ZZ agarrou a faca e conseguiu afastá-la de si;
- após estes factos, o arguido FF agarrou com força o saco da ofendida XX ao mesmo tempo que lhe dizia “queres que te faça mal?”;
- contudo a ofendida reagiu e impediu que o arguido FF tirasse a mala;
- momentos depois os arguidos foram surpreendidos pelos agentes da autoridade que interceptaram os arguidos BB e FF;
- o arguido BB e os outros arguidos agiu em conjugação de esforços e de intenções, entre si e com o indivíduo desconhecido, executando um plano traçado com o intuito de se apoderarem dos objectos acima referidos;
- os arguidos sabiam que os objectos e quantias em dinheiro em causa não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos respectivos donos;
- os arguidos sabiam que não poderiam apoderar-se de tais coisas, daquela forma, atemorizando os ofendidos com a referida faca e com as palavras proferidas;
- os arguidos sabiam que não podiam apoderar-se de tais coisas, daquela forma, utilizando a força física sobre o corpo dos ofendidos, e sem que estes pudessem obstar ao seu comportamento;
- os arguidos só não conseguiram alcançar os seus desígnios relativamente aos ofendidos NN, ZZ e XX em virtude destes terem obstado à prática dos factos.
O acórdão encontra-se datado de 2 de Julho de 2009 e transitou em julgado em 26 de Abril de 2010 (certidão de fls. 614 a 650).


*

Mais ficou provado, no que concerne aos antecedentes criminais que os arguidos registam ainda as seguintes condenações:

. Arguido AA:
- por sentença datada de 24 de Março de 1999, proferida no âmbito do processo nº 86/99.9SNLSB da 2ª secção do 1º juízo do Tribunal de Pequena Instancia Criminal de Lisboa, pela prática, em 21 de Março de 1999, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artº 3º, nº 2 do DL nº 2/98 de 3 de Janeiro, foi condenado na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 600$00, o que perfaz o montante global de 90.000$00; por despacho datado de 26 de Outubro de 1999 foi tal pena declarada extinta pelo cumprimento (artº 475º do C.P.P.);
- por sentença datada de 19 de Julho de 2001, transitada em julgado em 1 de Outubro de 2001, proferida no âmbito do processo nº 1035/01.1SYLSB, da 1ª secção do 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instancia Criminal de Loures, pela prática, em 19 de Julho de 2001, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artº 3º, nº 2, do DL nº 2/98 de 3 de Janeiro, foi condenado na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 500$00, no total de 40.000$00; efectuou o pagamento da multa em 18 de Outubro de 2002;
- por acórdão datado de 7 de Março de 2006, transitado em julgado em 2 de Maio de 2006, proferido no âmbito do processo nº 128/05.0SYLSB, da 1ª secção da 2ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática, em 25 de Fevereiro de 2005 de um crime de roubo p. e p. pelo artº 210º, nº 1, do Código Penal, foi condenado na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos subordinada à obrigação do arguido ser acompanhado pelo IRS, com relatório trimestral no 1º ano, e semestral a partir daí, com reinserção sócio-profissional e tratamento ao consumo de estupefacientes; por despacho datado de 17 de Novembro de 2006 foi revogada a pena suspensa imposta ao arguido, ao abrigo do disposto no artº 56º, nº 1, al. a), do Código Penal; por despacho datado de 30 de Abril de 2008, foi declarada extinta a pena pelo cumprimento da mesma o qual ocorreu em 19 de Abril de 2008;

. Arguido BB:
- por acórdão datado de 7 de Junho de 1999, proferido no âmbito do processo nº 19/99 da 3ª secção da 6ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática, em 22 de Abril de 1998, de um crime de furto qualificado e de um crime de dano, p. e p. pelos artºs 204º, nº 2 e 212º, do Código Penal, o arguido foi absolvido do crime de dano e condenado pelo crime de furto na pena de 26 meses de prisão, suspensa por 3 anos acompanhada do regime de prova;
- por acórdão datado de 13 de Julho de 1999, proferida no âmbito do processo nº 1311/98.9PSLSB, da 1ª secção, da 1ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelos artºs 210º, nºs 1 e 2 al. b), com referência ao artº 204º, nº 2, al. f), do Código Penal, foi condenado na pena de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, mediante o regime de prova;
- por sentença datada de 30 de Março de 2000, proferida no âmbito do processo nº 130/97.45Y, da 2ª secção do 1º Juízo Criminal de Lisboa, pela prática, em 20 de Abril de 1997, de um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos artºs 22º, 23º, 73º e 210º, nº 1, todos do Código Penal, foi condenado na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos; por despacho datado de 20 de Setembro de 2002 foi declarada extinta a pena nos termos do artº 57º, nº 1, do Código Penal;
- por acórdão datado de 13 de Julho de 2000, transitado em julgado em 28 de Julho de 2000, proferido no âmbito do processo nº 93/99 da 2ª secção da 8ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática, em 21 de Maio de 1998, de um crime de roubo e de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs 210º, nº 1, 203 e 204º, nº 1, al. b), 22º, 23º e 73º, todos do Código Penal (tendo ainda sido englobadas as penas dos processos nºs 19/99 e 1311/98.9PSLSB), foi condenado na pena única de 5 anos de prisão, tendo sido declarado perdoado 1 ano de prisão – artºs 1º e 4º da Lei nº 29/99 de 12 de Maio;
- por sentença datada de 21 de Dezembro de 2000, proferida no âmbito do processo nº 1984/96.7PT da 1ª secção do 2º Juízo Criminal de Lisboa, pela prática, em 14 de Dezembro de 1996, de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1, do Código Penal, foi condenado na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos; por despacho datado de 20 de Fevereiro de 2003, foi declarada extinta a pena, nos termos do disposto no artº 57º, nº 1, do Código Penal;
- por sentença datada de 2 de Março de 2001, transitada em julgado em 19 de Março de 2001, proferida no âmbito do processo nº 452/98.7PYLSB, da 3ª secção do 5º Juízo Criminal de Lisboa, pela prática, em 15 de Abril de 1998, de um crime de furto, p. e p. pelo artº 203º, nº 1, do Código Penal, foi condenado na pena de 90 dias de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos; por despacho datado de 30 de Setembro de 2003 foi declarada extinta a pena, nos termos do artº 57º, nºs 1 e 2 do Código Penal;
- por sentença datada de 22 de Janeiro de 2002, proferida no âmbito do processo nº 6640/98.9TD, da 2ª secção do 4º Juízo Criminal de Lisboa, pela prática, em 10 de Julho de 1997, de um crime de detenção, uso e porte de arma proibida, p. e p. pelo artº 275º, nº 3 do Código Penal, foi condenado na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 1,00; por despacho datado de 16 de Maio de 2002 foi convertida a pena de 60 dias de multa em 40 dias de prisão, tendo esta sido declarada perdoada, sob condição resolutiva;
- por acórdão datado de 24 de Março de 2003, , transitado em julgado em 8 de Abril de 2003, proferido no âmbito do processo nº 544/98.2PZLSB, da 2ª secção da 5ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática, em 11 de Novembro de 1998, de um crime de roubo, p. e p. pelos artºs 210º, nº 2, al. b), com referência ao artº 204º, nº 2, al. f), e artº 210º, nº 1, todos do Código Penal, foi condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, tendo-se declarado perdoado 1 ano de prisão, de acordo com o preceituado no artº 1º da Lei 29/99 de 12 de Maio, sob a condição resolutiva a que alude o artº 4º do citado diploma legal; por acórdão cumulatório das várias penas de que foi alvo, foi o arguido condenado, em 12 de Fevereiro de 2004 – com transito em julgado de 27 de Fevereiro de 2004 -, na pena única de 7 anos de prisão;

Quanto às condições pessoais e personalidade dos arguidos há a salientar:
Relativamente ao arguido AA:
A sua socialização foi negativada pela disfuncionalidade familiar, a inserção comunitária de risco e a ausência de preparação escolar e profissional, factores que, funcionando conjugadamente, desencadearam e ampliaram falhas precoces com repercussões na imaturidade e irresponsabilidade pessoal. O trajecto laboral inicialmente sólido, denunciando algumas aptidões pró-sociais, inflectiu negativamente devido à influência da perturbação psiquiátrica e da toxicodependência, configurando necessidades especiais de ressocialização.
E, relativamente ao arguido BB:
Antes de ser detido o arguido trabalhava na Expo no Restaurante “…”, como ajudante de cozinheiro, auferindo cerca de € 1.000,00 mensais e vivia com os pais no Bairro da Musgueira. Possui o 10º ano de escolaridade, tem mais quatro irmãos que vivem nos Estados Unidos da América, tem uma filha que vive com a avó (mãe do arguido). Começou a consumir cocaína e heroína com 14 anos de idade. No Estabelecimento Prisional está integrado no Programa Terapêutico da Ala A (uld) desde 19.10.2009, participa nas actividades e tarefas inerentes ao projecto e está também integrado no Projecto Educativo existente, frequentando o curso EFA B3».

