Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
76/10.2YRLSB.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
QUESTÃO NOVA
PRISÃO PREVENTIVA
PROCESSO CRIMINAL NACIONAL
PRINCÍPIO DO RECONHECIMENTO MÚTUO
RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO
RECUSA OBRIGATÓRIA DE EXECUÇÃO
NON BIS IN IDEM
TERRORISMO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Sumário :
I - Os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre.
II - O MDE é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa de liberdade – art. 1.º da Lei 65/2003.
III - Nos autos essa pretensão concreta é deduzida em termos formalmente correctos e para conseguir uma finalidade que é a constante da Lei. Pretende o Estado Espanhol a entrega de uma cidadã sua nacional a fim de exercer o procedimento criminal por crimes por cuja prática está indiciada.
IV - Sendo patente essa convergência entre o pedido formulado e a norma estruturante do procedimento não compete ao Estado requerente entrar em consideração com factores exógenos que se inscrevem noutro contexto processual como é o facto de a requerente já estar detida à ordem dum processo que tem por objecto actividade criminosa ocorrida em Portugal. Para a validade do mandado apenas releva a sua adequação à finalidade pretendida e que é totalmente distinta da sua exequibilidade.
V - A situação de a requerente estar sujeita à medida de coacção mais gravosa do CPP num outro processo não conflitua com o percurso processual do próprio MDE, apenas implicando a consequência de não se tornar necessária a aplicação de uma medida de coacção nos termos do art. 18.º, n.º 3, da Lei 65/2003. Na verdade, se o cidadão objecto do MDE se encontra já sujeito a uma medida de coacção e esta se compagina com as finalidades do próprio MDE fica desprovido de qualquer sentido lógico a aplicação de uma nova medida de coacção agora no domínio do mesmo mandado.
VI - O MDE constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de “pedra angular” da cooperação judiciária. Pode afirmar-se que o mecanismo do MDE é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros, substituindo, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição.
VII - Directamente conexionada com os motivos de não execução obrigatória, a decisão quadro genética do MDE prescreveu motivos de não execução facultativa. Motivos que dotam a autoridade judiciária de execução de uma potestas decidendi livre, e de refúgio, face à quase automática vinculação de execução do MDE, tendo em conta ao controlo jurídico a que aquela estava, aparentemente, submetida. Os motivos de tal recusa não só equilibram os princípios da liberdade e da segurança, como servem de fiel da balança na procura da segurança da União e escudo protector de ofensa aos direitos e liberdades fundamentais.
VIII - Concedendo a Lei ao Estado requerido a faculdade de recusa, nomeadamente nos casos de pendência de processo «pelo mesmo facto», ela permite que aquele mesmo Estado, através das entidades competentes, nomeadamente o MP, ou do arguido, demonstrem ao tribunal a existência de possíveis vantagens e ou utilidade na concretização da recusa. O que não pode nem deve é tratar-se de um acto arbitrário, caprichoso ou meramente voluntarista, capaz de pôr em causa os sãos princípios de cooperação internacional a que a Lei quis dar corpo.
IX - O funcionamento das causas de recusa facultativa de cumprimento do MDE vêm ao encontro da necessidade de convocar mecanismos preventivos que permitam a decisão que evite futuros conflitos positivos de jurisdição ou uma invocação do princípio non bis in idem.
X - Tal leitura é particularmente impressiva no caso do motivo de recusa invocado nos presentes autos, ou seja, a circunstância de “estar pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu” – art. 12.º, n.º 1, al. b).
XI - No caso vertente, em face da teleologia que anima a norma dispositiva da referida causa facultativa de recusa de cumprimento do mandado europeu não vislumbramos motivo para poder afirmar que, quer em sede de finalidade das penas, das necessidades de investigação ou da funcionalidade do próprio processo penal, deveria ter sido invocada a mesma recusa de cumprimento. A conjugação de tais circunstâncias aponta exactamente em sentido contrário, como, aliás, o aponta a própria decisão de delegação do Estado Espanhol na continuação do procedimento criminal em relação ao inquérito pendente em Portugal.
XII - Invoca, ainda, a requerente uma potencial situação de desrespeito dos seus direitos fundamentais a que será conduzida pela concretização do mandado emitido, assentando na ideia do desrespeito dos direitos fundamentais de quem está indiciado pelo facto de pertencer à organização terrorista denominada ETA. Face a tal imputação um primeiro escrutínio que se efectue deverá separar a constatação de uma repetida violação de direitos humanos que, assim, consubstanciará uma característica endógena do sistema, daquilo que são meros acontecimentos pontuais que, não revelando qualquer atitude prévia e premeditada da parte de quem detém o controle do poder do Estado, apenas devem ser valorizados em si mesmas, e sancionadas, e não como indicadores de um fenómeno genérico.
XIII - O que avulta aqui, e agora, é uma confiança mútua, e recíproca, que emerge da solidariedade e do sentir que a pertença a esta comunidade de Estados, que é a União, coloca todos os seus cidadãos num mesmo patamar de credor das garantias de um Estado de Direito Democrático. Nada fundamenta a afirmação de que, num desses países, que assumiu o compromisso de respeito dos direitos do homem, no caso falamos do Estado Espanhol, seja instituída uma prática que o desmereça.
XIV - Os relatórios de organizações não governamentais, como é o caso da Amnistia Internacional, merecem credibilidade, mas não é por isso que perdem a sua natureza segmentada, votada para a detecção de comportamentos patológicos que surgem à revelia, e contra o Estado, e não neste, ou por este.
XV - Assim, não se vislumbra razão para colocar em crise a decisão recorrida, que indeferiu as pretensões da requerente, de recusa de cumprimento do MDE contra si emitido.
Decisão Texto Integral:


