Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7770/07.3TBVFR.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: EXCEPÇÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA DE CASO JULGADO
IDENTIDADE DO PEDIDO
IDENTIDADE DA CAUSA DE PEDIR
ACÇÃO DE REDUÇÃO DO PREÇO
ACÇÃO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 04/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / SENTENÇA.
Doutrina:
- Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p.178 e segs..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 264.º, 489.º, 494.º, AL. I), 664.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18/5/2006, P. 06A1157;
-DE 19/2/2009, P. 09B0081;
-DE 10/10/2012, P. 1999/11.7TBGMR.G1.S1;
AMBOS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. A figura da excepção de caso julgado – que a reforma de 1995/96 qualificou expressamente ( art. 494º, al. i) como dilatória – tem que ver com um fenómeno de identidade entre relações jurídicas, sendo a mesma relação submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional, ignorando-se ou desvalorizando-se o facto de esse mesma relação já ter sido, enquanto objecto processual perfeitamente individualizado nos seus aspectos subjectivos e objectivos, anteriormente apreciada jurisdicionalmente, mediante decisão que transitou em julgado.

2. Ocorre identidade de pedido quando o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor em ambas as acções é substancialmente o mesmo – no caso, a obtenção de uma redução do preço já efectivamente pago, com vista ao restabelecimento do equilíbrio das prestações subjacente à vontade real dos contraentes – e que ressaltaria e estaria subjacente a determinada cláusula de contrato promessa, já exaurido com a celebração do contrato de compra e venda, e não incluída no clausulado deste contrato definitivo, ulteriormente celebrado.

3. A essencial identidade e individualidade da causa de pedir não é afectada, nem por via da alteração da qualificação jurídica dos factos concretos em que se fundamenta a pretensão, nem por qualquer alteração ou ampliação factual que não afecte o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as acções.

4. Há identidade de causa de pedir quando o substrato factual de ambas as acções é precisamente idêntico, radicando a única diferença entre ambas no modo como – de um ponto de vista estritamente normativo, situado exclusivamente no plano da subsunção ou qualificação jurídica desses mesmos factos imutáveis – se procede ao respectivo enquadramento jurídico – reportando-o, na primeira acção, à pretensa actuação de uma cláusula de correcção do preço, inserida em contrato promessa já exaurido e, na segunda, referenciando essa mesma factualidade concreta, já inteiramente alegada na acção anterior, ao plano extracontratual do enriquecimento sem causa.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA, SA, instaurou acção, com processo ordinário, contra os réus  BB, SA, CC, DD, EE e FF, pedindo que

a) o tribunal fixasse definitivamente o preço final de compra e venda das acções da sociedade BB, SA e que

b) condenasse solidariamente os réus a devolverem à autora a quantia de 297.625,22€, acrescida de juros, da citação até integral pagamento, reconhecendo que, por erro desculpável da autora, esta procedeu ao pagamento integral do preço, antes da obrigação de liquidar o mesmo e que esse facto originou um enriquecimento ilegítimo doa réus, à custa da autora. 

    A demandante fundamenta esta pretensão na invocação da promessa de compra e venda que foi celebrada entre as partes, relativa às acções da sociedade ré e da relativa à compra de um prédio, destinadas, conjuntamente, ao desenvolvimento de um projecto imobiliário, analisando o clausulado nos aludidos contratos e respectivos aditamentos, referenciando a decisão da Câmara Municipal de Coimbra sobre a viabilidade possível do projecto e notando que nenhum dos outorgantes usou da faculdade de resolução , ali prevista - sustentando ainda que não teria sido fixado o preço final da aquisição, mas havendo lugar à redução de preço, tendo em conta a área de construção admitida pela autarquia.

    Entende que a entrega das cautelas representativas da totalidade do capital social da primeira ré, ocorrida antes da decisão camarária, mesmo que consumisse o objecto do contrato promessa, não significaria o cumprimento integral do estipulado em todas as suas cláusulas.

   A demandante sustenta, desde logo, que não há identidade de causa de pedir entre esta acção e uma anterior que correu termos entre as partes e culminou em decisão de mérito, transitada em julgado, já que faltaria apurar qual o preço da compra e venda das acções, de modo a evitar o enriquecimento ilegítimo dos RR., pois foi vontade real das partes que o preço fosse ajustado na base de uma condição futura e ulterior à entrega das cautelas representativas do capital social, ligada ao âmbito do licenciamento camarário atrás referido.

   Os réus CC e EE vieram contestar, invocando, desde logo, a excepção do caso julgado.

  Sustentam que a presente acção de condenação contra os réus tem por objecto um contrato-promessa de compra e venda de acções, nela se pedindo que o tribunal fixasse definitivamente o preço final de compra e venda de acções da sociedade BB, SA e se condenassem os RR., solidariamente, a devolver-lhe a quantia de 297.625,22€, acrescida de juros, reconhecendo que, por erro desculpável, a autora teria procedido ao pagamento integral do preço antes do vencimento da obrigação de o liquidar. Contudo, já em 24.10.97 a autora intentara no Tribunal da Comarca de Coimbra uma acção de condenação contra o réu CC - que correu termos com o n.º 137/97 pela 1.ª Vara Mista do Tribunal de Círculo da Comarca de Coimbra - tendo nessa acção peticionado a condenação do mesmo a pagar à autora a quantia de 66.505,320$00€ acrescida de juros à taxa legal de 15%, sendo que nessa acção o pedido resultava do direito que a autora se arrogava a receber dos promitentes vendedores do contrato promessa aqui em causa, a quantia correspondente à devolução das quantias recebidas e juros contratualmente previstos.

   Concluem que essa mencionada acção teve por objecto o mesmo contrato promessa que se discute e que, por isso, a autora não poderia intentar nova acção com a mesma fundamentação, a mesma fonte e o mesmo pedido.

   A autora replicou, sustentando existirem causas de pedir diferentes , uma vez que, na primeira acção, pretendia a autora que fosse actuada a condição fixada no contrato, no que se refere ao mecanismo de redução do preço das acções - enquanto nesta nova acção pretende receber o preço liquidado em excesso, pelo que causa de pedir reside agora no enriquecimento indevido dos réus.

   No saneador, julgou-se procedente a excepção dilatória de caso julgado , absolvendo-se os réus da instância.

   Inconformada, a autora recorreu, tendo, porém, a Relação confirmado inteiramente a decisão recorrida, negando provimento ao agravo.

2. A Relação começou por considerar provada a seguinte matéria de facto:

1 - Correu termos na 1.ª Vara Mistas do Tribunal Judicial de Coimbra o processo com o n.º 137/1997, em que foi Autoras, AA SA e réus CC, BB, SA, DD e EE.

2 - No âmbito do processo referido em 1) a Autora pede que na procedência da ação seja “o réu condenado a pagar à Autora a quantia de 66.505.320$00 acrescida de juros à taxa legal de 15% desde a data da citação e até integral pagamento.

