Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DO REGO | ||
Descritores: | EXCEPÇÃO EXCEPÇÃO DILATÓRIA DE CASO JULGADO IDENTIDADE DO PEDIDO IDENTIDADE DA CAUSA DE PEDIR ACÇÃO DE REDUÇÃO DO PREÇO ACÇÃO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA | ||
Data do Acordão: | 04/24/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / SENTENÇA. | ||
Doutrina: | - Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p.178 e segs.. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 264.º, 489.º, 494.º, AL. I), 664.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 18/5/2006, P. 06A1157; -DE 19/2/2009, P. 09B0081; -DE 10/10/2012, P. 1999/11.7TBGMR.G1.S1; AMBOS EM WWW.DGSI.PT . | ||
Sumário : | 1. A figura da excepção de caso julgado – que a reforma de 1995/96 qualificou expressamente ( art. 494º, al. i) como dilatória – tem que ver com um fenómeno de identidade entre relações jurídicas, sendo a mesma relação submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional, ignorando-se ou desvalorizando-se o facto de esse mesma relação já ter sido, enquanto objecto processual perfeitamente individualizado nos seus aspectos subjectivos e objectivos, anteriormente apreciada jurisdicionalmente, mediante decisão que transitou em julgado. 2. Ocorre identidade de pedido quando o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor em ambas as acções é substancialmente o mesmo – no caso, a obtenção de uma redução do preço já efectivamente pago, com vista ao restabelecimento do equilíbrio das prestações subjacente à vontade real dos contraentes – e que ressaltaria e estaria subjacente a determinada cláusula de contrato promessa, já exaurido com a celebração do contrato de compra e venda, e não incluída no clausulado deste contrato definitivo, ulteriormente celebrado. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. AA, SA, instaurou acção, com processo ordinário, contra os réus BB, SA, CC, DD, EE e FF, pedindo que a) o tribunal fixasse definitivamente o preço final de compra e venda das acções da sociedade BB, SA e que b) condenasse solidariamente os réus a devolverem à autora a quantia de 297.625,22€, acrescida de juros, da citação até integral pagamento, reconhecendo que, por erro desculpável da autora, esta procedeu ao pagamento integral do preço, antes da obrigação de liquidar o mesmo e que esse facto originou um enriquecimento ilegítimo doa réus, à custa da autora. A demandante fundamenta esta pretensão na invocação da promessa de compra e venda que foi celebrada entre as partes, relativa às acções da sociedade ré e da relativa à compra de um prédio, destinadas, conjuntamente, ao desenvolvimento de um projecto imobiliário, analisando o clausulado nos aludidos contratos e respectivos aditamentos, referenciando a decisão da Câmara Municipal de Coimbra sobre a viabilidade possível do projecto e notando que nenhum dos outorgantes usou da faculdade de resolução , ali prevista - sustentando ainda que não teria sido fixado o preço final da aquisição, mas havendo lugar à redução de preço, tendo em conta a área de construção admitida pela autarquia. Entende que a entrega das cautelas representativas da totalidade do capital social da primeira ré, ocorrida antes da decisão camarária, mesmo que consumisse o objecto do contrato promessa, não significaria o cumprimento integral do estipulado em todas as suas cláusulas. A demandante sustenta, desde logo, que não há identidade de causa de pedir entre esta acção e uma anterior que correu termos entre as partes e culminou em decisão de mérito, transitada em julgado, já que faltaria apurar qual o preço da compra e venda das acções, de modo a evitar o enriquecimento ilegítimo dos RR., pois foi vontade real das partes que o preço fosse ajustado na base de uma condição futura e ulterior à entrega das cautelas representativas do capital social, ligada ao âmbito do licenciamento camarário atrás referido. Os réus CC e EE vieram contestar, invocando, desde logo, a excepção do caso julgado. Sustentam que a presente acção de condenação contra os réus tem por objecto um contrato-promessa de compra e venda de acções, nela se pedindo que o tribunal fixasse definitivamente o preço final de compra e venda de acções da sociedade BB, SA e se condenassem os RR., solidariamente, a devolver-lhe a quantia de 297.625,22€, acrescida de juros, reconhecendo que, por erro desculpável, a autora teria procedido ao pagamento integral do preço antes do vencimento da obrigação de o liquidar. Contudo, já em 24.10.97 a autora intentara no Tribunal da Comarca de Coimbra uma acção de condenação contra o réu CC - que correu termos com o n.º 137/97 pela 1.