22

Processo 76/02
Mandado de detenção europeu
Relato nº320





Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Nos presentes autos, mediante a emissão de mandado de detenção europeu pelo Juzgado Central de Instruccion Nº 3 de la Audiência Nacional para efeitos de procedimento criminal que ali corre termos como "Diligências Prévias 9/2010" foi solicitada a entrega da cidadã espanhola AA, nascida a 03.11.1981 em Vitória - Sasteiz, Espanha, titular do DFNI espanhol n.o …, filha de F… A… e de M… A…, residente - antes de detida e presa preventivamente em Portugal à ordem do NUIPC 40/10.1JAPRT na Calle C… de Q…, …, …, 1007 Vitória-Sasteiz.
Consta do mesmo mandado como fundamento em relação aos crimes e factos indiciados os seguintes:
-Um crime de participação numa organização terrorista, previsto e punido pelos artigos 515.2) e 516. 2) do Código Penal, 12 anos de prisão;
-Um crime de detenção e depósito de armas, previsto e punido pelos artigos 573 e 563 do C.P. 10 anos de prisão;
-Um crime de detenção e depósito de substâncias ou elementos explosivos e incendiários destinados ao terrorismo, previsto e punido pelo artigo 573 e 563 e seg. do C.P., 10 anos de prisão;
-Um crime de falsificação de documento oficial com fins terroristas, previsto e punido pelos artigos 574, 392 e 390 do C.P., 3 anos de prisão;
-Um crime de conspiração para cometer diversos crimes de natureza terrorista, previsto e punido pelos artigos 571 e 55. do C. P., 15 anos de prisão.
Adianta-se como fundamento da emissão do mandado os seguintes factos:
-Da instrução concluída no momento histórico processual, e num grau de muita probabilidade, resulta que ontem pelas 21:15 horas, ao suspeitarem duma furgonete da marca IVECO, com a chapa de matricula francesa número, 8718ZL25, elementos da Guarda Civil do Posto de Bermillo de Sayago (Zamora),: procederam a interceptar a mesma. Enquanto estavam a identificar o condutor do supracitado veículo, e tendo-lhe mandado abrir as portas traseiras para: inspeccionar a caixa da supracitada furgonete, o condutor dá mesma escapou no carro oficial da Guarda Civil resultando detido após uns momentos em território português. Foi possível verificar que a furgonete transportava um carregamento importante, composto pelo menos, de material explosivo, armas e material destinado á fabricação de chapas de matrículas falsas. O condutor da furgonete resultou ser o presumível membro da organização terrorista ETA, G… G… A… .
Ainda em Portugal, quando circulava no veículo Opel Astra, com a chapa de matrícula número AB524PP, foi também detida AA, presumível membro da organização terrorista ETA, a qual também se tinha dado à fuga atrás do carro da policia que nesse momento era conduzido por G… G… A… . Destaca-se que a supracitada realizava ai função de lançadeira, tendo-lhe sido apreendido um passaporte ao qual faltava a primeira folha. Este passaporte corresponde a L… M… C… F…, um presumível membro legal da organização terrorista ETA, colaborador do grupo de "liberados" (indivíduos que não constam dos registos policiais) no qual participavam os dois detidos em Portugal.

Sujeita a interrogatório no dia 13/01/2010, para os efeitos do art.° 18° da Lei 65/2003 de 23/08, a mesma veio manifestar oposição à sua entrega às autoridades judiciais espanholas declarando não renunciar à regra da especialidade.
Concedido, a seu pedido, prazo para manifestar, por escrito, os fundamentos da sua oposição, veio a requerida apresentar a mesma invocando:
- Verificar-se causa facultativa de recusa de execução do mandado nos termos do ar1.° 12º nº 1 aI. b) da Lei 65/2003 de 23.08 uma vez que existe a correr contra a mesma procedimento criminal em Portugal, à ordem do qual se encontra presa preventivamente, no qual os factos apresentam alguma identidade, pelo menos parcial, com os imputados no mandado de detenção europeu;
- Verifica-se causa facultativa de recusa de execução do mandado nos termos do ar1.° 12° nº 1 aI. h), ponto i) - e não alínea i) como singelamente é mencionada no requerimento de oposição - da Lei 65/2003 de 23.08 uma vez que um dos crimes imputados no mandado terá sido cometido, senão todo pelo menos em parte, no território português;
- A entrega às autoridades judiciais espanholas representaria um atentado aos direitos fundamentais da requerida uma vez que o Estado Espanhol, no que toca a cidadãos suspeitos de pertencerem à ETA) os sujeita a tortura e a outros tratos desumanos e degradantes.

