Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2501/09.6TTLSB.L2.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 01/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES / PRESTAÇÃO DO TRABALHO.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / CONTRATOS EM ESPECIAL.
Doutrina:
- BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 233.
- MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 145.
- OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspetiva Luso-Brasileira, 10.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1997, p. 489.
- PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 315.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 12.º, N.ºS 1 E 2, 342.º, N.º 1, 344.º, N.º1, 350.º, N.ºS1 E 2, 483.º, N.º 1, 496.º, N.ºS 1 E 3, 1152.º, 1154.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003: - ARTIGOS 10.º, 12.º, 121.º, N.OS 1, ALÍNEA D), E 2, 150.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 58.º E 59.º.
LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO: - ARTIGO 7.º, N.º1.
LEI N.º 9/2006, DE 20 DE MARÇO: - ARTIGO 8.º.
Sumário :
1.  Estando em causa a qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes, desde 5 de março de 2007 até 5 de março de 2009, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 17 de fevereiro de 2009, os termos daquela relação, aplica-se o regime jurídico acolhido no Código do Trabalho de 2003, não tendo aplicação a presunção estipulada no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009.

2.  A circunstância da atividade da autora ser prestada em local determinado pela ré e com equipamento a esta pertencente aliada à participação da autora na orientação e fiscalização da laboração realizada, à existência de controlo externo do modo de prestação da atividade, que era realizada sob as ordens, direção e fiscalização da ré, à determinação pela ré das horas de início e de termo da prestação de atividade e ao tipo de remuneração acordada, revelam a existência de subordinação jurídica, impondo-se concluir que a relação jurídica estruturada pelas partes como contrato de prestação de serviço assumiu a configuração de um contrato de trabalho.

3.  Tendo a ré despedido ilicitamente a autora, e esta sofrido danos não patrimoniais graves, em virtude do despedimento realizado, justifica-se que lhe seja atribuída uma compensação por danos não patrimoniais, sendo de reputar como equilibrada a quantia de € 10.000 conferida, a esse título, no acórdão recorrido.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 2501/09.6TTLSB.L2.S1 (Revista) – 4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

             1. Em 29 de junho de 2009, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 3.º Juízo, 2.ª Secção, AA instaurou ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB, S. A., pedindo que: a) fosse reconhecido e qualificado como de trabalho o contrato firmado com a ré, em 5 de março de 2007; b) fosse considerado que a declaração da ré, inserta na carta junta, como doc. 3, à petição inicial, constitui um despedimento; c) fosse reconhecido e declarado que o despedimento foi devido a motivos discriminatórios e particularmente reprováveis, designadamente políticos, de não respeitabilidade por comprometimentos assumidos, baseado em factos falsos e por violação dos mais elementares princípios de proteção de trabalhadora puérpera, e não procedido de procedimento disciplinar; d) fosse declarada a ilicitude do referido despedimento; e) a ré fosse condenada a reintegrá-la no seu posto de trabalho ou, em alternativa, a pagar-lhe a indemnização, a fixar no valor máximo, prevista no n.º 1 do artigo 391.º do Código do Trabalho, opção a exercer até ao termo da audiência de julgamento; f) a retribuição mensal líquida fosse fixada em € 570,78; g) a ré fosse condenada a pagar-lhe todas as retribuições que deixou de auferir desde os trinta dias anteriores à propositura da ação judicial até ao trânsito em julgado da decisão; h) a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 15.411,06, a título de indemnização pelo não cumprimento da obrigação contributiva a que estava adstrita, relativamente aos beneficiários abrangidos pelo Regime Geral de Segurança Social dos trabalhadores por conta de outrem; i) a ré fosse condenada a pagar-lhe, a título de subsídio de férias, férias não gozadas e subsídio de Natal, relativos aos anos de 2007 e 2008, a quantia global de € 2.732,52; j) a ré fosse condenada a pagar-lhe, a título de subsídio de férias e férias vencidas em 1 de janeiro de 2009, o valor global de € 1.141,54; k) a ré fosse condenada a pagar-lhe € 50.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais; l) a ré fosse condenada a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre as quantias indicadas nos artigos 149.º e 150.º da petição inicial, desde as sucessivas datas de vencimento de cada subsídio de férias e de Natal, e até integral pagamento, que perfazem até à data da propositura da ação € 387,41; m) a ré fosse condenada a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias indicadas nos artigos 132.º a 136.º, 144.º e 181.º da petição inicial, desde a citação até integral pagamento e, bem assim, a sanção pecuniária compulsória correspondente a juros de 5%, ao ano, desde a data do trânsito em julgado da decisão.

A ação, contestada pela ré, e na sequência da anulação da primeira sentença proferida, foi julgada improcedente, sendo a ré absolvida dos pedidos formulados.

2. Inconformada, a autora apelou e a ré requereu a ampliação do âmbito do recurso, mediante a impugnação, a título subsidiário, da decisão exarada sobre pontos da matéria de facto, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado procedente o recurso de apelação ajuizado e deliberado: (i) «[r]evogar a sentença recorrida»; (ii) «[r]econhecer que as partes estiveram vinculadas por um contrato de trabalho, desde 5/03/2007 até 5/03/2009»; (iii) «[d]eclarar que esse contrato cessou, ilicitamente, em 5/03/2009, através de despedimento promovido pela Ré, sem precedência de processo disciplinar»; (iv) «[c]ondenar a Ré a reintegrar a Autora na empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade»; (v) «[c]ondenar a Ré a pagar à Autora as retribuições que esta deixou de auferir desde o 30.º dia anterior à propositura da ação até à data do trânsito deste acórdão, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma dessas retribuições até integral pagamento, devendo deduzir-se ao montante dessas retribuições e respetivos juros os rendimentos por ela eventualmente auferidos em atividades iniciadas posteriormente a 5/03/2009, devido ao despedimento, relegando-se a sua fixação para incidente de liquidação de sentença»; (vi) «[c]ondenar a Ré a pagar à Autora a retribuição de férias e o subsídio de férias respeitantes ao trabalho prestado no ano de 2007, vencidos em 1/01/2008, o subsídio de Natal, proporcional ao tempo de trabalho prestado no ano de 2007, a retribuição de férias, o subsídio de férias respeitantes ao trabalho prestado no ano de 2008, vencidos em 1/01/2009, bem como o subsídio de Natal de 2008, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das referidas prestações até efetivo e integral pagamento, relegando-se a sua fixação para incidente de liquidação de sentença»; (vii) «[c]ondenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 10.000 (dez mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado deste acórdão»; (viii) «[c]ondenar a Ré a pagar à Autora juros de mora à taxa de 5% ao ano sobre o capital das prestações pecuniárias atrás referidas, desde a data em que esta decisão transitar em julgado até efetivo e integral pagamento, os quais acrescerão aos juros de mora atrás referidos».