ª Vara Mista do Tribunal de Círculo da Comarca de Coimbra - tendo nessa acção peticionado a condenação do mesmo a pagar à autora a quantia de 66.505,320$00€ acrescida de juros à taxa legal de 15%, sendo que nessa acção o pedido resultava do direito que a autora se arrogava a receber dos promitentes vendedores do contrato promessa aqui em causa, a quantia correspondente à devolução das quantias recebidas e juros contratualmente previstos. Concluem que essa mencionada acção teve por objecto o mesmo contrato promessa que se discute e que, por isso, a autora não poderia intentar nova acção com a mesma fundamentação, a mesma fonte e o mesmo pedido. A autora replicou, sustentando existirem causas de pedir diferentes , uma vez que, na primeira acção, pretendia a autora que fosse actuada a condição fixada no contrato, no que se refere ao mecanismo de redução do preço das acções - enquanto nesta nova acção pretende receber o preço liquidado em excesso, pelo que causa de pedir reside agora no enriquecimento indevido dos réus. No saneador, julgou-se procedente a excepção dilatória de caso julgado , absolvendo-se os réus da instância. Inconformada, a autora recorreu, tendo, porém, a Relação confirmado inteiramente a decisão recorrida, negando provimento ao agravo. 2. A Relação começou por considerar provada a seguinte matéria de facto: 1 - Correu termos na 1.ª Vara Mistas do Tribunal Judicial de Coimbra o processo com o n.º 137/1997, em que foi Autoras, AA SA e réus CC, BB, SA, DD e EE. 2 - No âmbito do processo referido em 1) a Autora pede que na procedência da ação seja “o réu condenado a pagar à Autora a quantia de 66.505.320$00 acrescida de juros à taxa legal de 15% desde a data da citação e até integral pagamento. 3 - Na ação referida em 1) alega a A. que em 1994 como promitente compradora, celebrou com os réus como promitentes vendedores dois contratos promessa, um de compra e venda de 5000 ações da sociedade BB, SA e outra de compra e venda de 1/6 de um prédio rústico, aí pretendendo desenvolver um projeto imobiliário. Diz ainda que de acordo com as clausulas estabelecidas no contrato promessa a celebração do contrato definitivo de compra e venda de ações ficava dependente da aprovação pela Câmara Municipal de Coimbra até 30.12.21994 de um pedido de viabilidade de, pelo menos, 11.000m2 de construção nova acima do solo, sendo um máximo de 2.750m2 com finalidade turística e um mínimo de 8.250m2 sem finalidade turística e o preço daquelas ações sujeito a aumento ou redução consoante se viesse a ser decidido pela Câmara. Diz ainda que o contrato promessa foi cumprido na parte em que os promitentes compradores se obrigaram a transferir para si 5.000 ações mas que pretende ver o preço pago reduzido uma vez que a viabilidade aprovada pela Câmara não contemplou construção nova sem a finalidade turística. 4 - A ação referida em 1) foi julgada improcedente pela 1.ª instancia que julgou improcedente a ação declarando nulo o contrato promessa mas não condenou à restituição porque o que a A. pede é a redução do preço global. 5- Interposto recurso pela A. veio a ação a ser julgada pelo Tribunal da Relação de Coimbra o qual julgando válido o contrato promessa celebrado, entendeu improceder a ação por ter entendido que “a pretensão do apelante não pode ser satisfeita quer porque, como se diz na sentença apelada, o que o contrato prevê é a resolução, quer porque conforme resulta provado e é afirmado nas conclusões de recurso «em 7.9.95, antes da entrada da presente ação, as ações da BB, SA já tinham sido totalmente transferidas para a ora apelante», já tinha sido celebrado o contrato prometido” (…) e “(…) a Autora não alegou, nem há qualquer prova de que a clausula do contrato promessa que pretende ver aplicada tenha sido inserida no contrato prometido e já realizado.” 6 - Interposto recurso de revista veio o Supremo Tribunal de Justiça a manter o decidido no acórdão recorrido, aí consignado que o que vigora é o contrato prometido “e vigora nos precisos termos em que se nada se provou no sentido de lhe dar uma interpretação diferente “maxime” a pretendida pela recorrente com a sua invocada redução do preço pago, fazendo apelo a que a viabilidade aprovada pela Câmara Municipal de Coimbra não contemplou a construção nova sem a finalidade turística. Nada há, pois, a impor a vigência da cláusula do contrato promessa invocada pelo recorrente, que já não é proprietária do prédio em causa, dado que, como se deixou dito, já procedeu à venda do imóvel que adquiriu com a compra das 5.000 ações da BB, SA (…) Resta acrescentar que também carece de fundamento a alegação da recorrente no sentido da existência de um enriquecimento sem causa (artigos 473º e 474º C. Civ.) face a tudo o que se deixou exposto.” 