Dessa decisão vem agora a requerente interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça alegando em síntese que:
1 No entender da defesa, a emissão deste mandado de detenção europeu pelo Juzgado Central de Instrucción número 3 da Audiência Nacional espanhola, e sua subsequente promoção de execução pelo Ministério Público português, consubstancia manifesto recurso a meio processual impróprio.
2 - Como da sua designação consta e, ademais, no preciso teor do disposto no n.o 1 do artigo 10 da Lei 65/2003 de 23 de Agosto, expressamente se prescreve, "o mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa da liberdade."
3 - No caso dos autos, é manifesto que não se verificou a tramitação prescrita no sobredito diploma: o Exmo. Juiz Relatar não proferiu despacho liminar, não ordenou a detenção da Requerida, a Requerida detida não foi apresentada ao Ministério Público para audição pessoal, o Exmo. Juiz Relatar procedeu à audição da detida excedido o prazo máximo de quarenta c oito horas após a detenção, nem tão pouco, nessa audiência de audição decidiu sobre a validade e manutenção desta detenção, nem lhe aplicou qualquer medida de coacção.
4 - E nada desta prescrita tramitação se seguiu e observou, pela singelíssima razão de não ser a Requerida pessoa procurada, mas antes, desde 9 de Janeiro de 2010, inquestionavelmente ser pessoa já detida, desde 10 de Janeiro de 2010 à ordem do DCIAP e do TCIC, e ter já sido, em 11 de Janeiro de 2010, ouvida em primeiro interrogatório judicial pelo Exmo. JIC do TCIC, que validou e manteve a detenção, e lhe aplicou a gravosa medida de coacção de prisão preventiva!
5 - Em bom rigor, resulta absolutamente aberrante recorrer a um meio processual que visa fim que já está previamente atingido.
6 - Assim, o denunciado recurso ao mandado de detenção europeu, constitui, no caso, hialino recurso a meio processual impróprio, o que consubstancia, por força dos principias gerais do Direito, razão bastante para o respectivo indeferimento.
7 - A propósito da verificação da causa de recusa ínsita na alínea b) do art. 12° da Lei 65/2003 note-se que a lei não exige (diferentemente da alínea b) do art. 11 ° - onde se lê "mesmos factos") a precisa identidade absoluta da factualidade mas apenas que esteja " ... pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu" (cf. alínea b) do nº 1 do art. 12°).
8 - Isto é, basta a identidade de um facto que sustente o duplo procedimento penal, para se dever ter como verificada tal causa de recusa.
9 - É manifestamente o caso em apreço, como aliás reconhece a própria Fisca1ía da Audiência Nacional (cí. comunicação de 20 de Janeiro de 2010 "As acusações criminais são mais amplias e, em algum caso, coincidentes com aquelas deduzidas pelas Autoridades Judiciárias de Portugal no processo criminal português, ressalvando - se o crime de resistência e/ou desobediência à Autoridade."), e também reconhece o Ministério Público junto do referido processo TCIC 40/l0.1JAPRT, (cf. o seu requerimento de 26/01/2010 de promoção de delegação de competência "As acusações deduzidas em Espanha são em grande parte coincidentes com os factos imputados aos mesmos arguidos em Portugal no presente processo, exceptuado apenas o crime de resistência e coacção sobre funcionário.").
10 - A propósito do invocado desrespeito dos Direitos Fundamentais, o que se defende, atento o disposto no artigo 1° n°. 3 e considcrandos nº. 12 e 13 da Decisão-Quadro 2002/584/JAI de 13 de Junho de 2002, é uma interpretação em prol dos direitos fundamentais, no sentido de que a Decisão-Quadro "não priva os Estados Membros da possibilidade de recusar a entrega de uma pessoa com fundamento no não respeito dos direitos fundamentais nem os impede de fazer uso da cláusula humanitária de não-discriminação" repetindo-o insistentemente o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que na sua jurisprudência " ... consagrou a obrigação de controlar a conformidade com os direitos fundamentais dos actos dos outros Estados a que os Estados-parte da Convenção dão a sua colaboração ou na execução dos quais cooperam. E admitiu, além disso o princípio da violação da Convenção pelo Estado requerido que entrega uma pessoa a um Estado onde existe um perigo sério de que os seus direitos fundamentais sejam ignorados. Por isso, uma interpretação da Decisão-Quadro que não reconheça a possibilidade de recusa da entrega de uma pessoa por violação dos direitos fundamentais corre o risco de fazer incorrer um Estado-Membro em responsabilidade internacional, no quadro da Convenção, e de se ver condenado "por ricochete"". (cf. op. cit. fls. 48 e 49)
11 - No caso, em relação aos condenados por integrarem a organização ETA e aos suspeitos de a esta pertencerem, existe inegavelmente a confortada convicção, fundada em credíveis e incontestados elementos objectivos (tal como os constantes do relatório Doe. 4 apresentado pela defesa) de que as denúncias de desrespeito pelos direitos fundamentais não podem considerar-se como meras fabulações.
12 - Constituí esta confortada convicção a expressa previsão constante do considerando 12 da sobredita Decisão-Quadro nº, 2002/584/JAl de 13 de Junho de 2002, donde decorre, per se, o aludido perigo sério de a Requerida ser também sujeita, pelo menos, a tratos desumanos c degradantes, habitual e maioritariamente sofridos por detidos suspeitos de integrarem a organização ETA.
13 - Verificam-se assim as causas da recusa de execução do mandado de detenção europeu, previstas nas alíneas b) c 11) ponto i) do artigo 12° da Lei 65/2003, bem como a confortada convicção de que a Requerida corre o perigo sério de ser sujeita a tratos desumanos e degradantes gravemente ofensivos da sua dignidade de pessoa humana, em virtude da sua opinião político-ideológica independentista e de ser suspeita de integrar a
14 - A douta decisão recorrida violou assim o disposto no n°. 1 do artigo 1°, bem como o disposto nas alíneas b) e h) ponto i) do artigo 12°, e ainda o disposto nas alíneas d) e c) do artigo li 0, todos da Lei 65/2003 de 23/08.
15 - A douta decisão recorrida violou ainda o disposto nos considerandos 12 e 13, e no n°. 3 do artigo 10 da Decisão-Quadro 2002/584/JAT, bem como o disposto nos artigos 7°, 8° e 33°, n°, 4 da Constituição da República Portuguesa.
16 - A douta decisão recorrida, ao deferir a execução do mandado de detenção europeu em causa, violou os princípios da soberania, da independência nacional e da defesa dos interesses nacionais ínsitos nos artigos 10 c 3° da Constituição da República Portuguesa, e ainda, por excesso injustifícáve1, o princípio da proporcionalidade que abundantemente atravessa toda a arquitectura constitucional, o que para os efeitos do disposto no artigo 2040 da CRP que expressamente se invoca.
Respondeu o Ministério Público manifestando-se pela manutenção da decisão recorrida.
Os autos tiveram os vistos legais
Cumpre decidir
I
Como ponto prévio impõe-se a consideração de que a oposição deduzida pela requerente se centrou em três eixos essenciais:
a)-Pendência em Portugal de procedimento penal pelo facto que motiva a emissão de Mandado.
b)-Cometimento da infracção, segundo a Lei Portuguesa, em todo, ou em parte, em território nacional.
c)-Desrespeito dos direitos fundamentais.
A argumentação expendida pela requerente não obteve sequência e, julgada improcedente a oposição deduzida, vem a mesma requerente interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, o qual estrutura em três segmentos distintos:
a)-Do recurso a meio processual impróprio
b)-Da verificação de causas de recusa da execução do mandado de detenção europeu.
c)-Desrespeito dos direitos humanos

O mero cotejar das razões e conclusões aduzidas pela requerente nos dois momentos processuais distintos permite concluir que a mesma alega agora algo que lhe passou á margem quando da dedução de oposição, ou seja, o denominado recurso a meio processual impróprio. Na verdade, está em causa uma questão sobre a qual a decisão recorrida não foi interpelada, e chamada a pronunciar-se, e que só agora é colocada sob foco.
A assimetria exposta traduz, de algum modo, a questão processual do objecto de recurso pois que este, necessariamente, tem de incidir sob a forma como a decisão recorrida se pronunciou em relação ás questões que lhe eram suscitadas. Os recursos destinam-se a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior e não para obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições.
Na verdade, os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento em recurso não o é da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa
Não pode, assim, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre.

De qualquer forma e admitindo, por hipótese, que o invocado meio impróprio mais não é do que uma diversa conformação dos mesmos factos que mereceram uma pronuncia por parte do Tribunal da Relação dir-se-á, ainda, que:
-O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista á detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa de liberdade-artigo 1º da Lei 65/2003
A adequação do procedimento, ou o seu campo de aplicação, exprime-se na equação entre o fim concretamente pretendido e a finalidade designada na lei para aquele procedimento, ou seja, a propriedade, ou impropriedade, do procedimento é uma questão pura e simples e ajustamento da pretensão formulada ao perfil inscrito na lei.
Nos autos essa pretensão concreta é deduzida em termos formalmente correctos e para conseguir uma finalidade que é a constante da Lei. Pretende o Estado Espanhol a entrega de uma cidadã sua nacional a fim de exercer o procedimento criminal por crimes cuja prática está indiciada.
Sendo patente essa convergência entre o pedido formulado e a norma estruturante do procedimento não compete ao Estado requerente entrar em consideração com factores exógenos que se inscrevem noutro contexto processual como é o facto de a requerente já estar detida á ordem dum processo que tem por objecto actividade criminosa ocorrida em Portugal. Para a validade do mandado apenas releva a sua adequação á finalidade pretendida e que é totalmente distinto da sua exequibilidade.