É contra esta deliberação que, agora, a ré vem interpor recurso de revista, no qual formulou o acervo conclusivo que se passa a transcrever:

            «1.ª    A Recorrente recorre do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a fls.
                 2.ª  A Recorrente entende que o Tribunal a quo aplicou incorretamente o Direito aos factos assentes, designadamente ao considerar que a relação contratual que existiu entre esta e a Recorrida configura contrato de trabalho e, bem assim, ao condenar aquela a pagar a esta indemnização por danos não patrimoniais no montante de 10.000,00 €.
                  3.ª  Tendo o contrato entre as partes tido início na vigência do Código do Trabalho de 2003, alterado pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, é esse o regime aplicável em matéria de qualificação contratual.
                   4.ª  A presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do referido diploma legal pressupõe o preenchimento cumulativo dos elementos nele previstos, o que, salvo o devido respeito, não se verifica no caso em apreço.
      5.ª  Por isso, cabia à Recorrida alegar e provar os factos constitutivos da existência de contrato de trabalho com a Recorrente (cfr. artigo 342.º/1 do Código Civil).
                   6.ª  O que, também, salvo o devido respeito, não sucedeu.
                   7.ª  Ainda que se entendesse estar preenchida a presunção de laboralidade, a Recorrente teria ilidido a referida presunção.
                   8.ª  Entre Recorrente e Recorrida foi celebrado contrato de prestação de [serviço].
                   9.ª  A Recorrida teve a perceção do tipo de vínculo jurídico que estava a estabelecer com a Recorrente.
               10.ª   In casu, não foi alegado nem provado qualquer vício da vontade ou divergência entre a vontade real e declarada.
               11.ª   Pelo que a vontade contratual das partes se afigura, no caso concreto, relevante. 
               12.ª   Não só a denominação dada ao contrato pelas partes, mas também o clausulado do mesmo, apontam para a natureza de prestação de serviços da relação contratual em causa.
              13.ª   O modo como a Recorrida prestava o serviço contratado deve ser analisado à luz da natureza da atividade prosseguida pela Recorrente, que é de interesse público, uma vez que envolve questões de saúde dos cidadãos, o que torna imperativa a necessidade de garantir a qualidade e uniformização do serviço prestado.
              14.ª   A atividade de enfermagem pode ser exercida quer em regime de contrato de trabalho, quer em regime de contrato de prestação de [serviço], pelo que o objeto do contrato nada permite concluir quanto à natureza do vínculo jurídico existente entre as partes.
              15.ª   Atenta a natureza dos serviços em causa, os mesmos não poderiam ser prestados noutro local nem com recurso a equipamentos próprios dos prestadores.
              16.ª   Motivo pelo qual o acórdão recorrido não deveria ter considerado relevante, para efeitos de qualificação da relação contratual em causa, os mencionados indícios.
              17.ª   Não era a Recorrente quem determinava os momentos concretos em que a Recorrida lhe prestava serviços, porquanto esta indicava as suas disponibilidades e podia trocar com colegas e fazer-se substituir por estes na prestação do serviço.
              18.ª   A possibilidade de a Recorrida indicar os períodos em que pretendia prestar serviços à Recorrente e, bem assim, de se fazer substituir por colegas na prestação daqueles serviços aponta no sentido da existência de relação de trabalho autónomo.
            19.ª   Trata-se de realidade pouco compatível com a heterodeterminaçào que caracteriza o contrato de trabalho e, bem assim, com [o] caráter intuitu personae e a natureza infungível da prestação laboral.
              20.ª   No âmbito de contrato de prestação de [serviço], o beneficiário pode dar orientações e diretrizes ao prestador quanto ao serviço a prestar, ou seja, pode conformar aquele serviço, sem que daí se possa extrair a existência de subordinação jurídica.
              21.ª   Nos autos não se provou que a Recorrida estivesse sujeita a ordens e instruções da Recorrente, que possam ser entendidas como manifestação do poder de direção do empregador.
              22.ª   O facto de, na prestação do serviço de triagem, a Recorrida ter de respeitar certos termos padronizados e de utilizar algoritmos não é suficiente para concluir pelo exercício de poder de direção típico do contrato de trabalho.
        23.ª   A Recorrida era paga à hora e apenas recebia quando efetivamente prestava serviços.
              24.ª   O valor dos honorários pagos à Recorrida variava em função do número de horas de serviço prestadas e, bem assim, do resultado do serviço (aferido através da avaliação).
               25.ª   A Recorrida emitia recibo verde e não recebia subsídios de férias e de Natal.
              26.ª   Factos que se afastam do regime da retribuição próprio do contrato de trabalho.
               27.ª   Atento o exposto, ao declarar a existência de contrato de trabalho entre a Recorrente e a Recorrida, o acórdão recorrido infringiu o disposto nos artigos 11.º e 12.º do Código do Trabalho de 2003, na redação dada pela Lei n.º 9/2006, 1154.º e 342.º/1 do Código Civil.
              28.ª   Os danos não patrimoniais apenas são indemnizáveis se, atenta a sua gravidade, merecerem a tutela do Direito.
        29.ª   Os vulgares danos e incómodos, as indisposições e arrelias comuns, por não atingirem nível suficientemente elevado de gravidade, não conferem direito a ressarcimento.
               30.ª   Os danos morais sofridos pela Recorrida, em virtude do despedimento, que se encontram provados nos presentes autos não assumem gravidade suficiente para justificar uma indemnização.
               31.ª   Ao condenar a Recorrente no pagamento à Recorrida da quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, o acórdão recorrido violou a norma do artigo 496.º/1 do Código Civil.
              32.ª   De qualquer forma, ainda que assim se não entenda, a indemnização arbitrada no acórdão recorrido sempre será excessiva, atentos os critérios fixados nos artigos 496.º/2 e 494.º do Código Civil e a aplicação jurisprudencial que deles tem vindo a ser feita.»

Termina pedindo que a deliberação recorrida seja revogada e substituída por outra que julgue a ação improcedente e absolva a recorrente dos pedidos deduzidos.

A autora contra-alegou, sustentando a confirmação do julgado e defendendo a inconstitucionalidade da não aplicação da presunção do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 às situações contratuais constituídas antes da sua entrada em vigor.

A este propósito, a autora teceu as considerações seguintes:

                    «A recorrida bem sabe que o artigo 7.º da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, sujeita ao Código do Trabalho de 2009 “os contratos de trabalho […] celebrados ou adotados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”.
                      Acontece que, tratando-se (como se trata) de um contrato de execução continuada o que releva definitivamente para a qualificação jurídica como contrato de trabalho são os termos em que o mesmo foi executado — ao longo do tempo.
                    Não devendo, ao contrário, aplicar-se à operação de qualificação da relação o regime jurídico existente à data de celebração de determinado vínculo — se entretanto, durante a execução, outro mais favorável se verificar.
                     Para efeito de aferição do tipo contratual em causa não existe qualquer diferença entre a relação laboral iniciada em 16 de fevereiro de 2009 e outra encetada no dia seguinte, 17 de fevereiro de 2009.
                     Logo, a recorrida entende ser inconstitucional a não aplicabilidade da presunção de laboralidade do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 às situações contratuais constituídas antes da data de entrada em vigor do referido diploma (designadamente, entre outros, por violação do princípio da igualdade, do direito ao trabalho e dos direitos dos trabalhadores).»

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer, concluindo que «da análise global da matéria fáctica assente, impõe-se retirar não se encontrarem reunidos os requisitos da presunção de laboralidade constante do art. 12.º do CT/2003, nem terem sido demonstrados factos bastantes para, em termos de razoabilidade, permitir qualificar a relação que existiu entre [a recorrida] e a ré, como sendo um contrato de trabalho, razões pelas quais o recurso deveria proceder, revogando-se o Acórdão sub judice e repristinando-se a sentença proferida em 1.ª instância», parecer que, em observância do contraditório, foi notificado às partes.

3. As questões suscitadas no recurso de revista em apreciação são as que se passam a explicitar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

                Se a relação jurídica estruturada pelas partes como contrato de prestação de serviço se desenvolveu nesses termos, não resultando da configuração realmente assumida a qualificação como contrato de trabalho [conclusões 1) e 2), na parte atinente, e 3) a 27) da alegação do recurso de revista];
              –   Se a autora não tem direito a indemnização por danos não patrimoniais emergentes do despedimento [conclusões 1) e 2), na parte atinente, e 28) a 31) da alegação do recurso de revista];
                No caso de se entender que há lugar à atribuição daquela indemnização, se a quantia fixada, no acórdão recorrido, é excessiva [conclusões 1) e 2), na parte atinente, e 32) da alegação do recurso de revista].