3 - Na ação referida em 1) alega a A. que em 1994 como promitente compradora, celebrou com os réus como promitentes vendedores dois contratos promessa, um de compra e venda de 5000 ações da sociedade BB, SA e outra de compra e venda de 1/6 de um prédio rústico, aí pretendendo desenvolver um projeto imobiliário. Diz ainda que de acordo com as clausulas estabelecidas no contrato promessa a celebração do contrato definitivo de compra e venda de ações ficava dependente da aprovação pela Câmara Municipal de Coimbra até 30.12.21994 de um pedido de viabilidade de, pelo menos, 11.000m2 de construção nova acima do solo, sendo um máximo de 2.750m2 com finalidade turística e um mínimo de 8.250m2 sem finalidade turística e o preço daquelas ações sujeito a aumento ou redução consoante se viesse a ser decidido pela Câmara. Diz ainda que o contrato promessa foi cumprido na parte em que os promitentes compradores se obrigaram a transferir para si 5.000 ações mas que pretende ver o preço pago reduzido uma vez que a viabilidade aprovada pela Câmara não contemplou construção nova sem a finalidade turística.

4 - A ação referida em 1) foi julgada improcedente pela 1.ª instancia que julgou improcedente a ação declarando nulo o contrato promessa mas não condenou à restituição porque o que a A. pede é a redução do preço global.

5- Interposto recurso pela A. veio a ação a ser julgada pelo Tribunal da Relação de Coimbra o qual julgando válido o contrato promessa celebrado, entendeu improceder a ação por ter entendido que “a pretensão do apelante não pode ser satisfeita quer porque, como se diz na sentença apelada, o que o contrato prevê é a resolução, quer porque conforme resulta provado e é afirmado nas conclusões de recurso «em 7.9.95, antes da entrada da presente ação, as ações da BB, SA já tinham sido totalmente transferidas para a ora apelante», já tinha sido celebrado o contrato prometido” (…) e “(…) a Autora não alegou, nem há qualquer prova de que a clausula do contrato promessa que pretende ver aplicada tenha sido inserida no contrato prometido e já realizado.”

6 - Interposto recurso de revista veio o Supremo Tribunal de Justiça a manter o decidido no acórdão recorrido, aí consignado que o que vigora é o contrato prometido “e vigora nos precisos termos em que se nada se provou no sentido de lhe dar uma interpretação diferente “maxime” a pretendida pela recorrente com a sua invocada redução do preço pago, fazendo apelo a que a viabilidade aprovada pela Câmara Municipal de Coimbra não contemplou a construção nova sem a finalidade turística. Nada há, pois, a impor a vigência da cláusula do contrato promessa invocada pelo recorrente, que já não é proprietária do prédio em causa, dado que, como se deixou dito, já procedeu à venda do imóvel que adquiriu com a compra das 5.000 ações da BB, SA (…) Resta acrescentar que também carece de fundamento a alegação da recorrente no sentido da existência de um enriquecimento sem causa (artigos 473º e 474º C. Civ.) face a tudo o que se deixou exposto.”

7 - A 14 de dezembro de 2007 a A. instaurou nesta Tribunal a presente ação contra CC, BB, SA, DD e EE e FF.

8 - Na ação referida em 7) a A. pede que o Tribunal fixe definitivamente o preço final de compra e venda de ações da sociedade BB, SA e se condene os Réus, solidariamente, a devolver à Autora a quantia de €297.625,22 acrescida de juros desde a citação e integral pagamento, reconhecendo que, por erro desculpável, a Autora procedeu ao pagamento integral do preço, antes do vencimento da obrigação de liquidar o mesmo e que esse facto originou enriquecimento ilegítimo dos Réus à custa da Autora, por força do 476.º, n.º 3 do CPC.

9 - Na ação referida em 7) alega a A. que em 1994 como promitente compradora, celebrou com os Réus como promitentes vendedores dois contratos promessa, um de compra e venda de 5000 ações da sociedade BB, SA e outra de compra e venda de 1/6 de um prédio rústico, aí pretendendo desenvolver um projeto imobiliário. Diz ainda que de acordo com as clausulas estabelecidas no contrato promessa a celebração do contrato definitivo de compra e venda de ações ficava dependente da aprovação pela Câmara Municipal de Coimbra até 30.12.21994 de um pedido de viabilidade de, pelo menos, 11.000m2 de construção nova acima do solo, sendo um máximo de 2.750m2 com finalidade turística e um mínimo de 8.250m2 sem finalidade turística e o preço daquelas ações sujeito a aumento ou redução consoante se viesse a ser decidido pela Câmara. Diz ainda que o contrato promessa foi cumprido na parte em que os promitentes compradores se obrigaram a transferir para si 5.000 ações e “mesmo considerando que o contrato-promessa foi consumido pela entrega das cautelas (…) sempre os Réus estipularam com a A. que o preço de compra e venda das ações seria ajustado em função da dita deliberação/aprovação camarária” e que “Logo, uma vez que a dita decisão só foi proferida em momento ulterior à entrega das ditas cautelas, não poderá a entrega física das cautelas (tradição da coisa) significar o cumprimento integral do contrato-promessa e de todas as clausulas/obrigações”, pelo que pretende se determine neste processo o preço das ações e a repetição do indevidamente prestado pela A. aos Réus alegando que os Réus enriqueceram à custa do património da A.

3. Passando a apreciar a questão da inverificação da excepção do caso julgado, suscitada pela recorrente, considerou o acórdão recorrido:

Na busca dos limites objetivos do caso julgado, aferidos a uma concreta ação a que se pergunta se repete uma anterior, interessa, como se viu, a pretensão formulada (a tutela jurídica pretendida), a qual, convergindo com a causa de pedir, representa o direito afirmado pela parte, afirmado como concreta realidade e não categoria abstrata, isto é, serão os factos constitutivos do direito invocado e não as normas jurídicas pressupostas que individualizam (concretizam) o direito pretendido. Neste sentido, a causa de pedir são os factos alegados pelo autor como factos constitutivos e o objeto do processo mantém-se, mesmo que a qualificação jurídica seja alterada (J.P. Remédio Marques, Ação… cit., págs. 677/678)[1].

Se podermos resumir a questão relevante, reconhecendo embora a sua complexidade, diremos o seguinte: se os factos alegados, relevantes no sentido de potenciarem uma pretensão jurídica, independentemente da sua qualificação, se esgotam na tutela formulada na (primeira) ação, não servem a uma (repetida) pretensão. Dito de outro modo, se a pretensão se repete, há caso julgado, mesmo que os factos e seu efeito jurídico pareçam distintos, mas não afirmem outros e autónomos efeitos jurídicos.

Descendo ao caso dos autos, pensamos que a 1.ª instância decidiu corretamente e que se verifica a exceção do caso julgado, impeditiva da repetição da causa.

Melhor o compreenderemos se citarmos aqui a decisão que na primeira demanda foi a definitiva e transitada, o acórdão do Supremo que negou a Revista e confirmou a decisão da Relação de Coimbra. Aí se diz, com muita clareza, o seguinte:

1 – O negócio prometido, como a recorrente aceita, já foi celebrado.

2 – Se é verdade que as partes subordinaram a um acontecimento futuro e incerto a produção de efeitos do negócio, daí não decorre a procedência da causa, pois a autora apenas podia vender, como vendeu, o imóvel depois de ser titular da totalidade das ações do capital social da sociedade ré.

