Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B1480
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CUSTÓDIO MONTES
Descritores: RECURSO
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: SJ200705240014807
Data do Acordão: 05/24/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: INDEFERIDO.
Sumário : O recurso previsto no n.º 4 do art. 678.º do CPC, só é admissível, quando não o for por motivo estranho à alçada do tribunal, se cumulativamente for admissível em razão da alçada. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Empresa-A, intentou contra AA,

Acção declarativa, sob a forma de processo especial, para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, nos termos do DL n.º 269/98, de 1 de Setembro.

Por despacho de despacho fls. 19 a 26, foi julgado territorialmente incompetente o tribunal da comarca de Lisboa, nos termos do art. 74.º, 1 do CPC, ordenando-se a remessa do processo ao tribunal julgado competente: o tribunal da comarca de Lagos, da residência do R.

Esse despacho foi confirmado por acórdão da Relação de Lisboa, no recurso de agravo interposto pelo A.

Por despacho do Relator, de 26.4.07, foi julgado inadmissível o recurso.

Requer, agora, o A. que sobre o despacho em causa recaia acórdão.

Cumpre decidir.

Para além do exposto, deve referir-se que o valor da causa é de 6.102,02€, montante peticionado pelo A., sendo a alçada da Relação, como se sabe, de 14.963, 94€ (1) .

Nos termos do art. 754.º, 2 do CPC “não é admissível recurso do acórdão da Relação sobre decisão da 1.ª instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos do art. 732.º-A e 732.º-B, jurisprudência com ele conforme”.

O disposto na primeira parte do número anterior não é aplicável aos agravos referidos nos números 2 e 3 do art. 678.º e na al. a) do n.º 1 do art. 734.º”(2).

Nenhuma destas excepções se verifica no caso dos autos.

Portanto, à face do disposto no art. 754.º, o recurso não é admissível.

E também não é admissível por o respectivo valor ser inferior à alçada da Relação, apenas permitindo a lei recurso de agravo em tais casos – art. 754.º, 1.

Dispõe, no entanto, o art. 678.º, 4 do CPC que “é sempre admissível recurso, do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça”.

Ora, o art. 111.º, 4 do CPC dispõe que “das decisões proferidas na apreciação da matéria da incompetência relativa, incluindo a decisão final, só é admissível recurso até à Relação”.

Este é um dos casos em que a lei determina que não há recurso, por motivos estranhos à alçada do tribunal.

E, por isso, poderia, à primeira vista, parecer que se verifica a hipótese do n.º 4 do art. 678.º, impondo-se a admissão do recurso.

No entanto, não pensamos assim.

É que a inserção sistemática desta norma impõe que, para a admissibilidade do recurso, se verifique cumulativamente a sua admissibilidade por razões de alçada.

Se o recurso não for admissível por razões atinentes à alçada, então também o não será mesmo que a lei o não admita, por razões estranhas à alçada do tribunal, como no caso em apreço (3).

De facto, o n.º 1 do art. 678.º apenas considera admissível o recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre.

O n.º 2 ressalva a admissibilidade do recurso em 4 casos, independentemente do valor da causa: “seja qual for o valor”.

Ora, se o legislador quisesse que o recurso fosse admissível, independentemente do valor da causa, quando o não admitisse “por motivo estranho à alçada do tribunal”, como se refere no n.º 4, então, teria que dizer expressamente também que o recurso, nesses casos, era sempre admissível “seja qual for o valor”.

E, não o tendo dito, entendemos que, em tais casos, para o recurso ser admissível, terá que o valor da causa ser superior à alçada do tribunal de que se recorre, o que, como vimos, não acontece no caso dos autos.

De facto, como ensina Amâncio Ferreira, (4)a unidade do sistema jurídico determina que, nos casos de relevância da alçada como factor de inadmissibilidade do recurso, este em nenhuma circunstância deve ser admitido”.

Exige, por isso, o n.º 4 do art. 678.º, para a admissibilidade o recurso, que, quando a lei considerar inadmissível o recuso por motivo estranho à alçada do tribunal, que cumulativamente o mesmo seja admissível em razão da alçada (5) .

Não se compreenderia que, não sendo admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação que esteja em contradição como outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito, por motivos de alçada, já o fosse exclusivamente por motivo estranho à alçada do tribunal.

Se o legislador não submete ao STJ questões abaixo do valor da alçada, certamente por razões de funcionalidade, aliviando a actividade do Supremo, para o vocacionar para as questões mais importantes, como se pode defender que o faça em questões que, à partida, são questões menores, por haver lei expressa que apenas permite o recurso até à Relação ?

Pensamos, por isso, que o n.º 4 do art. 678.º, ao referir-se à admissibilidade do recurso, quando o mesmo não seja admissível por motivo estranho à alçada do tribunal, tem implícito o pressuposto de que, em tais casos, o valor da causa admita recurso, como deriva do n.º 1 do mesmo normativo (6).

Daí que seja de manter o despacho do Relator, indeferindo-se a reclamação.

Decisão

Pelo exposto, indefere-se a reclamação, não se admitindo o recurso interposto.

Custas do incidente pelo recorrente, fixando-se em 3 Ucs a taxa de justiça.

Lisboa, 24 de Maio de 2007

Custódio Montes (Relator)
Mota Miranda
Alberto Sobrinho
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(1) Art. 24.º da LOFTJ – Lei n.º 3/99, de 13.1.
(2) N.º 3 do art. 754.º.
(3) “Terá ….de se aguardar que surja uma causa de valor superior a essa alçada para então se interpor recurso para o STJ”, como refere Amâncio Ferreira, Manual dos Recurso, 5.ª ed., pág. 108, em citação do acórdão deste Tribunal de 20.6.00, BMJ 498, pág. 184.
(4) , Ob. Cit., pág. 107.
(5) Defendem posição contrária – admissibilidade do recurso mesmo que a causa não tenha alçada – Barreto Nunes, Rev do M.ª P.º, 85, págs. 121 e sgts e Lebre de Freitas, CPC Anot., vol. 3.º, pág. 13; Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo
Processo Civil, pág. 486.
(6) No mesmo sentido, ver o Ac. deste STJ de 17.5.07, desta Secção.