Preparada a deliberação, cumpre julgar o objecto do recurso interposto.

                                              II

1. O tribunal recorrido deu como provados os factos seguintes:
1) A R. é uma sociedade comercial participada em domínio total pela Caixa CC, S. A.;
2) E foi constituída com o objetivo de conceber, projetar, instalar, financiar, explorar e transferir para o Estado Português o Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde;
3) Para o que se candidatou, e obteve vencimento, através de concurso internacional obrigatório;
4) Esse Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde foi denominado de «Saúde 24» — adiante apenas designado por «S24»;
5) Sendo uma iniciativa do Ministério da Saúde tendente a otimizar a acessibilidade dos cidadãos às instituições integradas no Serviço Nacional de Saúde (S. N. S.) — encaminhando-os e esclarecendo-os através de um número de telefone disponível 24 horas por dia;
6) Assim, em parceria pública/privada com o Estado (através da Direção- ‑Geral de Saúde), a Ré dedica-se à atividade de prestação de serviços de triagem, aconselhamento e encaminhamento, em situação de doença, aconselhamento terapêutico, assistência em saúde pública e informação geral de saúde — tudo, repita-‑se, através de uma linha telefónica disponível 24 horas por dia;
7) O serviço S24 foi definido pelo Senhor Diretor-Geral da Saúde, segundo as linhas programáticas do Ministério da Saúde, como «de manifesto interesse público»;
8) E em articulação direta com a administração da ré, a fim de «possibilitar o melhor funcionamento do Centro de Atendimento do SNS», foram dadas instruções expressas para a contratação de «profissionais experientes para assegurar o funcionamento e supervisão do módulo de Triagem, Aconselhamento e Encaminhamento» do S24;
9) A autora é enfermeira de formação;
10) Por ser reconhecidamente uma profissional experiente (nomeadamente, pelos especiais conhecimentos adquiridos como trabalhadora na pretérita Linha de Atendimento gerida pelo Grupo DD), no princípio do mês de março 2007, a A. foi abordada pelo Diretor do Centro de Atendimento da R. (Enfermeiro EE) para fazer parte da equipa de enfermeiros comunicadores do módulo de Triagem, Aconselhamento e Encaminhamento (TAE) do serviço S24;
11) Nesse contacto, o Enfermeiro EE começou por apresentar sumariamente à A. o projeto que a R. se propunha desenvolver;
12) E, seguidamente, mais transmitiu à A. as condições gerais do modo de prestação de trabalho propostas pela R., a saber:
               Programa de formação profissional em serviço;
               – Mínimo de 3 turnos por semana de 6 ou 8 horas;
            Obrigatoriedade de abertura de conta na CCC para processamento do pagamento de ordenado;
               Obrigatoriedade de entrega de um mapa de disponibilidade de tempo e indicação de preferência de horário — que seria levado em consideração pela R. na distribuição dos turnos;
              – Obrigatoriedade do enfermeiro/comunicador se sujeitar a uma avaliação trimestral para classificação por escalões de 1 a 6 (sendo que a A. estava indicada para iniciar a laboração no escalão 2);
             Pagamento de acordo com o escalão em que a cada momento o enfermeiro comunicador estivesse inserido;
              Pagamento inicial de uma remuneração horária de Euros 9,15 (escalão 2);
13) Nos termos do convite formulado, a A. prestaria a sua atividade no Centro de Atendimento de Lisboa do serviço S24, sito na Avenida …, …, …, em Lisboa;
14) A autora aceitou as condições contratuais impostas pela ré;
15) E, em 5/03/2007, a Autora assinou um papel denominado de «Contrato de Prestação de Serviços», que lhe foi unilateralmente apresentado pela Ré (doc. 3, junto com a petição inicial);
16) No dia 07/01/2009 (mas com data de 5/01/2009), a Autora recebeu uma carta da Ré, do seguinte teor:
                    «Nos termos e para os efeitos da cláusula 9.ª do contrato acima referenciado, comunicamos-lhe a denúncia do contrato, com o aviso prévio nessa cláusula previsto, para o termo do prazo de vigência em curso, caducando o contrato no dia 5 de Março de 2009» (doc. 4, junto com a petição inicial);
17) A autora iniciou a sua atividade no Centro de Atendimento de Lisboa do serviço S24, em março de 2007;
18) Como a Ré bem sabia, à data da contratação, a A. era também enfermeira no Hospital ..., exercendo as suas funções no serviço de pediatria, com um horário fixo de 35 horas semanais, distribuídas das 8,00 horas, às 16,00 horas;
19) A partir do dia 5 de março de 2007, foi ministrada uma formação acelerada aos enfermeiros comunicadores contratados, A. inclusive, formação que era imperativa e essencial para o exercício das funções;
20) O serviço S24 abriu ao público no dia 25 de abril de 2007;
21) De acordo com o estabelecido na cláusula 1.ª do papel denominado «Contrato de Prestação de Serviços», as funções atribuídas à A. seriam, unicamente, as de «atendimento telefónico» da linha S24 (cf. doc. 3, junto com a petição inicial);
22. Mas, na realidade, muito para além do atendimento de chamadas provenientes do exterior, foram cometidas à A. mais as seguintes tarefas:
               Apoio ao ACD (ou seja, auxílio ao supervisor de serviço no centro de atendimento do S24);
               – Apoio aos novos enfermeiros comunicadores (na transição da formação para a laboração no centro de atendimento do S24);
23) Aquando da contratação foi transmitido e assegurado pelos responsáveis da ré que o trabalho da A. seria organizado em três turnos semanais, com a duração de 6 ou 8 horas cada um;
24) No caso concreto, em virtude do horário fixo praticado no Hospital ..., mais ficou estabelecido entre as partes (A. e R.) que durante a semana apenas poderiam ser distribuídos à A. turnos com início a partir das 18,00 horas e aos fins de semana os turnos que o próprio sistema gerasse — na prática, à A. eram distribuídos 2 turnos semanais das 18,00 horas às 24,00 horas e um turno das 8,00 horas às 16,00 horas ao sábado;
25) Acontece que, a partir de julho/agosto de 2007, esse compromisso deixou de ser respeitado pela R. — no lugar de 11/12 turnos mensais, a Ré chegou a distribuir à A. apenas 6/7 turnos mensais;
26) A partir da mesma data (julho/agosto de 2007), aos períodos de 6 ou 8 horas de trabalho supra indicados, foi unilateralmente acrescentado pela R. um outro de 4 horas (entre as 20,00 horas e as 24,00 horas) — sem qualquer negociação, prévia comunicação ou consideração pelas disponibilidades dos  enfermeiros/comunicadores;
27) Em março de 2007, a A. iniciou a atividade enquadrada no escalão n.º 2 de avaliação com uma retribuição horária de Euros 9,15;
28) O valor da retribuição horária da A. variava consoante o escalão de avaliação em que a cada momento estivesse inserida, de acordo com um denominado «Sistema de Avaliação de Desempenho (SAD)», implementado pela R. em outubro de 2007, mas apenas comunicado e dado a conhecer aos avaliados interessados em 11/12/2007 (doc. 5, junto com a petição inicial);
29) O valor da retribuição horária auferida pela A. era indissociável de um critério valorativo de desempenho individual estabelecido unilateralmente pela Ré, em resumo:
            Em cada trimestre o enfermeiro/comunicador não podia ultrapassar as três faltas;
              – Estava estabelecido um tempo mínimo de atendimento de chamada;
             As chamadas atendidas eram avaliadas pelos enfermeiros supervisores, tendo em conta critérios pré definidos (salientando-se a cordialidade na comunicação; cortesia; conhecimento e domínio da árvore decisional do algoritmo);
              Mais estavam os enfermeiros/comunicadores obrigados a respeitar um conjunto de procedimentos (que quando não cumpridos influíam negativamente na sua avaliação individual permanente), tais como: identificar o enfermeiro e o serviço; solicitar autorização para gravação da chamada; pedir a informação detalhada do utente e autorização para futuro contacto a fim de responder a questionários acerca dos níveis do serviço;
30) Ao trabalho praticado pela A. durante os dias úteis da semana entre as 20,00 horas e as 24,00 horas era pago um incremento de 25% à base horária estabelecida;
31) Ao trabalho praticado pela A. durante os dias úteis da semana entre as 24.00 horas e as 08,00 horas era pago um incremento de 50% à base horária estabelecida;
32) Ao trabalho praticado pela A. durante o fim de semana e/ou feriado entre as 08,00 horas e as 20,00 horas era pago um incremento de 25% à base horária estabelecida;