Apreciando.

Do Cúmulo jurídico por conhecimento superveniente

Em causa está o acórdão cumulatório de 05-01-2011, que realizou cúmulo jurídico de penas impostas aos arguidos, por conhecimento superveniente de concurso.

A condenação do arguido BB, ora recorrente, no processo comum colectivo n.º 548/06.3PTLSB, da 7.ª Vara Criminal de Lisboa, teve lugar por acórdão de 2 de Julho de 2009 (confirmado por acórdão da Relação de Lisboa de 23-03-2010), relativamente a factos praticados em 27 e 28 de Março de 2006, sendo a última a transitar em julgado, mais concretamente, em 26 de Abril de 2010, (fls. 614) de uma série de condenações em seis processos impostas ao referido arguido, pela prática de vários crimes, ao longo de cerca de nove meses, mais concretamente, de forma interpolada - é certo - de 5 de Fevereiro a 18 de Novembro de 2006.

No que respeita ao recorrente AA, a última decisão a transitar é a destes autos, que teve lugar em 30 de Março de 2010, estando em causa a conjunção de condenações pela prática de crimes cometidos entre 12-03-2005 e 18 de Novembro de 2006.

Todos os crimes foram cometidos sem que entre eles se “intrometesse” uma condenação passada em julgado por qualquer deles; a primeira condenação transitada teve lugar já após a comissão do último crime, pelo que não se verifica a existência de cúmulo por arrastamento.

A “génese” do presente cúmulo está na promoção de fls. 504, a que se seguiu a de fls. 550, e nos despachos de fls. 505 e 551, designando-se, a fls. 651, dia para a audiência a que alude o artigo 472.º do Código de Processo Penal, sem estarem ainda coligidas as certidões necessárias para a realização de cúmulo jurídico, e daí a necessidade de junção de mais quatro certidões, sendo adiada, necessariamente, a audiência para mais tarde - fls. 663.

O caso de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de concurso de crimes tem lugar quando posteriormente à condenação no processo de que se trata, o da última condenação, se vem a verificar que o agente, anteriormente a tal condenação, praticou outro ou outros crimes.

Nestes casos são aplicáveis as regras do disposto nos artigos 77.º, n.º 2 e 78.º, n.º 1, do Código Penal, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas. 

Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, inalterado pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro, e n.º 61/2008, de 31 de Outubro, que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Sobre o conhecimento superveniente do concurso, dispunha o artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção anterior (de 1995) que “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior”.

Com a 23.ª alteração ao Código Penal, introduzida com a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, entrada em vigor em 15 seguinte, o n.º 1 do artigo 78.º (intocado na posterior alteração de 2008) passou a ter a seguinte redacção: “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.

E no n.º 2: “O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado”.

A nova redacção do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, introduzida em 2007, com a supressão do trecho “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”, diversamente do que ocorria na redacção anterior, veio prescrever que o cúmulo jurídico sequente a conhecimento superveniente de novo crime, que se integre no concurso, não exclui, antes passa a abranger, as penas já cumpridas (ou extintas pelo cumprimento), procedendo-se, após essa inclusão, no cumprimento da pena única que venha a ser fixada, ao desconto da pena já cumprida.

Neste sentido pronunciava-se já alguma jurisprudência, como por exemplo, os acórdãos do STJ de 21-04-1999, processo n.º 593/98-3.ª, SASTJ n.º 30, pág. 77; de 24-05-2000, processo n.º 28/00-3.ª, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 204 (o cúmulo final deve abranger as penas extintas, total ou parcialmente, por perdão) e de 30-05-2001, processo n.º 2839/00-3.ª, com dois votos de vencido, in SASTJ, n.º 51, 83 e CJSTJ 2001, tomo 2, pág. 211 (o cúmulo final a efectuar deve abranger também as penas que devem entrar no concurso, mesmo que extintas, total ou parcialmente, pelo cumprimento. A interpretação correcta do artigo 78.º, n.º 1, do CP, à face do disposto no art. 9.º do CC, é a de que só se exclui do seu âmbito a pena cumprida no caso de não existir qualquer benefício para o arguido se se fizer o cúmulo jurídico da referida pena com outra ou outras condenações, considerada a previsão dos arts. 80.º e 81.º. A não se entender assim, padece a dita norma do art. 78.º, n.º 1, de inconstitucionalidade material, pela desigualdade injustificada, não conforme com o art. 18.º da CRP).

Em sentido oposto, pronunciaram-se então, v. g., os acórdãos de 02-10-1986, BMJ n.º 360, pág. 340; de 25-10-1990, BMJ n.º 400, pág. 331; de 13-02-1991, BMJ n.º 404, pág. 178; de 11-06-1992, processo n.º 42589; de 07-01-1993, processo n.º 43359; de 21-04-1994, processo n.º 46045; de 14-11-1996, processo n.º 603/96; de 14-05-1998, processo n.º 61/98; de 08-07-1998, processo n.º 554/98-3.ª, com dois votos de vencido, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 248 (as penas já extintas pelo cumprimento não devem ser consideradas para efeito de cúmulo jurídico a que haja de proceder-se); de 07-07-1999, processo n.º 605/99, CJSTJ 1999, tomo 2, pág. 243; de 24-02-2000, processo n.º 1202/99-5.ª (as penas cumpridas, extintas e prescritas não podem ser consideradas para efeito de elaboração de cúmulo); de 31-05-2000, processo n.º 157/00-3.ª, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 207 (seguindo de perto o acórdão de 08-07-98 antes citado, mas tendo em vista apenas a questão de saber qual o tribunal competente para efectuar o cúmulo); de 26-04-2001, processo n.º 3413/00-5.ª, SASTJ n.º 50, pág. 52; de 09-02-2005, processo n.º 51/05-3.ª, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 194; de 07-12-2005, SASTJ n.º 96, 61; de 08-06-2006, processo n.º 1558/06-5.ª; de 22-06-2006, processo n.º 1570/06-5.ª (este com um voto de vencido) e de 15-11-2006, processo n.º 1795/06-3.ª.

Neste sentido se pronunciava, à luz da lei então em vigor, Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, § 426, págs. 293/4, afirmando ser necessário que a pena proferida na condenação anterior se não encontre ainda cumprida, prescrita ou extinta: só uma pena que ainda se não encontre, por qualquer forma, extinta pode ser integrada no objecto do processo posterior e servir para a formação da pena conjunta. 

Pela alteração introduzida ao n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal pela Lei n.º 59/07, passaram a ser cumuláveis as penas já cumpridas, alteração que obviamente, se mostra favorável ao arguido, como refere o acórdão de 25-03-2009, processo n.º 577/09-3.ª, in CJSTJ 2009, tomo 1, pág. 233.
          

Ora, no caso em reapreciação, há que OO lisar a opção assumida pelo Colectivo da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, ao elaborar o cúmulo em equação, o que no caso releva relativamente ao arguido AA.

Recurso do arguido AA

A integração no cúmulo jurídico de pena de prisão suspensa na execução -  Pena extinta - Omissão de pronúncia sobre a justificação da inclusão de tal pena - Nulidade

Na enumeração dos factos provados, entre as penas aplicadas a este recorrente consta a pena de prisão de 18 meses, suspensa na sua execução por 3 anos, o que acontece no processo n.º 8208/05.6TDLSB da 3.ª Vara Criminal de Lisboa.

Nas conclusões e), f), g) e h) o recorrente veio alegar que a citada pena de prisão suspensa na execução não podia ter concorrido na determinação da pena única, requerendo que no apuramento desta concorram apenas as penas aplicadas nos outros dois processos.

Adianta mesmo que a referida pena estará extinta, conforme documento n.º 1, que junta.  

O acórdão recorrido não justificou minimamente a opção – incorrecta – de englobar no cúmulo jurídico efectuado a pena parcelar aplicada ao arguido no âmbito do processo referido, sem indagar se essa pena se mantinha, se fora prorrogado o período de suspensão, ou se a suspensão fora revogada, ou se fora julgada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, por decisão transitada em julgado, caso em que o “cumprimento” da pena de substituição não passa, obviamente, por privação de liberdade.

Mas mais do que isso, nem justificada foi a própria inserção de tal pena no cúmulo, como se vê do acórdão cumulatório, que a fls. 861/2, após transcrever o disposto no artigo 77.º, n.ºs 1, 2 e 3 e artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, consigna apenas o seguinte:

«Destes normativos extrai-se que é pressuposto do cúmulo jurídico de penas a existência de uma relação de concurso de infracções, ou seja, que o arguido tenha cometido várias infracções antes do trânsito em julgado por qualquer uma delas, não importando a natureza da pena aplicada.