3 – O contrato promessa é válido e foi validamente celebrado e não pode impor-se a cláusula invocada pela autora – de redução do preço – pois a autora "já não é proprietária do prédio em causa, dado que, como se deixou dito, já procedeu à venda do imóvel que adquiriu com a compra das 5.000 ações da BB, SA".

4 – "Resta acrescentar que também carece de fundamento a alegação da recorrente no sentido da existência de um enriquecimento sem causa".

A decisão do STJ, acabada de referir, "apenas" nega a Revista, mas a transcrição que antecede revela-nos a dimensão dos factos constitutivos relevantes, que foram efetivamente apreciados.

Os factos são idênticos numa e noutra ação, mas a autora, se assim podemos, dizer, requalifica-os.

Na primeira ação (que correu na Vara Mista de Coimbra) a autora pede que a condenação na quantia de 66.505.320$00 acrescida de juros e alega que "em 1994 como promitente compradora, celebrou com os réus como promitentes vendedores dois contratos promessa, um de compra e venda de 5000 ações da sociedade BB, SA e outra de compra e venda de 1/6 de um prédio rústico, aí pretendendo desenvolver um projeto imobiliário. Diz ainda que de acordo com as clausulas estabelecidas no contrato promessa a celebração do contrato definitivo de compra e venda de ações ficava dependente da aprovação pela Câmara Municipal de Coimbra até 30.12.21994 de um pedido de viabilidade de, pelo menos, 11.000m2 de construção nova acima do solo, sendo um máximo de 2.750m2 com finalidade turística e um mínimo de 8.250m2 sem finalidade turística e o preço daquelas ações sujeito a aumento ou redução consoante se viesse a ser decidido pela Câmara. Diz ainda que o contrato promessa foi cumprido na parte em que os promitentes compradores se obrigaram a transferir para si 5.000 ações mas que pretende ver o preço pago reduzido uma vez que a viabilidade aprovada pela Câmara não contemplou construção nova sem a finalidade turística".

Nesta ação, a autora pede que o Tribunal fixe o preço final de compra e venda de ações da sociedade BB, SA e condene os réus a devolver a quantia de €297.625,22 acrescida de juros, reconhecendo que, por erro desculpável, a autora procedeu ao pagamento integral do preço, antes do vencimento da obrigação de liquidar o mesmo e que esse facto originou enriquecimento ilegítimo dos Réus à custa da Autora, por força do 476.º, n.º 3 do CPC. Aqui alega "que em 1994 como promitente compradora, celebrou com os Réus como promitentes vendedores dois contratos promessa, um de compra e venda de 5000 ações da sociedade BB, SA e outra de compra e venda de 1/6 de um prédio rústico, aí pretendendo desenvolver um projeto imobiliário. Diz ainda que de acordo com as clausulas estabelecidas no contrato promessa a celebração do contrato definitivo de compra e venda de ações ficava dependente da aprovação pela Câmara Municipal de Coimbra até 30.12.21994 de um pedido de viabilidade de, pelo menos, 11.000m2 de construção nova acima do solo, sendo um máximo de 2.750m2 com finalidade turística e um mínimo de 8.250m2 sem finalidade turística e o preço daquelas ações sujeito a aumento ou redução consoante se viesse a ser decidido pela Câmara. Diz ainda que o contrato promessa foi cumprido na parte em que os promitentes compradores se obrigaram a transferir para si 5.000 ações e “mesmo considerando que o contrato-promessa foi consumido pela entrega das cautelas (…) sempre os réus estipularam com a A. que o preço de compra e venda das ações seria ajustado em função da dita deliberação/aprovação camarária” e que “Logo, uma vez que a dita decisão só foi proferida em momento ulterior à entrega das ditas cautelas, não poderá a entrega física das cautelas (tradição da coisa) significar o cumprimento integral do contrato-promessa e de todas as clausulas/obrigações.”

Ora, contrariamente ao que defende a apelante, remendo para o douto Parecer que juntou aos autos, o objeto de ambas as ações é idêntico e é idêntico o pedido e a causa de pedir.

Efetivamente, ao contrário do que se defende, não há na segunda ação um pedido principal e um pedido subsidiário, apenas se acrescenta a pretensão de fixação do valor das ações e, como resulta dos factos e da primeira decisão, o contrato promessa foi cumprido com a efetiva entrega das cautelas representativas do capital social. Esta acrescida pretensão não inviabilizar o efeito do caso julgado, quando é patente que, em ambas as causas, a autora pretende o recebimento de determinada quantia que, no seu entender, pagou a mais.

Com efeito, o pedido formulado em a) – que, repete-se, nunca seria principal – nem sequer é autónomo em relação ao pedido formulado em b), pois neste está necessariamente pressuposto que a autora sabe o valor das ações e, por isso, pede a diferença entre o que foi pago e o que deveria – em seu entender – ter sido pago.

Daí que não haja causa autónoma, relativa à fixação do preço das ações, já que este se prende com as condições fixadas no contrato promessa e estas foram apreciadas na anterior decisão, transitada, onde se considerou que o negócio prometido já tinha sido celebrado. Note-se que o preço foi fixado nesse contrato e as acções foram entregues; a autora discorda dele, mas (seja pedindo a fixação do preço, seja pretendendo a sua redução, seja alegando o cumprimento por erro) estamos a falar do mesmo objecto, transitadamente julgado.

O que a autora pretende, nova e efetivamente, é receber a quantia que, alegadamente, pagou a mais.  

E o que pagou a mais – na sua alegação – é o facto jurídico constitutivo da pretensão (de restituição). Através da redução do negócio ou do erro no pagamento ou ainda – e sempre – do enriquecimento ilegítimo? – São múltiplas qualificações que conduzem ao mesmo efeito jurídico não autónomo: restituição de parte (já liquidada pela autora) do que pagou.

No fundo, sempre está em causa o mesmo: direito da autora a receber parte do que pagou. E para o apreciar sempre está em causa o mesmo: os negócios, concretos e já devidamente apreciados pelo tribunal, que foram firmados entre as partes.

            4. Novamente inconformada, interpôs a A. o presente agravo que foi admitido na sequência do provimento da reclamação deduzida contra o inicial despacho de rejeição, encerrando a sua alegação com as seguintes conclusões que, como é sabido, lhe delimitam o objecto:

1.            Discute-se nos presentes autos se é procedente a excepção dilatória de preterição de caso julgado, com referência à anterior decisão proferida numa acção proposta pela AA contra a BB e OUTROS;

2.            A resposta do douto acórdão da Relação do Porto agora impugnado foi no sentido de procedência dessa excepção deduzida pela Ré, sendo absolvida esta da instância;

3.            A ora Agravante discorda do douto acórdão e da sua fundamentação, a qual decorre de uma certa interpretação do acórdão da Relação do Porto proferido na primeira acção e no entendimento de que há repetição de acção por serem os mesmos os factos integradores da causa de pedir nas duas acções;

4.            A verdade é que o raciocínio do acórdão ora impugnado está afectado por uma INCONGRUÊNCIA PATENTE COMA REAEIDADE visto que nunca ocorreu a determinação efectiva do preço e sua liquidação ou ajuste final ao nível do CONTRA TO-DEFINITIVO;