33) Ao trabalho praticado pela A. durante o fim de semana e/ou feriado entre as 20,00 horas e as 24,00 horas era pago um incremento de 50% à base horária estabelecida;
34) Ao trabalho praticado pela A. durante o fim de semana e/ou feriado entre as 24,00 horas e as 08,00 horas era pago um incremento de 100% à base horária estabelecida;
35) O horário praticado pela A. era elaborado pela R. e fixado no sistema informático interno da empresa («Intranet»);
36) Em Julho de 2008, foi diagnosticado à autora um episódio depressivo major, com necessidade de acompanhamento psicoterapêutico;
37) A autora teve um filho no início de outubro de 2008, tendo iniciado o gozo da licença parental, nessa altura;
38) Em virtude de um surto de gripe, e a solicitação expressa da R., a A. interrompeu a licença parental para trabalhar durante o mês de dezembro de 2008;
39) Por conseguinte, durante o mês de dezembro de 2008, a A. foi contactada diretamente pelo gestor de turnos da R. a informá-la acerca do horário que a cada momento deveria praticar;
40) Para o mês de janeiro de 2009, a ré unilateralmente, elaborou um horário à autora que a mesma não conseguia praticar, tendo um filho a perfazer três meses;
41) No dia 7 de Janeiro, a autora não tinha a quem recorrer para tomar conta e cuidar do seu filho de três meses, não estando em condições de praticar o horário fixado pela ré;
42) Não conseguiu trocar esse turno com outro colega;
43) Então, no dia 6 de Janeiro de 2009, pelas 14,00 horas, a A. dirigiu-se ao seu local de trabalho (na companhia do filho de 3 meses, visto não ter com quem o deixar) e transmitiu todo o descrito condicionalismo aos diretor e gestor de turnos do Centro de Atendimento de Lisboa do S24;
44) Os referidos responsáveis da R. receberam e ouviram a A. e, em resposta asseguraram-lhe que a questão iria ser imediatamente resolvida e que uma falta ao trabalho não teria implicação alguma e que não se preocupasse;
45) Nesse mesmo dia, quando chegou a casa, a Autora tinha depositado na sua caixa do correio o aviso de receção para levantamento nos correios da carta mencionada no ponto 16) supra;
46) A Autora, quando levantou e leu a carta, sofreu um choque violentíssimo que determinou um estado repetente de depressão;
47) No dia 8 de janeiro de 2009, a autora dirigiu-se ao Centro de Atendimento de Lisboa da S24, para que o Diretor do Centro lhe transmitisse um único fundamento que pudesse justificar o envio da carta de 5/1/2009;
48) A autora foi então informada que o facto de pedir para ter um horário a seu pedido, não tinha sido bem recebido pela empresa, tendo sido entendido como uma afronta e uma desconsideração para com a ré;
49) Desde que iniciou a sua atividade na ré, a A. jamais ultrapassou o limite de três faltas ao trabalho por trimestre, estabelecido pela Ré;
50) A Autora sempre foi pontual no cumprimento dos seus horários na ré;
51) E segundo os critérios de avaliação implementados pela R. («Sistema de Avaliação de Desempenho [SAD]»), a Autora sempre obteve as melhores classificações, motivando elogios e congratulações face ao bom desempenho laboral;
52) Em janeiro de 2009, a A. auferia um vencimento médio mensal de Euros 570,78;
53) No atendimento das chamadas telefónicas efetuadas pelos utentes, a autora estava obrigada a seguir escrupulosamente os termos padronizados pela Ré;
54) Para fazer a triagem e a avaliação dos sintomas de cada utente a A. tinha de percorrer uma ferramenta informática (algoritmo), ferramenta essa que, mediante a introdução da informação recebida por parte do utente, fornece uma disposição final que indica ao enfermeiro comunicador o destino do utente (para o INEM, para o hospital ou centro de saúde mais próximos ou permanecer em casa);
55) Todo o trabalho de atendimento desempenhado por um enfermeiro comunicador é controlado pelos enfermeiros supervisores, quer para avaliação interna de desempenho quer para verificação de bom manuseamento do algoritmo;
56) E, em situações de dúvida, são os enfermeiros supervisores que têm a última palavra (nunca os enfermeiros comunicadores) — nesses casos a responsabilidade da decisão está sempre a cargo dos enfermeiros supervisores e estes, por sua vez, encontram-se subordinados tecnicamente a uma direção clínica;
57) O local da prestação da atividade da autora, determinado pela ré, sempre foi o Centro de Atendimento de Lisboa do serviço S24, sito na Avenida …, …,…, em Lisboa, que é pertença da ré;
58) A A. tinha uma secretária, atribuída em zona exclusiva para os enfermeiros comunicadores;
59) Utilizava um computador atribuído pela ré (no qual percorria o algoritmo) e um auricular telefónico de atendimento de chamadas (H);
60) Todos os restantes materiais que necessitasse (como papel, consumíveis, canetas, pastas, arquivadores, carimbos, agrafadores, impressoras, fotocopiadoras, envelopes, etc.) eram fornecidos pela ré;
61) A ré pagava mensalmente à autora, de acordo com o número de horas por esta prestado;
62) Os enfermeiros comunicadores tinham direito a gozar férias;
63) A autora estava obrigada a respeitar os regulamentos internos da ré;
64) A autora emitia mensalmente recibos verdes a favor da ré e nunca recebeu da mesma os subsídios de férias e de Natal;
65) Em finais de outubro de 2008, um grupo de enfermeiros supervisores levaram ao conhecimento da Exma. Sra. Ministra da Saúde, um relato escrito sobre questões relacionadas com o modo de funcionamento da S24;
66) A autora nunca escondeu estar solidária com a posição assumida pelos enfermeiros supervisores;
67) Devido a todo o comportamento da ré e à cessação da relação contratual, a autora entrou num síndrome depressivo reativo;
68) Tendo sofrido desgosto anímico e psicológico;
69) E instabilidade na sua vida familiar e doméstica, provocada pela falta do dinheiro que a ré lhe pagava, face às obrigações mensais assumidas, a contar com tal quantia;
70) A autora é casada e tem dois filhos menores, que se encontram a frequentar uma instituição de ensino;
71) A sua filha mais velha acabou por sofrer alterações no sono e agitação psicomotora, num contexto factual de instabilidade psicológica relacionada com a depressão da mãe;
72) A autora, que era uma pessoa extrovertida, comunicativa e animada, entristeceu;
73) Aumentou de peso;
74) Perdeu a vontade de sorrir e de se divertir;
75) A vida familiar correu o risco de se desfazer;
76) Deixou de querer conviver com os amigos;
77) Teve necessidade de ser acompanhada por psicóloga e de tomar medicamentos — ansiolíticos — que lhe causam dependência;
78) No escrito mencionado no ponto 15) supra, consta o seguinte:
                «D)   O segundo contraente é um enfermeiro com qualificação e experiência adequadas, o qual, atendendo às relações profissionais que mantém com outras entidades, apenas aceita colaborar com a primeira contraente em regime de prestação de serviços, por oposição ao regime de contrato de trabalho, tendo sido a solicitação e no seu exclusivo interesse a determinação do tipo do presente contrato»;
79) No escrito mencionado no ponto 15), consta o seguinte:
                   «B)   Para a exploração do referido Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde, a primeira contraente necessita de enfermeiros devidamente credenciados e experimentados para exercer a atividade de triagem, aconselhamento e acompanhamento» (com referência aos artigos 20.º e 21.º da contestação);
80) O serviço prestado pela ré tem oscilações sazonais, que impõem a adaptação dos mapas de serviço, em função das necessidades (com referência ao artigo 35.º da contestação);
81) A ré para prestar o serviço a que se obrigou com o Estado Português necessita de dispor de um espaço físico, onde tem instalada toda a sua logística (uma plataforma de atendimento multicanal, computador central, etc.), tendo os enfermeiros/comunicadores de exercer a sua atividade neste espaço (com referência aos artigos 99.º a 103.º da contestação);
82) A secretária mencionada no ponto 58) dos factos assentes era utilizada por outros enfermeiros comunicadores quando a autora não estava de turno na ré (com referência ao artigo 109.º da contestação);
83) Tal secretária integrava-se numa ilha de seis lugares individuais (secretárias), onde se encontram instalados computadores que interagem com o programa instalado no computador central (com referência ao artigo 110.º da contestação).