7 - A 14 de dezembro de 2007 a A. instaurou nesta Tribunal a presente ação contra CC, BB, SA, DD e EE e FF. 8 - Na ação referida em 7) a A. pede que o Tribunal fixe definitivamente o preço final de compra e venda de ações da sociedade BB, SA e se condene os Réus, solidariamente, a devolver à Autora a quantia de €297.625,22 acrescida de juros desde a citação e integral pagamento, reconhecendo que, por erro desculpável, a Autora procedeu ao pagamento integral do preço, antes do vencimento da obrigação de liquidar o mesmo e que esse facto originou enriquecimento ilegítimo dos Réus à custa da Autora, por força do 476.º, n.º 3 do CPC. 9 - Na ação referida em 7) alega a A. que em 1994 como promitente compradora, celebrou com os Réus como promitentes vendedores dois contratos promessa, um de compra e venda de 5000 ações da sociedade BB, SA e outra de compra e venda de 1/6 de um prédio rústico, aí pretendendo desenvolver um projeto imobiliário. Diz ainda que de acordo com as clausulas estabelecidas no contrato promessa a celebração do contrato definitivo de compra e venda de ações ficava dependente da aprovação pela Câmara Municipal de Coimbra até 30.12.21994 de um pedido de viabilidade de, pelo menos, 11.000m2 de construção nova acima do solo, sendo um máximo de 2.750m2 com finalidade turística e um mínimo de 8.250m2 sem finalidade turística e o preço daquelas ações sujeito a aumento ou redução consoante se viesse a ser decidido pela Câmara. Diz ainda que o contrato promessa foi cumprido na parte em que os promitentes compradores se obrigaram a transferir para si 5.000 ações e “mesmo considerando que o contrato-promessa foi consumido pela entrega das cautelas (…) sempre os Réus estipularam com a A. que o preço de compra e venda das ações seria ajustado em função da dita deliberação/aprovação camarária” e que “Logo, uma vez que a dita decisão só foi proferida em momento ulterior à entrega das ditas cautelas, não poderá a entrega física das cautelas (tradição da coisa) significar o cumprimento integral do contrato-promessa e de todas as clausulas/obrigações”, pelo que pretende se determine neste processo o preço das ações e a repetição do indevidamente prestado pela A. aos Réus alegando que os Réus enriqueceram à custa do património da A. 3. Passando a apreciar a questão da inverificação da excepção do caso julgado, suscitada pela recorrente, considerou o acórdão recorrido: Na busca dos limites objetivos do caso julgado, aferidos a uma concreta ação a que se pergunta se repete uma anterior, interessa, como se viu, a pretensão formulada (a tutela jurídica pretendida), a qual, convergindo com a causa de pedir, representa o direito afirmado pela parte, afirmado como concreta realidade e não categoria abstrata, isto é, serão os factos constitutivos do direito invocado e não as normas jurídicas pressupostas que individualizam (concretizam) o direito pretendido. Neste sentido, a causa de pedir são os factos alegados pelo autor como factos constitutivos e o objeto do processo mantém-se, mesmo que a qualificação jurídica seja alterada (J.P. Remédio Marques, Ação… cit., págs. 677/678)[1]. Se podermos resumir a questão relevante, reconhecendo embora a sua complexidade, diremos o seguinte: se os factos alegados, relevantes no sentido de potenciarem uma pretensão jurídica, independentemente da sua qualificação, se esgotam na tutela formulada na (primeira) ação, não servem a uma (repetida) pretensão. Dito de outro modo, se a pretensão se repete, há caso julgado, mesmo que os factos e seu efeito jurídico pareçam distintos, mas não afirmem outros e autónomos efeitos jurídicos. Descendo ao caso dos autos, pensamos que a 1.ª instância decidiu corretamente e que se verifica a exceção do caso julgado, impeditiva da repetição da causa. Melhor o compreenderemos se citarmos aqui a decisão que na primeira demanda foi a definitiva e transitada, o acórdão do Supremo que negou a Revista e confirmou a decisão da Relação de Coimbra. Aí se diz, com muita clareza, o seguinte: 1 – O negócio prometido, como a recorrente aceita, já foi celebrado. 2 – Se é verdade que as partes subordinaram a um acontecimento futuro e incerto a produção de efeitos do negócio, daí não decorre a procedência da causa, pois a autora apenas podia vender, como vendeu, o imóvel depois de ser titular da totalidade das ações do capital social da sociedade ré. 3 – O contrato promessa é válido e foi validamente celebrado e não pode impor-se a cláusula invocada pela autora – de redução do preço – pois a autora "já não é proprietária do prédio em causa, dado que, como se deixou dito, já procedeu à venda do imóvel que adquiriu com a compra das 5.000 ações da BB, SA". 