5.            Pela indefinição do preço final de compra e venda das acções ao nível do contrato prometido impõe-se o recurso ao disposto nos art.°s 879, c) e 883° do CC para que a sua determinação ocorra por fixação judicial;

6.            Não só devido ao erro base causador da incongruência da entrega das cautelas consumir o contrato promessa sem estabelecer ao nível do contrato definitivo o preço final da compra e venda - requisito essencial;

7.            A causa de pedir não é um somatório de factos abstractos, mas a súmula de factos concretos invocados pela demandante, susceptíveis de produzir o efeito jurídico esperado, sendo que na 2." acção a causa de pedir é distinta da 1." acção, não se verificando o tríplice requisito para a integração da excepção de caso julgado;

8.            Não se confunde uma acção destinada a obter a condenação do demandado no cumprimento do clausulado no contrato promessa (Ia acção) do pedido de determinação judicial de preço e verificação dos requisitos do locupletamento indevido à custa alheia (2." acção) - sendo que nesta última já não se invoca a subsistência do contrato promessa ou o seu pontual cumprimento, mas antes a determinação pelo tribunal do preço de compra e venda das acções ( que poderá ser ao nível da equidade segundo o art.0 883.° do CC) e o apuramento do consequente enriquecimento do VENDEDOR por ter recebido antecipadamente quantia sem que tenha ocorrido até hoje a determinação e liquidação do preço final no contrato prometido.

9.            Num caso, o complexo fáctico invocado pelo autor deve abranger necessariamente a análise do clausulado no contrato promessa celebrado pelo contraentes e o seu integral cumprimento - devendo o tribunal averiguar se ocorreu ou não o cumprimento do contrato e se era de reconhecer o direito da Autora pela análise do contrato-promessa ( nesta acção valeria como preço o fixado por VONTADE DAS PARTES no contra to-promessa); no caso da 2." acção ( DETERMINAÇÃO do preço PELO TRIBUNAL tendo por base que ele não foi definido com a celebração do contrato-prometido) e o enriquecimento sem causa o vendedor se essa determinação ocorrer por excesso;

10.          Donde são outros os factos invocados como causa de pedir: i) fixação/determinação pelo tribunal do preço no contrato-prometido; ii) o enriquecimento de terceiro sem causa ou a injustificação desse enriquecimento, e a correlação do enriquecimento com o empobrecimento da Agravante. O único elemento comum com a primeira acção é o dano causado e a injustiça gerada;

11.          A causa de pedir na primeira acção circunscreveu-se à pretensão de indemnização por violação contratual, mas não se estendeu à pretensão de indemnização com base no enriquecimento da BB;

12.          Não pode, por isso, subsistir a decisão constante do acórdão sob impugnação que considerou/manteve como verificados os requisitos da excepção de caso julgado.

13.          A AA não repete a mesma acção e causa de pedir da anterior acção não há, pois, ofensa do anterior caso julgado;

14.          O acórdão sob impugnação é ilegal, mostrando-se violado o n.° 4 do art. 498° CPC, atendendo à interpretação e aplicação do mesmo feita neste acórdão;

15.          A interpretação acolhida pelo acórdão recorrido para defender a manutenção/verificação da excepção de caso julgado, viola a garantia constitucional de acesso aos tribunais (art.s 20°, n.° 1 e 202° da Constituição) da parte que pretende obter a condenação da outra com base no ressarcimento do enriquecimento sem causa desta última, uma vez que o caso julgado formado na primeira acção se estende a factos diversos alegados pela primeira vez na segunda acção.

16.          Determinando o tribunal haver sido pagas prestações do preço da compra e venda de acções superior ao devido, deve o excesso de preço ficar sujeito aos critérios do enriquecimento sem causa (art. 479-2 CC).

17.          A situação não é diversa da que se verifica em casos normalmente indicados pela doutrina como paradigmáticos de perda superveniente de causa dum pagamento que, à data em que efeito, era devido, casos esses em que o recebimento se dá por virtude de uma causa que deixou de existir (art. 473-2 CC).

18.          A norma do art. 474 CC (subsidiariedade da obrigação de restituir) não impede o direito à restituição, dado não ser aplicável, porquanto, por um lado, o direito à restituição se funda na norma específica do art. 879° / 883° do CC, pelo que a restituição por enriquecimento sem causa constitui o único meio que a Agravante tem para se ressarcir após o exercício do direito, que a lei lhe confere.

19.          Em suma: nem a excepção do caso julgado nem a regra da subsidiariedade da obrigação de restituir por enriquecimento sem causa constituem obstáculo ao exercício do direito da AGRAVANTE a ser ressarcida, até ao limite do enriquecimento da AGRAVADA, do empobrecimento resultante de ter pago, por conta do preço quantia excessiva.

Termos em que deve ser julgado procedente o presente Agravo, determinando-se a revogação do douto acórdão do Tribunal da Relação que considerou verificada a excepção de caso julgado, com o que se fará a costumada

JUSTIÇA!!!!

    Uma vez que a argumentação da recorrente se funda amplamente no douto parecer apresentado nos autos, durante a pendência do recurso de apelação, interessa ainda referir expressamente as respectivas conclusões:

   1.ª Numa primeira acção, intentada em 1997, a Consulente AA demandou o promitente vendedor CC, invocando um contrato-promessa de compra e venda de acções de uma sociedade anónima, pretendendo que este, enquanto devedor solidário, restituísse certas importâncias por ele recebidas a título de princípio de pagamento, juntamente com outros promitentes vendedores, por não se ter verificado uma condição estabelecida no contrato-promessa quanto à cláusula de preço (declarando-se que não tinha de pagar ainda uma última prestação), mas esta acção veio a ser julgada improcedente pelo Supremo Tribunal de Justiça;

2.ª Tomando em consideração as razões constantes do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 2005, nomeadamente de que não podia ser já invocado o contro-promessa por a transmissão das acções ter ocorrido antes da propositura da acção e ter sido vendida pela AA a Q.............. (5/6 da compropriedade da qual pertencia como activo à sociedade cujas acções haviam sido prometidas vender), a AA intentou segunda acção em 2007 contra todos os vendedores das acções, invocando como causa de pedir o contrato definitivo consensual e pretendendo que o tribunal fixasse o preço da venda, ao abrigo do disposto no art. 883.°, n.° 1, do Código Civil, ou, a título subsidiário, condenasse os vendedores na restituição do que haviam recebido a mais, a título de enriquecimento sem causa;

3.ª Nesta segunda acção foi deduzida por dois réus contestantes a excepção de violação de caso julgado, a qual veio a ser considerado procedente no despacho saneador-sentença, de que se pretende recorrer;

4.ª O regime legal da repetição de acções - seja para invocar a litispendência, seja para invocar o caso julgado -, implica que tenha de haver uma tríplice identidade entre as duas acções, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, de modo a evitar que o juiz da segunda causa se veja na contingência ou de decidir do mesmo modo como foi decidida a primeira causa ou de decidir diferentemente, gerando-se uma contradição de julgados;