O caso concreto comporta, na verdade, uma configuração invulgar atendendo á circunstância de ser pedida a detenção de alguém que, no inicio do procedimento próprio do mandado de detenção europeu, é informado que já se encontra detido á ordem de um processo crime iniciado sob a jurisdição portuguesa.
Efectivamente, importa sublinhar a forma como se desenvolvem as condições e os princípios que condicionam as condições de aplicação da medida de coacção a que alude o artigo 191 e seguintes do Código de Processo Penal quando da sua aplicação no mandado de detenção europeu. Sublinhe-se que a mesma medida define o estatuto do recorrente até que exista uma decisão definitiva relativa ao mandado de detenção europeu sendo certo que a mesma deve ser tomada sessenta dias após a detenção-artigo 26 da Lei 65/2003. Como se refere em decisão deste Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 2005 a possibilidade de aplicação de medida de coacção de entre as previstas no Código de Processo Penal pressupõe, pois, um juízo que, embora autónomo na competência da autoridade de execução, não pode deixar de estar mutuamente intercondicionada pela natureza do mandado e pelos fundamentos que determinaram a sua emissão - para procedimento penal, ou para execução de uma pena, após a condenação no Estado da emissão.
Com excepção do termo de identidade e residência, a aplicação de qualquer das demais medidas de coacção está sujeita à verificação, em concreto, no momento da aplicação, de um de três requisitos de carácter geral: fuga ou perigo de fuga; perigo de perturbação do inquérito ou da instrução; perigo, em razão da natureza do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade pública.

A situação apontada de a requerente estar sujeita á medida de coacção mais gravosa do CPP num outro processo não conflitua com o percurso processual do próprio mandado de detenção europeu, apenas implicando a consequência de não se tornar necessária a aplicação de uma medida de coacção nos termos 18 nº 3 da lei 65/2003.Na verdade, se o cidadão objecto do mandado de detenção se encontra já sujeito a uma medida de coacção e esta se compagina com as finalidades do próprio mandado de detenção fica desprovido de qualquer sentido lógico a aplicação de uma nova medida de coacção agora no domínio do mesmo mandado.

II
a)
O Tratado de Amesterdão, em vigor desde 1 de Maio de 1999, instituiu o Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça - ELSJ (artigo 29.°).A cooperação judiciária em matéria penal conti­nuou a fazer parte do III Pilar, não tendo sido "comunitarizada", como o foram a cooperação em matéria civil e as matérias de asilo e emigração. Realçam-se as importantes alterações introduzidas a nível da cooperação penal a qual deixou de ser uma cooperação meramente intergovernamental, dado o crescente papel da Comissão e do Parlamento Europeu.
Efectivamente passou a existir a possibilidade de adopção de decisões-quadro para efeitos de aproximação legislativa (instrumento de contornos semelhantes ao da directiva do I Pilar mas sem efeito directo);
- a Comissão passou a ter direito de iniciativa
- previu-se, em termos a definir, a participação de autoridades judiciárias e de polícia criminal em acções a realizar no terri­tório de um outro Estado Membro;
- a nível das relações externas, o artigo 38 do TUE veio permitir à União Europeia concluir por, unanimidade, acordos interna­cionais com Estados terceiros ou organizações internacionais em matérias relevantes do III pilar.
Por outro lado, o Tratado de Amesterdão integrou o "acquis Schen­gen" no acervo da União Europeia.
Um dos objectivos do Tratado de Amesterdão foi facultar aos cida­dãos um elevado nível de protecção num espaço de liberdade, segurança e justiça, mediante a instituição de acções em comum no domínio da cooperação policial e judiciária em matéria penal, através da prevenção e combate à criminalidade, organizada ou não, em especial o terrorismo, o tráfico de seres humanos, os crimes contra as crianças, o tráfico ilícito de armas, o tráfico de droga e o combate à corrupção e à fraude através, quer de uma cooperação mais estreita entre autoridades judiciárias e outras autoridades competentes dos Estados Membros, quer da aproxi­mação de disposições de direito penal dos Estados Membros.
0 Tratado de Nice, que entrou em vigor a 1 de Fevereiro de 2003, não introduziu grandes alterações institucionais em matéria de cooperação judiciária penal, traduzindo antes um quadro de continuidade.
A importância conferida ao Espaço de Segurança, Liberdade e Justiça pelo Tratado de Amesterdão foi reafirmada pelos Chefes de Estado e de Governo, tendo sido realizado um Conselho Europeu em Tampere, em 15 e 16 de Outubro de 1999, exclusivamente dedicado a estas matérias, cujas conclusões são invocadas como fundamento do trabalho da União Euro­peia em matéria de cooperação judiciária penal nos últimos cinco anos. Mais do que um mero enunciar de princípios, constituíram um desenvolvimento qualitativo nos trabalhos da União Europeia e um momento essen­cial na história do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça. Para além das múltiplas áreas aí elencadas (protecção das vítimas, prevenção da cri­minalidade, luta contra a criminalidade - Eurojust, Task Force Chefes de Polícia, equipas de investigação conjuntas, Academia Europeia de Polícia, reforço da Europol, Estratégia contra a droga - acção especí­fica contra o branqueamento de capitais), que foram efectivamente incrementadas, foi reto­mada a ideia de um Plano de Acção para Concretização do ELSJ, tendo-se concluído que o reconhecimento mútuo de decisões se deveria tomar o eixo essencial da cooperação judiciária na União Europeia tanto em matéria penal como em matéria civil, aplicável quer a senten­ças judiciais, quer a outras decisões de autoridades judiciárias.
Para implementação deste princípio foi adoptado um Programa de medidas destinadas a aplicar o princípio do reconhecimento mútuo de decisões penais com um conjunto de medidas a adoptar e respec­tivo prazo de adopção. (1)

O programa de medidas destinado a dar execução ao princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais, referido no ponto 37 das conclusões do Conselho Europeu de Tampere, e aprovado pelo Conselho em 30 de Novembro de 2000, aborda a questão da execução mútua de mandados de detenção.
Na elaboração da decisão quadro que conduziu á criação do mandado de detenção europeu foi determinante o objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça o que conduziu à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias.
A instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças, ou de procedimento penal, permitiu suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que, até á criação da referida figura, prevaleciam entre os Estados-Membros deram lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré-sentencial, como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça.
O objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduziu à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias. Acresce que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas, ou suspeitas, para efeitos de execução de sentenças, ou de procedimento penal, permitiu suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleciam entre Estados-Membros deram lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré-sentencial como transitada em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça.
O mandado de detenção europeu previsto na decisão-quadro de 2002 constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de "pedra angular" da cooperação judiciária. Pode-se afirmar que o mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros substituindo, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição, incluindo as disposições nesta matéria do título III da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen.
O seu núcleo essencial essencial reside em que, «desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado-Membro de onde procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União». O que significa que as autoridades competentes do Estado-Membro no território do qual a decisão pode ser executada devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão como se tratasse de uma decisão tomada por uma autoridade competente deste Estado.(2)(3)
b)
Pronunciando-se sobre a segunda razão de oposição aduzida pela requerente refere a decisão recorrida que:

Assim, perseguindo a análise da causa de recusa facultativa invocada – pendência em Portugal de procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do MDE – temos que os factos que se encontram indiciariamente imputados à requerida no P.º 40/10.1JAPRT, tal como se menciona no despacho cuja cópia consta dos autos a fls. 454 e seguintes [despacho este que, embora não transitado em julgado, delegou a competência nas autoridades judiciárias espanholas para a continuação do procedimento criminal pelos factos decorridos em Portugal] mais não são que uma decorrência dos factos imputados à mesma no procedimento que corre em Espanha; só por via do cometimento dos indiciados factos praticados em Espanha e na situação de fuga às autoridades policiais espanholas se compreende que a requerida tenha sido detectada em Portugal. Ou seja, existe uma relação de interdependência e de subsidiariedade, temporal e material, entre os factos imputados em Espanha e os imputados como sendo cometidos em Portugal.
Já a nível do “facto” na sua perspectiva do direito verifica-se, para além de uma relação de subsidiariedade, uma relação hierárquica a nível de amplitude da imputação – os crimes imputados no procedimento espanhol são mais graves – e da própria abrangência factual uma vez que os factos cometidos em Espanha contêm mais ilícitos e mesmo aquele que, declaradamente, se verifica ser comum – o relativo à detenção de documentos falsificados – só se compreende como também executado em Portugal uma vez que a requerida já vinha na sua posse quando vinha em território espanhol, ou seja, mais uma vez a interdependência.
De resto, e sem que com isto se veja qualquer apreciação critica da mesma uma vez que este não é local próprio para tal, a imputação factual e de direito que à requerida se mostra feita no procedimento que corre termos em Portugal só é compreensível porque baseada na informação prestada às autoridades policiais portuguesas e, subsequentemente, às autoridades judiciárias portuguesas, do circunstancialismo em que decorreu a intervenção das autoridades policiais espanholas com a detecção de outro cidadão espanhol na condução de veículo automóvel carregado de explosivos e outros, veículo esse abandonado perante a intervenção dessa policia.
E porque se trata de facto pretensamente cometido em Portugal – especificamente os imputados crimes de detenção de documentos falsificados com fim terrorista – essa alegação entronca com a segunda causa de recusa facultativa invocada pela requerida: a do ponto i) da alínea h) do n.º 1 do art.º 12º da Lei 65/2003 de 23.08 que se verifica quando “O mandado de detenção europeu tiver por objecto infracção que “… “Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses;”.
Ora, independentemente da interligação existente entre este crime e o mencionado no MDE e da inerente conexão uma vez que sendo a requerida detectada em Portugal na posse de tais documentos é porque já era portadora dos mesmos em território espanhol donde era proveniente, certo é que a competência para a continuação do procedimento criminal por esse crime, para além dos demais imputados no referido P.º 40/10.1JAPRT, se mostra deferida, se bem que por despacho não transitado em julgado, com a consequente transmissão dos autos para as autoridades judiciárias espanholas no âmbito do Processo Diligências Prévias n.º 9/2010, exactamente aquele onde foi emitido o presente MDE. Tal decisão esvazia, pois, de conteúdo útil a invocação da mencionada causa de recusa facultativa.
Apreciando a circunstância de a maior parte dos factos ter ocorrido em Espanha, nos moldes que acima mencionámos e envolvendo um outro cidadão espanhol, e de o processo em curso nos tribunais portugueses se encontrar numa fase incipiente, conhecendo-se neste momento apenas o teor do auto de noticia efectuado pelas autoridades de policia criminal e os demais elementos decorrentes do interrogatório judicial a que foi sujeita a requerida, enquanto o processo em Espanha, embora ignorando o estado da respectiva investigação, se mostra mais abrangente porquanto relativo a outros crimes que estarão na génese, material e motivacional, da actividade em que a requerida foi detectada uma vez que a organização terrorista em que a actividade da requerida se mostra indiciariamente inserida terá a sua sede em território espanhol, o respectivo campo de eleição de actuação será esse mesmo território, a detenção de explosivos e outro material que determina a ligação entre a requerida e a mencionada organização associação foi detectada em Espanha, em suma, ali existem mais elementos probatórios decorrentes da intervenção das autoridades policiais espanholas que determinaram a fuga da requerida e do outro cidadão espanhol, radicando aí a inexistência de razões ponderosas para que o Estado português recuse a execução do mandado de detenção emitido pela autoridade judiciária espanhola.
Daí que não se possa lançar do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alíneas b) e h), ponto i), da Lei n.º 65/2003, para a recusa facultativa de execução do mandado.

Directamente conexionada com os motivos de não execução obrigatória, a decisão quadro genética do mandado de detenção europeu prescreveu motivos de não execução facultativa. Motivos que dotam a autoridade judiciária de execução de uma potestas decidendi livre, e de refúgio, face à quase automática vinculação de execução do mandado de detenção europeu, tendo em conta ao controlo jurídico a que aquela estava, aparentemente, submetida.
Os motivos de tal recusa não só equilibram os princípios da liberdade e da segurança, como servem de fiel da balança na procura da segurança da União e escudo protector de ofensa aos direitos e liberdades fundamentais.
Acresce que, como refere Monteiro Valente (4) devemos não olvidar que os motivos de não execução facultativa não vinculam a autoridade judiciária de execução a não proceder á detenção e entrega, pois conferem-lhe, uma potestas decidendi dentro da liberdade e independência de convicção e de decisão que lhe é comummente reconhecida, mas vinculam-na a perpetrar um juízo jurídico de hermenêutica profundo e de ponderação da tutela de interesses juridicamente protegidos em conflito - a protecção de bens jurídicos em confronto com o crime e a protecção de interesses humanos face ao jus puniendi.
A recusa facultativa não pode ser concebida como um acto gratuito ou arbitrário do tribunal. Há-de assentar em argumentos e elementos de facto adicionais aportados ao processo e susceptíveis de adequada ponderação, nomeadamente factos invocados pelos interessados, que, devidamente equacionados, levem a dar justificada prevalência ao processo nacional sobre o do Estado requerente.
Na verdade, concedendo aquela Lei ao Estado requerido a faculdade de recusa, nomeadamente nos casos de pendência de processo «pelo mesmo facto», ela permite que
aquele mesmo Estado, através das entidades competentes, nomeadamente o Ministério
Público, ou do arguido, demonstrem ao tribunal a existência de possíveis vantagens e ou
utilidade na concretização da recusa. O que não pode nem deve é tratar-se de um acto
arbitrário, caprichoso ou meramente voluntarista, capaz de pôr em causa os sãos princípios
de cooperação internacional a que tal Lei quis dar corpo.
Como refere Pires da Graça as causas de recusa facultativa de execução constantes do art. 12.º, n.º 1, da Lei 65/2003, de 23-08, têm, quase todas, um fundamento ainda ligado, mais ou menos intensamente, à soberania penal: não incriminação fora do catálogo, competência material do Estado Português para procedimento pelos factos que estejam em causa, ou nacionalidade portuguesa ou residência em Portugal da pessoa procurada.(5)(6)