4 – "Resta acrescentar que também carece de fundamento a alegação da recorrente no sentido da existência de um enriquecimento sem causa". A decisão do STJ, acabada de referir, "apenas" nega a Revista, mas a transcrição que antecede revela-nos a dimensão dos factos constitutivos relevantes, que foram efetivamente apreciados. Os factos são idênticos numa e noutra ação, mas a autora, se assim podemos, dizer, requalifica-os. Na primeira ação (que correu na Vara Mista de Coimbra) a autora pede que a condenação na quantia de 66.505.320$00 acrescida de juros e alega que "em 1994 como promitente compradora, celebrou com os réus como promitentes vendedores dois contratos promessa, um de compra e venda de 5000 ações da sociedade BB, SA e outra de compra e venda de 1/6 de um prédio rústico, aí pretendendo desenvolver um projeto imobiliário. Diz ainda que de acordo com as clausulas estabelecidas no contrato promessa a celebração do contrato definitivo de compra e venda de ações ficava dependente da aprovação pela Câmara Municipal de Coimbra até 30.12.21994 de um pedido de viabilidade de, pelo menos, 11.000m2 de construção nova acima do solo, sendo um máximo de 2.750m2 com finalidade turística e um mínimo de 8.250m2 sem finalidade turística e o preço daquelas ações sujeito a aumento ou redução consoante se viesse a ser decidido pela Câmara. Diz ainda que o contrato promessa foi cumprido na parte em que os promitentes compradores se obrigaram a transferir para si 5.000 ações mas que pretende ver o preço pago reduzido uma vez que a viabilidade aprovada pela Câmara não contemplou construção nova sem a finalidade turística". Nesta ação, a autora pede que o Tribunal fixe o preço final de compra e venda de ações da sociedade BB, SA e condene os réus a devolver a quantia de €297.625,22 acrescida de juros, reconhecendo que, por erro desculpável, a autora procedeu ao pagamento integral do preço, antes do vencimento da obrigação de liquidar o mesmo e que esse facto originou enriquecimento ilegítimo dos Réus à custa da Autora, por força do 476.º, n.º 3 do CPC. Aqui alega "que em 1994 como promitente compradora, celebrou com os Réus como promitentes vendedores dois contratos promessa, um de compra e venda de 5000 ações da sociedade BB, SA e outra de compra e venda de 1/6 de um prédio rústico, aí pretendendo desenvolver um projeto imobiliário. Diz ainda que de acordo com as clausulas estabelecidas no contrato promessa a celebração do contrato definitivo de compra e venda de ações ficava dependente da aprovação pela Câmara Municipal de Coimbra até 30.12.21994 de um pedido de viabilidade de, pelo menos, 11.000m2 de construção nova acima do solo, sendo um máximo de 2.750m2 com finalidade turística e um mínimo de 8.250m2 sem finalidade turística e o preço daquelas ações sujeito a aumento ou redução consoante se viesse a ser decidido pela Câmara. Diz ainda que o contrato promessa foi cumprido na parte em que os promitentes compradores se obrigaram a transferir para si 5.000 ações e “mesmo considerando que o contrato-promessa foi consumido pela entrega das cautelas (…) sempre os réus estipularam com a A. que o preço de compra e venda das ações seria ajustado em função da dita deliberação/aprovação camarária” e que “Logo, uma vez que a dita decisão só foi proferida em momento ulterior à entrega das ditas cautelas, não poderá a entrega física das cautelas (tradição da coisa) significar o cumprimento integral do contrato-promessa e de todas as clausulas/obrigações.” Ora, contrariamente ao que defende a apelante, remendo para o douto Parecer que juntou aos autos, o objeto de ambas as ações é idêntico e é idêntico o pedido e a causa de pedir. Efetivamente, ao contrário do que se defende, não há na segunda ação um pedido principal e um pedido subsidiário, apenas se acrescenta a pretensão de fixação do valor das ações e, como resulta dos factos e da primeira decisão, o contrato promessa foi cumprido com a efetiva entrega das cautelas representativas do capital social. Esta acrescida pretensão não inviabilizar o efeito do caso julgado, quando é patente que, em ambas as causas, a autora pretende o recebimento de determinada quantia que, no seu entender, pagou a mais. Com efeito, o pedido formulado em a) – que, repete-se, nunca seria principal – nem sequer é autónomo em relação ao pedido formulado em b), pois neste está necessariamente pressuposto que a autora sabe o valor das ações e, por isso, pede a diferença entre o que foi pago e o que deveria – em seu entender – ter sido pago. Daí que não haja causa autónoma, relativa à fixação do