Resulta das mencionadas decisões que os arguidos cometeram os crimes nelas referidos antes de transitar em julgado a decisão por qualquer deles. É assim evidente que esses crimes se acham numa relação de concurso real, devendo-se-lhes impor uma pena única».

Verifica-se, pois, que houve uma deficiente instrução do processo para a determinação da pena conjunta.
                 Para a determinação da pena única, unitária, conjunta, conforme o preferencial enquadramento doutrinário/jurisprudencial, é essencial a indicação de dados imprescindíveis, cuja existencial conformação deverá estar presente, preferencialmente, desde logo no momento em que se decide avançar para a realização do cúmulo, ou logo que se mostre possível, mas sempre antes da deliberação de cúmulo, congregando os elementos indispensáveis, constantes de certidões completas, onde se certifiquem, com rigor, os elementos essenciais à realização do cúmulo jurídico, que permitam proceder-se, com segurança, à indicação dos processos, incluindo a espécie, e o tribunal e comarca, onde tiveram lugar as várias/sucessivas condenações, à enumeração e qualificação dos crimes cometidos, datas de comissão dos mesmos, datas das decisões condenatórias, datas do trânsito em julgado dessas decisões, a indicação das penas cominadas, suas espécies, incluindo a pena de prisão suspensa na execução e estado actual da execução da pena de substituição (ainda subsistente, prorrogada ou não e ora de revogar ou não, ou já revogada ou extinta?), ou penas de multa, já pagas, voluntariamente, ou em sede executiva, ou convertidas, ou não, em prisão subsidiária, e neste caso, cumpridas ou não, com vista a salvaguardar a sempre possível liquidação da pena pecuniária, ou a efectivar o desconto no caso de prisão já cumprida, e penas acessórias, se for o caso, bem como dados relativos a eventuais causas extintivas de penas aplicadas, e actualmente, por força da inovação do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, referências a penas de prisão já cumpridas e respectivo tempo de cumprimento, e mesmo a penas extintas ou prescritas, para as excluir, para além de outros elementos que, em cada caso concreto, se mostrem imprescindíveis ou necessários, ou relativamente aos quais se colha como relevante/aconselhável/pertinente/conveniente/oportuna a sua inclusão/consideração/ ponderação, como, por exemplo, a existência de recursos e seus resultados, e no caso de pluralidade de arguidos, a eventualidade de ocorrência de caso julgado condicional.

            Estes serão os “requisitos primarios” a ter em consideração para a feitura de uma decisão cumulatória, preliminares presentes para uma correcta decisão.
            Para além destes “requisitos primarios”, impõe-se a inserção na fundamentação de facto de outros elementos, igualmente factuais, resultantes da análise da história de vida delitual presente no caso, que concita a particular atenção do julgador, determinando inclusive, a realização de uma audiência adrede marcada para o efeito, com observância do contraditório, e que tem por objectivo a aplicação de uma pena final, de uma sanção de síntese, que corresponda ao sancionar de um conjunto de factos cometidos num determinado trecho de vida, interligados por um elo de contemporaneidade, de que o tribunal tem conhecimento apenas mais tarde.      

Como é sabido, não é líquida a questão da formação de uma pena única em caso de conhecimento superveniente do concurso de infracções, quando, entre outros, estão em concurso, crimes pelos quais tenham sido aplicadas penas de prisão suspensas na sua execução, colocando-se o problema de saber se a integração pressupõe ou não a anterior revogação de tais penas aplicadas por decisões condenatórias transitadas em julgado. 

No que toca à questão da integração da pena de prisão suspensa na execução em cúmulo por conhecimento superveniente, seguir-se-á o que o ora relator incluiu nos acórdãos de 3 de Outubro de 2007, no processo n.º 2576/07, publicado in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 25-09-2008, no processo n.º 2891/08; de 26-11-2008, no processo n.º 3175/08; de 23-11-2010, no processo n.º 93/10.2TCPRT; de 16-12-2010, no processo n.º 11/02.1PECTB.C2.S1; de 02-02-2011, no processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, de 23-02-2011, no processo n.º 1145/01.5PBGMR.S2.

            Para uma corrente, defende-se que não é possível a anulação desta pena com o fim de a incluir no cúmulo a efectuar, face à nova redacção do n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal, atendendo a que a pena suspensa é uma pena de substituição, autónoma face à pena de prisão substituída, uma verdadeira pena e não uma forma de execução de uma pena de prisão, antes tendo a sua execução regulamentação autónoma - cfr. sustentado parecer formulado pelo Ministério Público neste Supremo Tribunal, no processo decidido em 6-10-2005 e no qual veio a ser elaborado o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 3/2006, infra referido, podendo ver-se neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-06-2004, processo n.º 1391/04-3.ª, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 217 (no caso de concurso de crimes, a aplicação de uma pena única supõe que estejam em causa penas da mesma natureza; daí que como tal não pode ser considerada a pena suspensa, pois constitui uma pena de substituição, de diferente natureza e com regras distintas de execução da pena de prisão); de 06-10-2004, processo n.º 2012/04; de 20-04-2005, processo n.º 4742/04; da Relação do Porto, de 12-02-1986, in CJ 1986, tomo 1, pág. 204; e na doutrina, Nuno Brandão, em comentário ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-07-2003, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2005, n.º 1, págs. 117 a 153.

A posição predominante é, porém, no sentido da inclusão da pena de prisão suspensa na execução, defendendo-se que a “substituição” deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado forma-se quanto à medida da pena e não quanto à sua execução.  

De acordo com esta posição a suspensão da execução da pena de prisão não constitui óbice à integração dessa pena em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação transitada pela prática de qualquer deles.

Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Parte Geral II - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §§ 409, 419 e 430, a págs. 285, 290 e 295, defende que quando uma pena parcelar de prisão tenha sido suspensa na  sua execução, «torna-se evidente que para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada e  que porventura tenha sido  substituída» e que «de todo o modo, determinada a pena conjunta, e sendo de prisão, então sim,  o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político - criminalmente ser substituída por pena não detentiva» e que não pode recusar-se, em caso de  conhecimento superveniente do concurso,«a valoração pelo tribunal da situação de concurso de crimes, a fim de determinar se a aplicação de uma pena de substituição ainda se justifica do ponto de  vista das exigências  de prevenção, nomeadamente da prevenção especial».

Paulo Dá Mesquita em O Concurso de Penas, Coimbra Editora, 1997, págs. 95/98, concorda com a orientação dominante na jurisprudência dos tribunais superiores em atenção à natureza das penas cuja execução foi suspensa, defendendo não existir obstáculo ao cúmulo de uma pena de prisão, cuja suspensão foi suspensa, com uma outra qualquer pena de prisão.

Neste sentido, igualmente se pronunciou Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, 2010, UCE, pág. 287, dizendo não se colocar qualquer questão de violação do “caso julgado” em relação à pena de prisão com execução suspensa que venha a ser incluída no cúmulo jurídico, mas cuja pena conjunta não seja, por sua vez, suspensa na sua execução.

E conclui “Ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena conjunta a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações”. 

No mesmo sentido se pronuncia André Lamas Leite, in “A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal”, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem - 5, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Separata de ARS IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume II, Coimbra Editora, 2009, págs. 608 a 610, referindo que o caso julgado em tais circunstâncias não se encontra recoberto por um carácter de  absoluta intangibilidade, mas sim por uma cláusula rebus sic stantibus.