5.ª A doutrina e a jurisprudência portuguesas distinguem entre a excepção de caso julgado, meio se defesa indirecta que tutela a eficácia da indiscutibilidade de julgamento constante da sentença transitado em julgado, e a autoridade de caso julgado, decorrência do chamado efeito positivo do caso julgado, que implica que os efeitos do caso julgado se projectem em processo subsequente, na medida em que o conteúdo da decisão do processo anterior constitui uma vinculação à decisão do diferente processo subsequente;

6.ª De um modo geral, a doutrina e a jurisprudência admitem que, em caso de improcedência de uma acção ex contractu, se possa propor uma acção com base em enriquecimento sem causa, desde que os factos que integram a causa de pedir não sejam idênticos (por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, in Rev. Ordem dos Advogados, ano 66, III, págs. 1477 e segs., com anotação favorável de Lebre de Freitas);

7.ª Contrariamente ao sustentado no saneador-sentença proferido na segunda acção, não ocorre, no caso da consulta, a tripla identidade entre as duas acções: se é certo que há substancialmente identidade entre os sujeitos (na primeira   acção,   o   demandado   provocou   a   intervenção   dos   restantes promitentes vendedores das acções), não existe nem identidade de pedidos nem de causa de pedir;

8ª Na verdade, na segunda acção, o pedido principal formulado pela Autora AA é o de que tribunal fixe o preço no contrato definitivo de compra e venda das acções, e o subsidiário é o de que seja restituída certa quantia (idêntica à da primeira acção, a título de enriquecimento sem causa) não havendo, assim, identidade de pedidos inexistência (nítida, sobretudo quando se encara o pedido formulado a título principal);

9.ª Também não existe identidade de causas de pedir, na medida em que, na primeira  acção,  a  AA  baseava  o  seu  pedido  no  contrato-promessa celebrado por escrito particular e na cláusula de correcção de preço nele estipulada, bem como na não verificação de certa condição (respeitante à

decisão prévia camarária quanto a uma operação de urbanização, no que respeita à tipologia de construções e à volumetria autorizada), invocando ter havido apenas um cumprimento parcial do contrato-promessa, ao passo que, na segunda acção, por causa da autoridade do caso julgado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 2005, a mesma AA invoca o contrato definitivo meramente consensual celebrado em cumprimento do contrato-promessa, e, porque não houve transposição das cláusulas sobre o preço para o contrato definitivo, consubstanciado na mera tradição das cautelas representativas das acções vendidas, pede, a título principal, a fixação do preço em falta, e, a título subsidiário, a restituição do montante a título de enriquecimento sem causa;

10.ª Em qualquer caso, a referência à improcedência de qualquer pretensão fundada em enriquecimento sem causa constante do Acórdão de 27 de Setembro de 2005 é um mero comentário lateral, um obiterdictum, não coberto pela eficácia ou autoridade do caso julgado, porquanto tal questão não fora suscitada perante as instâncias, não podendo haver alteração da causa de pedir no recurso de revista, tratando-se, pois, de questão nova insusceptível de conhecimento oficioso;

11.ª Não tem, por isso, razão o saneador-sentença quando afirma que o efeito jurídico pretendido nas duas acções é o mesmo, porquanto tal afirmação só leva em consideração o valor pecuniário idêntico na pretensão formulada a título subsidiário e desconsidera a manifesta diversidade de causas de pedir invocadas nas duas acções;

12.ª A eficácia de caso julgado, como escreveu lapidarmente MANUEL DE ANDRADE, faz lei para qualquer processo futuro, "mas só em exacta correspondência com o seu conteúdo. Não pode impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesma não definiu";

13.ª Por ser diferente o objecto de processo em ambas as acções, não tem sustentabilidade jurídica a posição expressa na saneador-sentença da segunda acção, a qual é ilegal e deve ser revogada em segunda instância.

   Os recorridos contra alegaram, pugnando pela manutenção da solução acolhida na decisão recorrida, tendo por verificada entre as acções sucessivamente interpostas a identidade objectiva que conduz à verificação da excepção dilatória de caso julgado.

            5. O fenómeno – essencial à garantia dos valores constitucionais da confiança e da segurança jurídica – da indiscutibilidade do julgamento constante de decisão judicial transitada em julgado pode revelar-se, na prática, através de diferentes vertentes ou modalidades.
   Como se afirma, por exemplo, no Ac. de 19/2/09, proferido pelo STJ no P. 09B0081:
A excepção de caso julgado visa evitar que o tribunal se veja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior. A autoridade de caso julgado significa que, decidida com força de caso julgado material uma determinada questão de mérito, não mais poderá ela ser apreciada numa acção subsequente, quer nela surja a título principal, quer se apresente a título prejudicial, e independentemente de aproveitar ao autor ou ao réu.

   Assim., em primeiro lugar, essa imutabilidade ou indiscutibilidade da decisão judicial definitiva impede que a questão que foi objecto da decisão proferida e inimpugnável ( ou não tempestiva e adequadamente impugnada) possa voltar a ser , ela própria, na sua essencial identidade, recolocada à apreciação do tribunal : se tal ocorrer, por força da figura da excepção de caso julgado – que reflecte a chamada função negativa da figura do caso julgado -  deve o juiz abster-se de voltar a apreciar a matéria ou questão que se mostra já jurisdicionalmente decidida, em termos definitivos, como objecto de uma anterior acção.
   A figura da excepção de caso julgado – que a reforma de 1995/96 qualificou expressamente ( art. 494º, al. i) como dilatória - tem, pois, que ver com um fenómeno de identidade entre relações jurídicas, sendo a mesma relação submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional, ignorando-se ou desvalorizando-se o facto de esse mesma relação já ter sido, enquanto objecto processual perfeitamente individualizado nos seus aspectos subjectivos e objectivos, anteriormente apreciada jurisdicionalmente, mediante decisão que transitou em julgado.
   Pelo contrário, a figura da autoridade do caso julgado tem a ver com a existência de relações – já não de identidade jurídica – mas de

prejudicialidade entre objectos processuais: julgada, em termos definitivos, certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes – incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção. Ou seja, estamos aqui confrontados com a chamada função positiva do caso julgado ( perspectivada no CC de 1867 como conduzindo a uma inclusão do caso julgado entre os meios de prova – arts. 2407, nº4, e 2502º e segs.), mediante a qual a vinculatividade própria do instituto do caso julgado impõe que o objecto da primeira decisão funcione como pressuposto indiscutível da nova decisão de mérito, a proferir na segunda causa, incidente sobre relação jurídica diversa, mas  dependente ou condicionada pela anteriormente apreciada, em termos definitivos, pelo tribunal
  Menos evidente –na sua conexão e analogia substancial com a figura do caso julgado e a essencial vinculatividade que lhe está associada - é o fenómeno do efeito preclusivo, decorrente, desde logo, do funcionamento da previsão normativa constante do art. 489º do CPC, impondo ao demandado o ónus de oportuna e cumulativa dedução de todos os meios de defesa de que considere dispor no confronto da pretensão do autor.
   Este efeito preclusivo – que a doutrina -  Castro Mendes (Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 178 e segs.) - , tende a aproximar e equiparar à vinculatividade própria da figura do caso julgado - implica que certas questões ( particularmente as que se conexionam com os meios de defesa do demandado, ainda que reportados a um contradireito autónomo, por este invocável mediante reconvenção, com o fito de paralisar a pretensão do autor – veja-se o recente Ac. do STJ de10/10/12, proferido no P. 1999/11.7TBGMR.G1.S1, ) apesar de não abordadas e decididas, de modo explícito, no âmbito de certa acção, não possam voltar a ser recolocadas em acções futuras que corram entre as mesmas partes, em termos de afectarem potencialmente o direito já reconhecido com força de caso julgado, em consequência da existência de um ónus de suscitação, no momento próprio, pela parte interessada, não adequadamente cumprido por esta.
   Na concreta situação dos autos, a vertente da figura do caso julgado que está em causa é a relativa à excepção dilatória de caso julgado, envolvendo a definição da identidade objectiva das duas acções sucessivamente propostas entre as mesmas partes: poderá, na específica e particular situação litigiosa, considerar-se que naquelas duas acções se verifica simultaneamente identidade do pedido e da causa de pedir?