preço das ações, já que este se prende com as condições fixadas no contrato promessa e estas foram apreciadas na anterior decisão, transitada, onde se considerou que o negócio prometido já tinha sido celebrado. Note-se que o preço foi fixado nesse contrato e as acções foram entregues; a autora discorda dele, mas (seja pedindo a fixação do preço, seja pretendendo a sua redução, seja alegando o cumprimento por erro) estamos a falar do mesmo objecto, transitadamente julgado. O que a autora pretende, nova e efetivamente, é receber a quantia que, alegadamente, pagou a mais. E o que pagou a mais – na sua alegação – é o facto jurídico constitutivo da pretensão (de restituição). Através da redução do negócio ou do erro no pagamento ou ainda – e sempre – do enriquecimento ilegítimo? – São múltiplas qualificações que conduzem ao mesmo efeito jurídico não autónomo: restituição de parte (já liquidada pela autora) do que pagou. No fundo, sempre está em causa o mesmo: direito da autora a receber parte do que pagou. E para o apreciar sempre está em causa o mesmo: os negócios, concretos e já devidamente apreciados pelo tribunal, que foram firmados entre as partes. 4. Novamente inconformada, interpôs a A. o presente agravo que foi admitido na sequência do provimento da reclamação deduzida contra o inicial despacho de rejeição, encerrando a sua alegação com as seguintes conclusões que, como é sabido, lhe delimitam o objecto: 1. Discute-se nos presentes autos se é procedente a excepção dilatória de preterição de caso julgado, com referência à anterior decisão proferida numa acção proposta pela AA contra a BB e OUTROS; 2. A resposta do douto acórdão da Relação do Porto agora impugnado foi no sentido de procedência dessa excepção deduzida pela Ré, sendo absolvida esta da instância; 3. A ora Agravante discorda do douto acórdão e da sua fundamentação, a qual decorre de uma certa interpretação do acórdão da Relação do Porto proferido na primeira acção e no entendimento de que há repetição de acção por serem os mesmos os factos integradores da causa de pedir nas duas acções; 4. A verdade é que o raciocínio do acórdão ora impugnado está afectado por uma INCONGRUÊNCIA PATENTE COMA REAEIDADE visto que nunca ocorreu a determinação efectiva do preço e sua liquidação ou ajuste final ao nível do CONTRA TO-DEFINITIVO; 5. Pela indefinição do preço final de compra e venda das acções ao nível do contrato prometido impõe-se o recurso ao disposto nos art.°s 879, c) e 883° do CC para que a sua determinação ocorra por fixação judicial; 6. Não só devido ao erro base causador da incongruência da entrega das cautelas consumir o contrato promessa sem estabelecer ao nível do contrato definitivo o preço final da compra e venda - requisito essencial; 7. A causa de pedir não é um somatório de factos abstractos, mas a súmula de factos concretos invocados pela demandante, susceptíveis de produzir o efeito jurídico esperado, sendo que na 2." acção a causa de pedir é distinta da 1." acção, não se verificando o tríplice requisito para a integração da excepção de caso julgado; 8. Não se confunde uma acção destinada a obter a condenação do demandado no cumprimento do clausulado no contrato promessa (Ia acção) do pedido de determinação judicial de preço e verificação dos requisitos do locupletamento indevido à custa alheia (2." acção) - sendo que nesta última já não se invoca a subsistência do contrato promessa ou o seu pontual cumprimento, mas antes a determinação pelo tribunal do preço de compra e venda das acções ( que poderá ser ao nível da equidade segundo o art.0 883.° do CC) e o apuramento do consequente enriquecimento do VENDEDOR por ter recebido antecipadamente quantia sem que tenha ocorrido até hoje a determinação e liquidação do preço final no contrato prometido. 9. Num caso, o complexo fáctico invocado pelo autor deve abranger necessariamente a análise do clausulado no contrato promessa celebrado pelo contraentes e o seu integral cumprimento - devendo o tribunal averiguar se ocorreu ou não o cumprimento do contrato e se era de reconhecer o direito da Autora pela análise do contrato-promessa ( nesta acção valeria como preço o fixado por VONTADE DAS PARTES no contra to-promessa); no caso da 2." acção ( DETERMINAÇÃO do preço PELO TRIBUNAL tendo por base que ele não foi definido com a celebração do contrato-prometido) e o enriquecimento sem causa o vendedor se essa determinação ocorrer por excesso; 10. Donde são outros os factos invocados como causa de pedir: i) fixação/determinação pelo tribunal do preço no contrato-prometido; ii) o enriquecimento de terceiro sem causa ou a injustificação desse enriquecimento, e a correlação do enriquecimento com o empobrecimento da Agravante. O único elemento comum com a primeira acção é o dano causado e a injustiça gerada; 11. A causa de pedir na primeira acção circunscreveu-se à pretensão de indemnização por violação contratual, mas não se estendeu à pretensão de indemnização com base no enriquecimento da BB; 12. Não pode, por isso, subsistir a decisão constante do acórdão sob impugnação que considerou/manteve como verificados os requisitos da excepção de caso julgado. 