Na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, a orientação dominante é no sentido da integração da pena suspensa no cúmulo, como se pode ver dos acórdãos de 26-02-1986, BMJ n.º 354, pág. 345; de 02-07-1986, BMJ n.º 359, pág. 339; de 02-10-1986, BMJ n.º 360, pág. 340; de 19-11-1986, BMJ n.º 361, pág. 278; de 07-02-1990, in CJ1990, tomo 1, pág. 30 e BMJ n.º 394, pág. 237; de 13-02-1991, BMJ n.º 404, pág. 178; de 03-07-1991, in CJ1991, tomo 4, pág. 7; de 23-09-1992, BMJ n.º 419, pág. 439; de 07-01-1993, in CJSTJ1993, tomo 1, pág. 162; de 24-02-1993, BMJ n.º 424, pág. 410; de 17-01-1994, BMJ n.º 433, pág. 257; de 11-01-1995, in CJSTJ1995, tomo 1, pág. 176; de 24-01-1996, CJSTJ 1996, tomo 1, pág. 182 (unificando duas penas impostas em processos diferentes, suspensas na sua execução, fixando pena única suspensa na execução); de 14-11-1996, BMJ n.º 461, pág. 186; de 05-02-1997, CJSTJ1997, tomo 1, pág. 209; de 12-03-1997, in CJSTJ1997, tomo 1, pág. 245 e BMJ n.º 465, pág. 319; de 07-05-1997, BMJ n.º 467, pág. 256; de 04-06-1997, BMJ n.º 468, pág. 79; de 11-06-1997, processo n.º 65/97; de 04-06-1998, processo n.º 333/98-3.ª; de 17-03-1999, BMJ n.º 485, pág. 121; de 24-03-1999, in CJSTJ1999, tomo 1, pág. 255; de 07-12-1999, BMJ n.º 492, pág. 183; de 13-02-2003, processo n.º 4097/02-5.ª; de 03-07-2003, processo n.º 2153/03-5.ª, in RPCC citada; 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo3, pág. 222; de 04-03-2004, processo n.º 3293/03-5.ª; de 22-04-2004, in CJSTJ2004, tomo 2, pág. 172; de 02-12-2004, processo n.º 4106/04-5.ª; de 21-04-2005, processo n.º 1303/05; de 27-04-2005, processo n.º 897/05; de 05-05-2005, processo n.º 661/05; de 20-10-2005, processo n.º 2033/05 – 5.ª; de 08-06-2006, processo n.º 1558/06 – 5.ª; de 21-06-2006, processo n.º 1914/06 – 3.ª; de 28-06-2006, processos n.º 774/06-3.ª (com um voto de vencido) e n.º 1610/06-3.ª (igualmente com um voto de vencido); de 21-09-2006, processo n.º 2927/06 – 5.ª; de 09-11-2006, processo n.º 3512/06-5.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 226, onde se ponderou “Em caso de conhecimento superveniente do concurso de crimes, a pena unitária deve englobar todas as penas de prisão parcelares a que o arguido foi condenado, incluindo aquelas cuja execução foi suspensa na sua execução, nada obstando a que, no julgamento conjunto, se conclua pela necessidade de aplicação de uma pena única de prisão”; de 29-11-2006, processo n.º 3106/06 – 3.ª; de 21-12-2006, processo 4357/06 – 5.ª; de 10-01-2007, processo n.º 4082/06 – 3.ª; de 07-02-2007, processo n.º 4592/05 – 3.ª; de 31-01-2008, processo n.º 4081/07 – 5.ª; de 27-03-2008, processo n.º 411/08 – 5.ª, onde se refere “Como vem sendo jurisprudência firme do STJ, a pena suspensa pode ser englobada num concurso de infracções com outras penas, suspensas ou efectivas, decidindo o tribunal do cúmulo, após apreciação em conjunto dos factos e da personalidade do agente, se a pena conjunta deve ou não ser suspensa. Pois só faz sentido colocar a questão da suspensão em relação à pena conjunta. Por isso, não será pelo facto de terem sido suspensas originariamente e de ainda não terem sido revogadas tais suspensões que essas penas serão excluídas do cúmulo”; de 29-05-2008, processo n.º 4462/07 – 5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 2247/05 – 3.ª; de 04-09-2008, processo n.º 2391/08 – 5.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2818/08 – 5.ª; de 14 -05- 2009, processo n.º 6/03.8TPLSB.S1, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 232; de 18-06-2009, processo n.º 482/09-5.ª; e no acórdão de 07-07-2009, proferido no processo n.º 254/03.0JACBR.S1 - 3.ª,  com  relator vencido quanto a esta específica questão, “por continuar a entender que penas de prisão suspensas na sua execução não podem integrar a formação de cúmulo jurídico sem que a suspensão da sua execução tenha sido revogada, de acordo com o procedimento previsto nos arts. 56.º do CP e 495.º do CPP”, afirma-se que “a corrente largamente maioritária no Supremo Tribunal de Justiça é a de que o cúmulo jurídico deve incluir todas as penas de prisão, independentemente de terem sido, ou não, declaradas suspensas”; de 27-05-2010, processo n.º 601/05.0SLPRT.P1.S1-5.ª.

Nas Relações, podem ver-se na de Lisboa, os acórdãos de 24-06-1987, Colectânea de Jurisprudência, 1987, tomo 3, pág. 140; de 05-11-1997, BMJ n.º 471, pág. 447; do Porto, de 15-03-1988, in CJ 1988, tomo 2, pág. 237; de Coimbra, de 23-11-1994, in CJ 1994, tomo 5, pág. 62; de Évora, de 12-12-1985, in CJ 1985, tomo 5, pág. 241.

Ainda do Supremo Tribunal de Justiça o acórdão de 6 de Outubro de 2005, processo n.º 2107/05-5.ª, sobre o qual incidiu a apreciação do Tribunal Constitucional, que no Acórdão n.º 3/2006, de 03-01-2006, processo n.º 904/05-2.ª secção, publicado in DR - II Série, de 07-02-2006 (e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 64.º volume, págs. 147 e ss.), decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, interpretados no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constantes de anteriores condenações.

Esclarece que se trata da “solução que, na perspectiva do legislador corresponde ao critério da culpa e às preocupações de prevenção em que se funda o sistema punitivo, cuja lógica obedece a dois vectores:

1- No caso de conhecimento superveniente do concurso, tudo se deve passar como se passaria se o conhecimento tivesse sido contemporâneo;

2- Mas a decisão sobre a suspensão da pena deve atender à situação do condenado no momento da última decisão e sempre reportada à pena única.

E a respeito do caso julgado, salienta-se que na lógica do sistema, tanto não viola o caso julgado a não manutenção, na pena única, de suspensão de penas parcelares, como a suspensão total da pena única, mesmo que nela confluam penas parcelares de prisão efectiva”.

Na concretização desta última proposição pode ver-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 10-10-2001, processo n.º 1806/01-3.ª, in CJSTJ 2001, tomo 3, pág. 189, onde se decidiu: “Apesar de ter transitado em julgado o despacho que revogou a suspensão da execução de uma pena, é admissível suspender-se a execução da pena única resultante da reformulação de cúmulo jurídico em que aquela se integra”.

Questão diversa é a de saber se deve ou não integrar o cúmulo jurídico a pena de prisão suspensa na sua execução, mas já declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal. 

             Actualmente, após a reforma de Setembro de 2007, face à nova redacção do n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal, importa indagar, aquando da realização de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, do estado actual da situação do condenado, maxime, se a pena de substituição ainda subsiste, qua tale, ou se foi revogada, ou se foi prorrogado o prazo de suspensão, ou se foi já declarada extinta, ao abrigo do disposto no artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal.

                Nos termos daquele artigo 78.º e de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, será de desconsiderar, na feitura do cúmulo, tal pena no caso de ter sido declarada extinta nos citados termos.

Já no acórdão de 19-03-1999, in BMJ n.º 485, pág. 121, se considerava que na operação do cúmulo jurídico não deve ser considerada a pena declarada extinta pelo decurso do prazo de suspensão, verificando-se a insuficiência da matéria de facto para a decisão, se esta não contiver elementos sobre a existência do decurso desse prazo.

 Como referimos já no acórdão de 17-12-2009, no processo n.º 328/06.6GTLRA.S1, por nós relatado, «não é de operar a inclusão da pena suspensa declarada extinta, por tal “cumprimento” não corresponder a cumprimento de pena de prisão, por não estar em causa privação de liberdade e o desconto só operar em relação a medidas ou penas privativas de liberdade.

          A defender-se a integração de tal pena estar-se-ia a aumentar o limite máximo da moldura aplicável, pois integraria o somatório das penas parcelares concretamente aplicadas, como no caso presente, alcançando 14 anos e 6 meses de prisão, em vez de 13 anos, ou mesmo noutras hipóteses, elevaria o limite mínimo nos casos em que tal pena correspondesse à mais elevada das parcelares em presença, nos termos do artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, sem que daí adviesse qualquer vantagem para o condenado por nada haver para descontar, o que redundaria num retrocesso relativamente ao regime anterior».

          E como referimos no acórdão de 20 de Janeiro de 2010, no processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, publicado na CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191, por nós relatado «A mostrar-se extinta a pena será de colocar a questão de saber se a mesma integra ou não o cúmulo, atenta a nova redacção do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal.

No que respeita a este processo, a pena aplicada foi declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, no termo final do período da suspensão da execução da pena.

Face a tal extinção é de colocar a questão de saber se o cumprimento de uma pena de substituição como é a prisão suspensa na sua execução, que pode corresponder ao mero decurso do tempo, sem o arguido praticar outro ilícito criminal, deverá ser descontada, sendo a resposta negativa.

Sendo uma pena extinta não pode integrar o cúmulo».

Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 10-09-2008, processo n.º 2500/08-3.ª, a Lei n.º 59/2007, de 04-09, apenas alterou o regime do concurso superveniente de infracções no caso de uma pena que se encontre numa relação de concurso se mostrar devidamente cumprida, sendo tal pena doravante descontada no cumprimento da aplicável ao concurso de crimes nos termos da nova redacção do artigo 78.º, n.º 1, do CP.