6. Ora, perante a especificidade da concreta situação litigiosa, pode, desde já, afirmar-se com segurança que é o mesmo o efeito jurídico pretendido pela sociedade /A. em ambas as acções – ou seja, obter a redução do preço pago como contrapartida da transferência da titularidade das acções da sociedade/ R. prometidas vender, com fundamento numa frustração das expectativas que legitimamente deteria ( assentes no estipulado em contrato promessa, entretanto cumprido e totalmente exaurido com a celebração do contrato definitivo) acerca das potencialidade edificativas do prédio cuja propriedade fora obtida através do negócio ( menores, por via da aprovação camarária, do que a vontade das partes perspectivara como provável).

   Não pode, na realidade, atribuir-se qualquer relevância substancial ao facto de – na segunda acção proposta – a A. começar por formular o pedido de que o tribunal fixasse definitivamente o preço final da compra e venda das acções da sociedade BB, invocando a norma do art. 883º, nº1, do CC. E isto por duas razões evidentes:

- em primeiro lugar, não se verificam obviamente, no caso dos autos, os pressupostos de que depende tal possibilidade de intervenção subsidiária do tribunal para integrar uma ausência dos critérios de determinação do preço, normalmente estipulados pelas partes no contrato: na verdade, o preço ajustado para o contrato prometido era de 191.666.500$00, produto do número de acções prometidas vender pelo valor unitário por acção de 38.333$30, estipulando-se minuciosamente a forma gradual como tal montante iria sendo pago, a título de prestações de antecipação – efectivamente realizadas, com a obtenção pelos promitentes compradores do valor de 166.533.250$00, nas três prestações que chegaram a ser pagas ; não ocorre, pois, qualquer omissão ou indefinição dos critérios substanciais de determinação do preço - o que, aliás, sempre seria dificilmente conciliável com o facto de já ter ocorrido efectivo pagamento e recebimento das quantias pecuniárias que as partes entenderam estar compreendidas nas estipulações contratuais em causa;

- por outro lado, a circunstância de, logo após ter formulado o referido pedido de fixação judicial do preço, a A.–  antecipando-se desde logo e sem precedência de qualquer actividade de determinação ou concretização judicial da contraprestação devida – ter integralmente liquidado e concretizado o montante pecuniário a que se julgava com direito, pelo facto de, por erro desculpável, ter procedido ao pagamento integral do preço antes de estar determinada a efectiva potencialidade edificativa do imóvel, mostra bem que não existia qualquer real indeterminação quanto ao montante da prestação decorrente do negócio, que carecesse de ser suprida através de uma actividade de fixação judicial do montante da contraprestação devida no âmbito do contrato.

   O efeito prático-jurídico pretendido pela A. em ambas as acções é, deste modo, claramente a obtenção de uma redução do preço já efectivamente pago, com base na necessidade de restabelecimento do equilíbrio das prestações que corresponderia à  vontade real dos contraentes – e que ressaltaria e estaria subjacente a determinada cláusula do contrato promessa, já exaurido com a celebração do contrato de compra e venda dos títulos, não incluída no clausulado deste contrato definitivo, ulteriormente celebrado.

Ora, mostrando-se decidido, com força de caso julgado, que não tem cabimento tal pretendida redução do preço, é evidente que este pedido – em que substancialmente se esgota a pretensão da A. em ambos os processos - não pode ser renovado ou reiterado na nova acção proposta após definitivo julgamento da anterior.