13. A AA não repete a mesma acção e causa de pedir da anterior acção não há, pois, ofensa do anterior caso julgado; 14. O acórdão sob impugnação é ilegal, mostrando-se violado o n.° 4 do art. 498° CPC, atendendo à interpretação e aplicação do mesmo feita neste acórdão; 15. A interpretação acolhida pelo acórdão recorrido para defender a manutenção/verificação da excepção de caso julgado, viola a garantia constitucional de acesso aos tribunais (art.s 20°, n.° 1 e 202° da Constituição) da parte que pretende obter a condenação da outra com base no ressarcimento do enriquecimento sem causa desta última, uma vez que o caso julgado formado na primeira acção se estende a factos diversos alegados pela primeira vez na segunda acção. 16. Determinando o tribunal haver sido pagas prestações do preço da compra e venda de acções superior ao devido, deve o excesso de preço ficar sujeito aos critérios do enriquecimento sem causa (art. 479-2 CC). 17. A situação não é diversa da que se verifica em casos normalmente indicados pela doutrina como paradigmáticos de perda superveniente de causa dum pagamento que, à data em que efeito, era devido, casos esses em que o recebimento se dá por virtude de uma causa que deixou de existir (art. 473-2 CC). 18. A norma do art. 474 CC (subsidiariedade da obrigação de restituir) não impede o direito à restituição, dado não ser aplicável, porquanto, por um lado, o direito à restituição se funda na norma específica do art. 879° / 883° do CC, pelo que a restituição por enriquecimento sem causa constitui o único meio que a Agravante tem para se ressarcir após o exercício do direito, que a lei lhe confere. 19. Em suma: nem a excepção do caso julgado nem a regra da subsidiariedade da obrigação de restituir por enriquecimento sem causa constituem obstáculo ao exercício do direito da AGRAVANTE a ser ressarcida, até ao limite do enriquecimento da AGRAVADA, do empobrecimento resultante de ter pago, por conta do preço quantia excessiva. Termos em que deve ser julgado procedente o presente Agravo, determinando-se a revogação do douto acórdão do Tribunal da Relação que considerou verificada a excepção de caso julgado, com o que se fará a costumada JUSTIÇA!!!! Uma vez que a argumentação da recorrente se funda amplamente no douto parecer apresentado nos autos, durante a pendência do recurso de apelação, interessa ainda referir expressamente as respectivas conclusões: 1.ª Numa primeira acção, intentada em 1997, a Consulente AA demandou o promitente vendedor CC, invocando um contrato-promessa de compra e venda de acções de uma sociedade anónima, pretendendo que este, enquanto devedor solidário, restituísse certas importâncias por ele recebidas a título de princípio de pagamento, juntamente com outros promitentes vendedores, por não se ter verificado uma condição estabelecida no contrato-promessa quanto à cláusula de preço (declarando-se que não tinha de pagar ainda uma última prestação), mas esta acção veio a ser julgada improcedente pelo Supremo Tribunal de Justiça; 2.ª Tomando em consideração as razões constantes do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 2005, nomeadamente de que não podia ser já invocado o contro-promessa por a transmissão das acções ter ocorrido antes da propositura da acção e ter sido vendida pela AA a Q.............. (5/6 da compropriedade da qual pertencia como activo à sociedade cujas acções haviam sido prometidas vender), a AA intentou segunda acção em 2007 contra todos os vendedores das acções, invocando como causa de pedir o contrato definitivo consensual e pretendendo que o tribunal fixasse o preço da venda, ao abrigo do disposto no art. 883.°, n.° 1, do Código Civil, ou, a título subsidiário, condenasse os vendedores na restituição do que haviam recebido a mais, a título de enriquecimento sem causa; 3.ª Nesta segunda acção foi deduzida por dois réus contestantes a excepção de violação de caso julgado, a qual veio a ser considerado procedente no despacho saneador-sentença, de que se pretende recorrer; 4.