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram impugnados pelas partes, nem ocorre qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 682.º do atual Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que hão de ser resolvidas as questões suscitadas no recurso.

2. Em primeiro lugar, importa ajuizar se a relação jurídica estruturada pelas partes como contrato de prestação de serviço se desenvolveu nesses precisos termos ou se assumiu configuração que impõe a sua qualificação como contrato de trabalho.

A sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância concluiu que essa relação não configurava uma relação de trabalho subordinada, aproximando-se mais de um contrato de prestação de serviço do que de um contrato de trabalho.

Já o acórdão recorrido, diversamente, entendeu que «a relação contratual que vinculou ambas as partes no período compreendido entre 5/03/2007 e 5/03/2009, consubstancia um verdadeiro contrato de trabalho».

A ré alega, porém, que a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, que é o regime jurídico aplicável no caso, pressupõe o preenchimento cumulativo dos elementos nele previstos, o que não se verifica, que «cabia à Recorrida alegar e provar os factos constitutivos da existência de contrato de trabalho com a Recorrente», o que igualmente não aconteceu, e que, mesmo que se considerasse preenchida a mencionada presunção, esta foi cabalmente ilidida.

E acrescenta, em síntese, que: «[e]ntre Recorrente e Recorrida foi celebrado contrato de prestação de serviço»; que «[a] recorrida teve a perceção do tipo de vínculo jurídico que estava a estabelecer com a Recorrente»; que «não foi alegado nem provado qualquer vício da vontade ou divergência entre a vontade real e declarada»; que «[n]ão só a denominação dada ao contrato pelas partes, mas também o clausulado do mesmo, apontam para a natureza de prestação de serviços da relação contratual em causa»; que «[a] atividade de enfermagem pode ser exercida quer em regime de contrato de trabalho, quer em regime de contrato de prestação de serviço, pelo que o objeto do contrato nada permite concluir quanto à natureza do vínculo jurídico existente entre as partes»; que «[a]tenta a natureza dos serviços em causa, os mesmos não poderiam ser prestados noutro local nem com recurso a equipamentos próprios dos prestadores»; que «[a] possibilidade de a Recorrida indicar os períodos em que pretendia prestar serviços à Recorrente e, bem assim, de se fazer substituir por colegas na prestação daqueles serviços aponta no sentido da existência de relação de trabalho autónomo»; que, no contrato de prestação de serviço, «o beneficiário pode dar orientações e diretrizes ao prestador quanto ao serviço a prestar, ou seja, pode conformar aquele serviço, sem que daí se possa extrair a existência de subordinação jurídica»; que «[o] facto de, na prestação do serviço de triagem, a Recorrida ter de respeitar certos termos padronizados e de utilizar algoritmos não é suficiente para concluir pelo exercício de poder de direção típico do contrato de trabalho»; que «[a] Recorrida era paga à hora e apenas recebia quando efetivamente prestava serviços», variando o valor dos honorários pagos à recorrida «em função do número de horas de serviço prestadas e, bem assim, do resultado do serviço (aferido através da avaliação)», sendo que «[a] Recorrida emitia recibo verde e não recebia subsídios de férias e de Natal», factos que, no seu entender, afastavam o regime da retribuição próprio do contrato de trabalho, tendo concluído que «ao declarar a existência de contrato de trabalho entre a Recorrente e a Recorrida, o acórdão recorrido infringiu o disposto nos artigos 11.º e 12.º do Código do Trabalho de 2003, na redação dada pela Lei n.º 9/2006, 1154.º e 342.º/1 do Código Civil».

2.1. Antes de mais, importa definir qual o regime jurídico aplicável.

A relação contratual estabelecida entre as partes iniciou-se em 5 de março de 2007 e cessou por denúncia da ré, operada em 5 de janeiro de 2009 e recebida pela autora em 7 de janeiro de 2009, com efeitos a partir de 5 de março de 2009 [factos provados 15) e 16)], período em que vigorou o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, e alterado pela Lei n.º 9/2006, de 20 de março, que entrou em vigor em 25 de março de 2006, e o Código do Trabalho de 2009, editado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que entrou em vigor em 17 de fevereiro de 2009, sendo que o artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, tal como o n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, rezam que o atinente regime jurídico se aplicava aos contratos de trabalho e aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou adoptados antes da entrada em vigor dos sobreditos diplomas legais, «salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento», na linha do acolhido nos n.os 1 e 2 do artigo 12.º do Código Civil.

O n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, no dizer de BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 233), trata-se de norma que ainda exprime o princípio da não retroatividade nos termos da teoria do facto passado, nele se distinguindo «dois tipos de leis ou de normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas relações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (melhor: Ss Js [situações jurídicas]) constituídas antes da LN [lei nova] mas subsistentes ou em curso à data do seu IV [início de vigência]».

Sobre essa mesma norma, OLIVEIRA ASCENSÃO (O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspetiva Luso-Brasileira, 10.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1997, p. 489) pronuncia-se em termos que se afiguram impressivos, desenhando a seguinte distinção: «1) A lei pode regular efeitos como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem: nesse caso aplica-se só aos novos factos. Assim, a lei que delimita a obrigação de indemnizar exprime uma valoração sobre o facto gerador de responsabilidade civil; a lei que estabelece poderes e vinculações dos que casam com menos de 18 anos exprime uma valoração sobre o casamento nessas condições; 2) pelo contrário, pode a lei atender diretamente à situação, seja qual for o facto que a tiver originado. Se a lei estabelece os poderes vinculações do proprietário, pouco lhe interessa que a propriedade tenha sido adquirida por contrato, ocupação ou usucapião: pretende abranger todas as propriedades que subsistam. Aplica-se, então, imediatamente a lei nova.»