7. Resta apreciar se existirá ou não identidade de causa de pedir relativamente aos dois pedidos de redução do preço pago, sucessivamente formulados.
   A questão da identidade da causa de pedir entre a acção já definitivamente julgada e a supervenientemente proposta entre as mesmas partes suscita-se sempre que nesta nova acção ocorre alguma inovação fáctica, configurável, todavia, como insuficiente para se poder afirmar que estamos confrontados com uma inovatória causa petendi.
   Em primeiro lugar – e como é incontroverso - não releva para este efeito uma inovação que apenas se circunscreva ao plano da  qualificação jurídico-normativa do elenco dos factos concretos que, em ambas as acções, integram, sem qualquer alteração ou modificação, a causa de pedir invocada pelo demandante: podendo, na verdade, o juiz operar livremente a qualificação jurídica da factualidade invocada pelas partes como fundamento ou suporte das respectivas pretensões, uma vez que não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito ( art. 664º CPC) , é evidente que as várias possíveis configurações ou qualificações , situadas num plano puramente normativo, dos factos concretos alegados não podem suportar a propositura de uma nova acção, em que se pretendesse inflectir o sentido do julgamento através da construção de uma subsunção
normativa ou enquadramento jurídico desses mesmos factos, diverso do invocado na primeira acção, já definitivamente julgada. É que tais possíveis qualificações ou subsunções jurídicas alternativas de uma mesma factualidade concreta constitutiva, emergentes apenas de uma diversa configuração ou coloração jurídica dos factos essenciais, invocados pelo autor, podiam, todas elas, ter sido conhecidas e apreciadas pelo juiz na primeira causa julgada – que podia perfeitamente ter convolado da qualificação jurídica feita pelo autor para a que tivesse por pertinente e adequada à justa composição do litígio – pelo que terão naturalmente de se ter por irremediavelmente consumidas ou precludidas, ainda que na acção já definitivamente julgada não tivesse sido explicitamente abordada e decidida a questão das possíveis e concorrentes qualificações jurídicas de determinada - e absolutamente  imutável - factualidade concreta.
   Do mesmo modo, é também evidente que não contende com a identidade da causa de pedir invocada em ambas as acções, sucessivamente intentadas, após definitivo julgamento da primeira, a inovação que consistisse em vir agora invocar factos meramente instrumentais ou probatórios, não alegados, nem processualmente adquiridos, na acção já definitivamente julgada: tratando-se, na realidade, de factos desprovidos, no plano jurídico material, de relevância substantiva, por dotados de uma função exclusivamente probatória - visando alcançar, por via indirecta ( particularmente através de presunções naturais ou judiciais, alicerçadas nas regras ou máximas da experiência), a demonstração dos factos, esses sim, substantivamente relevantes para a solução jurídica do pleito e em que se ancoram decisivamente as pretensões das partes – é manifesto que em nada afectam a individualização e substanciação da causa petendi em que aparece estruturada cada uma das acções em confronto.
   Mais delicada é a situação quando entramos no plano dos factos substantivamente relevantes para a apreciação da matéria litigiosa – podendo, no entanto, afirmar-se com segurança que a essencial identidade e individualidade da causa de pedir não é afectada por qualquer alteração ou ampliação factual que não afecte o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as acções.
   Na verdade, nem todos os factos constitutivos, substantivamente relevantes para o preenchimento da (ou das) fattispecie normativas plausivelmente aplicáveis à composição do litígio relevam do mesmo modo para a definição da identidade e individualidade da causa de pedir – podendo, consequentemente, verificar-se alguma mutação -alteração ou ampliação - destes factos constitutivos, continuando, porém, a causa petendi a dever ser normativamente entendida como a mesma e única.
   O problema coloca-se com nitidez quando ambas as acções propostas assentam numa causa de pedir complexa, cujos aspectos estruturantes e fundamentais se mantêm intocados, procurando, porém, a parte vencida repetir a apreciação jurisdicional do litígio através da adição ou mutação de factos que – sendo embora substantivamente relevantes para o preenchimento das fattispecie normativas plausivelmente aplicáveis - implicam, de um ponto de vista funcional ( ou seja: face aos valores, bens jurídicos ou interesses subjacentes às figuras ou institutos jurídicos em função das quais é normativamente recortada ou delimitada a concreta factualidade constitutiva que integra a causa petendi invocada ), uma modificação de elementos factuais meramente secundários, circunstanciais ou acessórios, implicando esta sua peculiar natureza e  menor relevância substancial a conclusão de que , com tal alegação,  não ocorre invocação na nova acção de uma nova e diversa causa petendi.
   Importa, na verdade, para este efeito, distinguir entre o núcleo essencial da causa de pedir – que identifica e individualiza esta, implicando, em princípio, a sua falta o vício da falta ou ininteligibilidade da causa de pedir – e a adição ou modificação de circunstâncias factuais que – não sendo embora meramente instrumentais, por dotadas de relevo exclusivamente probatório – têm, de um ponto de vista normativo, uma função material secundária, não afectando, por isso, a existência, integridade e a essencial identificação e individualização da concreta causa de pedir invocada em cada uma das acções.
    Supomos que a actual distinção, operada pelo art. 264º do CPC, entre os factos essenciais – definidores e concretizadores de um núcleo essencial e individualizador da causa de pedir - e os factos complementares e concretizadores daqueles ( susceptíveis de aquisição processual até um momento tardio, eventualmente no decurso da própria fase de julgamento, nos termos do nº 3 desse preceito legal) poderá lançar , também nesta sede, alguma luz, fornecendo um critério operativo básico para as necessidades práticas de aplicação da figura da excepção de caso julgado: é que a simples inovação no âmbito da nova acção, intentada após definitivo julgamento da primeira, que se traduzir na alegação de factos que se devam qualificar como complementares ou concretizadores, mantendo-se intocado o referido núcleo essencial da causa de pedir, sujeita plenamente o demandante ao típico efeito da invocação da excepção de caso julgado, inibindo o tribunal de reapreciar a matéria litigiosa já julgada ; ou seja, não é possível ao autor suprir o deficiente cumprimento do ónus de alegação que sobre ele recaia quanto a toda a factualidade constitutiva do seu direito ( e que não conseguiu cumprir, apesar da actual e ampla flexibilização consentida pelo nº3 do art. 264º do CPC) através de uma ampliação factual operada apenas em nova acção que continuasse a estar estruturada num núcleo fáctico essencial que permaneça imutável.
             8. Procurando transpor estas considerações gerais para a especificidade do caso dos autos, começaremos por notar que a factualidade invocada na acção que foi primeiramente intentada e que culminou em decisão transitada em julgado parece configurar-se como perfeitamente idêntica à alegada nesta segunda acção.
   Na verdade, a substância do litígio assenta precisa e integralmente nos mesmos factos concretos: ter sido celebrado determinado contrato promessa de compra e venda de acções, cuja contraprestação assentava, na pressuposição das partes ( inferível de certa cláusula de correcção do preço estipulado, convencionada no âmbito do contrato promessa), nas potencialidades edificativas de certo imóvel, decorrentes da extensão da aprovação camarária de determinado projecto imobiliário em curso – pretendendo o promitente comprador ver restabelecido o equilíbrio patrimonial do negócio através da  redução do valor da contraprestação que já pagara, no momento da consolidação do contrato definitivo, por ter visto frustradas as expectativas que depositara na dita potencialidade edificativa ( reduzida pela autarquia, através da deliberação definitiva tomada quanto ao âmbito possível da operação de urbanização em causa).
   Note-se que o fundamento normativo da primeira acção padecia de alguma inconsistência, pela circunstância de a parte invocar como fundamento da redução do preço uma cláusula que havia constado do contrato promessa, já totalmente exaurido em consequência da celebração do contrato definitivo ( no qual não figurava qualquer cláusula de correcção do preço pago ou a pagar, em consequência do definitivo apuramento das potencialidades edificativas reais do prédio em questão).     E é esta inconsistência no plano da construção jurídica da primeira acção – que acabou por determinar decisivamente a improcedência do pedido inicialmente formulado – que aparece, até certo ponto, suprida na presente acção através do apelo à figura do enriquecimento sem causa : na verdade, sendo impossível fundar a pretendida redução do preço pago no funcionamento de determinada cláusula contratual ( já que a convencionada pelas partes figurara apenas em contrato promessa que, entretanto, por exaurido com a celebração do contrato definitivo, deixara de ter existência jurídica actual, não constando, por outro lado, qualquer cláusula de correcção de preço no contrato definitivo de compra e venda que passou a subsistir entre as partes) só poderia tal pretensão de restituição encontrar a sua base normativa em fonte extracontratual – nomeadamente no agora invocado enriquecimento sem causa, decorrente da alegada divergência entre o valor da contraprestação paga e a intencionalidade real e as expectativas das partes sobre a potencialidade edificativa do imóvel.
   Ora, sendo – como é – inteiramente idêntico o substrato factual das duas acções, o que se altera é apenas a qualificação jurídica dessa factualidade, que permanece perfeitamente imutável – perspectivando-se – aliás, de modo inconsistente - o fundamento normativo da primeira acção em sede de cumprimento do clausulado no contrato promessa ( olvidando-se que este estava inapelavelmente exaurido com a celebração do contrato definitivo); ao passo que –  procurando corrigir-se agora tal inconsistência na coloração ou enquadramento jurídico da mesma realidade factual concreta – se procura fundar o direito à restituição do excesso do preço pago, decorrente da alegada frustração de expectativas quanto à potencialidade edificativa do projecto imobiliário em curso, nas normas reguladoras do instituto do enriquecimento sem causa.
   Porém, esta situação não reflecte uma dualidade de causas de pedir, susceptível de legitimar a renovação ou reiteração de pretensão referente ao mesmo efeito prático-jurídico pretendido pelo autor: como atrás se salientou, no nosso sistema, a causa de pedir , embora normativamente recortada ou delimitada em função da fattispecie das normas plausivelmente convocáveis para a dirimição do caso, é sempre integrada por factos ou concretas realidades da vida, não traduzindo seguramente dualidade ou diversidade de causas de pedir a simples subsunção normativa a institutos jurídicos diferentes de uma realidade factual cujo núcleo essencial permanece imutável.
   E esta conclusão é inteiramente confirmada com o que se passou no âmbito do recurso de revista interposto naquela primeira acção – em que a recorrente veio sustentar que existiria uma situação de enriquecimento sem causa, decidindo o STJ, no acórdão em que negou provimento ao recurso, que carece de fundamento a alegação da recorrente  no sentido da existência de um enriquecimento sem causa.