E segundo o acórdão de 08-10-2008, processo n.º 2490/08-3.ª, a modificação legislativa operada no artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, em 2007, foi no sentido de incluir no cúmulo jurídico as penas já cumpridas, descontando-se na pena única o respectivo cumprimento, mas não as penas prescritas ou extintas.

Estas últimas não entram no concurso, pois de outra forma, interviriam como um injusto factor de dilatação da pena única, sem justificação material, já que essas penas, pelo decurso do tempo, foram “apagadas”.

E acrescenta o mesmo acórdão: “Aquando do conhecimento superveniente do concurso de penas, impende sobre o tribunal averiguar se elas estão ou não prescritas ou extintas. Tendo a decisão recorrida incluído na pena conjunta penas de prisão suspensas na sua execução, sem que previamente averiguasse se as mesmas foram declaradas extintas – caso em que não poderiam ter sido englobadas no cúmulo jurídico – ou se foi revogada a suspensão, cujos prazos já decorreram, omitiu pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, o que determina a sua nulidade”.

No acórdão de 07-07-2009, processo n.º 254/03.0JACBR.S1-3.ª, com voto de vencido do relator, quanto à questão da integração na formação de cúmulo jurídico de penas de prisão suspensas na sua execução, defende-se que “o tribunal que, ao englobar em cúmulo jurídico uma pena suspensa, sem averiguar se a mesma está extinta ou foi revogada deixa de se pronunciar sobre questão que era obrigado a conhecer, o que integra nulidade por omissão de pronúncia, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 2.º, n.º 4, do CP, e 379.º, n.º 1, al. c) do CPP”. 

De acordo com o acórdão de 15-04-2010, processo n.º 852/03.2PASNT.L1.S1-3.ª, devem ser excluídas da pena conjunta as penas prescritas ou extintas que entraram no concurso, justificando que “se elas entrassem no cúmulo, interviriam como factor de dilatação da pena única, sem qualquer compensação para o condenado, por não haver qualquer desconto a realizar”.  

Ainda no sentido de afastamento de desconto na pena única, de pena extinta nos termos do artigo 57.º do Código Penal, pronunciou-se o acórdão de 29-04-2010, processo n.º 16/06.3GANZR.C1.S1-5.ª, considerando que “não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas serem descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final”.

E adianta que o tribunal recorrido ao englobar no cúmulo as penas parcelares de alguns processos, todas elas suspensas na sua execução e com o prazo de suspensão esgotado, sem apurar previamente qual a decisão sobre a respectiva execução, prorrogação ou extinção, incorre numa nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.

No acórdão de 12-11-2009, processo n.º 309/04.4PDVNG.S1-3.ª, ponderara-se igualmente a existência de nulidade por o cúmulo ter englobado pena suspensa na sua execução e nenhuma consideração ter merecido no cúmulo efectuado essa peculiar vicissitude, em termos da sua revogação.

Ainda no sentido de que não são de englobar, mas antes de desconsiderar na elaboração do cúmulo, as penas suspensas posteriormente declaradas extintas nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, podem ver-se os acórdãos por nós relatados, de 23-11-2010, no processo n.º 93/10.2TCPRT; de 16-12-2010, processo n.º 11/02.1PECTB.C2.S1; de 02-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1 e de 23-02-2011, processo n.º 1145/01.5PBGMR.S2.

Como refere André Lamas Leite, loc cit., pág. 610, citando acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-02-2001, da 5.ª Secção, se a pena suspensa inicialmente aplicada for declarada extinta pelo cumprimento (artigo 57.º, n.º 1), não será tida em conta para efeitos de reincidência.

Daqui decorre que a pena de substituição extinta por tal modo deve ser colocada no mesmo plano de desconsideração, quer se esteja face a cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, ou fora desse quadro, para efeitos de não consideração da agravativa de reincidência.  

Volvendo ao caso concreto.

A pena de 18 meses de prisão suspensa na execução aplicada ao arguido AA no processo n.º 8208/05.6TDLSB será de desconsiderar, por não poder integrar o cúmulo ora em causa.

De acordo com o documento n.º 1, ora junto pelo recorrente, conforme fls. 932/3, por despacho de 21-12-2010, foi declarada a extinção da pena em causa ao abrigo do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal.

Tal decisão, recente, não transitada ainda aquando da prolação do acórdão cumulatório, ora recorrido, e portanto desconhecida do tribunal a quo, só poderá ter efeitos a partir da sua confirmação, em termos oficiais, uma vez que se trata de mera cópia.  

 Certo que a decisão recorrida limitou-se a efectuar o cúmulo jurídico, incluindo esta pena de prisão suspensa na execução, nada dizendo sobre a necessidade ou não de prévia revogação da mesma, e nada indagando a respeito da situação actual, ou seja, no fundo, omitindo expressão da razão ou justificação da inclusão de tal pena no cúmulo.

Conclui-se, assim, que o acórdão recorrido padece de nulidade neste segmento, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, do Código de Processo Penal, face à apontada omissão de pronúncia, pois que deveria ter indagado do que se passava no processo, devendo agora ser junta certidão do despacho de extinção, com indicação da data do trânsito, e em consonância, retirar as devidas consequências.

Tendo-se por verificada a extinção da pena de prisão suspensa em causa, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, o que conduz à sua desconsideração, far-se-á nos autos novo cúmulo jurídico, integrando as subsistentes penas aplicadas neste processo e no processo n.º 658/06.7PVLSB da 3.ª Vara Criminal de Lisboa.   
            Atento o decidido, fica prejudicado o conhecimento da questão submetida a reexame (pretendida redução da medida da pena única), nos termos dos artigos 137.º e 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicáveis, ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal.

Recurso do arguido BB

Questão única – Medida da pena única

              

Nas conclusões 3.ª a 6.ª defende o recorrente que existiu por parte do Tribunal “a quo” violação, por verificação de lapso aritmético, do estabelecido no artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, referindo ter havido lapso na soma aritmética das penas a ter em consideração, e defendendo que a soma de 41 anos e 4 meses, constante do acórdão, se mostra incorrecta, estando em causa apenas a soma de 37 anos e 10 meses de prisão. Por outro lado, acrescenta, se efectuados os cálculos tendo em consideração os cúmulos já anteriormente efectuados então a soma atinge os 25 anos e 10 meses de prisão.

O recorrente parte de um equívoco ao reportar-se às penas únicas intercalares, pois que nos casos de sucessivas reformulações de cúmulo, mesmo que por conhecimento superveniente, como no caso efectivamente aconteceu, embora o facto não tenha sido relatado no acórdão recorrido (como o efectuado em acórdão de 08-07-2009, no processo n.º 87/06.2S7LSB, englobando as penas aplicadas nos processos n.ºs 658/06.7PVLSB, 476/06.2PSLSB e 803/06.2TASTR), há a necessidade de desfazer os cúmulos anteriores, reassumindo autonomia as penas parcelares fixadas.

 A soma das penas aplicadas, no cômputo dos cinco processos em que foram aplicadas ao recorrente penas de prisão, ressalvada a condenação em pena de multa, que teve lugar no processo n.º 803/06.2TASTR, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Santarém, é de 41 anos e 4 meses (21 anos, no processo n.º 658/06.7PVLSB + 7 anos, no processo n.º 476/06.2PSLSB + 3 ­­anos e 6 meses, no processo n.º 87/06.2S7LSB + 5 anos e 10 meses, no processo n.º 548/06.3PTLSB + 4 anos, no presente processo).

Fracassa, pois, a construção do recorrente, por não haver dúvida de que é mesmo assim, não logrando qualquer apoio a tese no sentido de que a soma das penas aplicadas ao recorrente é inferior, pois é, efectivamente, de 41 anos e 4 meses de prisão.

Não podem, obviamente, considerar-se os cúmulos jurídicos realizados anteriormente, como refere na conclusão 4.ª, a exemplo, aliás, do que defende igualmente o co-arguido AA nas conclusões das alíneas b) e c), incorrendo em manifesto equívoco e violação de lei.  

  Nas restantes conclusões - 7.ª a 25.ª - o recorrente pugna pela redução da pena única, referindo dever ser tida em atenção a sua personalidade, anterior vivência, situação de toxicodependência, condições pessoais e familiares, terminando por pedir fixação de pena de prisão de valor manifestamente (conclusão 24.ª) ou substancialmente (conclusão 25.ª) inferior, sem adiantar qualquer quantificação.  

                                                                      *

Resulta do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, supra citado, que “Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E nos termos do n.º 2, a penalidade, a moldura do concurso, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
O que significa que no caso presente, a moldura de punição do concurso é de 5 anos e 6 meses a 25 anos de prisão (a soma material das penas atinge, como vimos, os 41 anos e 4 meses de prisão).