Estando nós de acordo com a perspectiva que inscreve as causas de recusa facultativa numa equação entre uma afirmação residual de soberania nacional e as exigências conjugadas da protecção dos direitos do requerido e funcionalidade da perseguição penal não é menos exacto que as mesmas têm, também, uma leitura orientada teleologicamente em dois patamares distintos:
-Por um lado a construção de um direito penal europeu em que se procure obviar as fracturas resultantes das visões parcelares orientadas para uma unilateralidade redutora. Particularmente apropriadas surgem as palavras de Ulrich Sieber (7) quando refere que os perigos específicos de uma perseguição penal europeia para a protecção de direitos individuais residem na circunstância de diferentes sistemas jurídicos nacionais (e também supranacionais) próximos terem competência de aplicação sobreposta, especialmente em crimes transnacionais. O possível conflito de inúmeros sistemas de processo penal daí derivado pode, particularmente na criminalidade transnacional, originar um prejuízo adicional para o arguido devido aos diversos processos concorrentes.
. Processos concorrentes deste tipo devem ser evitados num direito penal "europeu" através de uma clara regulamentação do âmbito de aplicação e das regras de concorrência, como também através da proibição de dupla incriminação (ne bis in idem), tanto de um ponto de vista da eficiência como a fim de prevenir o forum shopping. Também nestes casos o direito penal europeu 'tem 'de desenvolver mecanismos de protecção específicos para além das soluções do direito penal nacional clássico.
A possibilidade apresentada de um agravamento da posição jurídica do arguido, através de uma alteração do direito aplicável, tem como consequência para as normas de competência que estas - inversamente ao que sucede no âmbito de uma ordem jurídica homogénea - terão de ter uma força de aplicação reforçada em relação à posição jurídica do arguido, comparativamente com o que normalmente acontece com as regras de competência de um sistema jurídico unitário. Por esse motivo, no desenvolvimento do direito penal europeu é preciso assegurar as respectivas garantias processuais.
Mas as regras de competência materiais e processuais para a resolução de conflitos de competência também são exigidas no interesse de uma perseguição penal efectiva, dado que na praxis penal europeia é frequente, em complexos casos de fraude internacional, nenhum Ministério Público querer ficar com o caso, apesar de existir, inclusivamente, concurso de competências de diversos Estados. Ou seja, também por razões de interesse numa perseguição penal efectiva é imperativo que se estabeleçam regras de competência adequadas, porque uma perseguição penal insuficiente num Estado-membro com uma determinada decisão final pode conduzir a uma proibição de incriminação em todas as outras ordens jurídicas europeias através do ne bis in idem. As competências concorrentes podem, assim, conduzir não apenas ao forum shopping das autoridades judiciais como também ao forum shopping de caso julgado por parte do arguido (ou ne bis in idem shopping). No interesse da segurança e da liberdade, o direito penal europeu exige tanto regras de competência suficientes para os direitos penais nacionais como também os respectivos meios jurídicos adequados.
O funcionamento dos mecanismos de articulação das jurisdições pleiteantes, tal como está perfilado no mandado de detenção europeu e, nomeadamente, nas causas de recusa surge, assim, também como uma antecipação e exigência da construção de um espaço judiciário único.

Numa outra dimensão dir-se-á, ainda que o funcionamento das causas de recusa facultativa de cumprimento do mandado de detenção europeu vêm ao encontro da necessidade de convocar mecanismos preventivos que permitam a decisão que evite futuros conflitos positivos de jurisdição ou uma invocação do principio “ne bis in idem”.
Tal leitura é particularmente impressiva no caso do motivo de recusa invocado nos presentes autos, ou seja, a circunstância de “estar pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu”-artigo 12 nº1 b). Como refere Mário Mendes (8), na linha de Jean Pradel e Gerst Corstens a recusa de extradição de uma pessoa reclamada, se o Estado requerido tiver instaurado contra ela procedimento pelo mesmo facto ou factos motivadores do motivo de extradição, enquadra-se no principio ne bis in idem a que, como refere, Monteiro Valente acrescem razões ligadas ao ideário do duplo procedimento.
Na verdade, o direito subjectivo que o princípio assume em relação ao demandado implica não só que este não possa ser punido duas vezes pelo mesmo delito como também que não possa ser objecto de um duplo procedimento (9). A nível comunitário as situações que revestem tais características são, neste momento, objecto de uma monitorização e coordenação por parte do Eurojust (10) nas quais razões relacionadas com as finalidades do direito penal e, necessariamente, motivos de prevenção a nível geral se conjugam com as próprias exigências da investigação no âmbito do processo penal.

No caso vertente, em face da teleologia que anima a norma dispositiva da referida causa facultativa de recusa de cumprimento do mandado europeu não vislumbramos motivo para poder afirmar que, quer em sede de finalidade das penas; das necessidades de investigação ou da funcionalidade do próprio processo penal, deveria ter sido invocada a mesma recusa. de cumprimento.
A conjugação de tais circunstâncias aponta exactamente em sentido contrário como, aliás, o aponta a própria decisão de delegação no Estado Espanhol da continuação do procedimento criminal em relação ao inquérito pendente em Portugal cuja cópia consta de fls. 293 e objecto de recurso
Improcede a oposição deduzida no que respeita.

III
Invoca a requerente uma potencial situação de desrespeito dos seus direitos fundamentais a que será conduzida pela concretização do mandado emitido. Sobre tal motivo de oposição referiu a decisão recorrida que:
Para além do mencionado relatório ser oriundo de departamento do Governo Basco em cuja província autónoma a problemática da actuação da ETA é, como é do conhecimento público, mais vincada, premente e fracturante, sem prejuízo do acerto e fundamento das conclusões ali encontradas cuja critica não nos cabe aqui fazer, no mínimo por não ser o local e o meio próprio, certo é que aquilo que a requerida não deixará de reivindicar como um direito seu – o da presunção de inocência, como decorre da Constituição da República Portuguesa no seu art.º 32º n.º 2, do art.º 24º n.º 2 da Constituição Espanhola, do art.º 48º n.º 1 da Carta Dos Direitos Fundamentais Da União Europeia (in JO 18.12.2000 C 364/1) e do art.º 6º n.º 2 da Convenção Europeia Dos Direitos Do Homem – também não deixará de o reconhecer como sendo também do Estado Espanhol contra o qual suscita esse libelo. Ora, no que toca a violação dos direitos humanos, nomeadamente por violação do art.º 3 da Carta citada nenhuma condenação foi proferida contra o Estado Espanhol pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, relativo ao art.º 3º (proibição de tortura ou de penas ou tratamentos desumanos ou degradantes) no período decorrente de 1.11.1998 a 31.12.2008, tal como se extrai do Relatório Anual de 2008 desse Tribunal, a fls. 140, disponível em http://www.echr.coe.int/.../RAPPORT_ANNUEL_2008.pdf. Idêntica situação se verifica no que respeita ao ano de 2009 cujo relatório provisório pode ser consultado no mesmo sitio da Internet.
Indecentemente disso, mesmo a verificar-se a apontada convicção de que Estado Espanhol desrespeita frequentemente e continuadamente os direitos fundamentais decorrentes da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Jornal Oficial da União Europeia de 14.02.2007 – C 303/3 e 303/6) mormente no que respeita a cidadãos suspeitos de apoiarem ou integrarem a organização ETA, essa convicção não constitui qualquer garantia ou mesmo fundamento sério da suspeita de que a mesma será efectivamente objecto de tortura ou de tratamento desumano ou degradante uma vez entregue às autoridades judiciárias espanholas.