ª O regime legal da repetição de acções - seja para invocar a litispendência, seja para invocar o caso julgado -, implica que tenha de haver uma tríplice identidade entre as duas acções, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, de modo a evitar que o juiz da segunda causa se veja na contingência ou de decidir do mesmo modo como foi decidida a primeira causa ou de decidir diferentemente, gerando-se uma contradição de julgados; 5.ª A doutrina e a jurisprudência portuguesas distinguem entre a excepção de caso julgado, meio se defesa indirecta que tutela a eficácia da indiscutibilidade de julgamento constante da sentença transitado em julgado, e a autoridade de caso julgado, decorrência do chamado efeito positivo do caso julgado, que implica que os efeitos do caso julgado se projectem em processo subsequente, na medida em que o conteúdo da decisão do processo anterior constitui uma vinculação à decisão do diferente processo subsequente; 6.ª De um modo geral, a doutrina e a jurisprudência admitem que, em caso de improcedência de uma acção ex contractu, se possa propor uma acção com base em enriquecimento sem causa, desde que os factos que integram a causa de pedir não sejam idênticos (por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, in Rev. Ordem dos Advogados, ano 66, III, págs. 1477 e segs., com anotação favorável de Lebre de Freitas); 7.ª Contrariamente ao sustentado no saneador-sentença proferido na segunda acção, não ocorre, no caso da consulta, a tripla identidade entre as duas acções: se é certo que há substancialmente identidade entre os sujeitos (na primeira acção, o demandado provocou a intervenção dos restantes promitentes vendedores das acções), não existe nem identidade de pedidos nem de causa de pedir; 8ª Na verdade, na segunda acção, o pedido principal formulado pela Autora AA é o de que tribunal fixe o preço no contrato definitivo de compra e venda das acções, e o subsidiário é o de que seja restituída certa quantia (idêntica à da primeira acção, a título de enriquecimento sem causa) não havendo, assim, identidade de pedidos inexistência (nítida, sobretudo quando se encara o pedido formulado a título principal); 9.ª Também não existe identidade de causas de pedir, na medida em que, na primeira acção, a AA baseava o seu pedido no contrato-promessa celebrado por escrito particular e na cláusula de correcção de preço nele estipulada, bem como na não verificação de certa condição (respeitante à decisão prévia camarária quanto a uma operação de urbanização, no que respeita à tipologia de construções e à volumetria autorizada), invocando ter havido apenas um cumprimento parcial do contrato-promessa, ao passo que, na segunda acção, por causa da autoridade do caso julgado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 2005, a mesma AA invoca o contrato definitivo meramente consensual celebrado em cumprimento do contrato-promessa, e, porque não houve transposição das cláusulas sobre o preço para o contrato definitivo, consubstanciado na mera tradição das cautelas representativas das acções vendidas, pede, a título principal, a fixação do preço em falta, e, a título subsidiário, a restituição do montante a título de enriquecimento sem causa; 10.ª Em qualquer caso, a referência à improcedência de qualquer pretensão fundada em enriquecimento sem causa constante do Acórdão de 27 de Setembro de 2005 é um mero comentário lateral, um obiterdictum, não coberto pela eficácia ou autoridade do caso julgado, porquanto tal questão não fora suscitada perante as instâncias, não podendo haver alteração da causa de pedir no recurso de revista, tratando-se, pois, de questão nova insusceptível de conhecimento oficioso; 11.ª Não tem, por isso, razão o saneador-sentença quando afirma que o efeito jurídico pretendido nas duas acções é o mesmo, porquanto tal afirmação só leva em consideração o valor pecuniário idêntico na pretensão formulada a título subsidiário e desconsidera a manifesta diversidade de causas de pedir invocadas nas duas acções; 12.ª A eficácia de caso julgado, como escreveu lapidarmente MANUEL DE ANDRADE, faz lei para qualquer processo futuro, "mas só em exacta correspondência com o seu conteúdo. Não pode impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesma não definiu"; 13.ª Por ser diferente o objecto de processo em ambas as acções, não tem sustentabilidade jurídica a posição expressa na saneador-sentença da segunda acção, a qual é ilegal e deve ser revogada em segunda instância. Os recorridos contra alegaram, pugnando pela manutenção da solução acolhida na decisão recorrida, tendo por verificada entre as acções sucessivamente interpostas a identidade objectiva que conduz à verificação da excepção dilatória de caso julgado. 