A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, englobando uma série, mais ou menos extensa, com uma amplitude, de maior ou menor grau, de várias condenações, por diversas condutas, por vezes, homótropas, como acontece in casu, reveste-se de uma especificidade própria.

Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude, embora com o limite máximo de 25 anos, da atribuída a cada um dos crimes, ou mesmo do conjunto de crimes em concurso efectivo, julgados no mesmo processo.

Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, uma pena final, de síntese, correspondente a uma resposta/definição a/de um novo ilícito (agora global), e a uma nova culpa (agora outra culpa, ponderada pelos factos conjuntos, em relação), uma necessária outra específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.

     Constitui posição sedimentada e segura neste Supremo Tribunal de Justiça a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
          Como estabelece o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, decorrendo, por seu turno, do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e do disposto no artigo 375.º, n.º 1, do mesmo Código, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
          Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277, salientava que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”.
            A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal.
            Como acentua Figueiredo Dias em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”.
            Como referimos, i. a., nos acórdãos de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª, de 10-11-2010, no processo n.º 23/08.1GAPTM.S1 e de 02-02-2011, no processo n.º 994/10.8TBLGS.S1-3.ª “Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos.
        Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor ou inclinação para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais”.

     No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.
        Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º-1 (actual 71.º-1), um critério especial: o do artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

       E no § 421, págs. 291/2, acentua o mesmo Autor que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

        Acrescenta ainda: “ De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
          A inobservância da especial fundamentação determinará, de acordo com a jurisprudência maioritária, a nulidade da decisão cumulatória, nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea a) e/ou c), e n.º 2, do CPP.

            Na consideração dos factos (rectius, do conjunto dos vários factos que integram os diversos crimes em efectivo concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto dos crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, total, globalizado, apenas a final considerado, que deve ter em conta a existência, ou não, de ligações, conexões, ou pontos de contacto, entre as diversas actuações, e, na afirmativa, o tipo de ligação, conexão, ou contacto, que se verifique entre os factos em concurso, quer pela proximidade temporal, independentemente de o serem em série, ou não, ou mesmo em panorama temporal descompassado, se ainda é possível estabelecer alguma corrente de continuidade, interrompida embora, quer na identidade ou proximidade de bens jurídicos violados, quer no objectivo pretendido, no caso, a satisfação de necessidades de consumos de estupefacientes - cfr., i. a., acórdãos do STJ, de 17-03-2004,  03P4431; de 20-01-2005, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 08-06-2006, processo n.º 1613/06 – 5.ª; de 07-12-2006, processo n.º 3191/06 – 5.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª; de 18-04-2007, processo n.º 1032/07 – 3.ª; de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 09-01-2008, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181; de 06-02-2008, processos n.º s 129/08-3.ª e 3991/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 – 5.ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 – 5.ª; de 02-04-2008, processos n.º s 302/08-3.ª e 427/08-3.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 – 5.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 – 3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 – 5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 – 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2891/08-3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/07-3.ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08-3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09 - 3.ª; de 14-05-2009, processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAVFR.C1.S1-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 577/06.7PCMTS.S1-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 274/07-3.ª, CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251 (a decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); de 21-10-2009, processo n.º 360/08.5GEPTM.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo n.º 296/08.0SYLSB.S1-3.ª; de 18-11-2009, processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 490/07.0TAVVD-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª (citado no acórdão de 23-06-2010, processo n.º 862/04.2PBMAI.S1-5.ª), ali se referindo: “Na determinação da pena única do concurso, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva a avaliação e conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”; de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.L1.S1-5.ª; de 10-03-2010, processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1-3.ª; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 28-04-2010, no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª; de 05-05-2010, no processo n.º 386/06.3SLSB.S1-3.ª; de 12-05-2010, no processo n.º 4/05.7TDACDV.S1-5.ª; de 19-05-2010, processo n.º 1033/03.0GAVNF.P1.S1, da 5.ª Secção, publicado in CJSTJ 2010, tomo 2, pág. 191; de 27-05-2010, no processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª; de 23-06-2010, no processo n.º 666/06.8TABGC-K.S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 400/08.8SZLB.L1-3.ª; de 03-11-2010, no processo n.º 60/09.9JAAVR.C1.S1-3.ª; de 16-12-2010, processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª; de 19-01-2011, processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª; de 02-02-2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1-3.ª.
             

Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.

A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.
           Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.
           

Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 1-10-1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - o que significa que o específico dever de fundamentação de aplicação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, passando pelo efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.
           Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05. 8SOLSB-A.S1-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1- 5.ª, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e apara além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica  em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade  relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 21-04-2010, no processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1-3.ª; e do mesmo relator, de 28-04-2010, no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1-3.ª.
           Com interesse, veja-se o acórdão de 28-04-2010, proferido no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª, relativamente a onze crimes de roubo simples a agências bancárias.
            Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 191, a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, nesta operação o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, sem repercussão no futuro – cfr. na esteira da posição de Figueiredo Dias, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-1998, CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 246; de 24-02-1999, processo n.º 23/99-3.ª; de 12-05-1999, processo n.º 406/99-3.ª; de 27-10-2004, processo n.º 1409/04-3.ª; de 20-01-2005, processo n.º 4322/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo I, pág. 178; de 17-03-2005, no processo n.º 754/05-5.ª; de 16-11-2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 210; de 12-01-2006, no processo n.º 3202/05-5.ª; de 08-02-2006, no processo n.º 3794/05-3.ª; de 15-02-2006, no processo n.º 116/06-3.ª; de 22-02-2006, no processo n.º 112/06-3.ª; de 22-03-2006, no processo n.º 364/06-3.ª; de 04-10-2006, no processo n.º 2157/06-3.ª; de 21-11-2006, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228; de 24-01-2007, no processo n.º 3508/06-3.ª; de 25-01-2007, nos processos n.ºs 4338/06-5.ª e 4807/06-5.ª; de 28-02-2007, no processo n.º 3382/06-3.ª; de 01-03-2007, no processo n.º 11/07-5.ª; de 07-03-2007, no processo n.º 1928/07-3.ª; de 14-03-2007, no processo n.º 343/07-3.ª; de 28-03-2007, no processo n.º 333/07-3.ª; de 09-05-2007, nos processos n.ºs 1121/07-3.ª e 899/07-3.ª; de 24-05-2007, no processo n.º 1897/07-5.ª; de 29-05-2007, no processo n.º 1582/07-3.ª; de 12-09-2007, no processo n.º 2583/07-3.ª; de 03-10-2007, no processo nº 2576/07-3.ª; de 24-10-2007, no processo nº 3238/07-3.ª; de 31-10-2007, no processo n.º 3280/07-3.ª; de 09-04-2008, no processo n.º 686/08-3.ª (o acórdão ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo); de 25-06-2008, no processo n.º 1774/08-3.ª; de 02-04-2009, processo n.º 581/09-3.ª, relatado pelo ora relator, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 187; de 21-05-2009, processo n.º 2218/05.0GBABF.S1-3.ª; de 29-10-2009, no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224 (227); de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.S1-5.ª; de 10-11-2010, no processo n.º 23/08.1GAPTM-3.ª.
            Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, proferido no processo n.º 4733/07 e de 8-10-2008, no processo n.º 2858/08, ambos desta 3.ª Secção, na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.

           

                Como referimos nos acórdãos de 23-11-2010, processo n.º 93/10.2TCPRT.S1 e de 24-03-2011, processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1 “A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza, e sobretudo, a proporcionalidade, entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação conjunta daqueles dois factores.   
            Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena.  

Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes, em espaço temporal curto”.
           
            Como se refere no acórdão de 10-09-2009, processo n.º 26/05.8.SOLSB-A.S1, 5.ª Secção, “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.  
            Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta. (Asserção repetida no acórdão do mesmo relator, de 23-09-09, no processo n.º 210/05.4GEPNF.S2 -5.ª).          
             A preocupação de proporcionalidade a que importa atender resulta do limite intransponível absoluto dos 25 anos de prisão estabelecido no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.
            Como se extrai dos acórdãos de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª e de 16-12-2010, no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª, a pena única deve reflectir a razão de proporcionalidade entre as penas parcelares e a dimensão global do ilícito, na ponderação e valoração comparativas com outras situações objecto de apreciação, em que a dimensão global do ilícito se apresenta mais intensa.

E no citado acórdão de 19-05-2010, processo n.º 1033/03.0GAVNF CJSTJ 2010, tomo 2, pág.191, verificando-se um maior número de condenações em cúmulo jurídico, existe um maior factor de compressão das penas parcelares, justificando-se que, em vez de se adicionar, como é prática corrente, 1/3 destas à pena mais elevada (mínimo legal), se acrescente antes 1/5 ou, mesmo, 1/6 de cada uma dessas penas parcelares.

           Retomando o caso concreto.