Por isso, discutindo-se a qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes, desde 5 de março de 2007 até 5 de março de 2009, portanto, constituída na vigência do Código do Trabalho de 2003 e que subsistiu após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, o que ocorreu em 17 de fevereiro de 2009, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 17 de fevereiro de 2009, os termos dessa relação, aplica-se o regime jurídico do Código do Trabalho de 2003, não tendo aqui aplicação a presunção estipulada no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, mas sim no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, na redação dada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de março. Na verdade, quando o Código do Trabalho de 2009 regula determinados efeitos como expressão de uma valoração dos factos que lhes deram origem, deve entender-se que só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência.
A recorrida defende, porém, «ser inconstitucional a não aplicabilidade da presunção de laboralidade do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 às situações contratuais constituídas antes da data de entrada em vigor do referido diploma (designadamente, entre outros, por violação do princípio da igualdade, do direito ao trabalho e dos direitos dos trabalhadores)».

Portanto, a recorrida não questiona a conformidade constitucional daquela norma em si mesma, mas apenas numa sua específica dimensão normativa, a qual circunscreve ao entendimento de que o artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 não se aplicava às situações contratuais constituídas antes da sua entrada em vigor.

O certo é, porém, que a presente deliberação não tem por base, explícita ou implicitamente, a aplicação da norma do citado artigo 12.º com o sentido normativo que a recorrida considera ofensivo daqueles sobreditos princípios.

Com efeito, a dimensão normativa acolhida exprime o entendimento de que,  discutindo-se a qualificação de relação jurídica constituída na vigência do Código do Trabalho de 2003 e que subsistiu após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, que ocorreu em 17 de fevereiro de 2009, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir do dia 17 de fevereiro de 2009, os termos dessa relação, aplica-se o regime jurídico do Código do Trabalho de 2003.

Delimitada a norma de natureza jurisprudencial aplicada, importa verificar se a mesma é inconstitucional, por violação dos princípios que têm consagração nos artigos 13.º, 58.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa.

O artigo 13.º da Constituição, epigrafado «Princípio da igualdade», prevê que «[t]odos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei» (n.º 1) e que «[n]inguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação social» (n.º 2).

Como é sabido, a proibição de discriminação ínsita no âmbito de proteção do princípio da igualdade não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento, o que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio.

Isto é, deve tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.

Ora, a dimensão normativa em causa, segundo a qual a presunção estipulada no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 apenas se aplica às relações jurídicas constituídas após o início da respetiva vigência, não ofende o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º citado, na justa medida em que se mostra materialmente fundada sob o ponto de vista da segurança jurídica; na verdade, quando o Código do Trabalho de 2009 estabelece determinados efeitos como expressão de uma valoração dos factos que lhes deram origem, só se pode admitir que se projete nos factos novos, nas relações jurídicas constituídas após o início da vigência daquela novel estatuição.

Acresce que a sobredita dimensão normativa, nos termos que se deixaram expostos, trata de forma igual todos os cidadãos que estejam na mesma situação, pelo que delas não deriva nenhum tratamento discriminatório ou arbitrário.

Refira-se, aliás, que, quando o Código do Trabalho de 2009 entrou em vigor (17 de fevereiro de 2009), já tinha sido operada a denúncia do contrato, que ocorreu em 5 de janeiro de 2009 e foi conhecida pela autora em 7 de janeiro de 2009, tendo os efeitos do contrato persistido durante apenas 17 dias, até 5 de março de 2009.
No tocante ao artigo 58.º da Lei Fundamental dispõe que «[t]odos  têm direito ao trabalho» (n.º 1) e que, «[p]ara assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover: a) a execução de políticas de pleno emprego; b) a igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais; c) a formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores.»

Ora, no caso, está em causa apreciar se a relação jurídica estruturada pelas partes como contrato de prestação de serviço se desenvolveu nesses precisos termos ou se assumiu configuração que impõe a sua qualificação como contrato de trabalho, pelo que não se descortina que o segmento deliberatório acima explicitado possa infringir qualquer dos incisos em que se desdobra aquela norma constitucional.

E o mesmo se deve dizer em relação ao artigo 59.º da Constituição, que se ocupa dos «Direitos dos trabalhadores», não se configurando tratamento diferente baseado nos motivos enunciados no corpo do n.º 1 daquele artigo, nem a ofensa dos direitos aí proclamados, pelo que se trata de normativo destituído de pertinência no caso, termos em que improcede a propugnada inconstitucionalidade.

                   2.2. Os contratos em causa têm a sua definição na lei.

De harmonia com o preceituado no artigo 10.º do Código do Trabalho de 2003, diploma a que pertencem os preceitos adiante citados, sem menção da origem,  que transcreve, com ligeiras alterações, o disposto no artigo 1152.º do Código Civil, contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas.

Por sua vez, segundo o artigo 1154.º do Código Civil, contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
A prestação de serviço é uma figura próxima do contrato de trabalho, não sendo sempre fácil distingui-los com nitidez; porém, duma maneira geral, tem-se entendido que é na existência ou inexistência da subordinação jurídica que se deve encontrar o critério de distinção.

Pode, assim, concluir-se que o contrato de trabalho se caracteriza essencialmente pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade empregadora, sendo que o laço de subordinação jurídica resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador que lhe dá ordens, enquanto na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da actividade.

A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho decorre precisamente daquele poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora (artigo 150.º) a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador [artigo 121.º, n.os 1, alínea d), e 2].

Nos termos do regime geral de repartição do ónus da prova, cabe ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, isto é, demonstrar que presta uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

A situação modificou-se substancialmente com a adoção, pelo artigo 12.º, de uma presunção da existência de contrato de trabalho, que, na redação introduzida pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, versão aqui aplicável, estabelece o seguinte:

                                         «Artigo 12.º
                                         (Presunção)
              Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste, mediante retribuição.»
A sobredita presunção trata-se de uma presunção legal ou de direito, já que é a própria lei que deduz de um facto conhecido a ilação (conclusão ou inferência) da verificação de um facto desconhecido.

Quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz, nos termos do n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil, bastando-lhe provar o facto que serve de base à presunção, sendo que a prova deste equivale à prova do facto presumido.

No respeitante à força probatória das presunções legais regula o n.º 2 do mesmo artigo 350.º, de harmonia com o qual as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, salvo nos casos em que a lei o proibir.

Por conseguinte, as presunções legais importam a inversão do ónus da prova (artigo 344.º, n.º 1, do Código Civil), sendo designadas por presunções juris tantum as que podem ser ilididas por prova em contrário, e por presunções juris et de jure as que não admitem prova em contrário.

A presunção legal daquele artigo 12.º é uma presunção juris tantum, que importa a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a parte adversa a prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido.

Ora, a autora logrou provar que estava inserida na estrutura organizativa da ré, auferia uma retribuição pela atividade prestada e recebia orientações da ré sobre a realização do serviço, estando obrigada a respeitar os regulamentos internos da ré.

Porém, não resulta dos factos provados que a autora que se encontrava numa situação de dependência económica face ao beneficiário da atividade, daí que, não se verificando o preenchimento cumulativo dos requisitos previstos no artigo 12.º transcrito, não é possível atender à presunção estabelecida nesta norma.

Porém, apesar de não valer tal presunção, nada obsta a que o trabalhador demonstre que existia um contrato de trabalho (cf., neste sentido, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 315).

2.3. Tal como vem sendo repetidamente afirmado, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de, frequentemente, se recorrer a métodos aproximativos, baseados na interpretação de indícios.

Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização).