É evidente que os crimes indiciados no mandado de detenção europeu que ora se analisa referem-se, parcialmente, a uma actividade criminosa que, na última década, deu uma nova conformação ás ordens jurídicas nacionais, quando não originou uma nova visão global da questão do terrorismo. Desde a formulação de novos conceitos como o anglo saxónico “inimigo combatente”(11) ou o “direito penal do inimigo” de Jakobs, até á formulação de leis de excepção como o Patriotic Act é toda uma panóplia de atitudes e actos que visam uma nova realidade.
Como refere Gonzalez Cussac (12) no caso espanhol, como noutros países europeus, a normativa especial das décadas de setenta e oitenta incorporou os seus conteúdos no direito penal e processual comum outorgando carta de normalidade a um direito de emergência. Porém quando o sistema jurídico reconhece a emergência como uma situação permanente esta deixa de o ser e o transitório transforma-se em permanente. Esta é a principal crítica que a doutrina tem lançado ás legislações antiterroristas.
Porém, a constatação de tal facto não constitui um anátema, mas antes apela a um juízo crítico permanente na procura do justo equilíbrio ente segurança e direitos ou, numa outra perspectiva, entre sistema democrático e luta antiterrorista. Neste aspecto a lei espanhola situa-se exactamente no mesmo patamar dos países seus pares.

A oposição deduzida pela requerente assenta na ideia do desrespeito dos direitos fundamentais de quem está indiciado pelo facto de pertencer á organização terrorista denominada ETA.Face a tal imputação um primeiro escrutínio que se efectue deverá separar a constatação de uma repetida de violação de direitos humanos que, assim, consubstanciará uma característica endógena do sistema, daquilo que são meros acontecimentos pontuais que, não revelando qualquer atitude prévia e premeditada da parte de quem detem o controle do poder do Estado, apenas devem ser valorizados em si mesmas, e sancionadas, e não como indicadores de um fenómeno genérico.
Na verdade, a confiança mútua que constitui o cerne do mandado de detenção europeu fundamenta-se, também, na convicção de que todos os membros da União comungam dos mesmos valores nucleares, tributários dos direitos do Homem, e estão sujeitos aos mesmos mecanismos específicos e comuns da garantia daqueles valores.
Os estados membro da EU estão sujeitos a mecanismos de supervisão e de garantia dos direitos humanos que se situam num plano superior, de uma maior intensidade e reforço, em relação á maioria dos restantes países. Invocando-se desde logo o Conselho Europeu dos Direitos do Homem é inquestionável a afirmação da sua natureza jurisdicional, bem como a jurisdição obrigatória do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o que, conjugado com a acessibilidade para qualquer cidadão, tipifica um mecanismo único e de superior qualidade entre os mecanismos internacionais de garantia.
No que toca ao Tribunal de Justiça das Comunidades e, como refere Francisco Legido (13), a intervenção em matéria do terceiro pilar tem-se revelado de uma maior descrição pois que, por muito que os princípios fundamentais sejam vinculativos para os Estados membro, o certo é que os mecanismos procedimentais dificultam o controle jurisdicional em matérias do mesmo pilar. Importa aqui salientar que a reforma inscrita no Tratado Constitucional, ao determinar a supressão da distinção ente pilares e a quase plena aplicação das competências do tribunal de Justiça da união nas matérias de cooperação Policial e Judicial Penal vem dar uma conformação ainda mais garantistica dos mecanismos que perfilam tal cooperação no espaço comunitário.
Essencialmente o que avulta aqui, e agora, é uma confiança mútua, e recíproca, que emerge da solidariedade e do sentir que a pertença a esta comunidade de Estados, que é União, coloca todos os seus cidadãos num mesmo patamar de credor das garantias de um Estado de Direito Democrático. Nada fundamenta a afirmação de que, num desses países, que assumiu o compromisso de respeito dos direitos do homem, no caso falamos do Estado Espanhol, seja instituída uma prática que o desmereça.
Os relatórios de organizações não governamentais como é o caso da Amnistia Internacional merecem credibilidade, mas não é por isso que perdem a sua natureza segmentada, votada para a detecção de comportamentos patológicos que surgem á revelia, e contra o Estado, e não neste, ou por este.
Assim, não se vislumbra, também aqui, razão para colocar em crise a decisão recorrida.

Importa, ainda, referir que não se vislumbra qualquer lesão do princípio da proporcionalidade que, aliás, a requerente invoca mas sem precisar concretamente.

Termos em que decidem os juízes que integram a 3ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto por AA.
Custas pela recorrente
Taxa de justiça 9 UC
Santos Cabral (Relator)
Oliveira Mendes