O Colectivo da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, a fls. 862, na fixação da pena conjunta, ponderou o seguinte:

«Considerando o conjunto dos factos e a personalidade dos arguidos, sopesando inclusivamente a proximidade temporal dos factos por que ambos foram punidos, a violência das respectivas condutas (bem patente nos factos provados e acima descritos), que o anterior passado criminal, vasto e muito vasto, e que a moldura da pena única relativamente ao arguido AA varia entre 4 anos e 6 meses e 25 anos (o cômputo material de todas as penas cumuladas é de 32 anos) e quanto ao arguido BB varia entre 5 anos e 6 meses de prisão e 25 anos (sendo que é de 41 anos e 4 meses a soma de todas as penas cumuladas) a que acresce a pena de multa de 40 dias à taxa diária de € 3,00, o que perfaz o total de € 120,00, entendemos justo e equilibrado condenar os arguidos nas seguintes penas únicas:

- arguido AA – 13 anos de prisão;

- arguido BB – 15 anos de prisão e 40 dias de multa à taxa diária de € 3,00, o que perfaz € 120,00».

*

As penas conjuntas visam corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.

Mas no caso presente a questão fundamental a colocar é a seguinte: face à ilicitude global e à culpa patenteada no ilícito, considerado na sua plenitude, justificar-se-á a pena conjunta de 15 anos de prisão?

A resposta é claramente no sentido negativo, sob pena de se negarem regras básicas de proporcionalidade e de proibição do excesso.

Das penas em concurso, pese embora se esteja necessariamente face a decisões condenatórias transitadas em julgado, o factor de discussão a introduzir vai no sentido, não obviamente, de questionar a intangibilidade da força de caso julgado em relação a penas parcelares, ou mesmo penas únicas, intermédias, intercalares, aplicadas, no momento próprio não sindicadas, mas que se mostrem, claramente, ostensivamente, incontornavelmente, ofensivas de princípios e regras básicas de condenação nesta específica sede, que foram efectivamente postergados.

A questão que se coloca é a de saber se face à intangibilidade da pena fixada, por força do caso julgado, se poderá nesta sede, de conformação e descoberta de uma outra pena, conjunta, final, de síntese, que procura fixar uma pena correspondente ao ilícito no seu todo, de certo modo introduzir factores de compatibilização e reajustamento, que permitam de certo modo corrigir, ou pelo menos minorar os efeitos nefastos ou perniciosos, que poderão advir de uma cega obediência à “res judicata”. 

Nesta abordagem de apreciação, e concretizando, poderemos dizer que duas condenações anteriores há, que revestem alguma especificidade, devendo ser tidas em conta, por força exactamente da sua desviante especificidade, na focagem da dimensão do ilícito global.

Expliquemo-nos.

No processo n.º 87/06.2S7LSB da 7.ª Vara Criminal de Lisboa, o arguido foi condenado como autor de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210,º, n.º s 1 e 2, alínea b), com remissão para o artigo 204.º, n.º 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
         Os factos revelam que “enquanto um dos indivíduos exibia uma navalha, o outro retirou a carteira que o ofendido tinha guardado no bolso das calças, fazendo sua a quantia de € 20,00 em numerário”.

          Tendo sido apropriada a quantia de 20 €, o Colectivo de condenação não teve em conta a ressalva da parte final do alínea b) do n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal, que manda aplicar o n.º 4 do artigo 204.º, que diz que não há lugar à qualificação, se a coisa furtada for de diminuto valor, conceito definido no artigo 202.º, alínea c), do mesmo Código, estando tal valor muito longe de atingir o da unidade de conta – ao tempo do ilícito, fixada em 89,00 €! – situando-se, pois, a quantia apropriada em terrenos abaixo dos 20% daquele valor referencial.

Temos, pois, que pela apropriação da quantia de 20 euros em dinheiro, pese embora a ameaça com uma navalha, foi o arguido condenado na “absurda e exageradamente pesada” pena de 3 anos e 6 meses de prisão!            

Por outro lado, acresce que no processo n.º 548/06.3PTLSB da 7.ª Vara Criminal de Lisboa, o arguido foi condenado como autor de um crime de roubo consumado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão e pela prática de cada um de dois crimes de roubo na forma tentada, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão.

Na verdade, não estamos perante um cúmulo jurídico, uma vez que a pena fixada corresponde à soma material de todas as penas, ou seja, foi efectuado no caso, em violação de lei, um cúmulo material.

O que há a retirar destes dois casos é que na elaboração da pena conjunta se deverão ter em consideração as idiossincracias dos mesmos, que à partida, se apresentam como contribuintes de uma certa margem de ilicitude e de penas aplicadas com alguma dimensão, que deverão ser entendidas com grano salis.

O ilícito global é integrado por um crime de burla de serviços e doze crimes de roubo, sendo dois agravados e dois, sob a forma tentada.
No nosso caso é evidente a conexão e estreita ligação entre os doze crimes de roubo cometidos pelo recorrente, revelando a assunção de condutas homótropas, intrometendo-se apenas uma condenação por burla para obtenção de serviços (falta de pagamento de transporte de comboio), o que ocorre na sequência de outras oito condenações anteriores (dantes, o arguido cometera, para além de cinco crimes de roubo, um deles tentado, três furtos, e fora do quadro dominante, um crime de detenção de arma, pelo qual foi condenado em pena de multa).                             

Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, em todas as suas facetas. 

A ilicitude dos factos é elevada, pois as condutas são dirigidas contra bens de carácter pessoal e patrimonial, como ocorre com o crime de roubo.

Da caracterização específica do crime de roubo deriva que há que ter em conta, em cada caso concreto, a extensão da lesão, o grau de lesividade, das duas componentes presentes no preenchimento do tipo legal.

No que respeita às consequências do roubo, como crime de resultado que é, há que distinguir as duas vertentes que o integram.

Na vertente da colisão do vector pessoal com violação de direitos de personalidade, direito à saúde e integridade física, há que ter em atenção o modo como o elemento violência se concretizou.

Quanto ao modo de execução, o recorrente agiu mediante contacto directo com os visados, em meios de transporte, como o metro, ou em jardim, actuando geralmente acompanhado de outros dois indivíduos, com ameaças, com exibição de faca ou navalha, ou puxando os objectos das mãos dos ofendidos, sem chegar a agressão física.

O valor patrimonial da coisa móvel alheia (elemento implícito do tipo legal de crime de furto, segundo Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, §§ 26 e 56, a págs. 33 e 44), como o da coisa roubada, ou apropriada em sede de crime de roubo, não pode deixar, obviamente, de ter alguma influência na determinação da medida da pena, embora neste caso possa ser neutralizada pelo grau da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima.

Ora, o valor do bem subtraído, sendo circunstância que faz parte dos tipos de crimes de furto e de roubo (essencial ou implícito), integrando-os, entra directamente na previsão do n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, ou seja, deve ser analisada ao nível da culpa do agente e das exigências de prevenção, mas também da alínea a) do n.º 2, do mesmo preceito, no que toca ao grau de ilicitude do facto.

 Como se reconhece no acórdão de 10-02-2010, proferido no processo n.º 1353/07.5PTLSB.S1-3.ª, citando Faria e Costa “Direito Penal Especial”, págs. 71 e 72, «o valor dos bens é um elemento de qualificação de todos os crimes contra o património. Coisas sem qualquer valor venal não são merecedoras, qua tale, de protecção penal através dos crimes contra o património. Nem mesmo aquelas cujo valor não atinge o «limiar mínimo de relevância para o mundo do direito penal».

O valor da coisa roubada, embora não possa deixar de ter alguma influência na determinação da medida da pena, é circunstância cuja relevância é praticamente neutralizada pelo grau e espécie da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima, designadamente quando se destaca claramente daquele limiar mínimo».

  Como se pode ler no acórdão de 23-06-2010, proferido no processo n.º 246/09.6GBLLE.S1-3.ª “A determinação do valor da coisa objecto de crime é essencial como pressuposto necessário de integração diferencial, com reflexos fundamentais na qualificação ou não qualificação do crime e na moldura penal aplicável (…) a indeterminação dos valores, bem como a ausência de qualquer indicação sobre os bens que o recorrente pretendia retirar ao ofendido, na projecção material do in dubio, enquanto princípio relevante da prova sobre elementos de factos relevantes em processo penal, impõe que essa indeterminação tem de ser valorada a favor do recorrente”. 