Cada um daqueles indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, por isso, o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade (MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 145), a ser formulado com base na totalidade dos elementos de informação disponíveis, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo.

No caso, perante a matéria de facto dada como provada, ficou demonstrado que a ré «é uma sociedade comercial participada em domínio total pela Caixa CC, S. A.», que se dedica à atividade de prestação de serviços de triagem, aconselhamento e encaminhamento, em situação de doença, aconselhamento terapêutico, assistência em saúde pública e informação geral de saúde, através de uma linha telefónica disponível 24 horas por dia, e que a autora é enfermeira, sendo abordada, no princípio de março 2007, pelo Diretor do Centro de Atendimento da ré para fazer parte da equipa de enfermeiros comunicadores do módulo de Triagem, Aconselhamento e Encaminhamento do serviço S24, que lhe apresentou o projeto e lhe transmitiu as condições gerais do modo de prestação de trabalho propostas pela ré (programa de formação profissional em serviço; mínimo de 3 turnos por semana de 6 ou 8 horas; obrigatoriedade de abertura de conta na CCC para processamento do pagamento de ordenado; obrigatoriedade de entrega de um mapa de disponibilidade de tempo e indicação de preferência de horário, que seria levado em consideração na distribuição dos turnos; obrigatoriedade do enfermeiro/comunicador se sujeitar a uma avaliação trimestral para classificação por escalões de 1 a 6, estando a autora indicada para iniciar a laboração no escalão 2; pagamento de acordo com o escalão em que a cada momento o enfermeiro comunicador estivesse inserido; pagamento inicial de uma remuneração horária de Euros 9,15), tendo a autora aceite «as condições contratuais impostas» e assinado um designado «Contrato de Prestação de Serviços», em que ficou a constar que «[o] segundo contraente é um enfermeiro com qualificação e experiência adequadas, o qual, atendendo às relações profissionais que mantém com outras entidades, apenas aceita colaborar com a primeira contraente em regime de prestação de serviços, por oposição ao regime de contrato de trabalho, tendo sido a solicitação e no seu exclusivo interesse a determinação do tipo do presente contrato» [factos provados n.os 1), 6), 9), 10) a 12), 14, 15 e 78)].

Mais se provou que a autora iniciou atividade no Centro de Atendimento de Lisboa do serviço S24, em março de 2007, sabendo a ré que, à data, «era também enfermeira no Hospital ..., exercendo as suas funções no serviço de pediatria, com um horário fixo de 35 horas semanais, distribuídas das 8,00 horas, às 16,00 horas», tendo-lhe sido ministrada formação acelerada, que «era imperativa e essencial para o exercício das funções», sendo que o serviço S24 abriu ao público, no dia 25 de abril de 2007 [factos provados n.os 17) a 20)].

O certo é, porém, que apesar do estabelecido na cláusula 1.ª do «Contrato de Prestação de Serviços», de acordo com a qual as funções atribuídas à autora seriam, unicamente, as de «atendimento telefónico» da linha S24, na realidade, «muito para além do atendimento de chamadas», foram cometidas à autora tarefas de apoio ao ACD, «ou seja, auxílio ao supervisor de serviço no centro de atendimento do S24» e de apoio aos novos enfermeiros comunicadores, «na transição da formação para a laboração no centro de atendimento do S24» [factos provados n.os 21) e 22)], factos materiais que, ao contrário do resultado contratado de proporcionar à ré o serviço de atendimento telefónico da linha S24, traduzem, antes, a prestação de uma atividade com elevado grau de inserção na organização produtiva da beneficiário da atividade, na justa medida em que evidencia a participação da autora, enquanto prestadora de apoio ao supervisor de serviço e aos novos enfermeiros comunicadores, na orientação e fiscalização da laboração realizada no centro de atendimento do S24.

Por outro lado, apurou-se que, no atendimento das chamadas telefónicas, «a autora estava obrigada a seguir escrupulosamente os termos padronizados pela Ré», que para fazer a triagem e a avaliação dos sintomas de cada utente, a autora «tinha de percorrer uma ferramenta informática (algoritmo), ferramenta essa que, mediante a introdução da informação recebida por parte do utente, fornece uma disposição final que indica ao enfermeiro comunicador o destino do utente», que «[t]odo o trabalho de atendimento desempenhado por um enfermeiro comunicador é controlado pelos enfermeiros supervisores, quer para avaliação interna de desempenho quer para verificação de bom manuseamento do algoritmo» e que, em situações de dúvida, «são os enfermeiros supervisores que têm a última palavra», sendo que, nesses casos, «a responsabilidade da decisão está sempre a cargo dos enfermeiros supervisores e estes, por sua vez, encontram-se subordinados tecnicamente a uma direção clínica», factualidade que revela a existência de um controlo externo do modo de prestação da atividade por parte da autora, e que esta realizava as sobreditas tarefas sob as ordens, direção e fiscalização da ré [factos provados n.os 53) a 56)].

Acresce que, embora tenha ficado estipulado entre as partes que a ré teria em consideração, na distribuição dos turnos, o mapa de disponibilidade de tempo e a indicação de preferência de horário, provou-se que foi sempre a ré que fixou as horas de início e de termo da prestação de atividade [factos provados n.os 12), 24) e 35)], por vezes em oposição aos interesses e à disponibilidade da autora [factos provados n.os 25), 26), 38) a 44)], sendo que «o facto de pedir para ter um horário a seu pedido, não tinha sido bem recebido pela empresa, tendo sido entendido como uma afronta e uma desconsideração para com a ré», o que motivou a denúncia, por parte da ré, da relação contratual ajustada com a autora [factos provados 16), 44), 45), 47) e 48)].

Resta referir que, no sentido do desenvolvimento em moldes subordinados do contrato em apreço, aponta, também, o tipo de remuneração conferida, que «[a] ré pagava mensalmente à autora, de acordo com o número de horas por esta prestado», variando o valor da retribuição horária da autora «consoante o escalão de avaliação em que a cada momento estivesse inserida, de acordo com um denominado ‘Sistema de Avaliação de Desempenho (SAD)’, implementado pela R. em outubro de 2007», sendo o valor da retribuição horária auferida «indissociável de um critério valorativo de desempenho individual estabelecido unilateralmente pela Ré», e majorado em função do período em que era prestado [factos provados 16), 27) a 34) e 61)].

A circunstância da atividade da autora ser prestada em local determinado pela ré e com equipamento a esta pertencente [factos provados 57) a 60) e 81) a 83)] não tem relevo significativo, na medida em que não é incompatível com a prestação da atividade da autora em regime de prestação de serviços; porém, tais factos, aliados à participação da autora na orientação e fiscalização da laboração realizada no centro de atendimento do S24, à existência de controlo externo do modo de prestação da atividade da autora, que esta realizava sob as ordens, direção e fiscalização da ré, à determinação das horas de início e de termo da prestação de atividade pela ré e ao tipo de retribuição fixada, apontam no sentido da existência de subordinação jurídica, própria do exercício de atividade ao abrigo de um contrato de trabalho.

E o mesmo se deve afirmar em relação ao apurado direito dos enfermeiros comunicadores a gozar férias [facto provado 62)] e à circunstância da autora estar obrigada a respeitar os regulamentos internos da ré [facto provado 63)].

A emissão mensal de recibos verdes pela autora, bem como o facto de esta não ter auferido os subsídios de férias e de Natal [facto provado 64)] não assumem, no contexto fáctico apurado, a pretendida relevância, porquanto se, em determinadas circunstâncias, manifestam a vontade contratual das partes, podem também mais não traduzir do que a violação de imposições legais decorrentes do contrato de trabalho.