5. O fenómeno – essencial à garantia dos valores constitucionais da confiança e da segurança jurídica – da indiscutibilidade do julgamento constante de decisão judicial transitada em julgado pode revelar-se, na prática, através de diferentes vertentes ou modalidades. Assim., em primeiro lugar, essa imutabilidade ou indiscutibilidade da decisão judicial definitiva impede que a questão que foi objecto da decisão proferida e inimpugnável ( ou não tempestiva e adequadamente impugnada) possa voltar a ser , ela própria, na sua essencial identidade, recolocada à apreciação do tribunal : se tal ocorrer, por força da figura da excepção de caso julgado – que reflecte a chamada função negativa da figura do caso julgado - deve o juiz abster-se de voltar a apreciar a matéria ou questão que se mostra já jurisdicionalmente decidida, em termos definitivos, como objecto de uma anterior acção. 6. Ora, perante a especificidade da concreta situação litigiosa, pode, desde já, afirmar-se com segurança que é o mesmo o efeito jurídico pretendido pela sociedade /A. em ambas as acções – ou seja, obter a redução do preço pago como contrapartida da transferência da titularidade das acções da sociedade/ R. prometidas vender, com fundamento numa frustração das expectativas que legitimamente deteria ( assentes no estipulado em contrato promessa, entretanto cumprido e totalmente exaurido com a celebração do contrato definitivo) acerca das potencialidade edificativas do prédio cuja propriedade fora obtida através do negócio ( menores, por via da aprovação camarária, do que a vontade das partes perspectivara como provável). Não pode, na realidade, atribuir-se qualquer relevância substancial ao facto de – na segunda acção proposta – a A. começar por formular o pedido de que o tribunal fixasse definitivamente o preço final da compra e venda das acções da sociedade BB, invocando a norma do art. 883º, nº1, do CC. E isto por duas razões evidentes: - em primeiro lugar, não se verificam obviamente, no caso dos autos, os pressupostos de que depende tal possibilidade de intervenção subsidiária do tribunal para integrar uma ausência dos critérios de determinação do preço, normalmente estipulados pelas partes no contrato: na verdade, o preço ajustado para o contrato prometido era de 191.666.500$00, produto do número de acções prometidas vender pelo valor unitário por acção de 38.333$30, estipulando-se minuciosamente a forma gradual como tal montante iria sendo pago, a título de prestações de antecipação – efectivamente realizadas, com a obtenção pelos promitentes compradores do valor de 166.533.250$00, nas três prestações que chegaram a ser pagas ; não ocorre, pois, qualquer omissão ou indefinição dos critérios substanciais de determinação do preço - o que, aliás, sempre seria dificilmente conciliável com o facto de já ter ocorrido efectivo pagamento e recebimento das quantias pecuniárias que as partes entenderam estar compreendidas nas estipulações contratuais em causa; - por outro lado, a circunstância de, logo após ter formulado o referido pedido de fixação judicial do preço, a A.– antecipando-se desde logo e sem precedência de qualquer actividade de determinação ou concretização judicial da contraprestação devida – ter integralmente liquidado e concretizado o montante pecuniário a que se julgava com direito, pelo facto de, por erro desculpável, ter procedido ao pagamento integral do preço antes de estar determinada a efectiva potencialidade edificativa do imóvel, mostra bem que não existia qualquer real indeterminação quanto ao montante da prestação decorrente do negócio, que carecesse de ser suprida através de uma actividade de fixação judicial do montante da contraprestação devida no âmbito do contrato. O efeito prático-jurídico pretendido pela A. em ambas as acções é, deste modo, claramente a obtenção de uma redução do preço já efectivamente pago, com base na necessidade de restabelecimento do equilíbrio das prestações que corresponderia à vontade real dos contraentes – e que ressaltaria e estaria subjacente a determinada cláusula do contrato promessa, já exaurido com a celebração do contrato de compra e venda dos títulos, não incluída no clausulado deste contrato definitivo, ulteriormente celebrado. Ora, mostrando-se decidido, com força de caso julgado, que não tem cabimento tal pretendida redução do preço, é evidente que este pedido – em que substancialmente se esgota a pretensão da A. em ambos os processos - não pode ser renovado ou reiterado na nova acção proposta após definitivo julgamento da anterior. 7. Resta apreciar se existirá ou não identidade de causa de pedir relativamente aos dois pedidos de redução do preço pago, sucessivamente formulados.
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