Pretendendo-se com a punição do crime de roubo, para além do mais, também a tutela da propriedade, estando em causa valores patrimoniais de quantitativo variado, a intensidade da agressão ao património do visado variará de acordo com o montante das quantias e o valor objectivo dos bens de que o proprietário é desapossado, sendo diverso o grau de lesividade do bem propriedade consoante esse valor, e daí o legislador distinguir entre o valor diminuto, o elevado e o consideravelmente elevado - artigo 202.º, alíneas a), b) e c) e artigo 204.º, n.º 1, alínea a), n.º 2, alínea a) e n.º 4, distinção que releva sobretudo no crime de roubo qualificado, por força do disposto no artigo 210.º, n.º 2, alínea b), como os anteriores do Código Penal, mas que fora do quadro de qualificação do crime, de agravação da moldura penal cabível, terá reflexos na medida da pena.

Significa isto que elemento preponderante, essencial, ou noutra perspectiva, elemento implícito do tipo legal, a ter em conta, é o valor pecuniário do objecto do crime de furto, ou do crime de roubo, quanto a este, atenta a “declaração de dependência” do roubo em relação aos critérios do furto, delineada na alínea b) do n.º 2 do artigo 210.º, onde manifestamente se expressam remissões para os requisitos referidos nos n.º s 1 e 2 do artigo 204.º, bem como para o n.º 4 do mesmo artigo, ou seja, são adoptados os critérios de quantificação no sentido de qualificação e de privilegiamento, uma vez que tal remissão opera tanto para a alínea a) do n.º 1 (definição de valor elevado), como para o n.º 2 (definição de valor consideravelmente elevado) do artigo 204.º, bem como para o n.º 4 do mesmo preceito, este no sentido do privilegiamento, dizendo não haver lugar a qualificação, se a coisa for de diminuto valor. 

O artigo 202.º do Código Penal, disposição preliminar do Título II do Livro II Parte Especial do Código Penal, sob a epígrafe “Dos crimes contra o património”, contém as definições legais que importam aos crimes contra a propriedade e contra o património em geral.

No que ora importa, o preceito introduzido com a terceira alteração ao Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03, em vigor desde 1 de Outubro de 1995, e que optou por uma definição quantificada de conceitos enquanto fundamentos de qualificação ou privilégio, obviamente, considerada a vertente patrimonial, escalona as seguintes espécies de valor a ter em consideração no enquadramento de tais crimes:

a) Valor elevado – aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto.

b) Valor consideravelmente elevado – aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto.

c) Valor diminuto – aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto.

Procurando concretizar os conceitos introduzidos com a reforma de 1995, a Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, que introduziu a quarta alteração ao Código Penal, veio estabelecer que “Para efeitos do disposto nas alíneas a), b) e c) do artigo 202.º do Código Penal, o valor da unidade de conta é o estabelecido nos termos dos artigos 5.º e 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho”.
De acordo com o artigo 5.º, n.º 2, deste Decreto-Lei, que alterou o Código das Custas Judiciais então vigente, criando a “unidade de conta processual” (UC), em substituição da unidade de conta processual penal (UC) e unidade de conta de custas (UCC), deveria entender-se «por unidade de conta processual (UC) “a quantia em dinheiro equivalente a um quarto da remuneração mínima mensal mais elevada, garantida, no momento da condenação, aos trabalhadores por conta de outrem, arredondada quando necessário para o milhar de escudos mais próximo ou, se a proximidade for igual, para o milhar de escudos imediatamente inferior». (O artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 323/01, de 17/12, deu nova redacção ao preceito, operando a conversão para euros).
E de acordo com o artigo 6.º, n.º 1, do mesmo Decreto-Lei, a UC considerava-se, trienalmente, e com início em Janeiro de 1992, automaticamente actualizada nos termos previstos no artigo 5.º, a partir de 01-01-1992, devendo, para o efeito, atender-se sempre à remuneração mínima que, sem arredondamento, tivesse vigorado no dia 1 de Outubro do ano anterior.
Estes dois preceitos foram mantidos em vigor pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26-11, que aprovou o Código das Custas Judiciais, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1997.

Ora, tendo os factos em apreciação sido praticados ao longo do ano de 2006, importará averiguar qual a medida de UC vigente nesse ano.

          A unidade de conta a ter em consideração para efeitos de integração dos valores definidos no artigo 202.º do Código Penal para o ano de 2006, foi fixada em € 89,00 pelas disposições conjugadas dos artigos 5.º e 6.º, do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30-06, com as alterações do Decreto-Lei n.º 323/01, de 17-12, no âmbito do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26-11.

Sob esta perspectiva da componente patrimonial, em termos puramente objectivos, são de considerar os valores apropriados pelo arguido no conjunto das várias actuações, importando igualmente atentar na natureza dos bens apropriados, tendo em vista descortinar na densificação da ilicitude, o grau de lesividade do património atingido, a medida do prejuízo causado na apreciação final.

Ora, olhando o conjunto das actuações levadas a cabo pelo arguido, verifica-se que o arguido se apropriou de:

- Doze telemóveis, sendo três sem indicação de qualquer valor (!), e os restantes, nos valores de 230,00 €; 200,00 €; 250,00 €; 80,00 €; 139,90 €; 150,00 €; 50,00 €; 100,00 € e 100,00 €, tudo no valor total de 1.299,90 €;

- Um relógio, no valor de € 100,00;

- Dois aparelhos Ipod, sendo um no valor de 200,00 €, e outro, no de 300,00 €;

- Uns óculos de sol, sem valor atribuído;

- Em dinheiro foram apropriadas as quantias de 2 € (ao mesmo ofendido dono do telemóvel de € 230,00), 5,00 € e 20,00 €, no total de 27 euros.

          Tudo somado é alcançado o valor global dos bens e valores apropriados pelo arguido, atingindo-se a incontornável soma de 1.926,90 € (menos de quatrocentos contos, em legítima linguagem em vigor em 31-12-2001), e longe ainda, a menos de metade, pois, do conceito de valor elevado, reportado ao ano de 2006, data da prática dos factos, que então se cifrava em 4.450,00 euros.

Conclui-se assim que na vertente da lesão patrimonial, atentas a natureza e o valor dos objectos e quantias apropriados, na sua totalidade, no conjunto das actuações do arguido, o “roubo global” assumiu uma dimensão económica baixa.

Por outro lado, há que ter em consideração que a actuação delitual em apreciação desenvolveu-se ao longo de nove meses, mas de forma espaçada, interpolada, descontínua, estando o arguido três meses sem actividade.

É elevado o grau de ilicitude, estando-se perante criminalidade especialmente violenta - artigo 1.º, alínea l), do Código de Processo Penal. 

Atento o número de actuações, a questão que se colocará é a de saber se deve considerar-se o ilícito global agora julgado como resultado de uma tendência criminosa, reportando-se o caso a algo mais do que uma situação de pluriocasionalidade, anotando-se que o arguido desenvolveu a actividade criminosa num quadro relacionado com o consumo, desde os 14 anos, de heroína e cocaína, pelo que não podemos avançar sem mais para a consideração de um quadro de tendência criminosa, pois se os problemas de adição forem resolvidos, provavelmente cessarão os assaltos para obtenção de telemóveis e outros objectos de comercialização imediata para obtenção do poder aquisitivo necessário ao consumo.
            Na verdade, a facticidade provada não permite formular um juízo específico sobre a personalidade do arguido que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados e mesmo concatenada com as condenações anteriores, atenta a natureza e grau de gravidade das infracções por que respondeu, não se mostrando provada personalidade por tendência, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do agente.
Ademais no Estabelecimento Prisional, o arguido, que antes de preso vivia com os pais e trabalhou como ajudante de cozinheiro, tem dado sinais positivos no sentido da sua recuperação e reintegração social, estando integrado em programa terapêutico desde 19-10-2009, participando nas actividades e tarefas inerentes ao projecto e também integrado no Projecto Educativo existente, frequentando o curso EFA B3.
Em suma: A pena unitária tem de responder à valoração, no seu conjunto e inter conexão, dos factos e personalidade do arguido, afigurando-se-nos algo excessiva a pena aplicada, pelo que há que alterá-la, mostrando-se, pois, necessária intervenção correctiva deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de fazer incidir um maior factor de compressão.

Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do arguido, tendo em conta a moldura do concurso que vai de 5 anos e 6 meses de prisão a 25 anos de prisão, atendendo ao conjunto dos factos, a conexão entre eles, com similitude do modo de execução de conduta, descontinuidade temporal da actuação, natureza dos bens e montantes dos valores apropriados, consequências da conduta a nível da violação dos direitos de personalidade dos visados, é de concluir por um mediano grau de demérito da conduta do recorrente, entendendo-se ser de fixar a pena conjunta em dez anos de prisão.

Decisão

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em:

A) No que respeita ao recurso do arguido AA, anular a decisão recorrida, de modo a que seja proferida nova decisão, nos termos supra definidos;   

B) No que toca ao recurso do arguido BB, julgar parcialmente procedente o recurso interposto, alterando/reduzindo a pena conjunta, que se fixa em dez anos de prisão.

Sem custas.

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 11 de Maio de 2011

Raul Borges (Relator)

Henriques Gaspar