________________________________
(1) No período imediato após o atentado de 11 de Setembro a Comissão propôs a criação de mandado de detenção europeu. Esta proposição conduziu á decisão quadro aprovada em 11 de Dezembro de 2001 e, finalmente, adoptada pelo Conselho de 13 de Junho de 2002. O mandado de detenção europeu substitui, desde 1 de Janeiro de 2004, a extradição para um certo número de infracções consideradas particularmente graves como é o caso do terrorismo.
O mecanismo fundamental do mandado é o reconhecimento mútuo das decisões judiciárias. Quando a autoridade judiciária de um Estado membro solicita a entrega de um arguido, seja em virtude de uma condenação definitiva, seja porque o mesmo é objecto de um processo penal, a decisão deve ser reconhecida e executada automaticamente sobre todo o território da União.
O seu campo de aplicação é quase idêntico ao da extradição. A grande diferença é de que o mecanismo do mandado de detenção europeu suprime a intervenção das autoridades diplomáticas, e mesmo do Ministro da Justiça, ou seja afasta outro tipo de decisão que não a meramente técnica e judicial.
Com o desaparecimento da intervenção politica o procedimento torna-se mais neutro e mais rápido. Essa a diferença fundamental em relação ao instituto de extradição no qual o poder executivo era o eixo de todo o procedimento.
(2) É sabido que a confiança é um pressuposto indispensável de realização do princípio do reconhecimento mútuo. Mas a confiança não se decreta, antes exige que as garantias processuais sejam semelhantes em todos os Estados-Membros, para além do grau de homogeneidade que assegura a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Por isso (cfr. texto), vem-se observando a deslocação do sector prioritário da harmonização do âmbito penal material para o processual. Sobre a importância da tarefa da harmonização a este nível, num momento em que se dão passos decisivos no domínio do reconhecimento de decisões judiciárias tomadas nas fases de investigação, designadamente, com o mandado de detenção europeu, cfr. ANABELA MIRANDA RODRIGUES, RPCC, 13 (2003).
(3) Em termos procedimentais toda a estrutura de cumprimento do mandado tem subjacente o propósito que de criar um instrumento ágil com base na confiança mútua, e num quadro de respeito por princípios fundamentais, como é o exercício do direito de defesa, que estão inscritos na matriz de criação da EU.
Assim, e precisando alguns dos termos de tal procedimento, interpretados dentro daquela teleologia:
-O mandado de detenção europeu deve compreender toda uma série de informações sobre a identidade da pessoa, a autoridade judiciária de emissão, a decisão judicial definitiva, a natureza da infracção, a pena, etc. (um modelo do formulário encontra-se junto em anexo à decisão-quadro).
Em geral, a autoridade de emissão comunica o mandado de detenção europeu directamente à autoridade judiciária de execução. Está prevista a colaboração com o Sistema de Informação de Schengen (SIS), bem como com os serviços da Interpol. Se a autoridade do Estado-Membro de execução não for conhecida, a rede judiciária europeia presta assistência ao Estado-Membro de emissão.
Os Estados-Membros podem adoptar as medidas coercivas necessárias e proporcionais contra uma pessoa procurada. Quando uma pessoa procurada for detida, tem o direito a ser informada do conteúdo do mandado, bem como a beneficiar dos serviços de um defensor e de um intérprete.
A autoridade de execução tem o direito de decidir manter a pessoa em detenção ou libertá-la sob certas condições.
Enquanto se aguarda uma decisão, a autoridade de execução (em conformidade com as disposições nacionais) procede à audição da pessoa em causa. O mais tardar 60 dias após a detenção, a autoridade judiciária de execução deve tomar uma decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu. Em seguida, a autoridade judiciária de execução informa imediatamente a autoridade de emissão da decisão tomada.
Todavia, se as informações comunicadas forem consideradas insuficientes, a autoridade de execução pode solicitar à autoridade de emissão informações complementares.
O período de detenção relativo ao mandado de detenção europeu deve ser deduzido do período total da pena de privação de liberdade eventualmente aplicada.
A pessoa detida pode declarar que consente na sua entrega, de forma irrevogável e em plena consciência das consequências do seu acto. Neste caso, a autoridade judiciária de execução deve tomar uma decisão definitiva sobre a execução do mandado no prazo de dez dias a contar da data do consentimento.
Os Estados-Membros podem prever que, sob certas condições, o consentimento seja revogável. Para este efeito, devem fazer uma declaração aquando do acto de adopção da presente decisão-quadro indicando as modalidades práticas que permitem a revogação do consentimento.
O Estado-Membro recusa a execução do mandado de detenção europeu se:
-Tiver sido proferida uma decisão transitada em julgado por um Estado-Membro pelos mesmos factos e contra a mesma pessoa (princípio "ne bis in idem");a infracção for abrangida por uma amnistia no Estado-Membro de execução;n o Estado-Membro de execução, a pessoa em causa não puder, devido à sua idade, ser responsabilizada.
A autoridade judiciária de execução pode recusar a execução do mandado na presença de outras condições (prescrição da acção penal ou da pena nos termos da legislação do Estado-Membro de execução, decisão transitada em julgado pelos mesmos factos por um país terceiro, etc.).
A não execução do mandado de detenção europeu deve ser sempre fundamentada.
O mandado é traduzido na língua oficial do Estado-Membro de execução. Além disso, é transmitido por quaisquer meios que permitam ter o seu registo escrito e verificar a sua autenticidade pelo Estado-Membro de execução.
(4) Mandado de detenção europeu pag 266.
(5) Henriques Pires da Graça -A Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça na execução do regime relativo ao Mandado de Detenção Europeu - pág 20 e seguintes
(6) No mesmo sentido Acórdão de 12/11/2008 (Juiz Conselheiro Henriques Gaspar) referindo que a definição das causas de recusa facultativa de execução tem como matriz essencial a constituição de um fundo de autonomia das instâncias judiciais nacionais e – não pode ser desconsiderado – um resguardo último de soberania, conjugado, em harmonia prática, com as necessidades impostas pela constituição de um espaço comum de liberdade, segurança e justiça.
Tratando-se, no caso, de um modelo de substituição integral da extradição, simplificado e inteiramente jurisdicionalizado, tudo quanto fosse anteriormente regulado pelo regime da extradição, deve ser integrado no regime do mandado de detenção europeu no que respeita ao respectivo âmbito objectivo e subjectivo de aplicação.
É neste enquadramento que têm de ser interpretadas as disposições sobre causas de não execução, e especificamente as causas de recusa facultativa de execução.
A leitura das causas de recusa facultativa de execução exige-se, por isso, na convergência entre a defesa de alguns valores nacionais e a abertura ao princípio do reconhecimento mútuo das decisões.
As causas de recusa facultativa de execução, constantes das alíneas a) a h) do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, têm todas em diversas perspectivas, fundamentos ainda ligados, mais ou menos intensamente, à soberania penal: não incriminação fora do catálogo, competência material do Estado Português para procedimento pelos factos que estejam em causa, ou nacionalidade portuguesa ou residência em Portugal da pessoa procurada.
Nesta perspectiva, as causas de recusa facultativa não podem (não devem) ser vistas isoladamente, mas, antes, consideradas e aplicadas tendo como critérios de decisão os feixes referenciais que constituem a teleologia da categoria no regime de execução do instrumento europeu de cooperação.
Teleologia essencial relacionada com a possibilidade deixada aos estados de salvaguarda de alguns interesses ligados à soberania penal do Estado da execução, à efectividade da sua jurisdição, ao respeito por princípios relevantes da natureza do seu sistema penal e a um campo (ainda) de resguardo e protecção dos seus nacionais ou de pessoas que relevem da sua jurisdição.
(7) O futuro do direito penal europeu- uma nova abordagem dos objectivos em “Que futuro para o direito processual penal” pag 473.
(8) Extradição in Cooperação Internacional Penal CEJ 2000 pag 41.
(9) O principio ne bis in idem- proibição de dupla penalização ou double jeopardy- implica uma dicotomia entre as duas situações ou seja o nemo debat bis vexari pro una et eadem causa e nemo debet bis puniri pró uno delicto
(10) Confrontar as actas do seminário Jurisdiction Conflits and principle ne bis in idem in Europe
(11) A tese do inimigo combatente, justificadora, da situação de detenção indefinida pelos detidos de Guantanamo foi colocada em causa pelo Supremo tribunal Federal no caso Raul v.Bush
(12) El derecho penal frente al terrorismo em Terrorismo y proceso penal acusatório pag 89
(13) La euro orden, el principio de doble incriminacion y la garantia de los derechos fundamentales