Assim, apreciando globalmente os indícios emergentes da relação contratual examinada, que revelam a existência de subordinação jurídica, impõe-se concluir que a relação jurídica estruturada pelas partes como um contrato de prestação de serviço assumiu, realmente, a configuração de um contrato de trabalho, pelo que improcedem as conclusões 1) e 2), na parte atinente, e 3) a 27) da alegação do recurso de revista.

3. A ré alega que os danos não patrimoniais sofridos pela autora em virtude do despedimento não assumem gravidade que justifique uma indemnização e que, se assim não se entender, «a indemnização arbitrada no acórdão recorrido sempre será excessiva, atentos os critérios fixados nos artigos 496.º/2 e 494.º do Código Civil e a aplicação jurisprudencial que deles tem vindo a ser feita».

O artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil dispõe que «[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação», sendo que o artigo 496.º do Código Civil prevê que «[n]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito» (n.º 1), estatuindo no respetivo n.º 3 que a indemnização por danos não patrimoniais será fixada equitativamente, devendo o tribunal atender, em qualquer caso, às circunstâncias mencionadas no artigo 494.º do mesmo Código, o qual determina, por seu turno, que na fixação do montante da indemnização se deve ter em conta «o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso».

Com interesse para a apreciação desta questão provou-se que, em 7 de janeiro de 2009, a autora recebeu uma carta da ré, comunicando-lhe a denúncia do contrato, para o termo do prazo da respetiva vigência [facto provado 16)], que, quando leu essa carta, «sofreu um choque violentíssimo que determinou um estado repetente de depressão» [facto provado 46)] e, em virtude do comportamento da ré e da cessação da relação contratual, «entrou num síndrome depressivo reativo», «tendo sofrido desgosto anímico e psicológico» e «instabilidade na sua vida familiar e doméstica, provocada pela falta do dinheiro que a ré lhe pagava, face às obrigações mensais assumidas, a contar com tal quantia», sofrendo a filha mais velha «alterações no sono e agitação psicomotora, num contexto factual de instabilidade psicológica relacionada com a depressão da mãe» [factos provados 67) a 71)].

Mais se apurou que a autora, «que era uma pessoa extrovertida, comunicativa e animada, entristeceu», «[a]umentou de peso», «[p]erdeu a vontade de sorrir e de se divertir», a sua vida familiar «correu o risco de se desfazer», «[d]eixou de querer conviver com os amigos», e teve necessidade de ser acompanhada por psicóloga e de tomar medicamentos, que lhe causam dependência» [factos provados 72) a 77)].

No tocante à obrigação de indemnizar os danos não patrimoniais invocados pela autora, o acórdão recorrido explicitou as considerações seguintes:
     «A reparação por danos não patrimoniais sofridos pelo trabalhador, em consequência de despedimento ilícito, encontra-se expressamente prevista no art. 389.º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho, havendo lugar a ela sempre que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil previstos no art. 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1, do Cód. Civil, ou seja, sempre que o despedimento seja considerado ilícito, culposo e cause danos não patrimoniais graves ao trabalhador.
   Esta solução resulta do regime geral da obrigação de indemnizar, constante dos arts. 562.º e segs. do Cód. Civil.
                   Nos termos gerais, cabe ao lesado (trabalhador) provar os prejuízos sofridos e o nexo causal destes com o facto ilícito praticado pelo lesante.
     Provada a ilicitude do despedimento — que pressupõe a prática de um facto ilícito e culposo por parte do empregador, nem sempre é fácil para o trabalhador fazer a prova dos restantes dois pressupostos da responsabilidade civil: a existência de danos e o nexo causal entre o facto ilícito (o despedimento) e os prejuízos sofridos.
      No caso em apreço, porém, a apelante conseguiu demonstrar que a Ré [a] despediu ilicitamente; que a conduta da recorrida foi culposa (uma vez que esta não ilidiu a presunção de culpa prevista no art. 799.º, n.º 1, do Cód. Civil); que devido a essa conduta e ao despedimento ilícito de que foi vítima, entrou num síndrome depressivo reativo, tendo sofrido desgosto anímico e psicológico e instabilidade na sua vida familiar e doméstica, provocada pela falta do dinheiro que a ré lhe pagava, face às obrigações mensais assumidas, a contar com tal quantia; que a sua filha mais velha acabou por sofrer alterações no sono e agitação psicomotora, num contexto factual de instabilidade psicológica relacionada com a depressão da mãe; que era uma pessoa extrovertida, comunicativa e animada e, por causa do despedimento entristeceu, aumentou de peso, perdeu a vontade de sorrir e de se divertir; a sua vida familiar correu o risco de se desfazer; deixou de querer conviver com os amigos e teve necessidade de ser acompanhada por psicóloga e de tomar medicamentos — ansiolíticos — que lhe causam dependência.
            Nos danos não patrimoniais graves a que se refere o art. 496.º, n.º 1, do Cód. Civil não se enquadram apenas os danos exorbitantes ou excecionais, mas também aqueles que saem da mediania, que ultrapassam as fronteiras da banalidade que, no mínimo, espelhem a intensidade de uma dor, de uma revolta, de uma angústia, de um desgosto, de um sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso comum, se tornam inexigíveis em termos de resignação e que não se traduzam em meras contrariedades e incómodos.
                  Os danos que a recorrente sofreu não podem, de modo algum, em nosso entender, considerar-se simples contrariedades ou incómodos.
     A apelante tem, sem dúvida alguma, o direito de ser indemnizada pelos danos não patrimoniais sofridos — arts.  389.º, n.º 1, al. a), do CT de 2009, 483.º e 496.º, n.º 1, do Cód. Civil.
                   […]
                   O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, sempre, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, aos padrões da indemnização geralmente adotados na jurisprudência, à reputação do ofendido e à gravidade e dimensão dos danos sofridos.
                   Assim, atendendo ao grau de culpa revelado pela recorrida, à gravidade da sua conduta e dos danos por esta causados, afigura-se-nos justa, equitativa e equilibrada a indemnização de € 10.000,00, a pagar ao Autor, a título de reparação pelos danos não patrimoniais sofridos.
                   Esta importância vencerá juros de mora, à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado deste acórdão até efetivo e integral pagamento.»

Tudo ponderado, subscrevem-se, no essencial, as considerações transcritas e, bem assim, o juízo decisório enunciado.

Na verdade, a ré despediu ilicitamente a autora, conduta que foi culposa, e devido a essa conduta e ao despedimento ilícito operado, a autora sofreu danos não patrimoniais graves, tal como se evidencia nos factos provados 46) e 67) a 77), tudo a justificar a atribuição de compensação por danos não patrimoniais, porquanto se mostram preenchidos os pressupostos da invocada responsabilidade civil, a qual pressupõe a existência de um facto ilícito, a imputação do facto ilícito ao lesante, a verificação de um dano e a existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano.

E não se diga que a importância de € 10.000, conferida à autora, a título de indemnização por danos não patrimoniais, é excessiva e desadequada.

Considerando o teor dos factos provados 67) a 77), nada sendo apurado sobre a situação económico-financeira da ré e tendo-se demonstrado, nesse aspeto, em relação à autora, apenas o valor da sua retribuição, é de reputar como equitativa a quantia concretamente fixada no acórdão recorrido como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, sendo a mesma de manter.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões 1) e 2), na parte atinente, e 28) a 31) e 32) da alegação do recurso de revista.

                                             III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Anexa-se o sumário do acórdão.

                               Lisboa, 28 de janeiro de 2016


Pinto Hespanhol (Relator)

Gonçalves Rocha

António Leones Dantas