   Não podendo, na verdade, admitir-se que o Exmo mandatário da entidade recorrente pretendesse alterar unilateralmente, em termos inovatórios, no âmbito de um recurso de revista, a causa de pedir em que estruturara a acção, tal alegação só pode ter o sentido de, através dela, se pretender colocar à apreciação do STJ uma possível convolação quanto aos fundamentos estritamente normativos em que assentara, até aí, a acção proposta, sugerindo-se uma reconfiguração ou qualificação jurídica diversa da factualidade essencial que integrava ( e continuava naturalmente a integrar) a causa petendi – já que só esta possível alteração da subsunção jurídica seria concebível no âmbito de um recurso de revista, circunscrito à dirimição de questões de direito.
   E foi esta pretendida alteração da subsunção ou qualificação jurídica que o STJ dirimiu no acórdão que proferiu, entendendo que a mesma se não justificava – não podendo seguramente qualificar-se como irrelevante obter dictum o segmento de um aresto em que o Tribunal ad quem se pronuncia precisamente sobre questão expressamente suscitada pelo recorrente na sua alegação.
   Ficou, pois, assente, em consequência de expressa pronúncia jurisdicional, que os factos que integravam a acção proposta não eram subsumíveis ao instituto do enriquecimento sem causa, pelo que não pode naturalmente esta questão ser recolocada novamente à apreciação do Tribunal, numa nova acção.
    Importa, por outro lado, realçar que a situação dos presentes autos é , no nosso entendimento, perfeitamente diversa da subjacente ao invocado acórdão de 18/5/06, proferido pelo STJ no P. 06A1157, em que se decidiu que:
Tendo a A. peticionado numa outra acção uma indemnização contra a ora R. com base no incumprimento defeituoso do contrato de empreitada que ambas celebraram, e tendo esta sido julgada improcedente porque não foi respeitado o iter legal respeitante à invocação de defeitos no âmbito de tal contrato, não ofende o julgado anterior a propositura de uma outra acção com base em factos integradores do instituto do enriquecimento sem causa.
Com efeito, se uma acção for julgada improcedente há que distinguir: a causa de pedir só será considerada a mesma se o núcleo essencial dos factos integradores da previsão das várias normas concorrentes tiver sido alegado no primeiro processo; não o sendo assim, só terá constituído causa de pedir a respeitante à norma ou normas identificadas, sendo admissível acção em que se aleguem os elementos em falta.

   Saliente-se que, neste caso, a primeira acção, julgada improcedente, se havia fundado no incumprimento do contrato de empreitada celebrado entre as partes, sem que, todavia, o dono da obra tivesse seguido o iter legalmente imposto, ao passo que na segunda acção – em que se discutia a verificação da excepção de caso julgado – se invocava como fundamento da pretensão formulada, já não o incumprimento ou cumprimento defeituoso da empreitada, mas antes a desistência unilateral da empreitada pelo dono da obra e o enriquecimento injustificado do empreiteiro com a poupança das despesas que deveria ter realizado para reparar os defeitos que havia deixado nas obras que efectuou.
   Ora, neste peculiar circunstancialismo, há uma efectiva alteração do núcleo essencial da matéria de facto concretamente invocada numa e noutra das acções, que assentam na construção de vias jurídicas autónomas alternativas – e até certo ponto inconciliáveis – para obter , como efeito prático-jurídico, a restituição de certa quantia pecuniária : num caso, o incumprimento culposo do contrato, invocado como existente e vinculativo para as partes; no outro, a ocorrência de um acto unilateral de extinção dessa mesma relação contratual, gerando um injustificado enriquecimento do contraente que acabou por ficar dispensado de suportar as despesas de reparação dos defeitos da obra que havia realizado. Ou seja: a segunda acção assenta aqui num elemento factual estruturalmente novo – a extinção unilateral do contrato de empreitada por iniciativa do dono da obra – que naturalmente não integrava a causa petendi da primeira acção proposta, decisivamente assente na invocação de um incumprimento contratual reportado a uma relação contratual subsistente e vinculativa das partes.

   E daí que se pudesse afirmar seguramente – como o faz o aresto citado – que a causa de pedir só será considerada a mesma se o núcleo essencial dos factos
integradores da previsão das várias normas concorrentes tiver sido alegado no primeiro processo. Na verdade, no caso em apreciação nesse acórdão era manifesto que – não tendo sido invocado como elemento da causa de pedir em que se estruturara a primeira acção, já definitivamente julgada, o facto principal ou essencial da desistência unilateral do contrato de empreitada, (obviamente inconciliável com a via jurídica do incumprimento contratual em que se estribara a pretensão indemnizatória formulada) – nada obstava a que se viesse ulteriormente a formular um pedido de restituição, fundado no enriquecimento sem causa, decisivamente assente nesse novo núcleo factual essencial da extinção do contrato de empreitada por iniciativa do dono da obra.

   Nada disto se verifica, no nosso entendimento, no caso em apreciação, em que o substrato factual de ambas as acções é exactamente idêntico, radicando a única diferença entre ambas no modo como – de um ponto de vista estritamente normativo, situado exclusivamente no plano da subsunção ou qualificação jurídica desses mesmos factos imutáveis – se procede ao respectivo enquadramento jurídico – reportando-o, na primeira acção, à pretensa actuação de uma cláusula de correcção do preço, inserida em contrato promessa já exaurido; e, na segunda acção, corrigindo tal incongruência no campo da fundamentação jurídica, ao plano extracontratual do enriquecimento sem causa ( aliás, já abordado e decidido, embora de forma lacónica, no âmbito do recurso de revista interposto).E, nesta perspectiva, é evidente que a decisão que, nestas circunstâncias, teve por verificada a excepção dilatória de caso julgado não afrontou qualquer norma processual ou princípio constitucional.


   9. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento ao agravo.
    Custas pela recorrente.

Lisboa, 24 de Abril de 2013


Lopes do Rego (Relator)
Orlando Afonso
Távora Victor

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[1] No entanto – e citamos o mesmo autor – importa sempre olhar para a unidade ou diversidade do efeito jurídico pretendido, fazendo-o à luz das concretas ocorrências da vida real; se várias qualificações confluem em vários – e autónomos – efeitos jurídicos, vários são os direitos afirmados na ação; "se tais direitos são dirigidos pela lei para um único efeito jurídico, único é também o direito ou posição que se pretende fazer valer, havendo assim identidade de causas", isto é, "vários factos constitutivos podem estar, porém, na génese de um único direito ou posição jurídica subjetiva" (cit., pág. 380).